Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
:••' % M Edward HalkH Carr ens Tradução: Luiz Alberto Figueiredo Machado \ Pasta «W- ™Pte) -p- | ^'L"v' 119338608 Mpra Universidade deBrasília U G- o(p Sd\ Capítulo I O Começo de uma Ciência A ciência da política internacional está em sua infância. Até 1914, a condução das relações internacionais era preocupação das pessoas profissionalmente engajadas nela. Nos países democráticos, a política internacional sempre foi vistacomo fora do campo de ação dos partidos políticos; e os órgãos parlamentares não se sentiam competentes para exercitarem um controle cuidadoso sobre as misteriosas operações das chancelarias. Na Grã-Bretanha, a opinião pública prontamente levantava-se se ocorresse uma guerra em qualquer região tradicionalmente vista como dentro da esfera do interesse britânico, ou se a esquadra inglesa momentaneamente deixasse de possuir aquela margem de superioridade sobre possíveis rivais que fossem, então, consideradas essenciais. Na Europa condnental, o alistamento militar e o medo crônico de invasão estrangeira haviam criado uma conscientização popular dos problemas iniernacionais mais ampla e conünua. Mas esta conscientização encontrou expressão principalmente no jjiovimrnto operário que, de tempos cm tempos, publicava resoluções um tanto acadêmicas contra a guerra.JVConstituição dos Estados Unidos da América continha a rara prescrição de que tratados deveriam ser concluídos pelo Presidente "pelo e com o conselho e consentimento do Senado . Entretanto, as relações exterioresdos Estados Unidos pareciam muito paroquiais para atribuírem alguma significação maior aesta^execção) Os aspectos mais pitorescos dadiplomacia possuíam certovalorcomonoticiai TAasem lugaralgum, sejacm universidades ou em círculos intelectuais mais amplos, havia um estudo organizado das questões internacionais correntes. A guerra ainda era vista principalmente como negócio de soldados; e_p corolário disto era que a poliüca internacional tratava-se de negóciode diplomatas. Não haviaum desejogeralde retirar a conduçãodos assuntos internacio nais das mãos dos profissionais, nem mesmo de prestaratençãosériae sistemáticaao que eles estavam fazendo. A guerra de 1914-18 pôs um fim na opinião de que a guerra é um assunto que afeta unicamente soldados profissionajs e. fazendo isto, dissipou a impressão correspondentede que a política internacional podiaserdeixadacom segurançanas mãos dos diplomatas profissionais. A campanha pela popu1arização da política. internacional começou, nos,paísES de língua inglesa, sob a forma de uma agitação -. •o.' **QC^ :^ 16 ^ /> contra tratados secretos, que foram atacados, sem provas .suficientes, como uma das causas da guerra. Aculpa pelos tratados secretos deveria ter sido imputada, não à imoralidade dos governos, mas à indiferença dos povos. Todos sabiam que tais tratados eram celebrados. Mas, antes da guerra de 1914, poucas pessoas seniiram alguma curiosidade acerca deles ouachou-os condenáveis'. Aagitação contra eles foi, contudo, um fato de imensa importância. Foi o primeiro sintoma da demanda pela popularização da política internacional, e anunciou o nascimento de uma nova ciência. Objetivo e Análise em Ciência Política A ciência da política internacional, portanto, surgiu em resposta a uma demanda popular. Foi criadaparaservira um objetivoc, nesteponto, seguiuo padrãode outras ciências. Àprimeira vista, este padrão podeparecer ilógico. Nosso primeiro trabalho è coletar, classificar e analisar nossos fatos, e deles tirarmos nossas inferências; e estaremos, então, prontos a investigar o objetivo a que nossos fatos e deduções podem ser relacionados. Os processos da mente humana, contudo, não parecem desenvolver-se nesta ordem lógica. A mente humana trabalha, por assim dizer, na ordem inversa. O objetivo, que seguirialogicamentea análise, è necessário para dar- lhe o impulso e direção iniciais. "Se a sociedade tem uma necessidade técnica", escreveu Engels, "istoservecomoimpulsomaiorao progresso daciência do que dez universidades"2. O mais antigo livro didático de geometria existente "ensina um conjunto de regras práticasdestinadasa resolveremproblemas concretos: 'regra para medir um pomar circular'; 'regra para projetar um campo'; 'cômputo da ração consumida por gansosegado"'-*. Arazão, diz Kant, devepesquisara natureza"não... como um aluno, que presta atenção a tudo o que seu mestre decidir contar-lhe, mas como umjuiz, que obriga a testemunha a respondêr-lhe todas as perguntas que ele mesmo ache apropriadas a seu fira"*. "Não podemos estudar nem mesmo estrelas, rochas ou átomos",escreve umsociólogo moderno,"sem estarmos dealgumaforma condicionados pelos interesses humanos diretos, seja em nossas formas de sistemati- zação, na proeminência dada a uma ou outra parte do nosso assunto, ou na forma das perguntas que fazemos e tentamos responder"^. Eo objetivo de dar saúdeque criaa ciência médica, e o objetivo de construir pontes que cria a ciência da engenharia. O desejo de curar as doenças do corpo político deu impulso e inspiração à ciência política^ Objetivo, estejamos cônscios disto ou não, é unia condição para o Vinte Anos de Crise: 1919-1939 1. Um recente historiadorda Aliança Franco Russa, lendo registrado o protestode uns poucosradicais Iranccscs contrao segredo que envolvia a transação, Continua: "Parlamento e opinião pública toleraram este completo silencio, c comentaram-se em permanecerem cm absoluta ignorância acerca das determinações ealcance doacordo"(Michon,L'AllianceFraiKo-Russe,pág. 75). Em1898, naCãmarados Deputados, Hanotaux foi aplaudido por declarar ser a revelação dos seus termos "absolutamente impossível" (ibidem, pàg. 82). 2. Apud Sydncy Hook, Towards tlie Understanding of Karl Marx, pàg. 279. 3. J. RuefT, Krom the Physical to tlie Social Sciences (trad. ingl.) pàg. 27. •1. Kant, Critiqueol*Pure Reason (ed. Everyman), pàg. 11. 5. Maclver, Commtmity, pâg. 5G. . A Ciência da Política Internacional 17 pensamento; e pensar pelo prazer de pensar é tão anormal quanto aacumulação de 'dinheiro feita, pelo usurano peto prazer que isto lhe dáT^T) rifiscio t Q pai do_ pensamento" é uma descrição perfeitamente exata da origem do pensamento humano normal. Se isto éválido para as ciências físicas, éválido para aciência política num sentido muito mais íntimo. Nasciências físicas, a distinção entre a investigação dos fatos e o objetivo a que esses fatos se ligam não só é teoricamente válida, mas também constantemente observada na prática. O.pesquisador dê Inhnrarório. dedicado a investigar ascausas do câncer, podeter sidooriginalmente inspirado pelo propósito deerradicar a doença. Mas este propósito é,emseu sentido mais estrito, irrelevante e separável dapesquisa. Suas conclusões podem limitar-se a um relatório verídico dos fatos. Fie não pode, tornar os fatos diferentes do que são; pois os fatos existem independentemente do quese pense deles. Nas ciências políticas, quelidam com o. comportamento humano, não existem tais fatos. O pesquisador inspira-se nodesejo de curaralgum mal docorpo político. Entreascausas do problema, elediagnostica o fato dequeseres humanos normalmente reagem acertas condições decerta maneira. Mas este nãoé um fato comparável ao fato de queo corpo humano reage de certa forma acertas drogas. Éumfato quepode sermudado pelo desejo demudá-lo; eeste desejo, já presente namente do pesquisador, pode serestendido, como resultado de sua investigação, a um suficiente número deseres humanos que o tornem efeüvo. O objeuvo nãoé,como nas ciências físicas, irrelevante à investigação eseparável dela: è. ele próprio, um dos faros. Em teoria, pode-se, sem dúvida, continuara estabelecer disünção entreo papel do pesquisador que estabelece os fatos, e o papel do prático que se ocupa em traçar o curso certo da ação. Na prática, um papel interpenetra-se imperceptivelmente com o outro. Objetivo e análise tornam-se partes e parcelas de um único processo. Alguns exemplos ilustrarão este ponto. Marx, quando escreveu "O Capital", inspirou-se no objetivo de destruiro sistema capitalista, da mesma forma que o investigador das causas do câncer se inspira noobjetivo deerradicar o câncer. Mas os fatos sobre o capitalismo não são, como os fatos sobre o câncer, independentes da atitude do povo com relação aeles. Aanálise de Marx buscou alterar, edefato alterou, estaatitude. No processo deanalisar osfatos, Marx alterou-os. Tentar distinguir entre Marx o cientistae Marxo propagandista è um preciosismo inútil. Osespecialistas em finanças, quenoverão de1932 aconselharam ogoverno britânico dequeerapossível converter o Empréstimo de Guerra de5 por cento a umataxa de 3,5 por cento, sem dúvida basearam seu conselho na análise de certos fatos; mas o fato de terem dado esteconselhofoi um dos fatos que, levados aoconhecimento do mundo financeiro, tornaram a operação bem-sucedida. Análise e objetivo estavam inextricavelmeine mesclados. Entretanto, tampouco é somente o pensamento do profissional, ou do estudante qualificado de política, que constitui um fato político. Qualquer uni quê - leia colunas políticas deum jornal, ouqueparticipe dereuniões políticas, oudiscuta OjÇ política com seu vizinho, é decenaforma umestudante de política; e a opinião que ^ y 4 ?• 9' ^~J 4¥ 18 Vinte Anos de Crise: 5519-1939 forme torna-se (especialmente, mas não exclusivamente, nos países democráticos) um fator no curso dos eventos políticos. Logo, um revisor poderia, concebivclmente, criticar este livro em termos, não de que seja falso, mas de que seja inoportuno; cesta critica, justificada ou não, seria inteligível, enquanto quea mesma critica a um livro sobre as causas do câncer seria sem sentido. Todo julgamento político ajuda a modifirarns l^saqueserefert^-Q-pw^wi£iuio pnlitirpó, elemesino, uma fonnadç. ação política. Aciência política não c apenas a ciência doque c, mas doque deveria. ser. 0 Papel da Utopia Se, portanto, o objetivo precede e condiciona o pensamento, não é surpresa descobrir que, quando a mente humana começa a exercitar-se em algum campo 0 novo, ocorre um estágio inicial em que o elemento do desejo ou objetivo é Z* r\ extremamente forte, e a inclinação para a análise de fatos ou de meios é fraca ou ' U inexistente. Hobhose aponta como característica dos "povos mais primitivos" que "a ^~ o* prova da verdade de uma idéia não esteja ainda separada da qualidade que atorna íp Ò agradável"**. O mesmo pareceria extremamente verdadeiro acerca do estágio ^ £_agradai primitivo, ou"utópico", das ciências políticas. Durante este estágio, os pesquisadores .prestarão pouca atenção aos "faios" existentes ou à análise de causa e efeito, mas devotar-se-ão integralmente à elaboração de projetos visionários paraa consecução dos fins que têm cm vista- projetos cuja simplicidade eperfeição lhes garantem uma atração fácil e universal. E_somente quando esses projetos se desmoronam, edesejo e objetivo mostram-se incapazes de. por si sós, atingirem o fim desejado, que os Pesquisadores relutantemente pedirão auxilioàanálise, eo estudo,emergindo de seu períodoinfantil ç utópico, estabelecerá seudireitodeservisto comociência. "Pode-se dizer quea sociologia", ressalta o Professor Ginsbcrg, "surgiu como forma de ação contra largas generalizações não apoiadas em pesquisa indutiva detalhada"?. Não seria fantasioso encontrar umailustração desta regra mesmo no domínio da ^ciência física. Durante a Idade Média, o ouro era reconhecidocomo meio de troca. Entretanto, as relações econômicas não estavam suficientemente desenvolvidas a ponto derequererem mais doque uma quantidade limitada detal meio. Quando as novas condições econômicas dosséculos quatorze equinzeintroduziram umsistema de transações monetárias largamente difundido, e a oferta de ouro tornou-se inadequada para este fim, os sábios da época começaram a experimentar a possibilidade de transmutar metair. comuns em ouro. O pensamento do alquimista desenvolveu-se puramente visando um objetivo. Ele não parou para pensar se as propriedades do chumbo eram tais que permitissem sua transformação em ouro. Presumiu que o fim eraabsoluto (ou seja, queo ouro teria deser produzido), e que O f>- L. T. Hobhosr, Drvrlopment and Puipose. pàg. 100. 7. M, Ginsbrrg, Sotiology, pàg. 25. ,>' A Ciência da Política Internacional \9. meios e materiais teriam de seadaptar, de algum modo, a isto. Foi somentequando este projeto visionário falhou que os pesquisadores foram obrigados a aplicar seu pensamento aoexame dos "latos", isto é,à natureza damatéria; e, embora oobjetivo inicialdeconseguir ourode chumbo esteja tãodistante quantosempre esteve de~5Tia realização, a ciência física moderna tem evoluído a partir desta inspiração primitiva. 4 # Q o V o « '-? i Outros exemplos podem ser tirados de campos ligados mais de perto ao nosso assunto. Foi nos séculos quinto e quarto a.C. que surgiram as primeirasjejuauvas .sérias., registradas decriar uma ciência dapolítica. Essas tentativas foram feitas independen temente na China e na Grécia. Mas nem Confúcio nem Platãoi emboraestivessem, evidentemente, profundamente influenciados pelas instituições políticas sob as quais viveram, tentaram realmente analisar a natureza dessasinstituições, ou procuraram sublinhar as causasdos malesque deploravam. Como os alquimistas, contentaram- se cm advogar soluções altamente imaginativas, cuja relação-com os fatos existentes era de negação absoluta». Anova ordem política que propunham era tão diferente de qualquer coisa a seu redor quanto ouro de chumbo. Foi o produto, não da análise, mas da aspiração. No século dezoito, o comércio na Europa ocidental tornou-se tão importante, que as restrições a ele impostas pela autoridade governamental, ejustificadas pela teoriamercantilista, constitui ram-se cm obstáculos. Oprotestocontraessas restrições assumiu a forma de uma visão desejada de um comércio universal livre; c, partindo dessa visão, osfisiocratas naFrança, eAdam Smith naGrã-Bretanha, criaram aciência da economia política. A nova ciência baseou-se p_rin^ramentg_na negação da realidade existente, e cm certas generalizações artificiais e não verificadas sobre o comportamento de um hipotético homem econômico. Na prática, alcançou alguns resultados altamente significativos e úteis. Mas a teoria econômica manteve durante muito tempo seu caráter utópico; caté hoje, alguns "economistas clássicos" insistem em encarar o comércio universal livre- uma situação imaginária quejamaisexistiu - como postulado normal da ciência econômica, c toda arealidade como um desvio desse protótipo utópico9. / 8. "Platão o Plotino, Morus e Cnmpanclla, construíram suas sociedades irreais com os materiais que tinham sido omitidos na criação das comunidades reais, devido aos defeitos nos quais eles se inspiraram. A República, AUtopia cACidade do Sol foram protestos contra um estado He coisas, que aexperiência de seus autores ensinou-os a condenar" (Acton. Hisiory ofFrcedoni, p. 270). 9. "Aeconomia política liberal foi um dos melhores exemplos deutopias quese podem citar, lmaginou- sc umasociedade ondetudoseria reduzido a tipos comerciais, soba lei da mais livre concorrência: hojese reconhece que esta sociedade ideal seria tâo dificilmente realizável quanto adePlatão" (Sorel. Réílexions snrIa Violence. pag. 47). Compare com aconhecida defesa do Professor Rnbbins daeconomia dolaissez- laire: "Aidéia dacoordenação daatividade humana através deumsistema deregrns impessoais, dentro do qual quaisquer relações cspontAneas conduziriam aobeneficio mútuo, é uma concepção pelo menos tio í "•íVV" • .o. cV '20 Vinte Anos de Crise: 1919-1939 Nos primeiros anos do século dezenove, a revolução industrial criou um novo problema social para o pensamento humano na Europa ocidental.Os pioneiros que primeirolançaram-se aoataquedo problema foram oshomensaquém aposteridade atribuiu o nome de "socialistas utópicos": Saint-Simon e Fourier na Fiança, Robert Owen na Inglaterra. Esses homens não tentaram analisar a natureza dos interesses de classe, ou das consciências de classe, ou mesmo dos conflitos de classes que estes causaram.Simplesmenteelaboraram suposições não verificadas sobre o comporta mento humano e, sob influência delas, criaram esquemas visionários de comunida des ideais, nas quais homens de todas as classes iriam viver juntos em amizade, dividindo os frutos de seu trabalho na proporção de suas necessidades. Para todos eles, como Engels acentuou, "socialismo é a expressão da verdade, razão e justiça absolutas, e basta ser descoberto para conquistar todo o mundo, em virtude de seu próprio poder"10. Os socialistas utópicos desenvolveram um trabalho valioso ao tornarem os homens conscienies dn problema ff^ nprpssiHarlefleenfr'°''"A-|r' Masa solução proposta por eles não temconexão lógica com as condições que criaramo problema, jjma vez mais, foi o produto, não da análise, mas da aspiração. Esquemas elaborados com este espírito, evidentemente, não funcionarão. Da mesma forma que ninguém jamais conseguiu fabricar ouro num laboratório, ninguém jamais conseguiu viver numa república de Platão, ou num mundo de mercado universal livre, ou numa comunidade cooperativa de Fourier. Mas è, contudo, perfeitamente correto venerar Confúcio e Platão como fundadores da ciênciapolítica,AdamSmithcomo fundador da economiapolítica, e Fouriere Owen como fundadores do socialismo. O estágio inicial de aspiração, tendo em vista um fim, è um íundamento essencial do pensamento humano. O desejo é o pai rln pensamento. A teleologia precede a análise. O aspecto teleológico da ciência da política internacional tem estado evidente desde o principio. Surgiu deuma grande e desastrosa gurrra; eoobjetivo mestre que inspirou os pioneiros danova ciência foi o deevitar a recidiva desta doença docorpo políticointernacional.O desejo passionalde evitara guerra determinou todo o curso e direção iniciais do estudo. Como outras ciências na infância, a ciência da política internacional tem sido marcadamente e francamente utópica. Ela se encontra no estágio inicial, noqualqdesejoprevalece sobreo pensamento, a generalização sobre a .observação, e poucas tentativas são efetuadas de uma análise critica dos fatos existentes e dos meios disponíveis. Neste estágio, a atenção está concentrada quase sutil, tão ambiciosa, quanto a concepção de prescrever-se cada ação, ou cada tipo de ação. por uma autoridade planejadora central; eisto, provavelmente, também nào se encontra em harmonia com oque requer uma sociedade espiritualmente sã" (Economic Planning and International Order, pag. 229). Seria igualmente verdadeiro, t provavelmente igualmente útil, dizer que aconstituição da República dePlatão fc pelo menos tio sutil, ambiciosa edentro dos requerimentos espirituais, quanto adequalquer Estado que já tenha existido. 10. Engels, Socialism, Utopian and Scicmifíc (ttad. ingl.) pàg. 26. /<) a/a cA^ar^ &-« eu a -*i •^ A Ciência da Política Internacional 21 exclusivamente no fim a seralcançado. O fim tem parecido tão importante, que a análise crítica dos meios propostos tem sido freqüentemente classiticaaa_ ne_ destrutiva einútil. Quando oPresidente Wilson, acaminho da Conferência de raz, loi_ perguntado por alguns assessores se pensava que seu plano da Liga das Nações_ funcionaria, ^^ã^Eflàsm^^Sê^M^^^r^^^oê favê-ln fimno- nar" \]. Oadvogado de um plano para uma força de polícia internacional, ou para a '""segurança coletiva", ou de algum outro projeto para uma ordem internacional, geralmente responde àcrítica, não com um argumento destinado amostrar como e por que ele pensa que seu plano funcionaria, mas sim ou com uma declaração de que ele tem de ser posto a funcionar porque as conseqüências de sua ausência de funcionamento seriam desastrosas, ou com a demanda por alguma panacéia alternativa*2. Este deve ter sido oespírito da resposta que oalquimista ou osocialista utópico devem ter dado ao cético que questionou que ouro pudesse surgir de chumbo, ou que ohomem pudesse viver em comunidades-modelo. Opensamento não tem recebido seu devido valor. Muito do que foi dito e escrito sobre política internacional entre 1919 e 1939 merece a critica aplicada cm outro contexto pelo economista Marshall, que compara "a nervosa irresponsabilidade que concebe esquemas utópicos ligeiros" com a "facilidade corajosa do jogador Iraco, que resolverá rapidamente omais difícil problema de xadrez atribuindo-se os movimjy_ X. tos das negras, assim como os das brancas"'3. Como atenuante dessa Ialha intelectual, pode-se dizer que, durante os primeiros anos desta fase, as peças negras da política internacional estavam nas mãos de jogadores tão fracos que as dificulda des reais do jogo não estavam muito patentes, mesmo para ainteligência mais aguda.;., O curso dos acontecimentos após 1931 revelou claramente a inadequação da . aspiração pura como base de uma ciência da política internacional, etornou possível, .< pela primeira vez, desencadear- um sério raciocínio critico ganalítico sobre os <• problemas internacionais. ^ N O Impacto do Realismo Nenhuma ciência merece tal nome até que tenha adquirido humildade suficiente para não se considerar onipotente, epara distinguir aanálise do que è, da aspiração do que deveria ser. Porque nas ciências políticas esta distinção jamais pode ser absoluta, algumas pessoas pretendem retirar delas odireito ao titulo de ciências. Nas ciências físicas como nas políticas, logo se atinge um ponto onde oestágio inicial do desejo deve ceder lugar aum estágio de análise dura eimpiedosa. Adiferença reside no fato de quças ciências políticas nunca podem emancipar-se totalmente da utopia, CK 9 1 -D t < 6 i %$ sí 11. R. S. Baker. Woodrow Wilson and World Scttlcment. pág. 93. \f* v \ 12. "Há uma velha e conhecida estória sobre o homem que, durante o terremoto de Lisboa de 1775, andava de um lado a nutro vendendo pílulas amiierremoio; mas um incidente éesquecido- quando alguém apontou ofato de que as pílulas provavelmente seriam inúteis, ovendedor replicou: 'Mas 0W*. você usaria cm seu lugar?"' (L. B. Namier, In the Margin oi" History, pág. 20). .1 *. C<^A 0 13. Economic Journal (1907), XVII, pág. 9. A> i • ••.• Vinte Anos de Crise: 1919-1939 e que o cientista político é mais suscetível de permanecer num estágio inicial mais longo que o cientista físico, durante a fase utópica de desenvolvimento. Isto ê perfeitamente natural. Poisenquanto a transmutação de chumbo em ouro não ficaria mais próximasetodo o mundo apaixonadamente adesejasse, é inegável quese todos realmente desejassem um "Estado mundial" ou "segurança coletiva" (e tendo uma interpretação idêntica destes termos), estes seriam facilmente alcançados; e o estudante da política internacional pode ser perdoado se começa a supor que sua tarefa consiste em fazer com que todos desejem isto.^Ele leva algum tempo até perceber que nenhum processo pode ser desenvolvido por este caminho, e que nenhuma utopia política alcançará mesmo o mais limitado sucesso, a mpnos que nasça da realidade política. Tendo feito esta descoberta, ele dedicar-sc-á àquela incansável análise da realidade que é o traço primordial da ciência: e um dos fatos cujas causas terá de analisar é Q_dg_çjujLj2aui^5_p£Ssr2as realmente desejam um "Estado mundial" ou "segurança coletiva", e as que pensam que desejam, conceituam estas coisas de forma diferente e incompatível. Ele terá, por fim,., alcançado um estágio em que o objetivo, por si só, revela-se estéril, c a análise da realidade impõe-se a ele como um ingrediente essencial de seu estudo. O impacto do raciocínio sobre o desejo, que, no desenvolvimento de uma ciência, segue-se ao colapso de seus primeiros projetos visionários, e marca o fim de seu período especificamente utópico, é normalmente chamado de realismo. Repre sentando unia reação contra os sonhos volitivos do estágio inicial, o realismo é sujeito a assumir um aspecto critico c, de certo modo, cínico. No campo do pensamento, coloca sua ênfase na aceitação dos fatos e na análise de suas causas e conseqüências. Tende a depreciar o papel do objetivo, e a sustentai-, explíticaou implicitamente, que a função do pensamentoé estudaraseqüênciados eventos que ele não temo poderde influenciar ou alterar. No campo da ação, o realismo tende a enfatizar o poder irresistível das torças existentes e o caráter inevitável das tendências existentes, c a insistir em que a mais alta sabedoria reside cm aceitar essas forças e tendências, e adaptar-se a elas. Tal atitude, embora defendida em nome do pensamento "objeti vo", pode provavelmente ser levada a um extremo em que resulte a esterilização do pensamento e a negação da ação ..Mas há um estágio em que o realismo é o corretivo necessário da exuberância da utopia, assim como cm outros períodos a utopia foi invocada para contra-atacar a esterilidade do realismo. O pensamento imaturo ê predominantemente utópico e busca um objetivo. O pensamento que rejeita o objetivo como um todo é o pensamento da velhice.O pensamento maduro combina objetivo comobservação eanálise. Utopia erealidade sâo^ponanto, asduas facetas da ciência política. Pensamento político e vida política .sensatos serãoencontrados onde ambos tiverem seu lugar. i O \j \ A ° 0 f^U^y^ 3 ! , n*UÚ ^â TO**"8 tf /• f « ° V oP^ - j- y*y o IA 3-! QjJ» U^ sÇ> •h '-> J t 0 0 Jitj <V d o &o J* t/ s> *s-» W c^D p Edward HaííeH Carr 'ensamento Tradução: Luiz Alberto Figueiredo Machado \ Pesía r»:'„^ „ Có;;;a:-| Pro?~Pi&£>&Uc^.J^^ /] Disc.:iUÊá^fB^/K^..^W I Data: / / _Visto: | 119838608 O ^Q E^/fora Universidade deBrasília -- >-.t ... -;..«>• .-•.(>., ...... • • Capítulo VI As Limitações do Realismo __Q desmascaramento, pela critica realista, da fragilidade do edifício utópico c a primc^ã\are(a_do pensador político, ésomente quando asimulação for demolida, o1u^poderá-haA'£r-alguma^spcrança de erigir-se uma estrutura mais sólida-em-seu—. lugar. Mas não podemos, como medida final, encontrar um lugar de descanso no __ realismo puro; poisorealismo, embora logicamente esmagador, nã£nosdáas_fontês7 de açãóquc são necessáriasaté mesmo para o prosseguimento do pensamento. Com efeito, o próprio realismo, se oatacarmos com suas próprias armas, freqüentemente se revela, na prática, como tão condicionado quanto qualquer outra forma de pensamento. Na politiça^a crença de que certos fatos sejam inalteráveis, ou certas^ tendências irresistíveis, normalmente reflete uma faltade desejo, ou de interesse, em mudá-los ou resistir a eles. A impossibilidade de se ser um realista congruente e completo é uma das mais corretas c curiosas lições daciência política. Q_realismo. congruente exclui quatro coisas que parecem ser ingredientes essenciais de todo pensamento político cíicaz: umobjetivo finito, urn apelo emocional, um direito de julgamento moral c um campo de ação. A concepção da política como um processo infinito parece, a longo prazo, incompatível ouincompreensível para amente humana. Todo pensador político que_ deseje atrair seus contemporâneos 6, consciente ou inconscientemente, levado a estabelecer um objetivo Finito. Treitschke declarou que a "coisa terrível" sobreos ensinamentos de Maquiavel não era "a imoralidade dos métodos que recomenda^ mas sim a falta de conteúdo do~Estado, que existe apenas'por existir"1. De fato, Ma quiavel não é tão congruente. Seu realismo sedesmorona noúltimo capitulo jie"O Príncipe", que se intitula "Uma ExortaçãoparaLibertar a Itália dos~Bárbaros" - um "objetivo cuja necessidade não pode ser deduzida de nenhuma premissa realista Marx, tendo dissolvido o pensamento e a ação humanos no relativismo da dialética, postula o objetivo absoluto de umasociedade sem classes, ondea dialética não mais opera - este acontecimento longínquo para o qual, à moda verdadeiramente 1. Treitschke, Auisatzc, IV, pãg, 128. tf i /' ^ o o r-&•y ^ N 92 O 9 f* ^ Vinte Anos de Crise: 1919-1939 .<? vitoriana, ele acreditava que toda a criação se estivesse movendo. O realista, pois, acaba por negarseu própriopostulado e por presumir umarealidade última forado processo histórico. Engels foi umdos primeiros a levantar esta. acusação contra Hegel. "Declara-se ser todoo conteúdo dogmático do sistema hegeliano verdade absoluta, em contradição com seu método dialético, que dissolve todo dogmatismo"2. Mas Marx seexpõeprecisamente àmesmacrítica quando leva o processo domaterialismq^ dialético a um hm com a vitória do proletariado. Assim^~õ utopismo penetra na cidadelado realismo; euma condição, do pensamento político è visar um processo continuo, mas não infinito, em direção a um objetivo finito. Quanto maior a pressão emocional, mais próximo e mais concreto é o objetivo. A Primeira Guerra Mundial tornou-se tolerávelpela crença de que era a última dasguerras. Aautoridade moral de WoodrowWilson foi construídasobrea convicção, compartilhadapor elepróprio, de queele possuía a chave para a cura justa, tínal eàbrangente dos malespolíticos da humanidaae. k digno de nota o lato dequequase todas as religiões concordam ao postularem um estado final de completa bem-aventurança. _Q objetivo finito, assumindo o caráterde uma visão apocalíptica, adquire uma atração emocional e irracional, por este motivo, que o próprio realismo não pode justilicar ou explicar, iodos conhecem a tamosa previsão de Marx sobre o futuro" paraíso sem classes: ''Quando o trabalho deixar de ser simplesmente um meio de vida e se tornar a primeira necessidade da vida; quando, com o completo desenvolvimento do indivíduo, as forças produtivas igualmente se desenvolverem, e todas as fontes da riqueza coletiva jorrarem em livre abundância - somente então será possível transcender completamente o estreito horizonte do direito burguês, e a sociedade escreverá em seu estandarte: De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades"3. Sorel proclamou a necessidade de um "mito" para tornar eficaz a pregação revolucionária; e a Rússia Soviética explorou, com este propósito, o mito, primeira mente da revolução mundial, emais recentementeda "pátria socialista". Há muito o quesedizer emfavor daopiniãodo Professor Laski, deque"o comunismo progrediu porseuidealismo, enãoporseu realismo, porsuapromessa espiritual, e nãopor suas perspectivas materialistas"4. Um teólogo moderno analisou a situação com uma perspicácia quase cínica: "Sem as esperanças supra-racionaiseas paixõesda religião, nenhuma sociedade terá a coragem para vencer o desespero e tentar o impossível; pois a visão de uma 2. Engels. Ludwig Kcucrbach (trad. ingl.), pág. 23. 3. Marx e Engels, Works {ed- russa), XV, pág. 275. 4. Laski, Communism, pag. 250. A Crise Internacional 93 sociedade justa, éumavisão impossível, que só podeseraproximadapelos que nãoa ... acharem, impossível. Asi mais; verdadeiras visões da religião sãoilusões, que podem ser parcialmente realizadas se se acreditar resolutamente nelas"5. E isto, outravez, é quase igual a umapassagem deMein Kampf, naqual Hider contrasta o "planejador" com o político: "Seu (isto é,doplanejador) significado repousa quase totalmente nofuturo, eele é, freqüentemente, o queseentende pela palavra 'weltfremd' (não-prático, utópico). Pois seaarte do político forrealmente a artedo possível, entãoo planejador pertence aogrupo dos quesedizqueagradam osdeuses somente sepedirem eexigirem deles o impossível"0. "Credo quia impossibile" tornou-se uma categoria de pensamento político. O realismo congruente, como já se notou, envolvea aceitaçãodetodo o processo histórico e exclui julgamentos morais sobre ele. Como vimos, os homens estão geralmente preparados para aceitarem o julgamento da história sobre o passado, elogiando o sucesso e condenando o fracasso. Este teste è, também, largamente aplicado à política contemporânea. Instituições tais como a Liga das Nações, ouos regimes soviético e fascista, são em grande parte julgadas por sua capacidade em atingir oque afirmam atingir; ea legitimidade deste teste é implicitamente admitida pela própria propaganda delas, que constantemente procura exagerar seus sucessose minimizar seus fracassos. Contudo, está claro que a humanidade, como um todo, não está preparada para aceitar esteteste racional como uma base universalmente ~^- válida dejulgamento político. Acrença deque tudo oqueacontece está certo, edeve ^ ser apenas entendido para ser aprovado, deve, se sustentada congruentemente, ^~o esvaziar o pensamento, objetivista, e assim esterilizá-lo e finalmente destrui-lo. j^queles, cuja filosofia parece excluir apossibilidade dejulgamentos morais.jiem por_ isso deixam de fazê-lo. Frederico, o Grande, tendo explicado que os tratados devem sercumpridos^ pela razão de que "só se pode trapacear uma vez", segue escrevendo queaquebra de tratados é"umapolítica má evelhaca", embora não exista nada em sua teseque justifiqueo epíteto moral7. Marx, cuja filosofia parecia demonstrarque oscapitalistas só poderiam agir deumacerta maneira, gasta muitas páginas- algumas dasmais brilhantes de "O Capital"- para denunciara crueldadedos capitalistas por agirem precisamente desta maneira. A necessidade, reconhecida por todos os políticos, sejaem assuntos internos ou internacionais, de disfarçar interesses sob as vestes de princípios morais é, por si só, um sintoma da insuficiência do realismo. Todaépoca reclama odireito decriar seus próprios valores, e de fazer julgamento à luz deles; e mesmo se utiliza armas realistas para dissolver outros valores, ainda 5. R. Niebuhr, Moral Man and Immoral Socicry, pág. 81. fi. Hiller, Mein Kampf, pág. 231. 7. Anti-Maquiavcl, pág. 248. á V) 3 o «f •' 94 Vinte Anos de Crise: 191 S-1939 acredita no caráter absoluto de seus próprios. Recusa-se, portanto, a aceitar a implicação do realismo de que a expressão "dever ser" é sem sentido. Acima de tudo, o realismo congruente falha porque deixa de oferecer qualquer campo para a ação objetivista c significativa. Se a seqüência de causa e efeito for suficientemente rígida parapermitira previsão científica" dos acontecimentos, seo nosso pensamento for irrcvogavelmentc condicionado por nosso stalus e nossos interesses, então tanto a ação quanto o pensamento se tornam desprovidos de objetivo. Se, como Schopenhauer sustenta, "a verdadeira filosofia da história consiste na compreensão de que, através do embaralhamento de todas essas mudanças incessantes, temos diante dos olhos o mesmo ser imutável,que segue o mesmo rumo hoje, ontem e para sempre"8, então a contemplação passiva é tudo o que resta ao indivíduo. Tal conclusão è claramente repugnante à mais profunda crença do homem sobre si mesmo. Que os assuntos humanos possam ser dirigidos e modificados pelaação epelopensamento humanoséum postuladotãofundamental, que sua rejeição parece ser dificilmente compatível com a existência como ser humano. De fato, ele não è rejeitado pelos realistas que deixaram sua marca na história. Maquiavel, quando exortou seus compatriotas a serem bons italianos, claramente pressupôs que eles eram livres para seguirem ou ignorarem seu conselho. Marx, umburguês por nascimento e educação, se acreditava t1vre~para~pensar c_agir rmno urn, prnlriário. e via, como sua missão, a de persuadir outros, que presurnia serem igualmente livres, a pensar e agir da mesma iormãTLenin,que escreveusobre a iminência da revolução mundial como uma "previsão científica", admitiu, em outra parte, que "não existe situação alguma que não possua absolutamente nenhuma saída"9. Em momento de crise, Lenin apelou a seus seguidores em lermos que bem poderiam ter sido usados por um crente tão radical no poder da vontade humana como Mussolini, ou por qualquer outro líder em qualquer período: "No momento decisivo, e no lugar decisivo, você tem de provar ser mais forte, você tem de ser vitorioso"10. Todo realista, qualquer que seja sua crença, é por fim compelido a crer não somente em que existe algo que o homem deve pensar e fazer, mas ainda que existe algo que o homem pode pensare fazer, e que estepensamento e estaaçãonão são mecânicos nem desprovidos de sentido. Voltamos, portanio, à conclusão de que qualquer pensamento político lúcido deve basear-se em elementos tanto de utopia, quanto de realidade. Onde o utopismo tornou-se uma impostura vazia e intolerável, que serve simplesmente como um disfarce para os interesses dos privilegiados, o realista desempenha um serviço indispensável ao desmascará-lo. Mas o puro realismonão pode oferecernadaalémde uma luta nua pelo poder, que torna qualquer tipo de sociedade internacional impossível. Tendo demolido a utopia atual com as armas do realismo, ainda 8. Schopenhauer, Wcltais Willc und Vorstellung, II, ch. 38. 'J. Lenin. Works (2.» ed. russa), XXV, pág. 340. 10. Lenin, Collcctcd Works (trad. ingl.), XXI, pág. 68. 0i<^ A Crise Internacional 95 necessitamos construir nossa própria nova utopia, que um dia sucumbirá diante das mesmasjirmas. Avontade Humana continuaráa procuraruma fuga àsconseqüências lógicas doreãfismo, navisão deuma ordem internacional que, logo que se cristaliza numa forma políticaconcreta, torna-se eivada de interesse egoístico e hipocrisia, e deve uma vez mais ser atacada com os instrumentos do realismo. Aqui, portanto, estáa complexidade, o fascínio ea tragédia de todavida política. A política é composta de dois elementos - utopia e realidade- pertencentes a dois planos diferentes que jamais se encontram. Não há barreira maior ao pensamento político claro do que o fracasso em distinguir entre ideais, que são utopia, e instituições, que são realidade. O comunista, que lançava o comunismo contra a democracia, pensavanormalmente no comunismo comoum ideal puro de igualdade e fraternidade, e na democracia como uma instituição que existia na Grã-Bretanha, Françaou Estados Unidos,e queapresentavaos interesses escusos, asdesigualdadese a opressão inerentesa todasas instituições políticas. O democrata, que faziaa mesma comparação, estavade fatocomparando um padrão ideal de democracia existente no céu, com o comunismo, como uma instituição existente na Rússia Soviética, com suas divisões de classes, suas caças aos hereges e seus campos de concentração. A comparação, feita, em ambos os casos, entre um ideal e uma instituição, é irrelevante e não faz sentido. O ideal, uma vez incorporado numa instituição, deixa de ser um ideal e torna-se a expressão de um interesse egoístico, que deve ser destruído em nome de um novo ideal. Esta constante interação de forças irreconciliáveis é a substância da política. Toda situação política contém elementos mutuamente incompatíveis de utopia e realidade, de moral e poder. Este ponto emergirá, com maior clareza, da análise da natureza da política, que agora levaremos a efeito. ^ Edward Haííeti Carr msamento ilítico Tradução; Luiz Alberto Figueiredo Machado j Pasta n^ Cópias , . Pata: ,/ / Visto; | 119838608 'tora UniversidadedeBrasília ^ Capítulo VIII O Poder na Política Internacional « jj* \) A política é, em certo sentido, sejjirjrepoHtica de poder. Normalmente não se aplica o termo "política" a todas as atividades do Estado, e sim às questões envolvendo um conflito de poder. Uma vez que esse conflito se tenha resolvidõTa questão deixa deser"política" esetornamatéria darotina administratu^-Da mesrna forma, nem todas as relações entre Estados são "políticas". Quando os Estados cooperam entre si para manterem serviços postais, ou de transportes, ou para prevenirem o alastramento de epidemias, ou, ainda, para suprimirem o tráfico de \ entorpecentes, estas atividades se denominam "não-políticas" ou "técnicas". Mas logo quesurge umaquestão queenvolve, ou parece envolver, o poderde um Estado com relação a outro, o assunto se torna imediatamente "político". Embora não se possa definira políticaexclusivamente em termos de poder, è seguro dizer-s'c que o poder é sempre um elemento essencial da política. Para se entender um assunto pnlitico. r\áo basta{corno bastaria no caso deuma questão legal outécnica) saber do que se trata. É necessário, também, saber-se quem está envolvido. Uma questão, levantada por um pequeno número de indivíduos, não constitui o mesmo fato político do que a mesma questão levantada por um sindicato poderoso e bem organizado. Um problema políticoentre Grã-Bretanha cjapãoéalgo bem diferente do que possa ser o mesmo problema entre Grã-Bretanha e Nicarágua. "A_pollnca começa ondeestão as massas", disse Lenin, "nãoondeestão milhares, e simmilhões^ é aí onde começa a política séria"i. Houveperíodos da história em que seriasupérfluo insistir nestefato, c em que o dito de Engels, de que "sem força e mão de ferro nada se consegue na história"2 passaria por um lugar-comum. Mas no, comparativamente, bemordenadomundo do liberalismo do século dezenove, formas mais sutisjje coerção ocultaram, dos menos perceptivos, as maquinações continuas, embora silenciosas, do poder p^litico;"e~rraxdemocfãcias, de toda forma, essa dissimulação é ainda parcialmente 1. Lenin, Selcctcd Works, (trad. ingl.), VII, pág. 295. 2. Marx c Engels, Works (ed. russa), VII, pág. 212. 0- < V h r* J- ^ i ,v V u 106 Vinte Anos de Crise: 1919-1939 eficaz^. Apósa Primeira GuerraMundial, a tradição liberal foi trazidaparaa política internacional. Autores utópicos, dospaíses de línguainglesa, ajrjxdiuxarnjejiamente em que o estabelecimento da Ligadas Nações significariaa eliminação da força nas relações internacionais, e a substituição dosexércitos e marinhas pela discussão. A "politicadepoder"eravista comoumamarcadosvelhos tempos ruins, etornouuma expressão injuriosa. O motivode estacrença ter persistidopor maisde dezanos foio tatode que as grandes potências,cujo principal interesseera a preservação do slatus quo, detinham, durante todo o período,um virtualmonopóliodo poder. Umapartida de xadrez entre um campeão mundial e um escolar seria tão rápida e facilmente vencida,que poder-se-iaperdoar o espectador inocente por supor que, parajogar-se xadrez, é necessária pouca habilidade. Da mesma forma, o ingênuo espectador do jogo da política internacional poderia presumir, entre 1920 e 1931, que o poder desempenhava um papel pouco importante no jogo. O que se chamou, normal-" mente, de "volta à política de poder" em 1931 foi, de fato, o término do monopólio de poder que as potências do stalus guo mantinham. O lamento de Stalin, de que "nos nossos dias, não é costume levar em conta o fraco", e a observação de Neville Chamberlain, de que "no mundo, como se encontra hoje em dia, uma nação "desarmada tem pouca chance de se lazer ouvir"1*, foram tributos curiosos- mais surpreendente noadeptodo marxismo do que no herdeiro da tradição britânica do século dezenove - à ilusão de que outrora teria havido uma época em que os países fracose desarmados desempenhavam um papel importante na políticainternacional. O pressuposto da eliminação da força na política só poderia sero resultado de uma atitude totalmente acrítica em relação aos problemaspolíticos. Nosassuntosda Liga d*ãs Nações, aigualdadeformal eaparticipação de todos no debate não tornaram o fator poder nem um pouco menos decisivo. Os próprios fundadores da Liga não alimentavam rai ilusão. Hnusepensava, origiriãríamente. quesóasgrandes potências deveriam seradmitidas na Liga5. Nosprimeirosprojetos, britânicos eamericanos, do Pacto, constava que a participação no Conselho da Liga seria limitada às grandes potências; e Lord Cecil notou, num desses projetos, que "de qualquer forma, as potências menoresnão exerceriam nenhuma influência considerável"6. Esta.previsão 3. Mesmo Lord Baldwin comprometeu-se,em 1925, com a perigosa meia-verdade de que"a democracia 6o governopeladiscussão, pelodebate"(On England, pàg. 95). Numacarta recente aoTheTimes, Frede- ricHarrisonressalta, sobreaComunidade Britânicade Nações,que ela"não se fundanaconquista, nem se mantém pela força dasarmas. Nao foiadquiridapela força de nossamarinha, ou de nossoexército,mas pelaforça do caráter, e está firmemente unidaporelosde identidade, de um interesse de umalínguae de uma históriacomuns" {The Times, June 30,1938). Esta,também, é uma perigosameia-verdade, que abafa a outra e igualmente importante metade da verdade,ou seja, que a Comunidade Britânica se mantém unida pelo imenso poder econômico e militar da Grã-Bretanha, e se dissolveria imediatamente se este poder fosse perdido. 4. Relatório do 16.° Congresso do Partido Comunista Russo, reeditado em L*Union Soviétique et Ia Cause de Ia Paix, pág. 25; The Times, June 26, 1939. 5. Intimate Papers of Colonel House, ed. Seymour, IV, pág. 24. 6. Miller, The Drafting of the Covenant, II, pág. 61. O resultado dos crescimentos subseqüentes do Conselho já foram mencionados. Política, Poder e Moral 107 se realizou. Um delegado italiano atestou que, durante o longo período de sua atuaçãoregularem Genebra, ele"jamaisviuumadisputade algumaimportânciaser resoívidacíeòü^ e que0 procedimento da Liga era "um sistema de desvios, todos levando a uma ou outra dessas duas hipóteses: acordo ou desacordo entre Grã-Bretanha, Itália, França e Alemanha"?. "Apesarde nossa igualdade jurídicaaqui", disse DeValera um pouco mais tarde, "em matérias como a paz européia, os pequenos Estados são impo tentes"8. As decisões sobre a aplicação de sanções contra a Itália, no inverno de 1935- 36, foram, com efeito, tomadassomente pela Grã-Bretanha e a França, detentoras da efetivaforça econômicae militar no Mediterrâneo.Aspotências menores seguiram sua liderança; e uma delas foi realmente "recompensada", pelaGrã-Bretanha e França, por isso. Entretanto, não foisomente em Genebra que os paísesmais fracosajustaram seu cursodeaçãoaodosmais fortes. Quandoa Grã-Bretanhaabandonou opadrão-ouro, em setembro de 1931, varias potências menores foram obrigadas a seguir seu exemplo. Quando aFrançaabandonou opadrão-ouro, em setembro de1936, Suíçae Holanda- osúltimos países queo adotavam livremente- foram compelidas a fazer o mesmo, e muitos outros países menores tiveram dealterar ovalor desuas moedas. Quando aFrança eramilitarmente suprema naEuropa, nadécada devinte, umcerto número depotências menores seagrupou sob sua égide. Quando a força militar da Alemanha eclipsou a da França, a maioria desses países fizeram declarações de neutralidade, ou passaram para o lado da Alemanha. A alegada "Hjradiira das grandes potências", que porvrees édenunciada porautores utópicos, como 5C fosse umapolítica malévoladeliberadamente adotada porcertos Estados, é umfato que constitui algo como uma "lei da natureza" em política internacional. Torna-se necessário, neste ponto, dissipar a atual ilusão dequea política dos Estados que estão, em termos gerais, satisfeitos com o stalus quo, e cuja palavra de ordem é"segurança", seja, dealguma forma, menos preocupada com aforça doque apolítica dos Estados insatisfeitos, eque aexpressão popular "política de poder" se aplique aos atos desses últimos, mas não aos dos primeiros. Esta ilusão, que exerce uma atração quase irresistível sobre os publicistas das potências saciadas, é responsável por muitas idéias confusas sobre política internacional. A busca da "segurança", pelas potências saciadas, tem sido freqüentemente motivo deflagrantes exemplos de política de poder. Tendo em vista se assegurarem contra avingança de um inimigo derrotado, as potências vitoriosas, no passado, recorreram a medida como a tomada de reféns, a mutilação ou escravizamento de homens em idade militar, ou, nos tempos atuais, o desmembramento c ocupação de território ou desarmamento forçado, f prnfimHampnre errôneo representar a luta entregas, potências saciadas e as insatisfeitas como umalutaentre a moral, de um lado, e a 7. The Foreign Policy ofthe Powers (1935: reeditado de Foreign Affairs), págs. 86-7. 8. Lcague of Nationr. Sixteenth Assembly, Parte II, pág. 49. f^ÇfSlVyí, 108 Vinte Anos de Crise: 1919-1939 força, do outro. Éuma questão na qual, qualquer que seja oenvolvimento moral, a políticade força predomina em ambos os lados.~ '- ..-..w,*^,,,..-. Ahistória doTratado deLocarno êumexemplo simples e revelador daação da política de poder. A primeira proposta de um tratado que garantisse a fronteira ocidental alemã foi feita pela Alemanha, em dezembro de 1922, e enfaticamente rejeitada porPoincaré. Neste período (às vésperas dainvasão doRuhr), aAlemanha tinhatudo a temer da França, e esta nadaa temer de umaAlemanha indefesa; e o tratado nãoatraiu aFrança. Dois anos depois, easituação mudou. Ainvasão doRuhr trouxe poucavantagem à França, edeixou-a perplexaquanto aopróximo passo aser dado. AAlemanha poderia tornar-se, um dia, poderosa de novo. AAlemanha, por outro lado, ainda temiaasupremaciamilitar francesa, eansiava porumagarantia. Foi o momento psicológico em que o temor da Franca pela Alemanha estava quase igualmente equilibrado pelo temor daAlemanha pela França; eum tratado, que não havia sido possível dois anos antes, e que não seria possível cinco anos depois, foi, então, bem-vindo para ambos. Além disso, os interesses depoder daGrã-Bretanha coincidiam com os daAlemanha. AAlemanha tinha abandonado as esperanças de conseguiruma revisão das fronteirasocidentais,mas não dasoutra fronteiras. AGrã- Bretanhaestava prontaagarantir asfronteiras alemãs noocidente, mas nãoasoutras. A Alemanha, ansiosa para acelerar a retirada do exército aliado da Renânia, não tinha, ainda, esperanças de pôr fim às restrições impostas pelas cláusulas de desmilitarização do Tratado deVersailles; eestava, portanto, preparadapara aceitaro novo acordo, reafirmando sua aceitação dessas cláusulas e colocando-as sob uma garantia. -< estrondoso. Por muitos anos, desde então, fizeram-se tentativas de repeti-lo emtf Tal foi o pano de fundo do famoso Tratado de Locarno. Seu sucesso foik < «uuiiuuju. i ui iiiuiiw «nus, uc»uc cuuiu, iizcram-se tentativas ae repeu-io em *sJ& jr~. c outros campos. Vários "Locamos" sobre oMediterrâneo eaEuropa do Leste foram S CV discutidos; e o fracasso em se materializarem desapontou e intrigou as pessoas J> P o* 0 0° tT queacreditavam quetodos osproblemas internacionais, emtoda parte, poder-se-iam resolver por instrumentos queseguissem o mesmo padrão, equenão conseguiram entender que oTratado de Locarno erauma expressão da política de poder, num período e local particulares. Dez anos após suacelebração, o delicado equilíbrio em queseapoiava desapareceu. AFrança temia aAlemanha mais doquenunca. Mas a Alemanha não mais temia nada da França. O Tratado não possuía mais nenhum sentido para a Alemanha, exceto como uma afirmação das cláusulasde desmilitari zação doTratado deVersailles, queela, agora, podiaesperar derrubar. Aúnica parte doTratado deLocarno que ainda correspondia àsituação dapolítica depoder eraa garantiabritânicaàFrançaeàBélgica. Esta foi repetidapela Grã-Bretanhadepois deo resto do Tratado ter sido denunciado pela Alemanha. A historiade Locarno é um exemplo clássico de política de poder. Ele permanece incompreensível aos que procuramsoluções uniformes apriori do problemade segurança, evêema políticade força como um fenômeno anormal, visível apenas em períodosde crise. VW*r Política, Poder e Moral 109 O fracasso em reconhecer oue a forca é um elemento essencial da política viciou. .JttéjprjUo.femen^^ detrovemo. e confundiu quase todas as tentativas de discutir o assunto. A forçaè um instrumento indispensável Hp provendo- Tntemarinnalirar o governo, em qualquer sentido real, significa internacionalizara força; eo governo internacional é,com efeito, ogoverno pelo Estado que conta com a força necessária para o propósito de governar. Os governos internacionais, criados pelo Tratado de Versailles em várias partes da Europa, foram de caráter temporário, e não tiveram, portanto, de enfrentar o problema de uma políticade longoalcance. Contudo, mesmo estes ilustramá íntima conexão entre governo e poder. A Alta Comissão Inter-aliada. que exerceu, na Renânia ocupada, as funções de governo necessárias à segurança das tropas aliadas. funcionou bem enquanto aspolíticasbritânicae francesacoincidiam^Quando a crise do Ruhr causou uma séria divergência de opinião entre os governos britânico e francês, a política francesa foi aplicada nas zonas ocupadas pelas tropas francesase belgas,e a políticabritânica, naszonas ocupadas pelastropas britânicas,a políticade govemo sendo determinada pela nacionalidade do poder sobre que repousava. A Comissão Inter-aliada designada para conduzir o plebiscito na Silêsia Superior seguiu a política francesa defavorecer a Polônia, namedida emqueastropas aliadas, dequesuaautoridade dependia, eram fornecidas quase exclusivamente pelaFrança. Estapolítica só foi corrigida quando tropas inglesas foram enviadas para a área. O controle efetivo de todo governo depende da fonte de seu poder. O problema de governo internacional e poder foi levantado, de forma mais aguda, pelo sistemademandatos epela freqüente propostadequeaadministração de alguns outodos osterritórios coloniais fosse "internacionalizada". Nos defrontamos, aqui, com uma questão degoverno permanente, envolvendo a formulação deuma política de longo alcance, de tipo diferente do da colaboração entre aliados sob a pressão de umaguerra ou parao objetivo de implementar umtratado imposto cm conjunto. Pode-se ilustrar sua natureza a partirdo caso da Palestina. A política na Palestina era dependente da quantidade de força militar que ali pudesse ser empregada, etinha, portanto, queserdeterminada, não pela Comissão deMandatos, quenão tinha força àsua disposição, mas pelo governo britânico, que supriaa força; poisqualquer quefosse a opinião da ComisSao deMandatos, não sepoderia pensar que tropas britânicas fossem usadas paralevar a efeito umapolítica com a qual o governo ou o eleitorado britânicos não concordassem9. Sob qualquer sistema internacional de governo, a política dependeria, nosmomentos críticos, da decisão do Estado quesuprisse asforças dasquais a autoridade do governo dependesse. Se, como aconteceria quase inevitavelmente, o controle de um território internacional 9. Em 1926, quando a Comissão de Mandatos discutia a Palestina, Rappard "pensava que o pais mandatário incorreria em grave responsabilidade se,algumdia, sedefrontasse com aimpossibilidade de prevenir um pogrom, devido à insuficiência de tropas. Sua responsabilidade, com efeito, seria compartilhada pelaComissão de Mandatos, se estanflo houvesse alertado para o perigo" (Permanent Mandates Commission, Minutes of Ninth Session, pág. 184). A responsabilidade da Comissão era, portanto, limitada a "alertar". 110 Vinte Anos de Crise: 1919-1939 fosse dividido geograficamente entre as forças dos diferentes Estados, as diferentes zonas, em períodos de divergência internacional, seguiriam políticasdiscordantes: e as antigas rivalidades internacionais voltariam a ocorrer, numa nova e igualmente perigosa forma. Jjabjemas de desenvolvimento econômico seriam não menos desafiadores. Aadministração internacional de áreas rnlnniais. esrrpypii T.ngarHr pIp próprio um administrador experiente e esclarecido, "paralisaria toda a iniciativa pela mão morta de uma superburocracia, desprovida de sentimento nacional e abafando todo o patriotismo, e seriabastante desvantajosa para os países envolvi dos"10. Qualquer governointernacionalrealé impossível namedidaemqueo poder, que é uma condição fundamental do governo, está organizado nacionalmente. O secretariado internacionalda Ligadas Nações pôde funcionar precisamenteporque era um serviço público, não era responsável pela política, sendo, portanto, independente do poder. Pode-se dividir o poder político, na esfera internacional, em três categorias, para finsjjejjiscussâo: a) poderlnilitar, b) poder econômico, c) poder sobre a opinião. Descobriremos,entretanto, que estas três categorias são bastante interdependentes; e embora sejam separáveis teoricamente, é difícil, na prática, imaginar um país que, poralgumperíodode tempo,possuaalgum tipode poderisolado dosoutros. Emsua essência, o poder é um todo indivisível. "As leis da dinâmica social", disse recentemente um crítico, "são leis que só podem ser estabelecidas em termos de poder, e não em termos desta ou daquela forma de poder"1'. a) OPODER MILITAR Asupremaimportância do instrumento militarrepousano fato dequea"ultima, ratio" do poder, nas relações internacionais, é a guerra. Todo ato do Estado, no aspecto do poder, estádirigido para a guerra, não como uma arma desejável, mas como uma arma que pode ser necessária como último recurso. O aforismo famoso deClausewitz, de que "a guerra não é nada mais do que a continuação das relações políticaspor outros meios", foirepetido com aprovaçãotanto por Leninquanto pela Internacional Comunista1?; e Hitlerpensava namesmacoisaquandodisse que"uma aliança cujo objetivonão inclua a itençâo de lutar é sem sentido e inútil" '3. Seguindo a mesma orientação, Hawtrey define a diplomacia como "a guerra em potencial"14. Estasobservaçõessão meias-verdades. Maso mais importante é reconhecerque elas são verdades. A guerra espreita dos bastidores da políticainternacional assimcomo a_ 10. Lugard,The Oual Mandate in Tropical África, pág. 53. 11. B. Russell, Power, pág. 11. Devoa este livro,que é uma análisehábile estimulantedo podercomo "o conceito fundamental na ciência social", a classificaçãotripartitc adotada. 12. Lenin,Collected Works (trad. ingl.), XVIII, pàg. 97; Tesesdo SextoCongresso do Comintern, apud Taracouzio, The Soviet Union and International Law, pág. 436. 13. Hiüer, Mein Kampf. pàg- 749. 14. R. G. Hawtrey, Economic Aspects of Sovcrcignty, pág. 107. Política, Poder e Moral 111 revolução espreitados bastidores da pnlfrica interna. Houve poucos países europeus onde, em alguma época dos últimos trinta anos, uma revolução em potencial não tèrth^SldcrunTfator importante-na*polítÍ6alA}^^.cpjnunidadeinternacional possui, nesse respeito, amais próximasemelhançacom aqueles Estados ondeapossibilidade de revolução ê mais freqüente e presente nas idéias. Sendo a guerra em potencial, portanto, um fator dominante na política internacional, opoderio militar torna-se um padrão aceito dos valores políticos. Toda ' grande civilização do passado gozou, em sua época, uma superioridade de poder militar. A Cidade-Estado grega atingiu seu apogeu quando seus exércitos hoplitas provaram ser mais do que um adversário àaltura para as hordas persas. No mundo atual, as potências (a própria palavr?_* hattrinrf «gnffirariva) «ao rlassifirarlas de acordo com aqualidade easupostajficiência do equipamento militar, incluindo a força humana, à suadisposição. Oreconhecimento deserumagrande potência é, normalmente, o prêmio por lutar com sucesso numa guerra em larga escala. A Alemanha, após aGuerra Franco-Prussiana, os Estados Unidos, após aguerra contra a Espanha, e o Japão, após a Guerra Russo-Japonesa, são exemplos recente e familiares. Aligeira dúvida relacionada com ostatus da Itália como grande potência é parcialmente ao fato de que ela jamais provou seu valor numa guerra importante.Qualquer sintoma de ineficiência ou despreparo militar, numa grande potência, reflete-se imediatamente em seu status político. Omotim naval emInvergordon, em setembro de 1931, foi ogolpe final no prestígio britânico, ecompeliu aGrã-Bretanha adesvalorizarsuamoeda. Aexecução dosprincipais generais soviéticos, sobalegação de traição, em junhp de 1937, pareceu revelar tanta fraqueza na máquina militar soviética que a influência da Rússia Soviética sofreu uma súbita e servera queda. Governantes de todas as grandes potências periodicamente pronunciam discursos exaltando a eficiência de seus exércitos, marinhas e forças aéreas; e as revistas e paradas militares são organizadas com ofito de impressionar omundo com aforça militar, e o conseqüente status político, da nação. Nas crises internacior»*™, frpras. tropas eesquadrões aéreos semostram significativamente nos pontos cruciais com o mesmo propósito. Estes fatos revelam a nwal de que a políticaexterna iamais-agjlsvou jamais deveria, divorciar-se daestratégiaTà políticaexterna de um país se limita não somente porseus objetivos, mas ainda porsuaforça militar, ou, mais precisamente, pela razão entre sua torça militar e a dos outros países. O problema mais sferio, relativo ao côntrõTe democrático dapolítica externa, eque nenhum governo pode permitir-se divulgar informações completas efrancas acerca de sua própria força militar, ou todo o conhecimento que possui sobre a força militar dos outros países. As discussões públicas sobre política externa são, portanto, conduzidas em ignorância total ou parcial de um dos fatores que devem ser decisivos para determiná-la. Uma regra 15. Êprovavelmente necessário rememorar o papel assumido, na poliüca britânica, pela ameaça de o Parado Conservador apoiar a açáo revolucionária em Ulster. 112 Vinte Anos de Crise: 1919-1939 constitucional, consagrada há muito, impede que membros do Parlamento propo nham projetos que acarretem despesa pública. Poder-se-ia opor a mesma restrição contra os que advogam políticas que acarretem risco de guerra; pois somente õ governo e seus assessores podem estabelecer as circunstâncias com conhecimento completo dos fatos relevantes. Muitos livros e discursos contemporâneos, sobre política internacional, são reminiscências dos problemas matemáticos engenhosos que o estudante ê chamado a resolver ignorando o peso do elefante. As soluções propostas são claras e precisasno plano abstrato, massãoobtidasnão selevandoem conta o fator estratégico vital.. Mesmo um trabalho tão importante, edecerta forma tão valioso, como aanual "SurveyofInternational Affairs", freqüentemente alçavôo para o reino da fantasia quando embarca na critica política, precisamente porque negligencia as limitações militares que sempre estão presentes na mente dos que devem resolver problemas de poliüca externa na vida real. Se todo autor desejoso de escrever sobre política internacional, nos últimos vintes anos, houvesse feito um curso compulsóriodeestratégiaelementar, resmas de disparates teriam permanecido inéditas. O podermilitar, sendo umelemento essencial navida doEstado, torna-se nãosó um instrumento, mas um rim ppi si mesmo. Poucas dentreas guerras importantes dos últimos cem anos parecem ter sido lançadas com oobjetivo deliberado econsciente deaumentar comércio ou território. Lutam-se as guerras mais sérias para tornar o próprio país militarmente mais forte ou, com mais freqüência, para evitar que outro país se torne militarmente mais forte, de modo que sé encontra muitajustificativa para oepigramadeque "a principal causadaguerraéaprópriaguerra"16. Cada fase, nãTgueiidi napoléonlcaü, foi elaborada para preparar o caminho para a fase seguinte: a invasão da Rússia foi levada aefeito com oobjetivo de tornar Napolcão suficientemente forte para derrotaraGrã-Bretanha. AGuerra da Criméia foi lançada por Grã-Bretanha eFrança com o fito de evitar que a Rússia se tornasse suficiente mente forte para atacar suas possessões einteresses, no Oriente Próximo, no futuro. Uma nota endereçadaàLiga das Nações, pelo governo soviético em 1924, descreve as origens da Guerra Russo-Japonesa de 1904-5 como se segue: "Quando os barcos torpedeiros japoneses atacaram afrota russa em Porto Artur, em 1904, foi claramente um ato de agressão, de um ponto de vista técnico, mas, politicamente falando, foi um ato causado pela política agressiva do governo tsarista contra oJapão, que, visando prevenir o perigo, deu o primeiro golpe emseu adversário"1?. Em 1914, a Áustria enviou um ultimato àSérviaporque acreditavaqueos servos estivessem planejando a queda daMonarquia Dual; a Rússia temia que aÁustria-Hungria, se derrotasse a Sérvia, se tornasse forte osuficiente para ameaçá-la; aAlemanha temia que aRússia, se derrotasse a Áustria-Hungria, se tornasse fone o suficiente para ameaçá-la; a França, desde hámuito, acreditava queaAlemanha, sederrotasse aRússia, seria forte o suficiente para ameaçá-la, e por isso concluiu a aliança Franco-Russa; e a Grâ- 16. R. G. Hawtrey. Economic Aspects oCSovereignty, pág. 105. 17. League ofNations: OfTicial Journal, May 1924, pág. 578. Política, Poder e Moral 113 Bretanha temia que a Alemanha, se derrotasse a França e ocupasse a Bélgica, se tomasse forte o suficiente paraameaçá-la. Finalmente, os Estados Unidos vieram a TjgfiíèTqWaTtíaHttffl^ ameaçá-los. Portanto a guerra, nasmentes de todos osprincipais combatentes, tinha um caráter defensivoou preventivo. Eles lutaram com o objetivo de não se encontrarem numa posição mais desfavorável numa guerra futura. Mesmo as aquisições coloniais foram freqüentemente impelidas pelo mesmo motivo. A consolidação ea anexação formal dos antigos povoamentos britânicos naAustrália foram inspiradas pelo medo do pretenso propósito de Napoleão de lá estabelecer colônias francesas. Razões militares, mais doqueeconômicas, ditaram acaptura das colônias alemãs durante a guerra de 1914, e, depois, impediram sua devolução à Alemanha. ÉMM-ovavelmente, por estarazãooue o exercício do poder sempreparecegeraro apètltêpór mais poderjaào existe, como oPr. Niebuhr diz, "nenhuma possibilidade de" se traçar uma íínha precisa entre o desejo de viver e o desejo de poder"". O nacionalismo, tendo atingido seu primeiro objetivo sob a forma de unidade e independência nacional, se transforma quase automaticamente em imperialismo. A política internacional confirma amplamente os aforismos de Maquiavel de que "os homens nunca se sentem seguramente possuidores do que têm até que adquiram algo mais de outros"1*», ede Hobbes, de que ohomem "não podeasseguraropodere os meios de viver bem que possui sem aaquisição de mais"20. As guerras começadas por motivos de segurança tornam-se, rapidamente, guerras de agressão e de locupletação. OPresidente McKinley convocou os Estados Unidos a intervirem em Cuba, contraaEspanha, para"assegurarotérmino completo efinal das hostilidades entre ogoverno da Espanha eo povo de Cuba, coestabelecimento de um governo estável nailha**". Entretanto, naépoca dofim daguerra, a tentação deexpandir-se anexando as Filipinas, tornou-se irresistível. Qyase rodo pais participante da Primeira Guerra Mundial avia, inicialmente, como umaguerra deautodefesa; eesta crença foi 'pameularmênte forte nolado aliado. Tá durante o curso da guerra, todo governo aliado na Europa anunciou seus objetivos de guerra, que incluíam a aqnisiran de território das potências inimigas. Nas condições atuais, guerras de objetivo limitado se tornaram quase tão impossíveis quanto guerras de engajamento limitado. Umadas falácias da teoria da segurança coletiva é a de que se possa fazer a guerra com o propósito específico edesinteressado de "resistência àagressão". Houvesse aLiga das Nações, no outono de 1935, sob aliderança daGrã-Bretanha, adotado "sanções militares" contra aItália, teria sido impossível restringir a campanha àexpulsão das tropas italianas daAbissínia. As operações teriam, com todaapossibilidade, levado à ocupação das colônias italianas da África Oriental pela Grã-Bretanha eFrança, de 18. R. Niebuhr, Moral Man and Immoral Sodety, pág. 42. 19. Maquiavel, Discorsi, I, cap.V. 20. Hobbes, Leviatâ, cap. XI. 21. British and Foreign State Papers, cd. Hertslct, XC. pág. 811. >-V- |- 114 Vinte Anos de Crise: 1919-1939 Trieste, Fiume e Albâniapela Iugoslávia, e das ilhasdo Dodecaneso pela Gréciaou Turquia ou ambas; e os objetivos de guerra teriam sido anunciados, evitando, em vários itenscapeiosos, a devolução destes territórios à Itália. As ambições territoriais realmente parecem ser tantoo produto quanto a causa da guerra. h) n pnnFR rconômico Aforçaeconômicasempre foium insorumentodo poder político,quando menos através de sua associação com o instrumento militar. Sóos mais primitivos tipos de campanhas militares são totalmente independentes do fator econômico. O príncipe mais rico, ou a cidade-Estado mais rica, podiam alugar os serviços do maior e mais eficiente exército de mercenários; e todo governo era, por isso, compelido a seguir uma política voltada â aquisição de riqueza. Todo o progresso da civilizaçãotem sido tão ligado ao desenvolvimento econômico que não nos surpreendemos em desco brir, através da história moderna, uma associação intima crescente entre poder econômico e militar. Nos prolongados conflitos que marcaram o fimda Idade Média na Europa Ocidental, os mercadoresdas cidades, apoiadossobre o poder econômico organizado, derrotaram os barões feudais,que depositavamsua confiançana bravura militarindividual.Aascensão das naçõesmodernas foi,em toda pane, marcadapela emergência de uma nova classe média economicamente baseada na indústria e no comércio. O comércio e as finanças foram os fundamentos da efêmera supremacia política das cidades italianas da Renascença e, mais tarde, da Holanda. As principais guerras internacionais do período desde a Renascença até meados do século dezoito foram guerras comerciais (algumas receberam realmente este nome). Durante este período, sustentava-se universalmente oue. uma vez que a riqueza era uma fonte de poder político, o Estado deveria procurar ativamente promover a aquisição de~ riqueza; e se acreditava que a maneira correta de se tornar um paíspoderoso era estimular a produção interna, comprar o menos possível do exterior, e acumular riqueza na forma conveniente de metais preciosos. Os que defendiam esta linha de ação se tornaram conhecidos, mais tarde, como mercantilistas. O mercantilismo foi umsistema de política econômica baseado no atéentão inquestionável pressuposto de que a promoção da aquisição de riquezas era parte da função normal do Estado. A Separação de Economia e Política A doutrina liberal dos economistas clássicos desfechou um ataque frontal contra este pressuposto-As principais implicações do taissez-faire já foram discutidas. Sua importância no atual contexto ê a de estadoutrina ter reveladoum completo divórcio teórico entre economia e política. Os economistas clássicos conceberam uma ordem econômica natural com leispróprias, independente da política,e funcionando para o maior lucrode todosquandoa autoridadepolíticainterferisse o mínimopossível em sua operação automática. Esta doutrina dominou o pensamento econômico, e, até certo ponto, a prática econômica(embora bem mais na Grã-Bretanha do que em Política, Poder e Moral 115 outra parte qualquer) do século dezenove. Ateoria do Estado liberal do século dezenove pressupunha a existência, lado a lado, de dois sistemas separados. O ^SnlpfcôT^ d* lei eda ordem ecom aprovisão de certos serviços essenciais, eera considerado primordial mente como um mal necessário. O sistema econômico, que era prerrogativa da empresa privada, satisfazia as necessidades materiais e, desta forma, organizava a vida cotidiana da grande massa de cidadâos22. Na teoria inglesa atual, adoutrina da separação entre políticaeeconomia foi, por vezes, levadaaconseqüências surpreen dentes. "Será verdade", perguntava Sir Norman Angell pouco antes da Primeira Guerra Mundial, "que riqueza, prosperidade e bem-estar dependem do poder político das nações, ou, emverdade, que um nada tem avercomooutro?"23. e todaa argumentação depende do confiante pressuposto de que todo leitor inteligente responderá negativamente. Mesmo tão tarde como 1915, um filósofo detectou "umatendência inelutável deque, jáque ariqueza, eseu controle egozo, vai para a classe produtora, opodereoprestígio ficam comaclasse profissional", econsiderou esta separação entre poder econômico epoder político não apenas inelutável, mas também "essencial para umasociedade decente"24. Mesmo antes de 1900, umaanálise mais penetrante poderia termostrado quea. ilusão do divórcio enrre política e economia estava rapidamente se dissipando. Ainda est* ahprra an dphate a questão de se o imperialismo do finai do século "dezenove deva ser visto como um movimento_eçonômico que utilizou armas políticas, oucomo um movimento poiiuco que utilizouarmas econômicas. Contudo, que economiaepolíticamarenaram de mãos dadas paraomesmo objetivo, não resta mais dúvida. "Não ê precisamente a característica dós estadistas britânicos", perguntou Hiüer, "auferir vantagens econômicas da força política, e transformar cadaganho econômico em poderpolítico?"". APrimeira GuerraMundial, ao reunir abertamente economiaepolítica, tanto nocampo interno quanto napolíticaexterna, acelerou um desenvolvimento que já estava a caminho. Revelou-se agora que o século dezenove, embora parecendo retirar aeconomiadaesfera política, forjou,de fato, armas econômicas de força nunca vista para uso dos interesses da política nacional. Um oficial do Estado-Maior alemão ressaltou a Engels, nosanosde 1880, que "o fundamento da guerra é, primordialmente, a vida econômica geral dos povos"26; e este diagnóstico foi amplamente confirmado pelas experiências de 1914-18. Em nenhuma guerra anterior ayirfa econômica das nações beligerantes haviáfíclo tãocompleta e implacavelmente organizada pela autoridade política. Na •s',ijííf'>íi»»!**~' y-f* 22. A distinção entre os dois sistemas está implícita na previsão de Saint-Simon de que o "regime industrial" sucederia o"regime militar", ea"administração" substituiria o"governo", mais conhecida sob aforma dada por Engels, de que "aadministração das coisas" substituiria o"governo dos homens (citações de Halèvy, ÊredesTyrannies, pág. 224). 23. Angell,The Great lllusion,cap. 11. 24. B.Bosanquet, Social and International Ideais, págs. 234-5. 25. Hitler, Mein Kampf. pág. 158. 26. Engels, Anti-Dühring(trad. ingl.), pág. 195. •fwm^ 116 Vinte Anos de Crise: 1919-1989 longa aliança entre o braço armado e o braço econômico, este último foi, pela primeira vez, um parceiro igual, senão superior. Inutilizar o sistema econômico de uma potência inimiga tornou-se umobjetivo deguerra tanto quanto derrotar seus exércitos etrotas. "Aeconomiaplaneiada". que significaocontrole ppln F.sraHn, rõm objetivos políticos, davida econômica danação, foi umacriação daPrimeira Guerra Mundial*?. "Potencial de guerra" tornou-se umoutro nome paraopodereconômico. Retornamos, portanto, apóso importante, masanormal, interlúdiodo liberalis mo do século dezenove, à posição em que se pode reconhecer francamente a economia como parte da política. Podemos, então, resolver acontrovérsia, queê,em grande parte, o produto dasidéias e terminologia do século dezenove,sobreaassim chamada interpretação econômica da história. Marx estava tremendamente certo quando insistiu nacrescente importânciadopapel das forças econômicas na política; e apósMarx, a históriajamaispôde serescrita de novo exatamentecomo o eraantes dele. Mas Marx acreditava, tão firmemente quanto o liberal do laissez-faire, num sistema econômico com leis próprias, funcionando independentemente doEstado, que eraseu acessório e instrumento. Ao escrevercomo seeconomia e políticafossem campos separados, umasubordinadaàoutra, Marx foi dominadopelos pressupostos do século dezenove mais ou menos da mesma forma que seus mais recentes opnsirnrps, qnpPfifflp igualmente seguros deque"asleis primeiras dahistória sãoleis políticas, as leis econômicas são secunaanas^B. As lorcas econômicas são, de fato, forças políticas. Não sepode tratar a economia nem como um acessório menorda história, nem como uma ciência independente à luz da qual a história pode ser interpretada. Poder-se-ia poupar muita confusão através de um retorno geral ao termo "economia política", que foi dado ànova ciência pelo próprio AdamSmith, e não foi abandonado em favor doabstrato "economia", nemmesmo naprópria Grã- Bretanha, atéosanos finais do século dezenove29. A ciência daeconomia pressupõe uma ordem política dada, e não pode ser proveitosamente estudada, isolada dâ política. " -— 27. A economia planejada sedesenvolveu nãosó por fricções internacionais, mas também por fricções sociais dentro do Estado. Pode ser, portanto, logicamente vista tanto como uma política nacionalista ("nacionalismo econômico"), quantocomo uma política socialista. Osegundo aspecto era irrelevante pára atual discussão, sendo, desta forma, omitido no texto. Segundo Bruck (Social and Economic History of Germany. pàg. 157),o termo Planwiruchaft foi criado na Alemanha durante a PrimeiraGuerraMundial. Masa expressão"der staaüiche Wiruchaftsplan" aparecenuma coletânea denominadaGmndriss der Sozialõkonomik, publicada em Tübingen pouco antes da guerra, com o sentido geral de "poliüca econômica do Estado". 28. Moeller van der Bruck, Germany's Third Empire, pàg. 50. A idéia é umlugar-comum dos autores fascistas c nazistas. 29. Na Alemanha, "economia política" foi primeiramente traduzido como Nationalõkonomic, que foi experimentalmente subsdtuldo no século atual porSozialokonomie. Política, Poder e Moral 117 Algumas Falácias da Separação entre Economia e Política ^**^fâ£1emsTfôfosse puramente histórica outeórica. Ailusão deumdistanciamento entre política e economia - uma herança tardia do liberalismo do século dezenove - deixou de corresponder aqualquer aspecto da realidade atual. Mas continuou a persistir no pensamento sobre política internacional, onde não criou pouca confusão. Dedicou- se uma imensa quantidade de discussões á questão sem sentido de se (como a Conferência Econômica de 1927 suposto nossos problemas políticos têm causas econômicas ou se (como o relatório Van Zeeland sugeriu) nossos problemas econômicos têm causas políticas, e ao enigma igualmente sem sentido de se o problema de matérias-primas épolítico ou econômico. Confusão similar foi causada peladeclaração do governo britânico, em 1922, de queataxade imigraçãojudaica na Palestina seria determinada pela "capacidade econômica do país", suplementada, em1931, pelo posterior comunicado deque"as considerações relevantes quanto aos limites dacapacidade de absorção são puramente econômicas". Foi somente em 1937 que a Comissão Real descobriu que "uma vez que os árabes são hostis â imigração judaica, o fator da'hostilidade entre os dois povos* assume imediatamente importância econômica"»». Com efeito, todo caso de migração ede refugiados foi complicado pela suposição de que havia algum teste objetivo da capacidade de absorção. Oconflito entre duas interpretações opostas, eigualmente defensáveis, da promessanoTratado de Neuilly "degarantir as saídas econômicas da Bulgária parao Mar Egeu" foi um outro exemplo da confusão surgida do uso muito irresponsável desta palavra enganosa. Tentativas de resolver problemas internacionais através da aplicação de princípios econômicos divorciados da política estão fadadas àesterili dade. Omais patente fracasso prático, causado pela persistência desta ilusão do século dezenove, foi afalência das sanções da Liga em 1936. Uma leituracuidadosa do texto do Artigo 16 do Pacto absolve seus elaboradores da responsabilidade pelo erro. O parágrafo 1prescreve as armas econômicas, oparágrafo 2as armas políticas, aserem empregadas contraovioladordo Pacto.Oparágrafo2éclaramente complementar ao parágrafo 1, epresume, por ser óbvio, que, naeventualidade da aplicação de sanções, seriam necessárias "forças armadas para proteger os Membros da Liga". A única diferença entre os dois parágrafos èque, enquanto todos os membros teriam de aplicar as armas econômicas, seria natural utilizar as forças armadas necessárias dos membros que as possuíssem em força suficiente e em proximidade geográfica 30. "Eu deliberadamente me furtei detocar nos aspectos estritamente políticos... É, contudo, impossível ignorarofato de estarmos trabalhando àsua sombra" (Report... on the Possibility ofObtainingaGeneral Reducüon of the Obstadcs to International Tradc, Cmd. 5648). 31. Todas essas passagens foram retiradas doReport ofthe Palcstine Royal Commission of 1937, Cmd. 5479, págs. 298-300. SgÇ?üi!?f!lv*'.:: 118 Vinte Anos de Crise: 1919-1939 razoável do ofensor32. Comentaristas subseqüentes, obcecados pelo pressuposto de que economia e políticasão coisasseparadas e separàveis, desenvolveram a doutrina deque os parágrafos 1e 2 do Artigo 16não eram complementares, masalternativos; sendo a diferença o fato de que as "sanções econômicas" eram obrigatórias e as "sanções militares" opcionais. Esta doutrina foi ardentemente sustentada pelos muitos quea'Liga poderia, concebivelmente, valer uns poucos milhões delibras em comércio, mas não uns poucos milhões de vidashumanas; e no famosoPlebiscito da Paz, de 1934 na Grã-Bretanha, cerca de dois milhões de votantes iludidos expressa ram, simultaneamente, sua aprovação quanto às sanções econômicas e sua desapro vação quanto
Compartilhar