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FERENCZI, Sándor. El niño mal recebido y su impulso de muerte. In: Obras Completas, Psicoanálisis, Tomo III. Tradução de Alessandro José Berloffa Tofalini. Revisão da tradução de Juana Ester Kogan. Madrid: Editora Espasa-Calpe S. A., 1984. Disponível em: <http://www. indepsi.cl/ferenczi/articulos/1929b.htm>. Data de acesso: 15/05/2015. A CRIANÇA MAL RECEBIDA E SUA PULSÃO DE MORTE1 (1926) Sándor Ferenczi Em um pequeno trabalho sobre “Frio, enfermidade e nascimento”, Ernest Jones, referindo-se às minhas reflexões do artigo “O desenvolvimento do sentido de realidade e seus estádios”2, assim como às ideias de Trotter, Stärcke, Alexander e Rank a respeito, atribuiu parcialmente a tendência de tanta gente a esfriar-se, às impressões traumáticas da primeira infância, em particular aos sentimentos de desagrado que a criança experimenta quando é arrancada do calor do meio materno, sentimento que mais adiante, em virtude da lei da repetição obrigatória, tem que reviver sem cessar. Jones fundava, sobretudo, suas conclusões em considerações fisiopatológicas, mas também, em parte, em considerações analíticas. Nessa curta comunicação, quis expor-lhes uma reflexão similar, que afeta um terreno mais amplo Por trás do trabalho revolucionário de Freud sobre as bases impulsivas de tudo o que é orgânico, bases que somente podem ser analisadas mais adiante (em “Mais além do princípio do prazer”) nos habituamos a considerar todos os fenômenos da vida, incluindo os da vida psíquica, como uma mescla das formas de manifestação dos impulsos básicos: a pulsão de vida e a pulsão de morte. Temos ouvido Freud atribuir um fenômeno patológico ao desencadeamento quase perfeito desses dois impulsos principais; segundo sua hipótese, na sintomatologia da epilepsia se expressa o desencadeamento de uma tendência à autodestruição, quase isenta das inibições da vontade de viver. Depois, minhas investigações psicanalíticas reforçaram minha convicção sobre o oportuno dessa ideia. Conheço casos em que a crise epilética era seguida por experiências de desagrado que davam ao paciente a impressão de que não valia a pena viver a vida. (Naturalmente, não quero dizer nada definitivo enquanto à natureza do ataque). 1 Em alemão “das unwillkommene kind”. É o “não bem-vindo”, o mal vindo. Se fala frequentemente da criança não desejada, mas não é isso que Ferenczi quer dizer aqui. 2 Veja-se o primeiro tomo das obras completas. Quando fui chefe médico em um hospital militar, durante a guerra, um de meus trabalhos era o de pronunciar-me sobre a aptidão para o serviço de numerosos epiléticos. Uma vez excluídos os casos, frequentes, de simulação e de ataques histéricos, havia uma série de casos que apresentavam fenômenos epiléticos típicos, e me permitiam estudar mais a fundo as manifestações da pulsão de morte. A fase de rigidez tônica e de convulsões clônicas era seguida, frequentemente, com persistência do coma profundo e da dilatação pupilar, de um relaxamento completo da musculatura e de uma respiração em estertores cada vez mais insuficiente, extremamente penosa e provocada, claramente, pela atonia dos músculos da língua e da laringe. Nessa situação, uma pequena obturação dos órgãos respiratórios ainda disponíveis podia, frequentemente, cortar o ataque. Em outros casos, tal tentativa teve que ser interrompida pelo perigo de asfixia. Não havia mais que um passo para supor, por trás dessa diferença enquanto à profundidade do coma, uma diversidade concernente à força dos impulsos de desatar-se. Desgraçadamente, circunstâncias outras me impediram de avançar no estudo analítico desses casos. A análise de determinadas perturbações circulatórias e respiratórias de origem nervosa, em particular a asma brônquica e também de casos de inapetência total e de magreza, anatomicamente inexplicáveis, me permitiram examinar mais a fundo a gênese das tendências de autodestruição inconscientes. Todos esses sintomas se relacionam bastante bem com a tendência psíquica geral dos pacientes que deviam lutar esforçadamente contra impulsos suicidas. Durante a análise retrospectiva de alguns casos de espasmo da glote infantil, tive que interpretar duas delas como tentativas de suicídio por auto estrangulação. A análise desses últimos casos me conduziu à suposição que vou expor aqui, com a esperança de que tão numerosos observadores (penso em especial nos pediatras) aportem um material suplementar em seu apoio. Ao nascer, ambos pacientes foram hóspedes não queridos em uma família. Um por ser o décimo filho de uma mãe sobrecarregada de trabalho, e o outro porque descendia de um pai afetado por uma enfermidade mortal, que efetivamente morreu pouco depois. Todos os indícios confirmam que ambas crianças captaram perfeitamente os signos conscientes e inconscientes de aversão ou de impaciência da mãe e que sua vontade de viver foi destroçada. Por motivos fúteis, durante a vida posterior, se suscitava neles a vontade de morrer, incluindo quando estava compensada por uma forte tensão da vontade. O pessimismo moral e filosófico, o ceticismo e a desconfiança se converteram em traços de caráter sobressalentes desses sujeitos. Também podia se falar de nostalgia, apenas dissimulada, de ternura (passiva), de inapetência pelo trabalho, de incapacidade de manter um esforço prolongado, isto é, de um certo grau de infantilismo emocional, não sem algumas tentativas de consolidação forçada do caráter. Um caso de alcoolismo, em uma mulher todavia jovem, se mostrou como uma situação particularmente grave de desgosto pela vida, situação presente desde a infância; ela se servia naturalmente das dificuldades na situação analítica para fazer surgir impulsos suicidas difíceis de dominar. Conseguiu acordar-se, e o dado foi confirmado por membros de sua família, de que foi acolhida de forma pouco amorosa por ser a terceira filha de uma família sem varões. Naturalmente ela se sentia inocente, e tentava explicar o ódio e a impaciência de sua mãe dando voltas no assunto. Durante toda sua vida manteve certa inclinação pela especulação cosmológica, com um ponto de pessimismo. Do mesmo modo, suas reflexões sobre a origem de todo o vivo não eram senão uma prolongação da pergunta sem resposta: por que me trouxe ao mundo se não me ia acolher amavelmente? Aqui, como nos demais casos, o conflito edipiano constituía naturalmente uma prova de força; não tinha altura para afrontá-lo, o mesmo que não era capaz de solucionar os problemas de adaptação à vida conjugal que, casualmente, eram de uma dificuldade pouco comum; se sentia frígida; do mesmo modo, as crianças do sexo masculino “não desejados”, que pude observar, sofriam de perturbações maiores ou menores de sua potência. Frequentemente se achava, nesses casos, a disposição aos enfrentamentos indicada por Jones; em um caso especial, se dava, inclusive, uma caída noturna da temperatura, totalmente extraordinária, difícil de explicar no plano orgânico, com uma temperatura fora do normal. Não vou tratar de esgotar, nem sequer até a metade, o problema semiótico desse tipo de enfermidade, apresentada aqui somente desde o ponto de vista etiológico; como adverti, não é suficiente a experiência de um somente. Unicamente quis indicar a probabilidade de que as crianças acolhidas com frieza e sem carinho morram facilmente pela própria vontade. Ou utilizam um dos numerosos meios orgânicos para desaparecer rapidamente ou, se escapam desse destino, lhes ficará, sempre, certo pessimismo e certo desgosto pela vida. Essa suposição etiológica se apoia em uma das diferentes concepções teóricas em uso, relativas à eficácia das pulsões de vida ou de morte nas diferentes etapas da vida. Existia a tendência a pensar que nos indivíduos que acabam de chegar à vida, as pulsões desse tipo eram mais importantesdevido ao impressionante empurrão do crescimento; em geral, se tendia a representar as pulsões de morte e de vida como simples séries complementares, nas quais o máximo de vida devia corresponder ao seu início e o ponto zero à idade avançada. Agora parece que não ocorre assim exatamente. De qualquer forma, ao início da vida intra e extrauterina, os órgão e suas funções se dilatam com uma abundância e uma rapidez surpreendentes, mas somente em condições particularmente favoráveis de proteção do embrião e da criança. A criança deve ser levada, com muito amor, ternura e cuidados, a perdoar seus pais por haver-lhe trazido ao mundo sem o consultar, porque de outro modo os impulsos de destruição despertam prontamente. E, no fundo, não há porque estranhar-se isso, pois o bebê, contrariamente ao adulto, está muito mais perto do não-ser individual, do que não tenha sido afastado ainda pela experiência de vida. Para as crianças, caminhar até esse não-ser seria muito mais fácil. A “força vital” que resiste às dificuldades da vida não é ainda muito forte no momento do nascimento; aparentemente somente se reforça por trás da imunização progressiva contra os atentados físicos e psíquicos, mediante um tratamento e uma educação levadas com tato. De acordo com o decrescimento da curva de morbidez e de mortalidade da idade média, a pulsão de vida podia contrapesar as tendência à autodestruição na idade madura. Se queremos esclarecer os casos que surgem dessa etiologia entre os “tipos de enfermidade” dos quais Freud oferece uma definição muito precoce e, contudo, muito incompleta, haveria que situá-los, aproximadamente, no ponto de transição entre as neuroses puramente endógenas e as neuroses exógenas, isto é, as neuroses de frustração. Aqueles que perdem precocemente o gosto pela vida aparecem como seres carentes da capacidade de adaptação, semelhantes àqueles, segundo a classificação de Freud, sofrem de uma debilidade congênita de sua capacidade de viver, sempre com a diferença de que em nossos casos o caráter congênito da tendência doentia é simulado, devido à precocidade do trauma. Naturalmente fica, todavia, algo a resolver: constatar as diferenças máximas entre a sintomatologia neurótica das crianças maltratadas desde o princípio e a daqueles que são primeiro tratados com entusiasmo, e até com amor apaixonado, sendo logo abandonados. Aqui se coloca naturalmente a questão de saber se tenho algo a dizer enquanto tratamento específico dessa categoria mórbida. De acordo com minhas tentativas de “elasticidade da técnica analítica” já aludidas, nos casos de diminuição do prazer de viver, me vi obrigado paulatinamente a deduzir cada vez mais as exigências enquanto à capacidade de trabalho dos pacientes. Por último se impôs uma situação que somente posso descrever desse modo: há que deixar atuar o paciente, durante certo tempo, como uma criança, o qual não é alienado da “preparação ao tratamento” que Anna Freud considera necessária na análise de crianças. Esse deixar fazer equivale a permitir aos pacientes disfrutar, pela primeira vez, da irresponsabilidade da infância, o que equivale a introduzir pulsões de vida positivas, e razões para continuar existindo. Somente mais tarde podem abordar-se, com prudência, essas exigências de frustração que caracterizam por outra parte nossas análises. Mas, naturalmente, essa análise, como qualquer outra, deve terminar com o abrandamento das resistências que inevitavelmente desperta e com a adaptação à realidade rica em frustrações, mas completada também com a faculdade de gozar ali onde se possa fazer. Uma senhora, unilateralmente influenciada pela psicologia do Ego, muito inteligente de outra maneira, ao falar-lhe da importância de introduzir “pulsões de vida positivas”, ou seja, ternura, com as crianças, me fez essa questão: como pode conciliar-se isso com a importância que a psicanálise dá à sexualidade na gênese da neurose? A resposta não foi difícil; na “Teoria da genitalidade” 3, sustentei que as manifestações vitais das crianças pequenas são quase exclusivamente libidinosos (eróticas), mas que esse erotismo, justamente a causa de sua ubiquidade, passa despercebida. Somente por trás da formação de um órgão específico do erotismo a sexualidade se faz conhecível e inevitável. Essa resposta se dirige também aqueles que quiseram atacar a teoria da neurose segundo Freud, fundada na teoria da libido. Pelo resto já assinalei que são frequentemente somente os combates do conflito edipiano e as exigências da genitalidade os que permitem que se manifestem as conseqüências do desgosto pela vida, adquirido precocemente. 3 “Thalassa, ensaio sobre uma teoria da genitalidade” no tomo III das Obras Completas.
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