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A TEORIA BEHAVIORISTA DE BLOOMFIEL

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UFC VIRTUAL – LETRAS-PORTUGUES – LINGUÍSTICA: FORMALISMO – PROF. DR. PAULO MOSÃNIO 
A TEORIA BEHAVIORISTA DE BLOOMFIELD (retirado de DUARTE, Paulo Mosânio T. Introdução à semântica. 2d. 
Fortaleza: Edições UFC, 2004, p.27-28) 
 
Existe uma tentativa de explicar o significado sem necessidade de recorrer-se a entidades tidas como 
metafísicas: mente, consciência, pensamento. Estamos nos referindo à teoria behaviorista, à qual Lyons (s.d. p. 
103-105) atribui quatro características, que não são necessariamente indissociáveis: 
a) rejeição ao mentalismo: o que implica o afastamento de noções como mente e consciência, atribuindo-
se ao pensamento o caráter de discurso inaudível; 
b) identificação essencial entre o comportamento humano e animal: o que conduz à biologização da 
psicologia; 
c) empirismo: que leva à ênfase na experiência como meio primordial de conhecimento; 
d) determinismo mecanicista: segundo o qual os fenômenos que acontecem no universo, inclusive as 
ações humanas, são determinados conforme as mesmas leis físicas. 
Entre os lingüistas de tendência behaviorista, cabe especial menção a Bloomfield (1933), que analisou o 
significado em função de três fatores: 
a) situação do falante; 
b) o enunciado; 
c) a resposta do ouvinte. 
O exemplo clássico de Bloomfield para um acontecimento de fala é este: Jack e Jill passeiam e Jill vê uma 
maçã numa árvore. Como está com fome, solicita a Jack que a apanhe. Este sobe na árvore, dá a maçã a Jill, que a 
come. Interpretando: 
a) o fato de Jill ter fome constitui o estímulo (S); 
b) ao invés de dar resposta mais direta (R), subindo ela própria na árvore para pegar a maçã, produz uma 
resposta substituta (r), que é um enunciado; 
c) ao agir sobre Jack, o enunciado tem status de estímulo substituto (s); 
d) o estímulo-substituto provoca em Jack uma resposta (R); 
Bloomfield simboliza a cadeia estímulo-resposta do seguinte modo: 
 
 S → r...s → R 
 
A descrição do evento peca pelo excesso de mecanicismo. Assim, a fome de Jill é descrita em termos de 
contrações musculares e fluidos secretados no estômago dela. As ondas luminosas provenientes da maçã vermelha 
atingiam os olhos de Jill, que, em vez de ter ido apanhar, preferiu recorrer a um enunciado verbal, através do qual 
estimulou vicariamente Jack a apanhar a maçã. Mas nem sempre as explicações são claras em Bloomfield. São por 
vezes vagas como os fatores predisponentes (predisposing factors), que ocorrem para explicar “acidentes” no 
percurso estímulo-resposta. Bloomfield assim se expressa: "a ocorrência de um discurso (e, como veremos, a 
verbalização dele) e toda história dos eventos práticos antes e depois dele dependem da história de vida inteira do 
falante e do ouvinte" (1933, p. 23). 
É esta variável que determina os fatores predisponentes e fogem ao controle de qualquer observador, 
dadas as inúmeras particularidades que envolveriam cada caso. 
Portanto, não estamos perante idéias, mas eventos práticos, supostamente aferíveis na situação 
extralingüística, conforme atesta o excerto abaixo. 
As situações que nos preparam para enunciar qualquer forma lingüística são muito variadas; os filósofos 
nos dizem, com efeito, que não há jamais duas situações idênticas. Cada um de nós usa a palavra maçã, 
no curso de alguns meses, referindo-se a diversas frutas individuais, que diferem em tamanho, forma, cor, 
cheiro, gosto etc. Em um caso favorável, tal como aquele da palavra maçã, todos os membros da 
comunidade de fala têm sido treinados, desde a infância, a usar a forma lingüística sempre que a situação 
(neste caso, o objeto) apresente certas características relativamente definíveis. Mesmo em casos como 
estes, nosso uso não é nunca muito uniforme e a maior parte das formas lingüísticas têm menos significados 
facilmente discrimináveis. Todavia, é claro que devemos diferenciar entre traços não distintivos da situação, 
tais como tamanho, forma, cor etc. de qualquer maçã particular, e o significado lingüístico, distintivo (os 
traços semânticos que são comuns a todas as situações que emergem a partir da enunciação da forma 
lingüística), tais como os traços que são comuns a todos os objetos para os quais o povo de língua inglesa 
usa a palavra maçã (1933, p. 140-41). 
Eis a explicação mecanicista e materialista para o significado, em termos de eventos práticos. Trata-se de 
uma falácia, pois recorrendo a termos fisiológicos, a fim de evitar alusões a processos não-físicos, como 
pensamento, conceito, imagem, sentimento, ato de vontade, a teoria behaviorista na verdade pouco explica. Usa o 
aparato da fisiologia para dar um aspecto de cientificidade às suas pretensas explicações. Bloomfield reconhece 
que há muito por explicar, de modo que as suas teses fisicistas ainda padecem de obscuridade. Ele mesmo o 
reconhece: 
mesmo se tivéssemos uma definição acurada do significado que é vinculado a cada uma das formas de uma 
língua, teríamos ainda de enfrentar uma dificuldade de outra espécie. Uma parte muito importante de toda 
situação é o estado do corpo do falante. Isto inclui, é óbvio, a predisposição do seu sistema nervoso, que 
resulta de todas as suas experiências, lingüísticas ou não, até exato momento. Isto sem falar nos fatores 
hereditários e pré-natais. Se pudéssemos manter uma situação externa idealmente uniforme e nela inserir 
diferentes falantes, ainda assim seríamos incapazes de mensurar o equipamento que cada falante trouxe 
consigo (1933, p.141). 
Como vemos, as dificuldades são inúmeras no âmbito de uma teoria behaviorista do significado. Tal como 
está posta por Bloomfield, ela é impraticável. 
O autor reconhece que, em muitas circunstâncias de fala, as pessoas, muito freqüentemente, enunciam 
uma palavra como maçã, quando nenhuma maçã está presente. Uma criança, na hora de dormir pode muito bem 
dizer I’m hungry (estou com fome), para evitar que sua mãe a leve para a cama, ao que ela não aquiesce. 
Bloomfield trata ambas as situações como discurso deslocado (displaced speech), porque num caso e noutro não 
ocorreram estímulos efetivos: a maçã não está presente e a criança não está de fato sentindo fome. Ora, tratar um e 
outro evento como ilustrativos de discurso deslocado nada explica, muito menos em termos de behaviorismo. 
Apenas é uma questão de rótulo. 
Parece bastante simples, senão ingênua a afirmação de que “os usos deslocados do discurso são 
derivados, de maneira razoavelmente uniformes, a partir do seu valor primário estabelecido em dicionários” (1933, 
p. 142). Não convence a asserção de que tão logo saibamos o significado dicionarial de uma forma, estamos 
plenamente aptos a usá-la em um discurso deslocado. Este simples rótulo está longe de explicar a mentira, a ironia, 
a poesia, a ficção narrativa, entre outros fenômenos de linguagem. 
Na ilusão de definir o significado das formas lingüísticas, recorrendo aos diversos campos do saber 
humano, como a Química, a Botânica, a Zoologia, Bloomfield reconhece, no entanto, que “não temos meios 
precisos de definir palavras como amor e ódio, concernentes a situações que não têm sido ainda perfeitamente 
classificadas”. 
Acrescente-se o arrazoamento de Câmara Jr. (1978), a propósito do signo lingüístico enquanto portador de 
um significado representativo, fora do domínio da abordagem científica. 
Um valor representativo desses nem sempre é bem delimitado e nítido, pois as palavras da língua, com os 
seus significados, não resultam de um raciocínio consciente sobre o mundo das coisas, mas de uma 
atividade da inteligência intuitiva, procurando consubstanciar experiências parceladas sem a visão de um 
conjunto. Daí o conflito entre o léxico usual e a terminologia científica, onde entrou a linha diretriz de um 
pensamento racional. Para a língua comum, a aranha é um inseto; a espiral e a hélice são equivalentes e 
assim “o fumo sobe em espirais”, e a baleia pode perfeitamente ser um peixe, como ressaltou Greenough e 
Kittredge a propósitodo correspondente inglês whale, lembrando que para o alemão a formação do 
vocábulo selou até esta classificação para todo o sempre (1978, p. 49). 
A questão crucial que se põe não é, portanto, a língua como mera representação da realidade. A descrição 
estrutural dos significados é possível adotando-se uma versão matizada do relativismo lingüístico para o qual um 
dado sistema lingüístico revela, tanto no seu léxico como na sua gramática, uma classificação e uma ordenação dos 
dados da realidade, típicas deste sistema (cf. BIDERMAN, 1978, p. 80-93).

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