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Curso de Psicologia Geral 
 Volume 1
A presente obra compõe-se de quatro volumes, a saber: 
I. Introdução Evolucionista à Psicologia 
II. Sensações e Percepção 
III. Atenção e Memória 
IV. Linguagem e Pensamento 
A. R. Luria 
Curso de Psicologia Geral 
Volume I 2º Edição 
Introdução Evolucionista. à Psicologia 
Tradução de PAULO BEZERRA 
Sociedade Unificada Paulista de Ensino Renovado Objetivo – SUPERO DATA 11/01/99 Nº DA CHAMADA 
159.9 – 1967C - 2.ED.V.1 E.3 Nº DE VOLUME 14.013/99 REGISTRADO POR 
LILIANE 
civilização 
brasileira \ 
Título do original em russo: 
EVOLYUTSIÕNNOE VVEDÊNIE VPSIKHOLÓGUIYU 
Capa: DOUNÊ 
Diagramação: LÉA CAULLIRAUX 
Revisão: 
UMBERTO F. PINTO 
e MARIO ELBER CUNHA 
1991 
Direitos desta edição reservados à 
EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A. 
Av. Rio Branco, 99-20? andar - Centro 
20040 - Rio de Janeiro - RJ 
Tel.: (021) 263-2082 Telex: (21) 33798 Fax: (021) 263-61Í2 
Impresso no Brasil Printed in Brazil 
Sumário 
I — A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA. O OBJETO E A 
IMPORTÂNCIA PRÁTICA 1 
A história da Psicologia como ciência 2 
A Psicologia e outras ciências 7 
Partes principais da Psicologia 11 
Os métodos em Psicologia 17 
A importância prática da Psicologia 23 
II — A EVOLUÇÃO DO PSIQUISMO 29 
A origem do psiquismo 29 
 Variabilidade do comportamento dos protozoários 32 
 Mecanismos do comportamento dos protozoários 34 
 Origem do sistema nervoso e suas formas mais simples 36 
O sistema nervoso ganglionar e o surgimento dos programas de comportamento mais simples 38 
Surgimento das formas complexas de programação hereditária do comportamento ("instintivo") 42 
 O sistema nervoso central e o comportamento individualmente variável dos vertebrados 50 
Mecanismos do comportamento individualmente variável 56 
O comportamento "intelectual" dos animais 62 
 Fronteiras do comportamento individualmente variável dos animais 68 
A ATIVIDADE CONSCIENTE DO HOMEM E SUAS RAÍZES HISTÓRIGO-SOCIAIS 71 
 
Princípios gerais 71 
O trabalho e a formação da atividade consciente 95 
A linguagem e a consciência do homem 77 
 A importância da linguagem para a formação dos 
processos psíquicos 81 
O CÉREBRO E OS PROCESSOS PSÍQUICOS 85 
O problema da relação dos processos psíquicos com o cérebro 85 
Princípios da organização funcional do cérebro humano 93 
Os três "blocos" principais do cérebro 94 
O bloco do tônus do córtex ou bloco energético do cérebro 95 
Bloco do recebimento, elaboração e conservação da informação 100 
O bloco da programação, regulação e controle de atividade 107 
O princípio da lateralização no funcionamento dos grandes hemisférios 113 
I 
A Psicologia Como Ciência. 
O Objeto e a Importância 
Prática 
O HOMEM VIVE e atua em um meio social. Sente necessidades e procura satisfazê-las, recebe 
informação do meio circundante e por ele se orienta, forma imagens conscientes da realidade, cria planos 
e programas de ação, compara os resultados de sua atividade com as intenções iniciais, experimenta 
estados emocionais e corrige os erros cometidos. 
Tudo isto representa a atividade do homem no plano psicológico, que constitui o objeto de uma ciência: a 
Psicologia. Esta ciência se propõe a tarefa de estabelecer as leis básicas da atividade psicológica, estudar 
as vias de sua evolução, descobrir os mecanismos que lhe servem de base e descrever as mudanças que 
ocorrem nessa atividade nos estados patológicos. Só uma ciência capaz de estudar as leis da atividade 
psicológica com uma precisão possível pode assegurar o conhecimento dessa atividade e sua direção em 
bases científicas. É justamente por isso que a Psicologia científica se torna uma das disciplinas mais 
importantes, cujo significado crescerá cada vez mais com o 
1 
desenvolvimento da sociedade e o contínuo aperfeiçoamento dos seus métodos. 
A história da Psicologia como ciência 
É muito breve a história da Psicologia como ciência. No entanto remontam a um passado muito distante 
as primeiras tentativas de descrever a vida psíquica do homem e explicar as causas dos seus atos. Na 
Antigüidade, por exemplo, os médicos já entendiam que para identificar as doenças era necessário saber 
descrever a consciência do homem e descobrir as causas dos seus atos. 
Esse enfoque materialista do comportamento do homem foi, séculos a fio, combatido pela filosofia 
idealista e a Igreja, que viam na consciência do homem uma manifestação da sua vida espiritual, 
considerando que esta não obedecia às mesmas leis a que se subordinava toda a natureza material e por 
isto sua análise não podia ser feita a partir da explicação causai dos fenômenos. 
Por esses motivos o mundo psicológico do homem e sua consciência foram vistos durante séculos como 
fenômenos de tipo especial, isolados de todos os outros processos naturais. Os filósofos assumiam 
diferentes posições em relação à consciência, considerando-a manifestação da razão divina ou resultado 
de sensações subjetivas, onde eles viam os "elementos" mais simples que serviam de base à consciência. 
Mas todos os filósofos idealistas estavam imbuídos da convicção de que a vida psíquica devia ser 
entendida como manifestação de um mundo subjetivo especial, que podia ser revelado somente na auto-
observação, sendo inacessível à análise científica objetiva ou à explicação científica. 
Séculos a fio esse enfoque dos processos psíquicos deteve a evolução da psicologia científicas e mesmo 
depois de os processos do mundo exterior se haverem tornado objeto de estudo científico preciso os 
fenômenos da vida psíquica do. homem continuaram sendo vistos como manifestação de um mundo 
espiritual específico, acessível apenas à descrição subjetiva. 
A divisão de todos os fenômenos em duas grandes categorias — a categoria dos fenômenos físicos, 
acessíveis à explicação causai, e a dos fenômenos psíquicos, inacessíveis à análise cien- 
2 
tífica objetiva — foi consolidada pelas teses básicas da filosofia dualística de Descartes, para quem todos 
os processos físicos, incluindo-se o comportamento animal, estão subordinados às leis da mecânica, ao 
passo que os fenômenos psíquicos devem ser considerados como formas do espírito, cuja fonte de 
conhecimento pode ser encontrada apenas na razão ou intuição. 
O enfoque dualista se manteve até período recente na filosofia e Psicologia em muitos países. Se 
considerarmos que os pensadores do século XIX começaram a focalizar os processos elementares dos 
campos físico e psíquico (incluindo sensações e movimentos) como processos naturais suscetíveis de 
estudo por métodos científicos exatos, os fenômenos superiores do campo psíquico (consciência, 
pensamento) continuavam a ser considerados manifestação do campo espiritual, que podia ser abordado 
somente por meio da descriçãosubjetiva dos fenômenos que nele ocorrem. Essa tese levou à divisão real 
da Psicologia em dois campos no final do século XIX: a Psicologia naturalista científica ou Psicologia 
fisiologista, que tentava estudar com precisão e explicar pela causalidade os processos psicológicos 
elementares e definir-lhes as leis objetivas, e a Psicologia descritiva ou subjetiva, que estudava as formas 
superiores do campo consciente do homem, enfocando-as como manifestações do espírito. O enfoque 
dualista aos fenômenos do campo psicológico refletiu-se nos trabalhos dos clássicos da psicologia como 
os psicólogos alemães Wilhelm Wundt (1832^1920), Hermann Ebbinghaus (1856-1909), o psicólogo 
americano "William James (1842-1910) e o representante da filosofia idealista Wilhelm Dilthey (1833-
1911) e outros. 
A influência do enfoque dualista dos fenômenos psicológicos levou a Psicologia ao impasse e provocou 
tentativas naturais de superar a estagnação surgida nessa ciência, de aplicar métodos das ciências naturais 
ao estudo dos processos psicológicos e fazer destes a mesma análise que se fazia de todos os outros 
fenômenos da natureza. 
Essa tendência, que já surgira com os materialistas franceses e ganhara formulação nítida com os 
democratas revolucionários russos em meados do século XIX, teve sua patente mani festação na obra do 
célebre fisiologista russo Ivan Mikháylo-vitch Sétchenov (1829-1905). 
Em sua famosa obra, Os reflexos do cérebro, Sétchenov expôs a idéia segundo a qual até os processos 
mais complexos do campo psíquico devem receber tratamento materialista e ser 
3 
abordados como reflexos complexos; segundo essa idéia, o pensamento é um reflexo igualmente 
complexo porém inibido, carente de fim motor externo. Para ele, os fenômenos dg mundo psíquico devem 
ser estudados pelo naturalista com os mesmos meios empregados no estudo de outros fenômenos da 
natureza. Essa linha de pensamento foi seguida por outro notável fisiologista russo, Ivan Petrov Pávlov 
(1849-1936), criador do estudo objetivo da atividade nervosa (psíquica) superior com a aplicação dos 
reflexos condicionados. Outros notáveis representantes da ciência russa, como M. D. Bekhteryev (1857-
1927), A. A. Ukhtomsky (1857-1942) e outros tentaram formalizar um enfoque das bases objetivas e 
fisiológicas da atividade psíquica e fundamentar a possibilidade de uma Psicologia objetiva e naturalista. 
São essas as razões pelas quais o mundo psicológico do homem e sua consciência foram tratados, durante 
séculos, como fenômenos de tipo especial, isolados de todos os outros processos naturais. 
A doutrina dos reflexos condicionados de Pávlov, que ele mesmo via como base fisiológica da ciência 
psicológica, exerceu influência marcante na evolução da Psicologia americana. Em fins do século XIX, o 
psicólogo americano Edward Lee Thorn-dike começou a estudar o comportamento dos animais, aplicando 
métodos que permitiam observar como os animais adquiriam novas habilidades em laboratório. Essas 
pesquisas serviram de base a uma nova corrente na Psicologia, denominada behavio-rismo (ciência do 
comportamento) pelo psicólogo americano J. B. Watson. Nessa corrente, Watson via a forma científica 
natural da ciência psicológica, que devia substituir a Psicologia. Partindo da tese segundo a qual a 
"consciência" não passa de um conceito subjetivo, inacessível à pesquisa objetiva, os beha-vioristas 
americanos propuseram que se considerasse objeto da pesquisa científica apenas o comportamento 
externo do animal, comportamento esse que eles consideravam resultado das inclinações (necessidades) 
biológicas dos animais e dos reflexos condicionados a eles sobrepostos. Assim surgiu uma nova corrente 
na ciência, que abandonava todo o estudo do mundo subjetivo e limitava-se à descrição das formas 
exteriores de comportamento, cujas leis eram tratadas como sistema de habilidades mecanicamente 
constituído, inteiramente suscetíveis de análise naturalista. 
4 
A tentativa de substituir a Psicologia pelo estudo do comportamento exterior e das leis da aquisição de 
habilidades complexas era reflexo da luta por uma Psicologia científica objetiva e teve importância 
progressista em sua época. 
Mas o behaviorismo americano, como exemplo de um enfoque excessivamente mecanicista da atividade 
psíquica, iria revelar muito breve as suas limitações e levar a Psicologia a uma crise não menos patente do 
que a crise do enfoque dualista dos fenômenos psíquicos. 
Por outro lado, o que ficou evidente alguns anos após a tempestuosa evolução do behaviorismo 
americano, a explicação mecanicista nele dominante de processos como a formação de habilidades não 
mostrava os autênticos mecanismos fisiológicos destas e substituía sua pesquisa fisiológica científica por 
uma descrição exterior e uma interpretação mecanicista desses fenômenos. Por outro lado, a imensa 
parcela de formas complexas da atividade psíquica do homem, que se manifesta na atividade consciente 
dos modos e procedimentos superiores de comportamento especificamente humanos, de atenção ativa, da 
memorização arbitrária e do pensamento lógico era geralmente mantida à margem do campo da pesquisa 
científica. 
Era por isso que nos limites do próprio behaviorismo já começava a surgir a necessidade de ultrapassar os 
limites das descrições mecanicistas simplificadas das habilidades elementares e passar a uma análise 
científica das formas mais complexas da. atividade psíquica do homem. 
Foi essa necessidade de criação de uma Psicologia autenticamente científica, capaz de abordar com 
métodos científicos objetivos as formas mais complexas da vida psíquica do homem, que se converteu na 
questão fundamental que a década de 30 -do nosso século assimilou como condição que podia tirar a 
Psicologia do estado de crise. 
As vias para superar a crise na Psicologia foram formuladas pela primeira vez pelo notável psicólogo 
soviético Lyev Semiônovitch Vigotsky (1896-1934); elas se converteram na base para a posterior 
evolução da Psicologia como ciência, a princípio na URSS e em seguida além de suas fronteiras. 
Como já tivemos oportunidade de salientar, o sentido histórico da crise da Psicologia deveu-se ao fato da 
evolução desta ciência ter assumido duas direções. A primeira, que dava continuidade às tradições do 
enfoque científico-natural dos fenômenos, propunha-se a tarefa de explicar os processos psí- 
5 
quicos limitando-se de fato aos processos psicofisiológicas mais elementares e recusando-se a examinar 
os fenômenos complexos e especificamente humanos da atividade consciente. A segunda orientação 
tomou como objeto de sua análise justamente esses fenômenos exteriores da atividade consciente 
especificamente humanos, limitando-se, porém, à descrição das manifestações subjetivas de tais 
fenômenos, considerando-os manifestação do espírito e recusando-se a dar aos mesmos um enfoque 
científico causai. 
Para Vigotsky, a tarefa principal para superar essa crise consistia em converter em objeto da pesquisa as 
formas superiores e especificamente humanas de atividade consciente e enfocá-las da ótica da análise 
científica, explicar por via causai a sua origem e definir as leis objetivas a que elas se subordinam. 
Mas a execução dessa tarefa exigia uma revisão radical das teses básicas da Psicologia. 
Como observou Vigotsky, a tentativa de enfocar o psiquismo como função imediata do cérebro e procurar 
a sua fonte no recôndito do cérebro é tão inútil quanto a tentativa de considerar o psiquismo como forma 
de existência do espírito. A vida psíquica dos animais surge no processo de sua atividade e é uma forma 
de representação da realidade, é realizada pelo cérebro mas pode ser explicada somente pelas leis 
objetivas dessa atividade representativa. De modo semelhante, as formas superiores de atividade 
consciente, de atenção ativa, memorização arbitrária e pensamento lógico que são específicas do homem 
não podem ser consideradasproduto natural da evolução do cérebro, sendo o resultado da forma social 
específica de vida, que é característica do homem. Para explicar por via causai as funções psíquicas 
superiores do homem, é necessário ir além dos limites do organismo e procurar-lhes as fontes não no 
recôndito da ahna ou nas peculiaridades do cérebro mas na história social da humanidade, nas formas 
de linguagem e trabalho social que se constituíram ao longo da história da sociedade e trouxeram para a 
vida tipos mais aperfeiçoados de comunicação e novas formas de atividade consciente. 
Ao procurar tornar-se ciência autêntica, a Psicologia deve estudar a origem socialmente histórica das 
formas superiores de atividade consciente e assegurar uma análise científica das leis que lhes servem de 
base. 
6 
Essas teses básicas mudam radicalmente as tradições da psicologia dualista e delineiam 
nitidamente o objeto de uma Psicologia científica. 
A Psicologia do homem deve ocupar-se da análise das formas complexas de representação da 
realidade, que se constituíram ao longo da história da sociedade e são realizadas ]ielo cérebro 
humano. Ela deve substituir a anterior descrição subjetiva das formas complexas de atividade 
consciente por uma análise científica objetiva dessas formas, sem substituir essa tarefa pelo 
estudo dos processos fisiológicos que lhes servem de base nem limitar-se à descrição exterior 
dos mesmos. É essa a tarefa da ciência psicológica, que deve estabelecer as leis da sensação e 
percepção humana, regular os processos de atenção e memorização, de realização do 
pensamento lógico, formação das necessidades complexas e da personalidade, considerando 
todos esses fenômenos como produto da história social e sem separar esse estudo da análise dos 
mecanismos fisiológicos que lhes servem de base. É isto que constituirá a essência da Psicologia 
geral no todo e da psicologia do homem no particular. 
A Psicologia e outras ciências 
A Psicologia só pode desenvolver-se em estreita ligação com outras ciências, que não a 
substituem mas lhe asseguram informação importante para que ela possa ser bem-sucedida na 
elucidação do seu próprio objeto. 
A biologia é a primeira ciência com a qual a Psicologia deve manter a mais estreita ligação. 
Se a Psicologia animal opera com as formas de comportamento dos animais que se desenvolvem 
no processo de interação deles com o meio, torna-se absolutamente claro que a completa 
interpretação das leis do comportamento animal é impossível sem o conhecimento das formas 
básicas de vida que constituem o objeto da biologia. É necessário ter uma noção suficientemente 
nítida das diferenças que existem na vida dos vegetais e animais para perceber o principal que 
distingue todo tipo de comportamento ativo, baseado na orientação no meio circundante, das 
formas de vida que se esgotam com os processos de metabolismo e podem ocorrer fora das 
condições de uma orientação ativa na realidade. É necessário ter uma noção precisa do que 
muda 
7 
nas condições de vida com a transição da existência de unicelu-lares num meio aquático homogêneo a 
formas incomparavelmente mais complexas de vida multicelular, sobretudo nas condições de existência 
terrestre, que apresenta exigências imensas à orientação ativa baseada nas condições do meio, orientação 
essa que é a única que pode assegurar sucesso na obtenção de alimentos e conjuração de perigos. É 
necessário conhecer bem a diferença de princípios de vida entre o mundo dos insetos, com sólidos 
programas congênitos que asseguram uma sobrevivência bem-sucedida em condições estáveis e são 
capazes de conservar a espécie até em condições de mudança, e o mundo dos vertebrados superiores com 
seus poucos descendentes, que podem sobreviver somente com a evolução de novas formas 
individualmente mutáveis de comportamento, que garantem a adaptação ao meio em mudança. Sem esses 
conhecimentos dos princípios biológicos gerais de adaptação não se pode assegurar nenhuma 
compreensão nítida das peculiaridades do comportamento dos animais e qualquer tentativa de interpretar 
as complexas formas de atividade psíquica do homem perderá sua base biológica. 
Eis porque é absolutamente necessário para a Psicologia científica levar em conta as leis básicas da 
biologia e novas partes delas como a ecologia (doutrina que estuda as condições do meio e suas 
influências) e a etologia (doutrina das formas congênitas de comportamento). É natural que os fatos 
constituintes do objeto da ciência psicológica não podem, em hipótese nenhuma, reduzir-se a fatos 
biológicos. 
A segunda ciência com a qual a Psicologia deve manter a mais estreita ligação é a jisiologia, sobretudo a 
parte referente à atividade nervosa superior. 
A fisiologia trata dos mecanismos que exercem diferentes funções no organismo, ocupando-se da 
atividade nervosa superior dos mecanismos de trabalho do sistema nervoso que concretizam o 
"equilíbrio" do organismo com o meio. 
É fácil perceber a absoluta necessidade de conhecer o papel desempenhado nesse último processo pelas 
diferentes fases do sistema nervoso, de conhecer as leis pelas quais realiza-se a regulação dos processos 
de metabolismo no organismo, pelas quais se regulam as leis de funcionamento do tecido nervoso, que 
materializa os processos de excitação e inibição, e das complexas formações nervosas que executam os 
processos de análise e síntese, de confluência das conexões nervosas, e asseguram os processos de 
irradiação e concentração da excitação; é igual- 
8 
mente importante o^ conhecimento das formas básicas de trabalho das células nervosas, que se encontram 
em estado normal ou inibido (fásico). Tudo isso é absolutamente necessário para que o psicólogo, que 
estuda os tipos principais de atividade psíquica do homem, não se limite à simples descrição desses tipos 
mas saiba em que mecanismos se baseiam essas formas altamente complexas de atividade, conheça os 
dispositivos que as executam, os sistemas em que elas ocorrem. Desconhecer as leis da fisiologia 
implicaria em privar a Psicologia de uma das fontes mais importantes de conhecimento científico. Para a 
Psicologia, tem importância decisiva a sua ligação com as ciências sociais. 
As formas principais de atividade psíquica do homem surgem nas condições da história social, 
desenvolvem-se no processo de atividade material surgido ao longo da história, baseiam-se nos meios 
que se formaram no processo de trabalho, de emprego dos instrumentos de trabalho e da linguagem. Se 
não usasse os instrumentos de trabalho e a linguagem, o homem não disporia sequer de uma ínfima parte 
das possibilidades de que dispõe o seu comportamento concreto, ficaria privado da comunicação com o 
meio ambiente, evoluiria à margem das condições do mundo material — surgido no processo da história 
da sociedade — nem assimilaria a experiência de toda a humanidade, que é transmitida por meio da 
linguagem, esse receptáculo da informação. É natural que as formas de'atividade do homem são 
executadas pelo cérebro e se apoiam nas leis dos seus processos nervosos superiores. Por si mesmo 
nenhum sistema nervoso é capaz de assegurar a formação da capacidade de usar instrumentos de trabalho 
e linguagem e explicar o surgimento das formas altamente complexas de atividade humana, surgidas no 
processo da história social. 
A verdadeira relação entre a Psicologia e a fisiologia consiste em que a primeira estuda as formas e meios 
de atividade que surgiram no processo da história social e determinam o comportamento, enquanto a 
fisiologia da atividade nervosa superior estuda os mecanismos naturais que materializam ou realizam esse 
comportamento. 
Tentar reduzir a Psicologia do homem à fisiologia da atividade nervosa superior — como em certa época 
propunham os pensadores mecanicistas — implicaria em cometer o mesmo erro do arquiteto que tentasse 
reduzir a origem e a análise dos estilos gótico e barroco ou o estiloImpério às leis da resistência 
9 
dos materiais que ele naturalmente deve levar em conta mas que em hipótese nenhuma podem 
explicar a origem dos estilos arquitetônicos. 
O êxito do desenvolvimento da Psicologia depende grandemente da correta compreensão da 
correlação dessas duas ciências e tanto o desconhecimento da fisiologia como a tentativa de 
reduzir a Psicologia à fisiologia retardariam o desenvolvimento da ciência psicológica. 
O que acabamos de afirmar deixa clara a imensa importância que tem para a Psicologia a sua 
ligação com as ciências sociais. Se na formação do comportamento do animal as condições 
biológicas de vida desempenham papel determinante, na formação do comportamento do 
homem esse papel é desempenhado pelas condições da história social, que cria formas novas de 
uma complexa relação com a realidade, mediada pelas condições de trabalho, formas essas que 
são as fontes de novas formas especificamente humanas de atividade psíquica. 
Adiante teremos oportunidade de ver que o primeiro emprego de instrumentos de trabalho e a 
primeira forma de trabalho social introduziram mudança radical nas principais leis biológicas de 
construção do comportamento e que o surgimento e, posteriormente, o emprego da linguagem 
— que permite conservar e transmitir a experiência de gerações — levaram ao surgimento de 
uma nova forma de evolução inexistente entre os animais: a forma de evolução mediante a 
assimilação da experiência social. A ciência psicológica atual, que estuda antes de tudo as 
formas especificamente humanas de atividade psíquica, não pode dar um só passo sem levar em 
conta os dados que obtém das ciências sociais: do materialismo histórico, que enriquece as leis 
básicas do desenvolvimento da sociedade, e da lingüística, que estuda as formas básicas de 
linguagem, surgida na história da sociedade. 
Só levando minuciosamente em conta as condições sociais, que formam a atividade psíquica do 
homem, pode a Psicologia obter uma sólida base científica. Encontraremos a aplicação desse 
princípio em todas as páginas seguintes, quando examinaremos todos os fatos psicológicos 
concretos. É essa a relação da Psicologia científica com as outras ciências, com as quais ela se 
desenvolve em estreito contato. 
10 
Partes principais da Psicologia 
A Psicologia, que até recentemente não era uma ciência dividida, representa hoje um sistema amplamente 
ramificado de disciplinas, que estudam a atividade psíquica do homem em diferentes aspectos. O que já 
dissemos antes deixa claro que algumas partes da Psicologia estudam as bases naturais dos processos 
psíquicos, aproximando-se da biologia e fisiologia, enquanto outras partes estudam os fundamentos 
sociais da atividade psíquica, aproximando-se das ciências sociais. 
A posição central cabe à Psicologia Geral, que estuda as formas básicas de atividade psíquica e constitui a 
viga-mestra de todo o sistema de disciplinas psicológicas. Afora a introdução teórica evolucionista, o 
exame de várias partes científicas faz parte da composição da Psicologia Geral. Entre essas partes 
incluímos a análise dos processos cognitivos (começando pelas sensações e percepções e terminando nas 
formas mais complexas de pensamento; compõem essa parte a análise das condições em que ocorrem os 
processos psíquicos e a análise das leis do pensamento, da memória, imaginação, etc), a análise dos 
processos afetivos (as necessidades do homem, as formas complexas de emoções), a análise da estrutura 
psicológica da atividade do homem e da regulação do seu desempenho e, por último, a análise da 
psicologia do indivíduo e das diferenças individuais. 
As partes aqui referidas serão objeto de exame das próximas páginas do presente livro. 
A elaboração dos problemas gerais da Psicologia foi objeto de trabalhos de muitos pensadores célebres, 
entre os quais sé situam clássicos como W. Wundt na Alemanha, W. James nos EUA, A. Binet e P. Janet 
na França e contemporâneos como-L. S. Vigotsky, S. L. Rubinstein, A. N. Leôntyev, A. A. Smirnov e V. 
M. Têplov na URSS, A. Vallon, A. Piéron e P. Fraisse na França, E. Nolman, G. Miller e J. Bruner nos 
EUA, Donald Hebb no Canadá e J. Broadbent na Inglaterra, etc. 
É contíguo à Psicologia Geral o grupo de partes biológicas da Psicologia. Todas elas estudam as bases 
naturalistas da atividade psíquica do homem. 
A primeira dessas disciplinas é a Psicologia comparativa ou Psicologia animal. Esta disciplina estuda as 
peculiaridades do comportamento animal em etapas sucessivas da evolução, aque- 
11 
Ias peculiaridades que dependem das condições de vida e da estrutura anatômica dos animais. Ela 
descreve os processos de mudança das formas de comportamento animal dependendo das exigências que 
o meio lhes impõe e dos principais tipos de adaptação às condições de vida, que são de caráter muito 
variado quando se tornam complexas as formas de vida. 
A segunda das disciplinas pertencentes ao grupo biológico das ciências psicológicas é a Psicologia 
fisiologista ou Psico-jisiologia. 
As bases dessa ciência foram lançadas na segunda metade do século XIX por pensadores que se 
propunham a tarefa de estudar os processos psicológicos do homem com a aplicação de diversos métodos 
fisiológicos, de estudar os mecanismos fisiológicos dos processos psicológicos. Foram precisamente esses 
pensadores que organizaram os primeiros laboratórios de Psicologia e elaboraram minuciosamente partes 
da Psicologia como a doutrina das sensações, sua medida e seus mecanismos básicos, a doutrina das leis 
básicas da memória e da atenção, a doutrina dos mecanismos psicofisiológicos do movimento, etc. 
É natural que a Psicologia fisiologista se aproxime da fisiologia, particularmente da fisiologia dos órgãos 
dos sentidos e da fisiologia da atividade nervosa superior. A diferença consiste em que os cientistas que 
se ocupam desse problema tomam como objeto a análise das formas concretas de atividade psíquica, 
estudando as sensações e percepções, a atenção e a memória do homem, bem como a estrutura dos seus 
processos motores e a mudança destes no processo de exercício e fadiga, procuram, empregando os 
métodos mais precisos, estabelecer os mecanismos fisiológicos e as leis pelas quais esses processos se 
realizam. A psicofisiologia, permanecendo disciplina psicológica especial, está para a fisiologia assim 
como a bioquímica está para a química ou a biofísica para a física. Ela não abstrai um instante sequer o 
fato de que os processos por ela estudados fazem parte da complexa atividade psíquica do homem, não 
esquece as complexas peculiaridades da estrutura desses processos e apenas tenta descobrir os 
mecanismos fisiológicos que lhes servem de base. 
Uma parcela considerável dos conhecimentos das leis de realização de processos psíquicos particulares 
foi acumulada justamente por essa área da ciência psicológica, à qual estão estreitamente ligados os 
nomes de grandes cientistas como Gustav Fechner e Weber (os primeiros a medir as sensações), Wilhelm 
12 
Wundt (o primeiro a aplicar amplamente métodos psicofisioló-gicos de estudo dos processos 
psíquicos), Hermann Ebbinghâus e Hermann Joseph Müller (os primeiros a abordar métodos 
exatos de medição da memória e seus mecanismos específicos), assim como Piéron na França, 
Edward Titchener nos EUA, os grandes psicólogos atuais como O. R. Lindsley (EUA), Broad-
bent (Inglaterra), Fraisse (França) e outros. 
Essa área da ciência psicológica recebeu imensa informação dos trabalhos de clássicos notáveis 
da fisiologia como Pávlov, criador da doutrina da atividade nervosa superior, N. E. Vve-densky, 
criador da doutrina da gênese patológica, A. A. Ukhtomsky, cujos trabalhos permitiram 
introduzir uma aova área da ciência do comportamento: a doutrina dos dominantes, L. A. 
Orbeli, autor de importante contribuição à fisiologia evolu-cionista bem como fisiologistas 
contemporâneos como P. A. Anokhin, criador da doutrinados sistemas funcionais, N. A. 
Bernstein, introdutor do novo conceito de organização do movimento, G. V. Gershuni e S. V. 
Kravkov, que enriqueceram a ciência com dados relativos ao funcionamento da audição e visão, 
etc. 
A terceira disciplina componente do grupo biológico das ciências psicológicas é a 
neuropsicologia. 
Esta disciplina tem por tarefa o estudo do papel que desempenham os aparelhos particulares do 
sistema nervoso na estruturação dos processos psíquicos. 
É fácil perceber que o papel das formações subcorticais e do paleocórtex no processo da 
atividade psíquica é inteiramente diferente do papel do neocórtex e dos grandes hemisférios 
cerebrais . Há, porém, fundamentos para supor que também o papel de algumas regiões do 
córtex cerebral na organização dos complexos processuais psíquicos não é idêntico e que todas 
as áreas do cérebro — parietais, temporais e occipitais — dão sua contribuição toda especial 
para o processo de atividade psicológica. 
Esse novo campo da Psicologia emprega em suas pesquisas uma análise psicológica minuciosa 
tanto das irritações como das destruições de áreas isoladas do cérebro, estuda as mudanças dos 
processos psíquicos que surgem quando ocorram afecções locais do cérebro e tira, de suas 
observações, conclusões relacionadas com a estrutura interna dos processos psíquicos. 
Esse campo da Psicologia é representado por estudiosos de diversos países como K. S. Lashley 
e K, H. Pribram (EUA), 
13 
A. R. Luria (URSS), O. L. Zangwill (Inglaterra), B. Milner (Canadá) e outros. Podemos colocar ao lado da 
neuropsicologia a psicopatologia, que estuda as peculiaridades "dos processos psíquicos observáveis nos 
doentes psíquicos, e permite que nos aproximemos mais de um estudo científico das doenças mentais e do 
descobrimento de algumas leis gerais da atividade psíquica que se manifesta nos estados patológicos. 
A psicopatologia foi elaborada com êxito por muitos psiquiatras (Kraepelin, na Alemanha, Janet, na 
França, Békhterev, na Rússia) e pelos psicólogos contemporâneos (B. V. Zeygar-nik, na URSS, Pecheau, 
na França, e outros). 
Uma área especial, situada nas fronteiras da psicofisiologia e da neuropsicologia, é representada pelo 
estudo dos mecanismos neurônicos da atividade psicológica. Os cientistas que elaboraram essa área (D. 
H. Hubel e T. N. Wiesel na Inglaterra, Jung na Alemanha, H. H. Jasper no Canadá, E. N. Sokolov e O. S. 
Vinográdov na URSS) se propõem a tarefa de investigar as formas de funcionamento de grupos isolados de 
neurônios e efetuar uma análise dos processos nervosos mais elementares, que servem de base ao 
comportamento. Importantes descobertas dos mecanismos fisiológicos de ativação e habituação foram 
obtidos no estudo das formas mais simples de comportamento em base neurônica. 
No sistema das ciências psicológicas, cabe posição especial à psicologia infantil ou genética. 
A importância dessa área das ciências psicológicas para a Psicologia geral consiste em que a Psicologia 
genética ou infantil estuda a formação da atividade psíquica no processo de evolução da criança e permite 
acompanhar a formação dos complexos processos psíquicos e das etapas pelas quais eles passam em sua 
evolução. 
A Psicologia genética permite abordar os processos psíquicos superiores do homem como produto da 
evolução, dando, com isto, a possibilidade de considerar as formas complexas de atividade psíquica do 
homem não como "propriedades" ou "faculdades" do psiquismo primitivamente existentes mas como 
resultado de uma longa formação, que deixou vestígios na estrutura dos processos psíquicos. 
Foi justamente por isto que a Psicologia genética, que estuda a formação (gênese) das formas superiores 
de atividade psíquica, adquiriu importância decisiva tanto para uma área prática 
14 
como a pedagogia quanto para a Psicologia geral. Foi justamente graças aos êxitos da Psicologia genética, 
relacionados com a contribuição dada ao estudo dessa disciplina pelos notáveis estudiosos Jean Piaget e 
Lyév S. Vigotsky, que a Psicologia geral obteve provas convincentes de que as formas básicas dos 
processos psíquicos (percepção e ação, memorização e pensamento) possuem estrutura complexa que se 
forma no processo de evolução da criança. A importância da Psicologia genética lhe, permitiu ocupar 
posição central na Psicologia atual. 
Outro campo da Psicologia, que deve ser colocado ao lado da Psicologia genética e costuma ser chamado 
de psicologia diferencial ou psicologia das diferenças individuais, ocupa posição importante. 
Sabe-se que as pessoas têm traços comuns, estudados pela Psicologia geral, e revelam diferenças 
individuais. Estas podem ser diferenças de propriedades do sistema nervoso, de peculiaridades individuais 
do campo emocional e do caráter, traços característicos do processo cognitivo e do talento. 
A Psicologia diferencial se propõe a tarefa de estudar essas diferenças individuais, descrever os tipos de 
comportamento e atividade psíquica das pessoas que se distinguem umas das outras por traços 
característicos. 
A Psicologia diferencial é de importância decisiva para a avaliação do nível de evolução da criança, das 
formas individuais de assimilação do trabalho e para a análise das peculiaridades tipológicas cujo 
conhecimento é indispensável à solução das questões práticas da Psicologia. 
Os fundamentos da Psicologia diferencial foram lançados em sua época pelo psicólogo alemão W. Ster 
(1871-1938); em nossa época os problemas das diferenças individuais foram estudados com êxito por 
cientistas como Charles Edward Spear-man, na Inglaterra, L. L. Thurstone, nos EUA, e B. M. Teplov, na 
URSS. 
Aos referidos campos da Psicologia incorpora-se um grupo de áreas intimamente vinculadas às ciências 
sociais. Nessas áreas examinam-se as condições histórico-sociais em que se formou a atividade psíquica 
do homem e as formas sociais em que essa atividade se manifesta. 
Nesse grupo ocupa posição essencial a etnopsicologia ou ciência das particularidades que distinguem os 
processos psíqui- 
15 
cos em diferentes formações e estruturas históricas e em diferentes culturas. 
Nas etapas iniciais do desenvolvimento da Psicologia, fizeram-se tentativas de criar uma 
"psicologia dos povos" corr.: forma especial de psicologia social e de elaborar uma ciência que 
fosse capaz de revelar as bases psicológicas da formação da linguagem, dos mitos, crenças, do 
direito, etc. Fracassou essa tentativa, que partiu de um dos criadores da Psicologia moderna, W. 
Wundt, autor do livro A psicologia dos povos. 
Wundt tentou dar uma explicação psicológica dos fenômenos da vida social, cujas bases não são 
psicológicas mas econc-micas ou histórico-sociais. Por este motivo as tentativas de "ps:-
cologizar a história" retiveram durante muito tempo o desenvolvimento desse importante campo 
da ciência psicológica, qa: devia investigar um processo inverso: a influência formadora 
exercida pelas condições histórico-sociais sobre o desenvoh:-mento da atividade psicológica do 
homem. 
Essa tarefa se converteu em objeto das pesquisas de grandes cientistas de diversos países (Frazer 
e Malinowsky, na Inglaterra, Janet e Lévy-Bruhl, na França, Turnwald, na Alemanha e M. 
Mead, nos EUA) e foram justamente essas pesquisas qu: lançaram as bases da etnopsicologia 
atual. O estudo das peculiaridades da atividade psíquica de pessoas pertencentes -diferentes 
culturas constitui atualmente uma área importan:; da ciência psicológica. 
A psicolingüística, disciplina que nos últimos decênios s: converteu em área independente e se 
situa na fronteira entre a Psicologia e a lingüística, representa um campo especial d-Psicologia. 
A psicolingüística se propõe o estudo das leis básica: da linguagem enquanto meio de 
comunicação, dos processos d. codificação e decodificação da informação veiculada pela 
linguagem e dos processos psicológicos que se baseiam nos códigos da língua e se materializamna linguagem do homem. 
A Psicologia social é uma área importante porém pouco desenvolvida. Esta disciplina estuda as 
leis psicológicas da comunicação entre os homens, as peculiaridades psicológicas da divulgação 
de informação por meios como a imprensa e o cinema, as particularidades do comportamento no 
processo de trabalho, competição, etc. Um campo especial da Psicologia social tem como objeto 
o estudo das inter-relações humanas em pequenos grupos, a análise dos fatores que servem de 
base a 
16 
tipos concretos de interação entre os homens, de formação da autoridade, promoção de líderes, etc. 
Entre essas disciplinas, que mantêm afinidades com as ciências sociais, inclui-se a Psicologia da arte, que 
estuda as bases psicológicas da criação artística e as leis psicológicas que servem de base às obras de arte 
que aplicam diversos procedimentos e asseguram uma influência máxima das obras sobre o leitor e 
espectador. 
Tomamos conhecimento apenas dos ramos fundamentais da Psicologia, mas estes podem mostrar que 
sistema ramificado de disciplina a Psicologia moderna representa. 
Os métodos em Psicologia 
É condição fundamental da evolução de toda ciência a existência de métodos suficientemente objetivos, 
precisos e seguros. 
O papel do método de uma ciência deve-se ao fato de que a essência do processo em estudo não coincide 
com as manifestações em que ela aparece. São necessários procedimentos especiais, que permitam 
penetrar além dos limites dos fenômenos acessíveis à observação imediata, penetrar nas leis internas que 
constituem a essência do processo em estudo. Esse caminho do fenômeno à essência, que lança mão de 
toda uma série de procedimentos objetivos de pesquisa, caracteriza as pesquisas verdadeiramente 
científicas. 
Em que consistem os métodos empregados pela Psicologia? 
Houve um longo período em que a Psicologia era definida como ciência do mundo subjetivo do homem; à 
definição do conteúdo da ciência correspondia a escolha dos seus métodos. Segundo a concepção 
idealista, que separava o psiquismo de todos os outros fenômenos da natureza e da sociedade, a 
Psicologia tinha como objeto o estudo dos estados subjetivos da consciência. Segundo os psicólogos 
idealistas, esses- processos da consciência se distinguiam dos outros processos da realidade objetiva pelo 
fato de que o fenômeno coincidia com a essência: as formas de consciência que o homem podia observar 
em si mesmo (clareza ou imprecisão de consciência, vivência da liberdade do ato volitivo, etc.) eram 
consideradas por esses 
17 
psicólogos como propriedades fundamentais do espírito ou como essência dos processos psíquicos 
subjetivos. Para eles, essa coincidência dos fenômenos com a essência constituía o fundamento da 
Psicologia e lhe definia o método, ou seja, consideravam como fundamental e única a descrição subjetiva 
dos fenômenos da consciência, descrição essa que se obtinha no processo de introspecção. O 
reconhecimento da introspecção como método fundamental da Psicologia não apenas separava esta 
ciência das outras como fechava de fato todos os caminhos para a evolução da Psicologia enquanto 
ciência autêntica. Excluía, ainda, a explicação objetiva e causai dos processos psíquicos, reduzindo a 
Psicologia à descrição subjetiva de formas da vida espiritual e dos fenômenos psíquicos. 
É fácil entender que uma "ciência" que se negava a considerar os processos psíquicos como produtos do 
desenvolvimento objetivo, que não levantava os problemas da origem e dos mecanismos objetivos desses 
processos não podia ter existência própria; durante muito tempo continuou sendo uma área singular da 
filosofia idealista sem se incluir no círculo das ciências autênticas. 
Por isto mudou radicalmente o tratamento dispensado ao método básico da Psicologia desde o período em 
que esta disciplina passou a ser interpretada como ciência de uma forma específica de atividade psíquica, 
que permite ao homem orientar-se na realidade ambiente, refleti-la, formar programas de comportamento 
e controlar a sua execução. 
A tarefa dos psicólogos consistia em criar métodos objetivos de estudo dos processos psíquicos do 
homem, sem nunca se limitar ao método da introspecção, referindo-se a ele apenas como um 
procedimento auxiliar de sentido antes heurístico, que permitia levantar questões, o que dava a 
possibilidade de explicar por via causai os fenômenos e encontrar as leis que lhes serviam de base. A 
revisão radical da introspecção como método de conhecimento científico devia-se ao fato de que a própria 
introspecção passara a ser vista como um tipo complexo de atividade psíquica, que era produto de uma 
longa evolução, empregava formulação discursiva dos fenômenos observados e tinha aplicação muito 
restrita porque nem de longe os processos psíquicos ocorrem todos por via consciente, bem como porque 
a auto-observação dos seus processos psíquicos pode introduzir mudanças consideráveis na ocorrência 
desses processos. 
18 
A Psicologia passou a ter como tarefa fundamental a elaboração de métodos objetivos de pesquisa que 
usassem os mesmos procedimentos que todas as outras ciências usavam para observar o 
desenvolvimento desse ou daquele tipo de atividade e da mudança experimental das condições do seu 
exercício, de métodos que fossem capazes de ir além dos limites da descrição exterior dessa atividade no 
sentido das leis que lhe servem de base. 
O procedimento principal da Psicologia passou a ser a observação do comportamento do homem em 
condições naturais e experimentais, com a análise das mudanças que ocorrem em determinadas condições 
que podem ser mudadas pelo experi-mentador. Foi nesse caminho que surgiram os três métodos básicos 
de pesquisa psicológica, convencionalmente chamados de método de análise estrutural, método genético-
experimental e método patológico-experimental (ou método de análise sindrô-mica). 
O método de análise estrutural dos processos psicológicos consiste no seguinte: o psicólogo, ao estudar 
essa ou aquela forma de atividade psíquica, coloca diante do sujeito experimental uma tarefa 
correspondente e acompanha a organização estrutural dos processos (procedimentos, meios, formas de 
comportamento) mediante os quais o sujeito experimental resolve a tarefa dada. 
Isto significa que o psicólogo não apenas registra o- resultado final (memorização do material proposto, 
reação motora ao sinal, resposta à tarefa proposta) mas acompanha atentamente o processo de solução da 
tarefa proposta, os meios auxi-liares em que ele se baseou, etc. Essa descrição da estrutura psicológica do 
processo estudado e a análise das suas partes componentes representam dificuldades consideráveis e 
exigem vários procedimentos auxiliares especiais. 
Esses procedimentos, que permitem efetuar uma análise estrutural bastante completa, podem ter caráter 
direto ou indireto. 
Pertence aos procedimentos diretos a mudança da estrutura da tarefa proposta ao sujeito experimental 
(com dificultação paulatina, inclusão de novas exigências, que tornam necessária a inserção de novas 
operações na solução da tarefa), bem como a proposta de vários procedimentos que ajudam à solução 
(escolha de apoios externos, procedimentos auxiliares, etc). O emprego desses procedimentos diretos de 
análise estrutural muda 
19 
o curso objetivo do processo psicológico e permite estabelecer quais dentre os procedimentos empregados 
surtem um efeito máximo. 
As referidas formas de análise estrutural se aplicam antes de tudo ao estudo objetivo de formas contíguas 
de atividade psíquica como a assimilação ou memorização do material, a solução das tarefas, a realização 
de operações construtivas ou lógicas, o estudo da estrutura das formas complexas dos atos conscientes. 
Entre os procedimentos indiretos ou complementares situa-se o emprego de indícios, que, não sendo eles 
mesmos elementos, de atividade do homem, podem ser índices do seu estado geral,das tensões por ele 
experimentadas, etc. Entre esses procedimentos, por exemplo, incluímos a aplicação de métodos de 
registro dos processos fisiológicos (eletroencefalogramas, eletro-miogramas, reação galvânica da pele, 
pletismograma), que por si mesmos não revelam as peculiaridades da realização da atividade psíquica 
mas podem refletir as condições fisiológicas gerais que caracterizam essa realização. 
Ê natural que a aplicação desses procedimentos indiretos ou complementares pode adquirir sentido 
somente havendo organização precisa da própria atividade psíquica estudada pelo psicólogo. 
Ao lado do método analítico-estrutural, que ocupa posição central na Psicologia, podemos colocar o 
método genético-expe-rimental, que tem importância especialmente grande para a Psicologia genética. 
Sabe-se que todos os processos psicológicos superiores são produto de uma longa evolução. Por isto é 
sobretudo importante para o psicólogo acompanhar a marcha desse processo de evolução, que etapas 
foram incluídas nele e que fatores determinam o surgimento de processos psicológicos superiores. 
Pode-se obter resposta a esta questão não apenas acompanhando a execução das mesmas tarefas em fases 
sucessivas do desenvolvimento da criança (esse método recebeu na Psicologia a denominação de método 
dos cortes genéticos) como também criando condições experimentais que permitam mostrar como se 
forma essa ou aquela atividade psíquica. Com este fim coloca-se em diferentes condições o sujeito 
experimental, a quem se propõe resolver essa ou aquela tarefa. Nuns casos exige-se dele solução 
independente da tarefa, noutros, presta-se-lhe ajuda, empregando diversos meios de apoios extremos 
evidentemente- 
20 
eficazes, sugerindo em voz alta as vias de solução, por um lado, observando como ele aproveita essa 
ajuda, por outro. 
Aplicando os procedimentos que constituem a essência do método genético-experimental, o estudioso se 
mostra capaz não apenas de revelar as condições com cujo aproveitamento o sujeito experimental pode 
assimilar de modo ideal dada atividade, como também de formular experimentalmente os complexos 
processos psíquicos e abordar mais de perto a sua estrutura. O método genético-experimental foi 
amplamente aplicado na Psicologia na URSS por Vigotsky, A. V. Zaporojets, P, Y. Galpe-rina e produziu 
muitos fatos valiosos que se incorporaram soli-damente à Psicologia. 
O terceiro método da Psicologia, especialmente importante para a neuropsicologia e psicopatologia, é o 
método patológico-éxperimental ou método da análise sindrômica das mudanças de comportamento que 
ocorrem nos estados patológicos do cérebro ou num desenvolvimento exclusivo de um setor dos 
processos psíquicos. 
Esse método é aplicável em casos relativamente raros. Conhecendo um fator que muda notoriamente o 
curso dos processos psíquicos, o psicólogo pode saber qual a influência que esse fator exerce sobre o 
curso de toda a atividade psíquica do sujeito. 
Esse método se manifesta nas formas mais claras nas pesquisas neuropsicológicas, consistindo no 
seguinte: o psicólogo que estuda minuciosamente os pacientes nos quais a afecção local do cérebro 
provoca o deslocamento ou a deformação de uma das condições do curso normal dos processos psíquicos 
(por exemplo, da percepção visual, da memória auditiva ou da sólida manutenção do programa de 
atividade), analisa detalhadamente a realização de todo um conjunto de processos psíquicos e define quais 
desses processos se mantêm intactos e quais ficam perturbados. Semelhante análise permite estabelecer 
quais são precisamente os processos psíquicos internamente relacionados com o fator perturbado (ou 
excluído) e quais são independentes deste; permite descrever toda uma síndrome (por outras palavras, 
todo um conjunto de mudanças) que surge com a mudança de uma função e dá a possibilidade de mostrar 
a interdependência (correlação) de processos psicológicos isolados. 
O mesmo método pode ser aplicado na Psicologia geral ou na>Psicologia das diferenças individuais, nas 
quais a superevolu-ção de um aspecto do campo psíquico (por exemplo, da memória 
21 
visual clara) ou alguma peculiaridade individual dos processos nervosos (por exemplo, a fraqueza ou a 
mobilidade insuficiente dos processos nervosos) pode provocar a reestruturação de todos os processos 
psicológicos e tornar-se fator decisivo no surgimento de todo um conjunto de peculiaridades individuais 
da pessoa. 
Todos os métodos que descrevemos em linhas gerais são métodos da pesquisa psicológica. A par com 
eles, entretanto, têm grande importância para a Psicologia os métodos breves de avaliação qualitativa e 
quantitativa dos processos psíquicos (dos conhecimentos, habilidades, aptidões) e os métodos simples de 
medição do nível de evolução dos processos psíquicos. 
Esses métodos se aplicam amplamente na Psicologia e são conhecidos pela denominação de testes 
psicológicos. Os testes psicológicos consistem de tarefas, que se propõem a um amplo círculo de sujeitos 
experimentais para estabelecer seus conhecimentos, habilidades ou aptidões. Para que esses testes possam 
produzir dados objetivos e mensuráveis, são feitos previamente com um grande número de sujeitos 
experimentais (crianças de uma determinada idade ou pessoas do mesmo nível de educação). Entre essas 
tarefas escolhem-se aquelas'que um número considerável (dois terços, por exemplo) de sujeitos 
experimentais consegue resolver com êxito e só depois disto elas são propostas àqueles sujeitos cujos 
conhecimentos, habilidades ou aptidões são mensuráveis. Os resultados dessas pesquisas são avaliados 
por pontos ou por lugar (indica-se o lugar que um dado sujeito experimental poderia ocupar em relação ao 
grupo correspondente de sujeitos). 
A aplicação dos testes psicológicos pode ter certa importância para que se tenha uma orientação, acerca 
das peculiaridades psicológicas dos grandes hemisférios. Faremos adiante uma apreciação crítica desse 
método, quando examinarmos a sua importância para a medição das diferenças individuais de diferentes 
sujeitos. 
É fácil ver que a importância de todos os referidos métodos nã.p é a mesma para as diferentes áreas da 
Psicologia a que nos referimos, e se o método de análise estrutural continua sendo o método básico para 
todas as áreas psicológicas, o método gené-tico-experimental ocupa posição dominante na Psicologia 
genética, ocupando o método de análise sindrômica posição-chave na Psicologia patológica ou 
diferencial. 
22 
A importância prática da Psicologia 
A Psicologia tem grande importância não apenas para a solução de uma série de questões teóricas do 
campo psicológico e da atividade consciente do homem. 
Ela tem importância também prática, que aumenta à medida que a direção do comportamento do homem 
em bases científicas e a consideração do fator humano na indústria e nas relações sociais se tornam 
questão central da vida social. 
A ciência psicológica é de grande importância prática para vários campos, dentre os quais mencionamos 
apenas os mais importantes. 
O primeiro desses campos é o da indústria e do trabalho; a área da Psicologia aplicada que se dedica a 
questões ligadas a esses campos é denominada engenharia psicológica e psicologia do trabalho. 
A indústria moderna, que compreende a direção de mecanismos, do transporte, aviação, etc, subentende 
uma complexa interação do sistema homem-máquina. A técnica complexa deve estar adaptada às 
possibilidades do homem. É necessário criar condições nas quais a direção dos sistemas transcorra numa 
variante ideal e possa realizar-se com a menor perda de tempo e o menor número de erros. Essas 
exigências devem referir-se principalmente à construção racional dos painéis de direção, que nos 
mecanismos modernos consistem de grande número de indicadores, que exigem revisão sumamente 
rigorosa e que a informação que recebem tenha a máxima acessibilidade. É natural que essasexigências 
podem ser atendidas somente levando-se em conta as leis da percepção humana, o volume da memória 
humana e os modos de originalizá-las, que poderiam, da melhor maneira, adaptar a máquina às 
possibilidades do homem. Por outro lado, a indústria moderna coloca uma série de questões atinen-tes à 
seleção de pessoas mais aptas para as condições dessas ou daquelas formas de trabalho, querendo, com 
isto, que se criem condições que assegurem circunstâncias ideais para a manutenção da atenção e o menor 
esgotamento do homem. Coloca-se a questão: que fatores psicológicos devem-se levar em conta para 
garantir a máxima segurança do trabalho e o mínimo de avarias? 
Todas essas questões são elaboradas pela engenharia psicológica e pela Psicologia do trabalho, que estão 
se convertendo 
23 
em importante componente da organização cientifica da produção. 
Outra área de aplicação prática da Psicologia é o ensino e a educação da geração adolescente, em suma, 
a área da pedagogia. 
É sabido que o crescente volume de conhecimentos, que devem ser assimilados no processo de ensino 
escolar, exige organização mais racional dos métodos de ensino. Isto depende substancialmente das 
peculiaridades psicológicas da criança, da idade e dos seus processos cognitivos na aprendizagem escolar. 
A Psicologia pedagógica é a área da Psicologia aplicada que deve assegurar a argumentação científica 
dos programas e métodos de ensino, estabelecer o círculo dos conceitos acessíveis às crianças da idade 
correspondente e os métodos de transmissão do material que garantirão sua melhor assimilação. O ensino 
programado (ou teoria da assimilação programada, por etapa, dos conhecimentos), nova área da 
pedagogia que se desenvolveu ultimamente, apresenta a base psicológica científica para a elaboração de 
uma seqüência otimal do material proposto bem como a'aplicação dos métodos mais eficazes de ensino. 
Questões como o grau de desdobramento do processo de assimilação dos conhecimentos por etapa, a 
correlação dos meios direto e lógico-verbais de ensino, os modos de formulação otimal de regras, os 
procedimentos que asseguram assimilação adequada dos conceitos e a transferência de princípios 
assimilados no processo de ensino constituem apenas uma parte das questões estudadas pela psicologia 
pedagógica, que dá contribuição substancial para a fundamentação científica do processo pedagógico. 
O segundo aspecto do emprego da Psicologia para a construção racional do ensino e da educação é a 
análise das peculiaridades psicológicas das crianças, que cria obstáculo para levar-lhes instrução com 
êxito. 
É sabido que o sucesso do ensino depende não só dos programas e métodos racionalmente organizados 
mas também da própria composição dos alunos. Em toda classe, paralelamente aos alunos adiantados, há 
aqueles que não conseguem assimilar com êxito o programa escolar e retardam o bom rendimento do 
trabalho de toda a turma. 
O essencial, porém, é o fato de que a falta de aproveitamento que esses alunos demonstram pode ter 
fundamento variado. 
24 
Uns alunos não acompanham o aproveitamento por serem mentalmente retardados e o atraso orgânico do 
seu cérebro os torna incapazes de assimilar material de complexidade mínima. Essas crianças devem ser 
transferidas da escola de massa para uma escola especial, auxiliar. As outras são crianças plenamente 
normais, mas o seu atraso deve-se ao fato de que, não tendo assistido a determinada parte do programa, 
elas não podem avançar com sucesso porque a assimilação do novo material não encontra nelas a 
necessária base de conhecimentos. Essas crianças necessitam de aulas complementares especiais que 
possam eliminar as suas lacunas. 
Outros alunos (terceiros) demonstram dificuldades na aprendizagem por serem fisicamente fracos, por 
terem sofrido uma doença qualquer. Eles são capazes de concentrar com êxito suas atenções apenas 
durante tempo limitado, ficam rapidamente exaustos e não têm condições de assimilar o material 
correspondente. Eles devem estudar sujeitos a um regime correspondente e nessas condições podem 
cumprir com êxito o programa. Por último, o quarto grupo de alunos experimenta dificuldades de 
aprendizagem não porque as crianças que o compõem sejam mentalmente retardadas mas porque 
apresentam algumas deficiências, como deficiências auditivas, que dificultam a comunicação verbal 
oportuna e plena e provocam retardamento temporário do desenvolvimento. Essas crianças devem ser 
transferidas para escolas destinadas a alunos de audição difícil, onde procedimentos e métodos especiais 
permitirão compensar tais deficiências. 
A tarefa mais importante deve ser a identificação oportuna das causas do atraso de diferentes grupos de 
crianças e o diagnóstico das diversas formas de atraso no programa. Essa tarefa pode ser cumprida 
somente com íntima participação dos psicólogos, que possam descrever as peculiaridades psicológicas 
das crianças que não conseguem acompanhar o programa, explicar as causas principais do retardamento 
da sua evolução e prestar ajuda substancial na eliminação das deficiências descritas. 
O terceiro campo de aplicação prática da Psicologia é a medicina. 
15 sabido que o desenvolvimento de uma doença depende não apenas do agente patogênico e do estado 
do organismo mas também de como o próprio doente encara sua doença e como a avalia; por outras 
palavras, depende daquilo a que os terapeu-tas chamam de "quadro interno da doença". No entanto, a pró- 
25 
pria atitude em relação à doença está relacionada com uma série de fatores psicológicos, com as 
peculiaridades da estrutura emocional do indivíduo, com o caráter das generalizações que o 
indivíduo faz. O estudo das peculiaridades caracterológicas e da estrutura do indivíduo, estudo 
esse feito pela Psicologia, tem por isto grande importância para a medicina, permitindo focalizar 
mais de perto o fundamento científico da prática da psico-terapia, da psico-higiene e da 
psicoprofilaxia. 
A Psicologia ocupa posição especial em áreas específicas da medicina como a neurologia e a 
psiquiatria. 
Nessa área ela pode prestar ajuda substancial na solução de duas importantíssimas questões: o 
diagnóstico e a natureza da doença, por um lado, e o restabelecimento das funções perturbadas, 
por outro. 
Sabe-se que as afecções locais do cérebro só parcialmente se manifestam em sintomas da 
neurologia clássica como a mudança de sensibilidade, dos reflexos, do tônus e dos movimentos. 
Parte considerável dos grandes hemisférios cerebrais não tem relação direta com nenhum dos 
referidos processos e a afecção dessas áreas do cérebro não provoca perturbações visíveis 
nestes. Essas partes dos grandes hemisférios estão relacionadas com a realização das formas 
superiores de atividade psíquica como a análise do afluxo de informação, a formação de planos 
e programas de ação e o controle do desenvolvimento da atividade consciente. É justamente por 
isto que, sem provocar sintomas fisiológicos nítidos, a afecção dessas áreas do cérebro provoca 
perturbações visíveis das formas complexas de atividade psíquica. 
Nos últimos decênios surgiu um novo campo da Psicologia — a neuropsicologia — já 
mencionado por nós. Este permitiu ver quais os fatores que, fazendo parte das formas 
complexas de atividade psíquica, estão relacionados com determinadas áreas do cérebro, 
permitindo ver, ainda, que tipos de perturbação dos processos psíquicos se verificam na afecção 
dessas áreas. Graças a isto tornou-se possível introduzir um método novo e prático de 
diagnóstico das afecções locais do cérebro, que aplica a análise psicológica do caráter das 
perturbações dos processos psíquicos superiores peio diagnóstico tópico das afecções cerebrais. 
Esse método consolidou-se na prática da neurologia e neurocirurgia clínicas. Nos capítulos 
correspondentes do presente livro mostraremos os dados de que dispõe a Psicologia para a 
solução dessas questõespráticas. 
26 
Não é menor a importância da Psicologia para precisar o diagnóstico das doenças mentais. As 
perturbações da percepção e da ação, da memória e do pensamento assumem caráter 
absolutamente diverso sob diferentes formas de retardamento mental e diferentes doenças 
mentais. Por isto a aplicação dos métodos da psicopatologia experimental na psiquiatria clínica 
permite precisar substancialmente o diagnóstico das doenças mentais e se converte em 
componente essencial da Psicologia geral. 
É grande a importância prática da Psicologia na elaboração das bases científicas do 
restabelecimento das junções perturbadas nas afecções cerebrais. 
Há relativamente pouco tempo ainda se considerava que as funções, perturbadas como 
resultados de afecções locais do cérebro, não se restabeleciam e a afecção do cérebro 
(principalmente do seu hemisfério central, dominante) provocava perturbações irreversíveis e 
condenava o doente à total invalidez. 
Mas a doutrina da complexa construção sistêmica dos processos psíquicos superiores mostrou 
que cada forma complexa de atividade psíquica é realizada com o auxílio de todo um sistema de 
zonas cerebrais que trabalham conjuntamente e permitiu rever radicalmente essas teses. Mostrou 
que os sistemas funcionais, que se perturbam com qualquer afecção local do cérebro, podem ser 
reestruturados com base na criação de novos sistemas funcionais, baseados nas áreas cerebrais' 
não-afetadas. Deste modo, as funções perturbadas podem ser restabelecidas em novas bases. 
A teoria do restabelecimento das funções psíquicas superiores (perturbadas durante afecções 
locais do cérebro) por meio de um restaurador especial da aprendizagem, elaborada pela 
Psicologia, tornou-se um importante componente da medicina moderna. 
Por último, cabe mencionar o último campo de aplicação prática da Psicologia: a psicologia 
forense. O promotor e o juiz estão constantemente diante de formas complexas de atividade 
psíquica do homem, dos seus motivos e traços caracterológicos, da gradação da percepção e da 
memória, das peculiaridades do seu pensamento. Por isto a consideração das características 
psicológicas desses processos deve ser componente obrigatório da preparação e da atividade do 
pessoal de atividade forense. 
A Psicologia elaborou um enfoque científico de duas importantes áreas da prática forense: a 
análise dos depoimentos das 
27 
testemunhas e o diagnóstico psicológico da coparticipação no crime. 
Ficou demonstrado que os depoimentos de testemunhas asseguram matéria autêntica apenas em 
certos limites e que o grau dessa autenticidade pode ser estabelecido mediante a aplicação de 
uma investigação psicológico-experimental. 
Por outro lado, o crime cometido deixa vestígios não só na situação externa como também no 
próprio psiquismo do criminoso, daí existirem métodos psicológicos especiais pelos quais esses 
vestígios podem ser descobertos. 
É natural que a incorporação da Psicologia à solução desses problemas permite dar uma 
contribuição importante para a construção da causa judicial em bases científicas e constitui área 
importante da aplicação prática da Psicologia. 
Deste modo, a Psicologia não é apenas uma área importante da ciência como tem campos 
amplamente ramificados de aplicação prática, fornecendo bases científicas para importantes 
campos da prática. 
28 
II 
A Evolução do Psiquismo 
CAPÍTULO anterior vimos como a ciência moderna entende o objeto da Psicologia e que 
aplicações práticas tem esse campo de atividade. 
Agora enfocaremos um dos mais importantes problemas da evolução da atividade psíquica. 
A origem do psiquismo 
A Psicologia pré-científica, que se desenvolveu nos pri-mórdios da filosofia idealista, 
considerava o psiquismo como uma das propriedades primárias do homem e a consciência como 
manifestação direta da "vida espiritual". Por esta razão nem se colocava o problema das raízes 
naturais do psiquismo, de sua origem e dos graus de sua evolução. A filosofia dua-lista supunha 
que a consciência era tão eterna quanto a matéria, que aquela sempre existia paralelamente a 
esta. 
29 
A Psicologia científica parte de teses inteiramente diversas e se propõe a tarefa de encontrar 
uma resposta para o problema da origem do psiquismo, de descrever as condições nas quais 
deve ter surgido essa forma altamente complexa de vida. 
Sabe-se que a condição fundamental de surgimento da vida é o surgimento de complexas 
moléculas albuminosas, que não podem existir sem um constante metabolismo com o meio. 
Para sobreviver, elas devem assimilar do meio ambiente as substâncias que são objeto de 
alimentação e necessárias para mantê-las vivas. Ao mesmo tempo, elas devem segregar para o 
ambiente externo os produtos da desintegração cuja assimilação pode perturbar-lhes a existência 
normal. Esses dois processos — a assimilação e a eliminação — Integram o processo de 
metabolismo e são condição fundamental de existência dessas complexas formações 
albuminosas. 
É natural que essas moléculas albuminosas altamente complexas (às vezes são chamadas 
coacervaíos) possuam propriedades especiais, que respondem à ação das substâncias úteis ou 
das condições que contribuem para a assimilação dessas substâncias, respondendo também à 
influência nociva que lhes ameaça a existência. Deste modo, essas moléculas reagem 
positivamente tanto às substâncias alimentícias como a condições como a luz e o calor, que 
também contribuem para a assimilação. Reagem negativamente aos efeitos mecânicos ou 
químicos superfortes que lhes dificultam a existência normal. Elas não reagem às influências 
"neutras" estranhas ao processo de metabolismo. 
Chama-se excitabilidade a propriedade que têm os coacervaíos de responder às influências que 
integram o processo de metabolismo (sem dar resposta às influências exteriores "indiferentes" ). 
Essa propriedade fundamental se manifesta no processo de transformação da matéria inorgânica 
em orgânica. Junta-se a ela uma segunda propriedade: a possibilidade de conservação das 
propriedades altamente especializadas da excitabilidade diante das influências, transmitindo de 
geração a geração as respectivas modificações das moléculas albuminosas. Essa última 
propriedade parece relacionar-se com a modificação de algumas frações dos aminoácidos 
(particularmente do ácido ribonucléico, que constitui o funda- 
30 
mento molecular da vida) e costuma ser considerada como importante processo que serve de 
base à memória biológica. 
Os processos de excitação diante de influências bióticas de importância vital, a aquisição de 
formas de excitação altamente especializadas e sua conservação com a transmissão imediata às 
gerações seguintes caracterizam o estágio de evolução da vida habitualmente denominado vida 
vegetativa. 
Esses processos caracterizam toda a vida, começando pelas algas mais simples e terminando 
com as formas complexas de vida vegetativa. Eles condicionam os chamados "movimentos dos 
vegetais", que, em essência, são apenas formas de uma intensa troca ou crescimento, dirigido 
pela excitação em relação às influências bióticas (umidade, iluminação, etc). Fenômenos como 
o crescimento da raiz do vegetal no sentido da profundidade do solo ou o crescimento irregular 
do tronco dependendo da iluminação ou a inclinação dos vegetais no sentido dos raios solares 
constituem apenas o resultado do fenômenos da "excitação" diante das influências bióticas 
(não indiferentes para a vida). 
Há uma circunstância que é essencial para a vida vegetativa. O vegetal que responde com um 
intenso metabolismo às influências bióticas não reage às influências exteriores, que integram o 
processo imediato do metabolismo. Ele não se orienta ativamente no meio ambiente e pode, por 
exemplo, morrer por falta de luz ou umidade, mesmo que as fontes de luz e umidade estejam 
bem próximas mas não tenham efeito imediato sobre ele.Dessa forma passiva de vitalidade distinguem-se acen-tuadamente as formas de existência na 
etapa seguinte da evolução: o estágio da vida animal. 
Cada organismo animal, a começar pelos protozoários, caracteriza-se pelo fato de que o animal 
reage não só às influências bióticas, que integram o processo imediato do metabolismo, mas 
também às influências "neutras", não-bióti-cas, se estas anunciam o surgimento de influências 
("bióticas") de importância vital. Noutros termos, os animais (mesmo os protozoários) se 
orientam ativamente na claridade, procuram condições de importância vital e reagem a todas as 
mudanças do meio, que são um sinal do surgimento dessas condições. Quanto mais intenso é o 
metabolismo, quanto maior é a necessidade de obter alimentação que o ser vivo simples sente, 
tanto mais ativos são os seus movimentos e 
31 
tanto mais vivificadas são as formas em que se produz sua atividade de "orientação" ou 
"procura". 
Essa capacidade de reagir aos instigadores "abióticos" neutros sob a condição de que eles 
sinalizem para o surgimento de influências de importância vital, capacidade essa que surge no 
estágio de transição para o mundo animal, é chamada sensibilidade, diferentemente dos 
fenômenos da ex-citabilidade. É o surgimento da sensibilidade que pode servir de indício 
biológico objetivo do surgimento do psiquismo. 
Variabilidade do comportamento dos proiozoários 
A sensibilidade aos instigadores "neutros", se estes começam a dar sinais do surgimento de 
influências de importância vital, provoca mudanças radicais nas formas de vida. O principal 
consiste em que o ser vivo começa a "orientar-se" no meio ambiente, a reagir ativamente a cada 
mudança que neste se processa, ou seja, começa a adquirir formas de comportamento 
individualmente variáveis, que não existiam no mundo vegetal. 
Nos primeiros períodos a aquisição desse comportamento individualmente variável se processa 
com relativa lentidão, mas apesar disto consegue-se observar o fenômeno até em condições de 
experimento. 
Citemos um experimento típico, realizado pelo pesquisador alemão Bramstedt. 
Sabe-se que os unicelulares, usados nesse experimento, são sensíveis ao calor (qué é para eles 
condição biótica de importância vital, indispensável ao metabolismo) mas são insensíveis à luz. 
Por isto se os colocarmos numa câmara igualmente aquecida, com uma parte clara e outra 
escura, eles se distribuem igualmente por toda a câmara. Se, ao contrário, aquecermos uma parte 
da câmara igualmente iluminada, eles se concentram no canto aquecido. Mas se durante longo 
período iluminarmos o canto aquecido e escurecermos o não-aquecido, a situação muda e os 
unicelulares se tornam sensíveis à luz, que agora adquire para eles o significado de sinal de 
elevação da temperatura e começam a concentrar-se no canto iluminado da câmara, apesar 
ias.diferenças de temperatura. 
32 
É fato característico que essa sensibilidade à claridade se forma paulatinamente entre os unicelulares, 
podendo desaparecer inteiramente se durante longo período a luz não for reforçada pelo calor. 
Essa mutabilidade individual do comportamento dos pro-tozoários pode ser provocada com base em suas 
reações defensivas, se mudarmos as condições que provocam essas reações. Pode servir de exemplo o 
experimento do conhecido pesquisador polonês Edward Dembowski. 
Colocados numa proveta arredondada com água, os pro-tozoários fazem movimentos que lhes são 
característicos. Co-locados.em tubo idêntico porém com uma seção quadrangular, eles começam a bater-
se contra os vidros dessa proveta mas logo seus movimentos adquirem caráter modificado, que garantem 
o mínimo de batidas contra as paredes do vaso. Por conseguinte, a trajetória desses movimentos começa a 
refletir a configuração do vaso. A trajetória por eles adquirida se mantém inclusive quando eles são 
recolocados num vaso arredondado e passam algum tempo fazendo os mesmos movimentos pela 
trajetória rômbica. 
O processo de mutabilidade do comportamento-individual dos protozoários, que os distingue 
acentuadamente dos vegetais, transcorre com relativa lentidão e as mudanças que surgem desaparecem 
com a mesma lentidão. Mas essas mudanças são tão importantes que as novas formas de comportamento 
emergentes (de adaptação às novas condições) permitem realizar as respostas necessárias de adaptação às 
novas condições de modo muito mais rápido do que se verificava em nível inferior da escada evolutiva. 
Exemplo típico desse processo encontramos no experimento do estudioso americano A. Smith. 
Um ciliado (tipo de protozoário) foi colocado num vaso estreito com seção microscópica. A seção era tão 
pequena que para sair do tubo no sentido da ação do agente biótico (a luz) o ciliado tinha de virar-se, 
batendo contra as paredes do tubo. No começo do teste ele gastava de 3 a 6 minutos para virar-se. Mas se 
esses experimentos eram repetidos várias vezes durante 10-12 horas, o ciliado começava a virar-se com 
rapidez bem maior e no final do teste gastava apenas 1-2 segundos para virar-se. Assim, sob a influência 
das novas condições, obtinha-se uma nova "habilidade", que 
33 
se processava com uma rapidez 180-200 vezes superior à reação inicial. 
Como vemos, a formação de um novo tipo de comportamento, que corresponde às condições 
mudadas, exige dos protozoários bastante tempo. É característico que, uma vez surgida, a 
mudança do comportamento se mantém entre eles durante período bastante longo, sendo 
necessário muito tempo para desaparecer. 
Isto pode ser observado tanto entre os protozoários uni-celulares como entre os pluricelulares de 
organização relativamente simples. 
O exemplo, que mostra esse surgimento tão lento e o desaparecimento igualmente lento da nova 
forma de comportamento, pode ser visto no experimento realizado inicialmente pelo 
pesquisador belga Blesson, posteriormente pelo pesquisador soviético A. N. Leôntyev (cf. 
Leôntyev, A. N., Problemas da evolução do psiquismo). 
Ainda não conhecemos os mecanismos biológicos dessa manifestação de sensibilidade ao 
agente neutro inicial. É possível que ela esteja relacionada com a mudança paulatina das 
propriedades bioquímicas do protoplasma. No entanto o fato da manifestação, em vida, de novas 
formas de reação indica o surgimento de urna mutabilidade individual no comportamento dos 
protozoários e dá fundamento para falar-se do surgimento de um comportamento autêntico, 
embora muito elementar, nessa fase da evolução. 
Mecanismos do comportamento dos protozoários 
A ciência ainda conhece muito pouco a respeito das condições físico-químicas do 
comportamento dos protozoários e das causas dos seus movimentos positivos ou negativos 
(movimento no sentido de uns objetos ou o movimento a partir de outros objetos, 
respectivamente). 
Sabe-se que o protoplasma, que compõe o corpo do animal protozoário (unicelular), é 
constituído de uma camada exterior mais sólida (plasma-gel) e de uma camada interior mais 
líquida (plasma-sol). Sabe-se também que as camadas externas do protoplasma do 
unicelular são mais 
34 
excitáveis do que as camadas internas, e cada ação externa provoca intenso metabolismo, que se estende 
paulatinamente das camadas externas às internas, extinguindo-se conforme o tipo de.gradiente de 
excitação paulatinamente decrescente. Esses gradientes de excitação, ao que parece, servem de base aos 
movimentos do unicelular, que surgem tão logo a influência externa provoca intenso metabolismo no 
ponto correspondente de sua superfície ou quando os processos internos levam à necessidade de procurar 
ativamente as substâncias necessárias para assegurar semelhante metabolismo. 
Alguns autores supõem que influências adequadas de força moderada provocam reação positiva do 
unicelular e levam a um movimento no sentido da respectiva influência, ao passo que influências 
inadequadas (ultrafortes ou nocivas) provocammovimento negativo, dirigido a partir do objeto influente. 
O movimento positivo leva a que o ohjeto que provoca irritação é inicialmente envolvido pelos filetes do 
protoplasma, que, entre os unicelulares mais simples (amebas), é depositado no lugar de metabolismo 
mais intensivo e fecha-se em torno desse objeto, incíuindo-o na composição do corpo do unicelular. Se 
esse objeto é alimentício, ele é absorvido pelo corpo do unicelular, segregando-se para o meio o produto 
da desintegração. Não sendo aliníen-tício, ele é rejeitado para o meio ambiente pelo mesmo caminho que 
foi apanhado. 
Seria, entretanto, incorreto supor que todos os movimentos dos unicelulares se processam por um 
esquema tão simples. Uma peculiaridade do comportamento dos unicelulares é o fato de que as 
influências que chegam até eles podem, elas mesmas, sofrer as mais complexas modificações. O próprio 
protoplasma do unicelular nunca se encontra em estado de tranqüilidade, mas se caracteriza por sistemas 
altamente diferenciados e seletivos de excitação, que mudam segundo o processo de metabolismo que 
nele se opera e leva ao surgimento de formas dominantes de excitação. 
Como mostraram os experimentos de Fogler, a influência mecânica de certa força provoca apenas reações 
relativamente fracas do protozoário, sendo que a excitação pela luz pode não provocar nenhuma reação. 
Mas se sobre o protozoário agem simultaneamente a instigação mecânica de determinada força e a 
excitação por luz, esses dois estímulos se somam e levam a intensivas reações do protozoário. 
35 
Sabe-se que a capacidade de reação da ameba faminta é maior do que a mesma capacidade da 
ameba saciada, e ela cria elevada disposição de responder aos estímulos positivos 
correspondentes ou às instigações que sinalizam o surgimento destes. 
Por último, o unicelular pode "acostumar-se" aos estímulos correspondentes, reduzindo a 
resposta a eles na medida do seu prenuncio repetido e longo. 
Os mecanismos que servem de base a esse fenômeno ainda são pouco conhecidos e só as 
observações ultimamente feitas levam a pensar que o surgimento e a manutenção desses 
estímulos são o resultado de certas modificações e do ácido ribonucléico, que é um dos 
componentes básicos do seu plasma. 
Cabe observar que o corpo dos protozoários é relativamente homogêneo e que o processo do 
metabolismo mais intensivo pode surgir nele no lugar da excitação que surge imediatamente, 
formando com isto o extremo "cerebral" provisório do seu corpo. 
Os unicelulares mais complexos têm estrutura incomparavelmente mais complexa. Neles 
podemos distinguir "órgãos" permanentes em forma de áreas sensíveis do protoplas-ma, que 
formam, por exemplo, os "flagelos" das bactérias. Esses "flagelos" estão em movimento 
permanente e são agentes das funções mais importantes de orientação no meio exterior; é neles 
que surgem os gradientes de excitação constante, que, espalhando-se pelo resto do corpo do 
unicelular, coloca-o em movimento. 
A riqueza de comportamento dos unicelulares é muito grande e ainda será objeto de estudo 
especial, assim como os mecanismos que lhe servem de base. Mas' o que já sabemos a seu 
respeito nos leva a pensar que, aqui, estão lançadas as bases da complexa atividade da 
orientação ativa no meio, que mais tarde constituirão traço importantíssimo da atividade 
psíquica. 
Origem do sistema nervoso e suas formas mais simples 
Os processos descritos de irritação em face das influências bióticas, de sensibilidade às 
influências neutras que 
36 
anunciam o surgimento de influências de importância vital e de conservação elementar dos 
vestígios são suficientes para a conservação da vida dos animais unicelulares. 
Mas eles se tornam insuficientes com a transição aos plu-ricelulares. 
A transição para os multicelulares complica substancialmente as condições de vida. A 
alimentação por meio da difusão direta de substâncias alimentícias, que ocupou posição central 
no nível dos protozoários, agora é substituída pelo consumo de comida discreta (concentrada); 
eleva-se o papel da orientação ativa no meio externo. Torna-se necessário assegurar 
movimentos bem mais diferenciais e uma con-dutibilidade da excitação bem mais rápida do que 
aquela que se obteve por meio da difusão paulatina dos gradientes de excitação no protoplasma 
dos unicelulares. É isto que leva a uma considerável complicação da estrutura do corpo do plu-
ricelular, à separação das células de uma recepção especial de irritações que chegaram ao corpo 
do animal, e ao surgimento das primeiras células contrativas, agentes da função que nas etapas 
posteriores da evolução será assumida pelas células musculares. Isto leva, por último, a que nos 
lugares dos antigos gradientes de excitação comecem a formar-se passagens do protoplasma 
mais excitável e se constitua a forma mais elementar do sistema nervoso, qué entre esses 
animais tem o caráter de sistema nervoso difuso e com forma de rede. 
Tudo isto pode ser visto com nitidez especial na estrutura dos pluricelulares relativamente 
simples, pertencentes à classe dos celenterados, por exemplo, na estrutura do corpo da medusa, 
anêmona-do-mar e estrela-do-mar. 
Esse estágio da evolução dos pluricelulares se caracteriza pelo fato de que a condutibilidade da 
excitação se acelera muitas vezes graças ao surgimento do sistema nervoso reti-cular. Se o 
processo da excitação pelo protoplasma não vai além da velocidade de 1-2 mícrons por 
segundo, com o surgimento do sistema nervoso mais simples (reticular) a velocidade do 
processo é igual a 0,5m por segundo (observemos que com a contínua evolução do sistema 
nervoso e a passagem para as etapas seguintes de sua complicação, a velocidade do processo de 
excitação aumenta ainda mais, chegando nos sapos a 35 metros por segundo e a 125 metros por 
segundo nos vertebrados superiores). 
37 
No entanto as vantagens consideráveis, que surgem com o aparecimento do sistema nervoso difuso 
primário (reticu-lar), têm também os seus limites. Como nas etapas da evolução já descritas, os animais 
com sistema nervoso reticular ainda não têm extremidade cerebral permanente que dirija o seu 
comportamento. A excitação se difunde de maneira igual pelo sistema nervoso reticular em todo o corpo 
do animal, e o lugar da aplicação da instigação exterior se torna c ponto principal provisório. Só entre os 
celenterados mais complexos, uma parte do corpo (por exemplo, um raio da estrela-do-mar) não difere 
pela estrutura de outras partes do corpo (raios), pode tornar-se dominante e assume a função de órgão 
mais ativo no movimento. Se amputarmos na estrela-do-mar esse raio "dominante", o papel de 
"dominante" passará para outro raio, disposto ao lado dele. 
É natural que essa falta de um órgão dominante permanente, capaz não só de receber mas também de 
processar, codificar a informação recebida e criar programas de comportamento diferenciado, limita 
substancialmente as possibilidades do comportamento nesse nível. Esses defeitos são eliminados nas 
etapas posteriores da evolução, sobretudo com a transição para a vida terrena e com a formação de um 
sistema nervoso ganglionar de construção mais complexa. 
O sistema nervoso ganglionar e o surgimento dos programas de comportamento mais simples 
A transição para a vida em terra está relacionada com uma considerável complicação das condições de 
vida. A difusão direta de substâncias alimentícias do meio circundante torna-se impossível, tornando-se 
incomparavelmente menor a quantidade de comida sólida (discreta) pronta. Essa alimentação encontra-se 
agora num meio acentuadamente heterogêneo e a orientação necessária para obtê-la se torna bem mais 
difícil. 
Tudo isso gera a necessidade de sucessiva complicação do organismo dos animais, criando antes de tudo 
uma evolução posterior dos órgãos complexos de recepção e movimentos e de formação de aparelhos 
complexos e centralizados de processamentoda informação e regulamento dos movimen- 
38 
tos. É a isto que corresponde a etapa seguinte da evolução do sistema nervoso, que leva ao 
surgimento do sistema nervoso em cadeia ou ganglionar, que aparece pela primeira vez nos 
vermes e adquire a máxima complexidade nos invertebrados superiores, principalmente nos 
insetos. 
Tanto o surgimento do sistema nervoso ganglionar como a formação do comportamento, que se 
processa com a ajuda dele, marca um salto de suma importância na evolução da atividade vital. 
Nos invertebrados mais simples (vermes) já se pode observar um princípio inteiramente novo de 
organização do sistema nervoso em comparação com o estágio anterior. Na extremidade frontal 
do verme, concentram-se filamentos que terminam em receptores químicos e táteis, distribuídos 
de maneira especialmente densa. Esses aparelhos percebem mudanças químicas, térmicas e de 
luz que ocorrem no meio exterior, bem como mudanças de umidade. Os sinais dessas mudanças 
passam pelos filamentos e chegam ao núcleo frontal ou gânglio, onde se concentram no 
primeiro "centro" que surge pela primeira vez nessa fase da evolução. Aqui esses sinais são 
codificados, e os "programas" de comportamento que surgem em forma de impulsos motores se 
difundem pela cadeia dos gânglios nervosos; cada um desses gânglios corresponde a um 
segmento particular do corpo do verme. Os impulsos que chegam a esses gânglios provocam 
movimentos correspondentes cuja direção é programada e regulada pelo gânglio frontal. 
Aqui surge um novo princípio: o da centraiidade do sistema nervoso, que se distingue 
acentuadamente do princípio da construção do sistema nervoso difuso (reticulado). A 
extremidade da cabeça do verme, onde se concentra uma rede especialmente densa de hemo,-
mecano,-termo,-foto e hi-dro-receptores, assume papel principal, ao passo que os gânglios 
segmentares conservam apenas uma autonomia relativa. Isto é facilmente verificável se 
dividirmos ao meio o corpo do verme. Neste caso a parte dianteira se enfiará no chão, 
conservando seus movimentos organizados, enquanto a parte traseira se limitará a simples 
contorções, sem revelar nenhum indício de movimento organizado. 
A complicação da esrtutura do sistema nervoso no estágio dos vermos permite observar entre 
eles tipos mais perfeitos (se bem que ainda muito primitivos) "de formação de no- 
39 
vos modelos de comportamento individualmente adquiridos. Isso foi demonstrado em seu tempo pelo 
famoso psicólogo americano R. M. Yerkes, que colocou minhocas num tubo em forma de T, labirinto 
extremamente simples. No extremo esquerdo do tubo a minhoca recebia choque elétrico, que provocava 
reação defensiva. Com várias repetições desse experimento, a minhoca podia adquirir a ''habilidade" de 
evitar o choque elétrico e encaminhar-se para o lado direito. A lentidão com que se desenvolveu esse 
processo pode ser vista no seguinte: foram necessários mais de 150 testes para que o comportamento da 
minhoca adquirisse caráter organizado e na grande maioria do testes ela começasse a encaminhar-se para 
a direita, evitando o choque elétrico. 
Processo de "ensinamento" 
da minhoca no labirinto em forma de T 
Testes N" de t 
1-40 — 
41-80 — 
81-120 — 
121-160 — 
161-200 — 
201-240 — 
Processo de "reensinamento" da minhoca no labirinto em forma de T 
'rro
s 
Testes JV? de erros 
17 Ensinamento repetido 
 
14 1-40 
—. 
19 
13 41-80 
— 
9 
9 81-120 
— 
4 
4 Reensinamento 
 
4 161-165 
— 
4 
 
166-175 
— 
7 
 
176-185 
— 
7 
 
186-195 
— 
7 
 
196-205 
— 
5 
 
206-215 
— 
3 
 
216-225 
— 
2 
Repetindo-se esse mesmo experimento após uma longa pausa, a "aprendizagem" começa a a processar-se 
duas vezes mais rápido e depois de 80 experimentos o número de erros já é mínimo. Foi sintomático, 
ainda, que os experimentos de "reensinamento" da minhoca (nesses testes a minhoca já começava a 
receber choque elétrico da direita e não da esquerda) se desenvolveram de modo consideravelmente mais 
lento e só depois de 200 testes começava a manifestar-se algum efeito do "reensinamento". 
40 
Isto mostra que o sistema nervoso ganglionar dos vermes permite adquirir não apenas novas 
formas de comportamento como também conservar as "habilidades" adquiridas, noutros termos, 
que a minhoca possui uma forma primitiva de memória. 
Ultimamente têm sido realizados experimentos que per» mitem que nos convençamos da 
possibilidade de transmissão dessa "habilidade" e demos alguns passos no sentido da elucidação 
dos mecanismos bioquímicos que servem de base à memória elementar. Nesses experimentos, o 
pesquisador americano J. V. Mc Connell "ensinou" a um grupo de vermes o comportamento 
necessário num labirinto muito simples. Depois disto, ele triturou os corpos desses vermes, fez 
deles um extrato e com este alimentou outros vermes que nunca haviam sido ensinados. Como 
mostrou o experimento, os vermes que absorveram esse extrato "assimilaram" simultaneamente 
as habilidades adquiridas pelo primeiro grupo de vermes. Ao serem colocados pela primeira vez 
no labirinto, eles cometeram imediatamente bem menos erros do que os vermes comuns não-
ensinados. Esse fato levou Mc Connell ã Supor que a aquisição de "habilidade" nessas etapas da 
evolução está relacionada com profundas mudanças bioquímicas do proto-plasma e que a 
"habilidade" adquirida pode ser "transmitida" por via humoral. 
A ciência não dispõe de uma apreciação definitiva e pela interpretação dos dados obtidos nesse 
experimento pode-se apenas supor que as mudanças, provocadas por semelhante 
"aprendizagem", estão relacionadas com a modificação do ácido ribonucléico (ARN) . Isto foi 
mostrado pelos experimentos nos quais os corpos dos vermes "ensinados" foram previamente 
depositados em solução de ribonuclease (fermento que dissolve o ARN) . Depois disto o extrato 
das partes posteriores do corpo dos vermes "ensinados" não provocou o efeito necessário, ao 
passo que o extrato das partes anteriores dos vermes "ensinados" (incluindo a substância de 
gânglio frontal) continuou provocando o' mesmo efeito. Esses experimentos se referem tanto à 
importância do ácido ribonucléico para a conservação da "habilidade" como à importância que 
para a conservação da "memória" do verme tem o gânglio frontal, cujas células são imunss ao 
efeito dis-.solvente do, ribonuclease. 
41 
Até hoje se discute na ciência se esses experimentos se referem à "transmissão de informação" 
por via humoral ou apenas ao aumento geral da "excitabilídade", verificado na assimilação da 
substância dos corpos dos vermes ensinados, Apesar de não haver uma resposta definitiva a essa 
questão, os resultados dos experimentos mostram que nessa etapa da evolução é possível a 
aquisição de uma "habilidade" estável e que todas as células do corpo do animal parecem 
participar da conservação dessa "habilidade". 
Surgimento das formas complexas de programação hereditária do comportamento 
("instintivo") 
A evolução posterior do comportamento está relacionada com o surgimento de aparelhos 
complexo-diferenciados de recepção, que permitem assimilar uma informação altamente 
especializada que vem do meio exterior. Essa evolução está relacionada, ainda, com o 
desenvolvimento de programas sumamente complexos, que permitem ao animal adaptar-se às 
condições complexas porém permanentes e estáveis do meio. Tudo isso se torna possível nas 
etapas posteriores da evolução do sistema nervoso ganglionar e se manifesta com nitidez 
especial nos articulados. 
As complexas condições de vida tornam necessária a formação de órgãos multiformes de 
sensibilidade, que permitam registrar as diversas influências do meio exterior. Vejamos isto no 
exemplo da evoluçãodos fotorreceptores. A princípio, as células sensíveis à luz estavam 
simplesmente concentradas na superfície frontal do corpo, dando ao animal a possibilidade de 
assimilar o efeito da luz mas não permitia localizar a fonte da luz no espaço. Na etapa seguinte 
da evolução, as células sensíveis à luz se concentravam em dois discos sensíveis à luz, 
localizados nos dois lados da extremidade frontal do corpo. Isto permitia aos animais orientar-se 
a respeito da posição espacial da fonte de luz e voltar o tronco para a direita ou a esquerda mas 
ainda não permitia distinguir as propriedades do objeto que agia sobre o organismo. Só na 
última etapa da evolução, os discos hipersensíveis se arqueavam, adquirindo a forma de uma 
esfera vazia. Um pequeno orifício, que mais tarde foi preenchido pelo meio refra-tário (o 
cristalino), permitia a refração da luz cadente e o efei- 
42 
to de objeto luminoso se imprimia na camada sensível dessa esfera vazia. Surgia o órgão do 
complexo receptor fotossensível — o olho —, que pela primeira vez permitia não apenas reagir 
à existência da luz como também refletir as propriedades do objeto agente. 
A estrutura do olho, o mais importante órgão receptor de luz, é diferente em animais diferentes. 
Nos insetos ela tem o caráter de "olho de faceta", construído, às vezes, de muitos milhares de 
células independentes. Entre os vertebrados assume a forma do olho único tão familiar entre 
nós, que permite perceber o reflexo do objeto e mudar a nitidez do reflexo por meio' de um 
sistema auto-regulável de aparelho refratário. Mas em todos os casos o surgimento de um órgão 
complexo, que permite reconhecer à distância os objetos agentes, continua sendo uma das 
conquistas mais importantes da evolução. 
Os insetos possuem um grande número de receptores altamente diferenciados. A par com o 
complexo "fotorrecep-tor (o olho), eles têm receptores químico-táteis especiais (situados nas 
antenas), receptores de sabor (situados na cavidade bucal, nas pernas), que captam as mínimas 
mudanças de sabor, receptores de vibração (situados nos tímpanos das pernas), que reagem às 
mais ínfimas vibrações ultra-sônicas, às vezes até a 600.000 vibrações por segundo. É possível 
que eles ainda tenham toda uma Série de órgãos receptores por nós desconhecidos, cuja 
especialização foi por eles desenvolvida em um processo de milhões de gerações. 
As excitações, provocadas pelos efeitos que atingem esses aparelhos receptores, difundem-se 
pelos filamentos nervosos e chegam ao gânglio frontal, que é um protótipo do cérebro e um 
aparelho que reúne (codifica) os impulsos que chegam até ele e transferem esses impulsos para 
os sistemas ultracomplexos de programas congênitos de comportamento, que servem de base 
aos movimentos de adaptação dos insetos . 
O gânglio frontal dos insetos superiores, das abelhas, por exemplo, apresenta uma estrutura 
muito complexa. É formado por um acúmulo de células nervosas diferenciadas, às quais chegam 
os impulsos dos receptores periféricos. Na parte frontal desse gânglio se situam principalmente 
as células visuais, na parte média, as células olfativas, na parte posterior, as células sensíveis da 
cavidade bucal. É característi- 
43 
co que a disposição dessas células tem caráter organizado. Nelas já se pode observar uma 
estrutura plana de "vídeo", que permite que as excitações provocadas se difundam nas estruturas 
neurôniças do gânglio frontal em forma organizada, assegurando com isto o reflexo de 
determinadas influências estruturalmente organizadas. 
Como foi estabelecido pelas últimas pesquisas, é característico que já nessa fase da evolução 
façam parte da composição do gânglio frontal os neurônios altamente especializados, que 
reagem aos mínimos indícios particulares da informação que chega ao organismo, dividindo-a 
em grande número de elementos componentes e permitindo, posteriormente, reuni-los em 
estruturas integrais (adiante falaremos da forma de funcionamento desses neurônios). 
Tudo isso torna o gânglio frontal dos insetos superiores um aparelho central sumamente 
complexo, que permite captar as múltiplas influências do meio e codificar as influências 
captáveis em sistemas integrais. 
Os códigos de excitações, que surgem em determinadas irritações no gânglio frontal dos insetos, 
são transmitidos na forma de programas complexos de comportamento ao gânglio toráxico 
situado abaixo, onde surgem os impulsos dos complexos movimentos de adaptação do inseto, 
impulsos esses que lhe formam o comportamento. 
Os complexíssimos programas de comportamento dos insetos representam um interesse tão 
grande que exigem análise especial e minuciosa. 
A peculiaridade dos programas sumamente complexos, que representam uma parcela de 
absoluto predomínio no comportamento dos insetos, consiste em que tais programas são 
congênitos e transmissíveis por hereditariedade. Esses programas são produzidos por milhões 
de gerações e transmitidos por hereditariedade do mesmo modo que as peculiaridades da 
estrutura do corpo (as formas das asas, as características da tromba, a estrutura dos órgãos 
receptores. Eles estão bem adaptados às condições de existência dos insetos). 
São inúmeros os exemplos de programas congênitos de comportamento, entre os insetos. 
Freqüentemente eles são de tal forma complexos e racionais que alguns autores os consideraram 
exemplo de comportamento racional. 
É sabido que a larva do gorgulho da bétula corta-lhe a folha numa forma geométrica ideal, 
próxima da estrutura 
44 
ideal matematicamente calculada, para em seguida transformá-la em canudo e utilizá-lo para 
metamorfosear-se em cri-sálida. O mosquito deita as células sobre a superfície da água e nunca 
na terra, onde elas secam fatalmente. A vespa esfecídea deita as células no corpo da lagarta para 
que as larvas que venham a nascer não sintam falta de alimento. Para tanto ela fura previamente 
o gânglio do tronco da lagarta de maneira a que esta não morra mas fique apenas sem 
movimento; isto ela faz com admirável precisão. Não é necessário falar dos programas 
congênitos de comportamento da aranha, que tece uma teia impressionante pela construção, ou 
dos programas congênitos de comportamento da abelha, que constrói favos de forma 
economicamente ideal, enche esses favos de mel e os lacra com cera tão logo eles estejam 
suficientemente cheios. 
Os exemplos citados de comportamento racional altamente complexo, e muitos outros, são 
congênitos, os insetos não precisam estudá-lo, nascem com essas formas de comportamento 
assim como nascem com uma estrutura dos órgãos dos sentidos impressionante pela 
racionalidade. 
Tudo isso deu a muitos autores fundamentos para falar da racionalidade dos instintos e 
aproximá-los do comportamento racional. 
Só ultimamente as pesquisas dos zoólogos, particularmente da corrente denominada etologia 
(etos -— comportamento), deram certa clareza à forma misteriosa do comportamento e 
mostraram que essa forma de atividade, que impressiona pela complexidade e a aparente 
racionalidade, encobre mecanismos elementares. Essas pesquisas mostraram que os 
complexíssimos programas de comportamento "instintivo" são gerados de fato por estímulos 
elementares, que colocam em ação os ciclos congênitos dos atos de adaptação. 
Assim, o brilho da água leva o mosquito a deitar células na superfície aquosa. Por isto basta 
substituir a água por um espelho brilhante para o mosquito começar a depositar células em sua 
superfície. O complexo programa congênito de atividade da aranha, que ataca a mosca que se 
enreda na teia e a devora, é gerado de fato pela vibração da teia; se um diapasão vibrante toca a 
tela, a aranha se lança contra ele assim como se lança contra a mosca. 
Os mecanismos descritos permitem avançar consideravelmente no sentido de melhorar a 
compreensão dos processos que servem de base ao comportamento congênito e 
45 
passar da simples descriçãoà sua explicação, mostrar o quanto o comportamento instintivo 
difere do comportamento racional. 
Citemos apenas um exemplo, que mostra a complexidade com que se desenvolve semelhante 
pesquisa e que interessantes são os resultados a que ela conduz. 
É sabido que algumas variedades de minhocas, após se abastecerem de folhas para o inverno, 
arrastam-nas para os seus buracos pela extremidade fina. Isto se considerava manifestação da 
"atividade racional" das minhocas, à qual Dar-win se referiu em sua época, e levava a supor que 
a minhoca percebe a forma da folha e "calcula" por que extremidade é melhor arrastá-la para o 
buraco. 
Essa hipótese mudou substancialmente depois que o pesquisador alemão Haneli realizou o 
seguinte experimento: cortou de uma folha um pedaço, reproduzindo a forma dessa folha mas 
com a ponta para baixo. Neste caso a minhoca tentou arrastar a folha para o buraco não pela 
ponta fina, mas pela grossa. A causa desse comportamento da minhoca tornou-se objeto da 
pesquisa de outro cientista — Manholdt. Este supôs que o comportamento da minhoca fosse 
determinado não pela percepção da forma mas por uma sensibilidade química bem mais 
elementar. Para verificar isto ele colocou diante da minhoca vários pauzinhos iguais, mas 
passou seiva da parte superior da folha numa ponta dos pauzinhos, fazendo o mesmo na ponta 
de outros com seiva da base da folha e, ainda, seiva da parte superior numa ponta e seiva de 
enxerto noutra. Como testes de controle, passou seiva da parte superior ou do enxerto da folha 
numa ponta dos pauzinhos, passando gelatina neutra em outra. Os resultados do teste mostraram 
que, nesses casos, a freqüência com que a minhoca arrastava o pauzinho para o buraco por uma 
ou outra ponta não era a mesma e que o fator principal que resolvia a questão era a diferença de 
distinção química entre a parte superior e seu enxerto. 
(a) (b) (a/b) 
seiva da parte superior — bases da folha (b) relação de preferên-da folha (s) 
cia de uma ou ou- 
parte superior da folha (s) — enxerto (t) tra extremidade da 
parte superior da folha (s) — gelatina (g) folha 
enxerto (e) — gelatina (g) 51:49 
68:32 93:7 84:16 
46 
Assim, se uma ponta do pauzinho estava untada com seiva da parte superior da folha e a outra 
ponta com seiva da base, a minhoca não manifestava qualquer preferência por essa ou aquela 
ponta. Se uma ponta estava untada com seiva da parte superior da folha e a outra com seiva do 
enxerto, a minhoca preferia duas vezes mais a ponta com seiva da parte superior. No teste de 
controle em que se passava* gelatina neutra numa ponta do pauzinho, essa preferência pela 
seiva da parte superior da folha foi ainda mais nítida. 
Deste modo, a hipótese segundo a qual a minhoca reage à forma da folha foi abandonada, 
mostrando-se que um sentido químico bem mais simples desempenha papel decisivo no 
processo dessa complexa forma de atividade. 
Todas as observações descritas permitiram que nos convencêssemos de que, apesar dos 
programas de comportamento congênito muito complexos que dominam nos invertebrados 
(principalmente nos insetos), eles podem ser acionados por sinais relativamente simples. Esses 
sinais, que acionam mecanismos congênitos muito complexos, refletem as condições ecológicas 
de vida do animal e são produtos de uma longa evolução. 
As condições que põem em ação os programas congênitos de comportamento, manifestaram-se 
.com nitidez especial na análise dos indícios a que reage o inseto (a abelha, por exemplo), 
quando esta pousa seletivamente sobre essas ou aquelas espécies de flores melíferas. 
Verificou-se que esses indícios podem ser constituídos pela forma complexa da flor e às vezes 
por seu colorido. 
Como mostraram em pesquisa o famoso zoólogo alemão Frisch e posteriormente Hertz com 
seus experimentos, nos quais a abelha era treinada para pousar em xícaras com solução de 
açúcar, cobertas por desenhos de diferentes formas geométricas, é com dificuldade que a abelha 
distingue formas geométricas simples como o triângulo e o quadrado, mas distingue facilmente 
formas complexas como a estrela pentagonal e hexagonal ou figuras cruciformes, dispostas sob 
ângulos diversos. Por último, a abelha distingue com a mesma facilidade o círculo simples e o 
cortado, não pousando sobre o primeiro e reagindo seletivamente ao segundo. 
Essas pesquisas mostram que o fator que permite à abelha distinguir as formas correspondentes 
não é constituí- 
47 
do pela simplicidade geométrica destas mas por sua semelhança com os instigadores naturais: 
a forma das flores. 
Deram resultados análogos experimentos em que a abelha distinguiu coloridos diferentes. Eles 
mostraram que a abelha distingue com dificuldade as cores puras, distingue com muito mais 
facilidade as cores mistas (vermelho-amare-lo, amarelo-verde, verde-azul, etc), que reproduzem 
o colorido de flores diferentes. 
Tudo isso mostra que o fator decisivo para a distinção dos indícios que acionam os programas 
congênitos (instintivos) de comportamento são as condições naturais de vida (condições 
ecológicas), que determinam exatamente o indício distinguido pelo animal. 
É muito possível que essa elevada seletividade dos indícios a que reage o inseto esteja 
relacionada com o surgimento de neurônios do gânglio frontal altamente especializados, que, no 
processo de evolução, adquiriram a capacidade de responder seletivamente aos estímulos de 
importância vital como as cores mistas, o aspecto estrelário ou o corte das formas, a disposição 
das formas no espaço, etc. 
As pesquisas, realizadas por zoólogos e psicólogos, convenceram de mais uma importantíssima 
peculiaridade do comportamento congênito "instintivo". Verificou-se que os programas 
congênitos de comportamento "instintivos" são racionais apenas em determinadas condições 
rigorosamente padronizadas, de acordo com as quais esses programas se formaram no processo 
de evolução. Mas basta mudar um pouco essas condições para que os programas congênitos 
deixem de ser racionais e percam seu caráter "racional". 
Essa tese pode ser ilustrada com dois exemplos. Sabe-se que uma espécie de vespas formou um 
comportamento muito "racional". Ao chegar com a presa ao buraco onde a guada, ela deixa a 
presa junto do buraco, entra nele e depois de encontrá-lo vazio sai, traz a presa para dentro e se 
retira. 
Mas a questão muda substancialmente quando num experimento especial, aproveitando o 
momento em que a vespa faz seu reconhecimento no buraco, pega-se a presa que está na boca 
do buraco, afastando-a alguns centímetros. Neste caso, ao sair do buraco e não encontrar a presa 
no lugar anterior, a vespa torna a arrastá-la para a posição anterior e. .. volta a entrar no buraco 
que acaba de inspecionar. A 
48 
vespa pode repetir esse comportamento muitas vezes consecutivas, e sempre que a presa se desloca 
alguns centímetros ela continua a repetir mecanicamente o reconhecimento do buraco, perdendo nessas 
condições a sua racionalidade. 
Observações análogas foram feitas com abelhas. É sabido que a abelha enche os favos com mel e, após 
depositar a quantidade suficiente de mel, lacra os favos. Mas se em condições de um experimento 
especial corta-se todo o fundo dos favos, derramando-se o mel neles depositados pela abelha, esta 
continua a lacrar os favos vazios durante o períoSo fixado em seu programa instintivo. E aqui o 
comportamento, que fora racional em condições padronizadas e permanentes de vida, perde sua 
racionalidade quando essas condições se modificam. 
Tudo isso mostra que os programas congênitos "instintivos" de comportamento, predominantes na 
atividade dos insetos, são programas rotineiros, mecânicos, conservando sua aparente"racionalidade" 
apenas sob condições padronizadas permanentes segundo as quais eles foram adquiridos no processo da 
evolução. 
A racionalidade desse predomínio de programas específicos de comportamento corresponde ao princípio 
biológico fundamental de vida dos insetos. Via de regra, estes depositam um imenso número de células, 
que se distingue por um grande excesso. £ó um pequeno número de vespas que nasce dessas células 
consegue sobreviver, más esse número já é o suficiente para a preservação da espécie. Por isto, apesar de 
que grande número de vespas morre quando as mudanças das condições tornam os programas congênitos 
inadequados, assim mesmo conserva-se a espécie e os programas congênitos de comportamento 
"instintivo" são suficientes para a preservação da espécie. 
Esse tipo de adaptação dos programas congênitos de comportamento, com uma mutabilidade lenta e 
difícil, é bio-logicamente racional sob as condições de grande excesso de reprodução que se verifica no 
mundo dos insetos. No entanto ele se torna biologicamente insuficiente para outro ramo da evolução — 
os vertebrados. Entre estes não se verifica esse excesso de reprodução, criando-se condições, que tornam 
racional outro tipo de comportamento: o comportamento individualmente mutável" no nível mais 
elevado. 
49 
O sistema nervoso central e o comportamento individualmente variável dos vertebrados 
Tudo o que sabemos acerca dos modos de vida e do comportamento dos vertebrados mostra que 
tanto as formas de vida como as formas de comportamento dessa espécie obedecem a um 
princípio inteiramente distinto. 
Só os vertebrados inferiores, que habitam o meio aquo-so, apresentam um excesso de 
reprodução tão grande que os aproxima da classe dos insetos, pois sobrevive apenas um número 
relativamente pequeno de indivíduos que nascem de ovas fecundas. Por isto só entre os peixes a 
prevalência de formas de comportamento pouco variáveis e hereditariamen-te programadas é 
suficiente para a preservação da espécie. 
Diferente é o quadro que observamos com a passagem dos vertebrados à vida em terra. As 
condições de alimentação se tornam mais complexas, o meio mais mutável, aumentando 
infinitamente as necessidades de orientação nesse meio em constante mudança. Muda 
simultaneamente também o tipo de reprodução: cada indivíduo reproduz apenas 2-3 e mais 
raramente 5-6 semelhantes, e a sobrevivência dos indivíduos isolados se torna uma condição 
para a preservação da espécie. 
Tudo isso cria uma necessidade biológica para que, paralelamente ao comportamento 
"instintivo" (ou de espécie) congênito e pouco mutável, surja um novo comportamento 
individualmente variável. Essa nova forma de comportamento existe em embrião nos 
vertebrados inferiores mas nas fases posteriores da evolução começam a ocupar posição cada 
vez mais destacada para nos mamíferos superiores (macacos) e, em seguida, no homem, afastar 
definitivamente as formas congênitas ("instintivas") inferiores de comportamento. 
A necessidade da complicação das formas de orientação na realidade ambiente e aquisição de 
novas possibilidades de orientação individual nas condições mutáveis do meio e a criação de 
novas formas individualmente mutáveis de adaptação levam, no processo de evolução, à criação 
de órgãos nervosos basicamente novos, que seriam capazes não apenas de receber os sinais do 
meio e pôr em ação os programas de comportamento "instintivo", transmissíveis pors; 
hereditarieda-de, como também de analisar a informação recebida e fechar as novas ligações, 
assegurando novas formas individualmente 
50 
variáveis de comportamento. Esse órgão é o cérebro, cuja estrutura reflete o longo caminho 
percorrido pela evolução. 
A formação do cérebro do animal obedece ao tipo de série de níveis ou camadas sobrepostas 
umas às outras. 
Os níveis inferiores, situados no tronco cerebral, garantem os processos de regulagem do estado 
interno do organismo — metabolismo (hipófise), respiração e circulação sangüínea (tronco) e 
respostas reflexas aos instigadores elementares qué do meio exterior chegam ao animal (corpo 
qua-drigêmeo). Esses órgãos, construídos segundo o tipo de conjuntos nervoso-secretórios ou de 
núcleos nervosos (gânglios), predominam entre os vertebrados inferiores e permitem-lhes 
realizar programas congênitos mais elementares de atividade adaptadora, que por pouca coisa 
diferem dos tipos de atividade intensiva acima descritos. 
Exemplo típico dessa construção de cérebro é o cérebro da rã, que é constituído de formações 
do tronco superior com um corpo quadrigêmeo poderosamente desenvolvido e estruturas mais 
elevadas apenas esboçadas, assegurando acima de tudo o cumprimento dos programas 
"instintivos" e pouco mutáveis de comportamento que se formaram no processo da evolução. 
Esses programas de comportamento apresentam estrutura semelhante à acima descrita. Ao 
perceber uma mosca, a rã salta de mandíbulas abertas e a apanha com sua língua viscosa. Esse 
comportamento complexo é determinado por um estímulo relativamente elementar — uma 
cinti-iaçâo visualmente perceptível —, não sendo, absolutamente, resposta a um sinal 
previamente analisado. Isto pode ser facilmente visto se pendurarmos uma pequena nesga de 
papel num fio de cabelo e a pusermos em movimento torcendo esse fio. Neste caso a cintilaçjío 
aciona os programas congênitos de comportamento e a rã se lança automaticamente contra o 
papel cintilante como o faz contra a mosca. 
Sobre o órgão do tronco constituem-se formações mais elevadas, que incluem inicialmente o 
sistema talâmico-estria-do (regiões subcorticais) e o córtex primitivo (olfativo), incluindo 
posteriormente, nos vertebrados superiores, formações de uma nova camada de grandes 
hemisférios, que se desenvolvem cada vez mais e aos poucos vão começando a dominar 
inteiramente as formações de nível inferior. 
51 
Os órgãos do sistema talâmico-estriado, que começam a predominar nos répteis e nas aves e, 
posteriormente, os órgãos da camada antiga, asseguram formas de comportamento individual mais 
plásticas do que as formas que se observavam nos vertebrados inferiores. Mas essas formas de 
comportamento, que já adquirem traços de variedade individual, a^nda estão estreitamente vinculadas a 
formas congênitas mais elementares de comportamento e apresentam traços dos tipos de atividade 
adaptadora que são congênitas no animal e refletem as peculiaridades da sua ecologia (i. e., das formas 
biológicas estáveis de sua existência). 
Uma análise atenta mostra que esses programas congênitos de comportamento, às vezes muito 
complexos, podem ser gerados por estímulos relativamente simples, que refletem as formas de vida do 
animal. 
Como mostraram as observações de diversos autores, entre elas as do fisiologista soviético A. D. Slônim, 
os complexos movimentos de sucção do animal recém-nascido são efetivamente provocados por 
diferentes sinais que refletem as condições biológicas de sua vida: os movimentos de sucção do filhote de 
cão são provocados pela maciez do pêlo (indício principal da fêmea lactante); no cordeiro, esses 
movimentos são provocados pelo escurecimento da teta (que reflete o fato biológico de que o cordeiro 
que começa a mamar aproxima-se da ovelha e mama sacudindo a cabeça). 
Esse mesmo condicionamento ecológico das reações seletivas caracteriza muitos animais e depende mais 
do seu modo de vida do que da classe zoológica a que eles pertencem. 
Assim, o pato doméstico (que se alimenta de comidas vegetais) é indiferente aos cheiros de podre mas 
tem o: olfato apurado para os cheiros de vetegais, ao passo que o esmeri-lhão, que se alimenta de carniça, 
tem o olfato apurado para os cheiros de podre mas é indiferente aos cheiros de vegetais. 
É sintomático que as peculiaridades ecológicas se refletem também em formas mais complexas de 
comportamento animal. É fato bem conhecido que o cão começa a salivar 
52 
aover uma ave. No entanto, o que é menos conhecido, a raposa que se prepara para obter alimento-sofre 
inibição ao vê-lo e retém a saliva. 
Todos esses exemplos mostram que as formas complexas de comportamento natural, realizado pelos 
órgãos das áreas mais elevadas do cérebro, mantêm a mais estreita ligação com os programas congênitos 
de comportamento, que se formam no processo da evolução sob a influência das condições de existência 
(ecologia) dos animais. 
Sobre os órgãos que acabamos de descrever, edificam-se os órgãos do nível seguinte e mais elevado do 
sistema nervoso dos grandes hemisférios, particularmente do novo córtex cerebral cujo peso, como 
mostram os dados que abaixo citamos, começam a ocupar posição cada vez maior em relação ao peso do 
corpo. 
baleia leão cão macaco homem 
1/10.000 1/540 1/250 1/100 1/40 
Os grandes hemisférios cerebrais começam a adquirir não apenas um grande peso relativo no processo da 
evolução dos vertebrados superiores como ainda assumem grande importância. Se nos mamíferos 
inferiores o córtex ainda não tem papel dominante e a regulação dos processos de comportamento pode 
ser realizada com êxito mesmo que o córtex seja destruído, já nos mamíferos superiores ele adquire 
importância de maior peso e os processos de comportamento, por mais insignificante que seja a sua 
complexidade, já não podem ser realizados com a destruição do córtex. 
Os fatos que sugerem uma grande dependência das funções em relação ao córtex cerebral, em outros 
termos, que sugerem uma verticalização progressiva das junções podem ser vistos nos resultados das 
observações do pesquisador alemão Schafer, que mostram que processos de percepção e que movimentos 
podem permanecer em diferentes etapas da evolução dos mamíferos depois da extinção do córtex. 
Colocamos num quadro sinóptico os resultados das observações. 
53 
Influência da extirpação do córtex cerebral sobre os processos visuais e motores nas fases sucessivas da 
evolução (segundo Schafer) 
Funções visuais Funções motoras 
A ave, depois da extirpação do A ave, depois da extirpação do córtex dos grandes hemisférios,continua a voar; 
córtex dos grandes hemisférios, mantendo os seus movimentos. 
Continua a ver, a pousar no lu- 
Gar marcado 
 O rato, depois da extirpação do O gato, depois da extirpação das áreas correspondentes dos grandes hemis- 
córtex dos hemisférios, não dis- férios,recupera seus movimentos algumas horas depois. 
Tingue os formas e só reage à luz. 
O macaco fica cego após a extir- O cão, 24 horas após a extirpação das áreas correspondentes do córtex dos 
pação das ares correspondentes grandes hemisférios, pode manter-se em pé mas se desorganizam os seus movimen 
dos grandes hemisférios, tos independentes. 
O macaco, após a extirpação das áreas correspondentes dos grandes hemisférios, pode manter-se em pé somente 
ajudado. 
Tudo isso mostra que os grandes hemisférios não apenas começam a ocupar posição de grande destaque 
em relação ao restante do cérebro como ainda desempenham papel dominante na regulação da formas 
complexas de comportamento animal. 
A função principal dos grandes hemisférios e do seu componente fundamental — o córtex cerebral — 
consiste em que este é um órgão que não só recebe os sinais e põe em ação os programas alicerçados de 
comportamento da espécie como ainda permite analisar a informação recebida do meio exterior, 
orientar-se nas suas mudanças, fechar novas ligações e formar novos programas de comportamento 
individualmente variáveis, correspondentes a essas mudanças. 
A essa nova tarefa corresponde a estrutura do córtex dos grandes hemisférios cerebrais, cuja massa é 
constituída de um imenso número de células (neurônios) nervosas isoladas, distribuídas em seis camadas 
principais; a quarta destas 
54 
é o ponto onde terminam os tecidos que levam a irritação dos órgãos, dos sentidos e das 
superfícies receptoras do corpo e onde as irritações se transferem para outros neurônios. A 
quinta camada é o lugar de onde os impulsos motores se dirigem aos músculos e, finalmente, o 
último grupo de camadas (a segunda e a terceira) concentra um imenso número de neurônios, 
que reelaboram (recodificam) os impulsos que chegam ao córtex cerebral e fecham novas 
ligações, que asseguram a formação de novos programas de comportamento individualmente 
variáveis (no IV capítulo faremos uma descrição minuciosa da estrutura do córtex dos grandes 
hemisférios, incluindo aí as camadas restantes) . 
O traço característico do córtex dos grandes hemisférios consiste em que as suas diversas 
regiões estão ocupadas com a projeção dos diferentes órgãos dos sentidos (tato, visão, olfato, 
audição e sensibilidade neuromuscular). O princípio ecológico de construção e funcionamento 
do aparelho nervoso central se manifesta também aqui, e quanto maior é a importância desse ou 
daquele tipo de sensibilidade na vida do animal, tanto mais importante é o seu lugar no córtex 
cerebral. 
Deste modo, no córtex cerebral do ouriço (este animal se orienta predominantemente pelo 
olfato) as regiões olfativas do cérebro ocupam quase um terço dos hemisférios, ao passo que no 
homem as regiões olfativas do cérebro são acentuadamente reduzidas. 
No macaco, a orientação no mundo exterior é altamente relevante porque as áreas visuais do 
córtex ocupam posição de grande destaque, ao passo que no cão (animal predominantemente 
olfativo) as áreas dos grandes hemisférios ocupam posição bem inferior. 
O mesmo podemos dizer da posição relativa que ocupam no córtex cerebral as projeções dos 
órgãos do corpo. Isto ficou evidenciado nos experimentos do fisiologista inglês Adrian, que 
estabeleceu por um método eletro fisiológico especial que o território ocupado pela projeção da 
anca no cérebro do porco é muito pequeno, ao passo que a projeção do "focinho" do porco (que 
é para este o mais importante órgão do tato, do faro, etc.) ocupa um território imenso, 
desproporcional ao seu tamanho. É uma peculiaridade que a projeção dos lábios da ovelha — 
principal órgão de orientação desse animal — ocupa idêntica posição desproporcional nos 
grandes 
55 
hemisférios desse mamífero. Tudo isso mostra que o córtex dos grandes hemisférios do cérebro, que se 
desenvolve de maneira potente nas etapas tardias da evolução dos vertebrados superiores, forma-se sob a 
ação direta das condições ecológicas e é justamente esse fator que o converte em órgão principal, que 
assegura as formas mais complexas de análise e síntese da informação recebida do meio exterior, bem 
como em órgão fundamental de regulação do comportamento individualmente variável. 
Mecanismos do comportamento individualmente variável 
Se os mecanismos dos programas instintivos de comportamento se reduzissem a que um estímulo 
qualquer, surgido no processo de evolução de uma espécie, acionasse programas complexos de 
comportamento, gerados no processo da evolução, então seria bem mais complexo o mecanismo do 
comportamento individualmente variável, que se realiza através do córtex cerebral. Este se reduz a que, 
como resultado de uma ativa orientação do animal nas condições do meio, o estímulo que tenha sido de 
importância essencial e dê o sinal do surgimento de condições de significado vital (alimento, perigo) 
começa a distinguir-se do meio ambiente e leva ao fechamento de ligações e ao surgimento de novos 
programas de comportamento, por meio dos quais o animal atinge o fim necessário ou evita o perigo que 
o ameaça. 
Os mecanismos fisiológicos, que levam ao surgimento de novas formas de comportamento 
individualmente variáveis, foram estudados em pormenores na escola de Pávlov e constituem a essência 
da doutrina das ligações temporárias e dos reflexos condicionados. 
É de interesse,entretanto, a descrição das condições sob as quais surgem novas formas individualmente 
modificadas de comportamento adaptador do animal e as etapas pelas quais eles passam em sua 
formação. 
As condições e etapas do surgimento de novas formas de comportamento individualmente variáveis 
foram estudadas minuciosamente por um grande número de pesquisadores, mas enfatizou-se a atenção na 
maneira como o animal atinge o fim necessário e os meios pelos quais ele adquire novas modalidades de 
comportamento. 
56 
Para resolver tais problemas, os estudiosos aplicaram métodos que receberam a denominação de 
"aquisição de habilidades" ou "reflexos condicionados instrumentais ou operativos". Com essa finalidade 
colocou-se o animal numa célula especial (a chamada caixa problemática), separando-o do estímulo (a 
comida) por um obstáculo (por exemplo, uma porta fechada a ferrolho). O animal dedvia mover um pedal 
ou puxar o ferrolho com a pata e então a porta se abria e o objetivo era atingido. 
Outro método de estudo do modo de surgimento de novas formas individualmente variáveis de 
comportamento consistia no seguinte: colocava-se o animal num complicado labirinto, em cujo extremo 
havia um estímulo (objetivo). O pesquisador observava como o animal superava paulatinamente os 
caminhos errados, encontrando o caminho certo para chegar ao objetivo. 
A diferença essencial entre os experimentos de formação de complexas habilidades ou "reflexos 
condicionados instrumentais" e o método dos "reflexos condicionados clássicos", aplicado por Pávlov, 
consistia em que o êxito ou o fracasso do animal dependia do seu desempenho ativo, noutros termos, do 
caráter das tentativas que ele empreendia. Embora o método de estudo da aquisição de novas formas 
individualmente variáveis de comportamento do animal perdesse em precisão fisiológica em relação ao 
método dos "reflexos condicionados clássicos", sem dar as possibilidades de estudo fisiológico dos 
processos nervosos (sua irradiação e concentração e indução mútua) que dava o método de Pávlov, aquele 
método ganhava no estudo dos modos concretos de comportamento que o animal aplicava para resolver 
as tarefas que se lhe colocavam e assim permitia acompanhar as etapas fundamentais de formação de 
novos atos adaptadores, condizentes com as novas condições. O processo de aquisição de novas formas 
individualmente variáveis de comportamento, que levam à solução das tarefas colocadas diante do 
animal, era explicado de modo diferente por diversas pesquisas. Uns explicavam esse processo a partir de 
posições mecanicistas (partilhavam essas posições os insignes pesquisadores americanos Thorndike, 
Watson e muitos representantes do behaviorismo americano), considerando que as novas formas de 
comportamento, que levam o animal a atingir o objetivo, surgem no processo de testes e erros 
desordenados. Nesse processo de testes um dos movimentos do animal le- 
57 
vava casualmente à abertura da porta e o animal recebia a comida. Posteriormente, o reforço pelo êxito 
desses movimentos casualmente surgidos e sua constante repetição levaram a que os movimentos 
inadequados fossem extintos, reforçadores os bem-sucedidos. 
Essa explicação do processo de aquisição de novas formas de comportamento por meio do reforço de 
movimentos bem-sucedidos casualmente surgidos explicava bem o reforço dessas formas mas deixava à 
margem da análise o próprio processo de seu surgimento. 
Outro grupo d& autores mantinha outras posições, ao tentarem examinar as regras pelas quais se 
formavam as buscas da solução pelo animal e que levavam ao surgimento de procedimentos bem-
sucedidos de solução das tarefas colocadas diante do animal. 
Esse grupo de pesquisadores (ao qual pertenciam os psicólogos americanos E. Tolman, D. Krech, o 
fisiologista soviético V. P. Protopópov e outros) partia da tese segundo a qual os movimentos que o 
animal empreende tentando resolver a tarefa não têm caráter caótico e casual mas surgem no processo de 
um ativo desempenho de orientação. Nesse desempenho o animal tenta atingir o objetivo, analisa a 
situação, escolhe a direção dos movimentos que corresponde à posição do objetivo. Essa situação da 
"tarefa" (que esses psicólogos entendem como objetivo dado em determinadas condições) ou como 
situação "estímulo-obstáculo" leva a que as tentativas do animal, dirigidas pelo objetivo, restringem-se 
paulatinamente e o animal vai chegando pouco a pouco ao ponto em que surgem nele as necessárias 
reações motoras adequadas ao objetivo, que são posteriormente reforçadas. 
A vantagem dessa teoria consiste em que ela tenta explicar o surgimento das necessárias formas de 
solução da tarefa ou surgimento da "habilidade" a partir de uma análise motora da situação, abandonando 
a hipótese de que os movimentos necessários surgem "por acaso". 
Várias observações, realizadas por pesquisadores americanos, confirmaram o fato de que, às vezes, os 
programas bastante complexos de comportamento do animal que tenta atingir os objetivos não são 
adquiridos por acaso mas se formam no processo de uma orientação ativa nas novas condições e são 
dirigidos por essa orientação na situação e por sua análise. 
58 
Um desses fatos foi estabelecido numa análise minuciosa da maneira pela qual o animal (o rato) 
adquire a habilidade de encontrar o caminho certo nas condições de um labirinto complexo. 
Como mostrou o pesquisador americano Dashnul, os testes feitos pelo animal colocado em 
labirinto não são casuais, via de regra vão sempre em direção ao objetivo; por isto, o animal que 
ao menos uma vez tenha se orientado no labirinto, cria um sistema geral de direção no qual ele 
corre e entra nos becos sem saída do labirinto, situados na direção do caminho dado, com muito 
mais freqüência do que nos becos sem saída do labirinto, situados na direção oposta ao esquema 
do movimento. 
Deste modo, pode-se ver claramente que os movimentos do animal no labirinto não têm caráter 
casual mas são subordinados a uma direção que o pesquisador americano Crich caracterizou 
como surgimento de uma "hipótese motora", que orienta o sentido geral das tentativas dos ratos 
que adquirem "habilidade" no labirinto. Os testes com a chamada "aprendizagem latente" 
confirmam o fato de que as tentativas que o animal empreende no processo de aquisição de 
novos programas de comportamento não são casuais mas constituem o resultado da orientação 
ativa do animal nas condições do meio. 
Nesses testes de "aprendizagem latente", compara-se a rapidez da aquisição da habilidade nos 
animais, que são imediatamente colocados no labirinto para percorrê-lo, com a rapidez dos 
animais do segundo grupo, aos quais se permite simplesmente correr pelo labirinto, dandose-
lhes a possibilidade de se orientarem previamente nas condições do labirinto. 
Como mostraram esses testes realizados por pesquisadores americanos, o segundo grupo de 
animais adquiria a habilidade bem mais rapidamente do que o primeiro. Foi característico o fato 
de que a aquisição da habilidade eficiente era especialmente significativa quando se permitia ao 
animal orientar-se ativamente nas condições do labirinto. Esse experimento foi realizado pelo 
pesquisador americano Hald, que permitiu ao animal movimentar-se ativamente pela caixa 
problema, enquanto outro animal observava passiva- 
59 
mente essa caixa do carrinho que havia levado o primeiro animal. Também neste caso o primeiro animal, 
que se orientara ativamente na situação, adquiriu a habilidade motora com rapidez bem maior do que o 
segundo. Esse fato mostra o papel desempenhado na aquisição do novo programa de ação pela orientação 
prévia do animal nas condições do teste. 
O complexo caráter dinâmico da habilidade motora adquirida, que não é mera finalidade dos movimentos 
mecanicamente adquiridos, é confirmado, finalmente, por uma série especial de testes, que mostram que 
essa "habilidade"readquirida pode conservar-se inclusive nos casos em que um conjunto inteiramente 
novo de movimentos se faz necessário para colocá-la em prática. 
Uma dessas pesquisas foi realizada pelo pesquisador americano Hunter, em cujo teste o rato adquiriu a 
habilidade de encontrar o caminho necessário no labirinto. Depois que essa habilidade foi adquirida, uma 
parte do labirinto foi excluída, colocando-se em seu lugar uma bacia com água. Neste caso o rato devia 
atravessar a bacia a nado, i. e., fazendo movimentos inteiramente novos; mas com isto não perdeu a 
habilidade adquirida. 
Fatos análogos foram registrados por outros meios por Lashley. Após formar no rato a habilidade de 
encontrar os caminhos no labirinto, destruiu-lhe em seguida o cerebelo. Como resultado dessa operação, o 
rato perdeu o equilíbrio e todos os movimentos anteriores se desorganizaram. Movendo-se, porém, por 
cambaleios (i. e., por meio de movimentos inteiramente novos), o rato acabou se colocando no rumo certo 
e atingindo o objetivo. 
Tudo isso mostra que os programas motores, adquiridos em condições de tarefas especiais, não são, em 
hipótese alguma, um fim mecânico dos reflexos; são, antes, esquemas dinâmicos complexos, que se 
formam no animal no processo de •sua atividade orientada. •. J 
60 
Dois traços são característicos da aquisição dessas novas formas de atividade adaptadora entre 
os vertebrados. Um deles consiste em que o processo de orientação ou busca é inseparável dos 
movimentos ativos e o descobrimento da solução necessária não antecede a execução do 
programa motor mas se forma no processo dos testes motores. 
O segundo traço característico consiste em que o caráter dos atos de orientação do animal e o 
caráter das novas formas adquiridas de comportamento dependem ao máximo das formas 
naturais de comportamento, que se constituíram em estreito contato com a peculiaridade da vida 
(com a ecologia) do animal. Nos herbívoros, principalmente nos animais que ingerem 
alimentação pronta (por exemplo a galinha, a ovelha, a vaca), a atividade dirigida tem caráter 
passivo, limitado, os programas naturais de comportamento predominam e a aquisição de novas 
fomas de comportamento individualmente variáveis é um processo lento. Ocorre o.contrário 
com os carnívoros, que em condições naturais são obrigados a procurar a comida, a caçar a 
presa (as aves de rapina, a raposa); nestes a atividade dirigida se processa na forma de buscas 
ativas, sendo bem mais rápida a aquisição de novas formas de comportamento, que 
correspondem a uma situação variável. 
É um dado essencial o fato de que o caráter das formas adquiridas de um novo comportamento 
individualmente variável conserva nesses animais uma estreita ligação com as suas formas 
congênitas ("instintivas") de atividade ou "reflexos naturais". Deste modo, o leão-marinho, no 
qual o mergulho e a perseguição à presa fazem parte dos programas congênitos de 
comportamento, aprende com especial facilidade a fazer malabarismos com a bola ou agarrá-la. 
O guaxinim ou o urso, que se erguem freqüentemente sobre as patas traseiras, deixando livres as 
dianteiras, podem aprender facilmente a executar movimentos que imitam uma "lavagem de 
roupa", etc. 
Essa estreitíssima ligação dos programas congênitos de comportamento (ou "reflexos naturais") 
com a aquisição de novas formas de atividade individualmente variáveis continua sendo 
característica do comportamento dos vertebrados superiores em dada etapa da evolução. 
61 
O comportamento "intelectual" dos animais 
A descrição da forma de surgimento do comportamento individualmente variável não representa o limite 
supremo da evolução do comportamento no mundo animal. 
Nos vertebrados, que se encontram no topo da escada da evolução, particularmente os primatas, surgem 
novas formas de comportamento individualmente variável, que, com pleno fundamento, podemos 
denominar comportamento "intelectual". 
A peculiaridade do comportamento "intelectual" dos animais consiste em que o processo de orientação 
nas condições da tarefa não ocorre nas condições dos testes motores mas começa a antecedê-los, 
distinguindo-se como forma especial de atividade prévia de orientação. No processo dessa atividade 
começa a formar-se o esquema (programa) de solução sucessiva da tarefa, ao passo que os movimentos se 
tornam um simples elo executor nessa atividade de construção complexa. Assim, nas etapas superiores da 
evolução começam a formar-se tipos especialmente complexos de comportamento de complexa estrutura 
desmembrada, da qual fazem parte: 
— a atividade de procura c orientação, que leva à formação do esquema de solução da tarefa;» 
— a formação de programas plasticamente variáveis de movimentos voltados para a obtenção do 
objetivo; 
— a comparação das ações executadas com a intenção inicial. 
Essa estrutura da atividade complexa se caracteriza pelo caráter auto-regu'ador. Se a ação leva ao efeito 
necessário, ela cessa; se não leva a esse efeito, o cérebro do animal recebe sinais da "discordância" dos 
resultados da ação com a intenção inicial e reiniciam-se as tentativas de solução da tarefa. Esse 
mecanismo de "aceptor da ação" (P. K. Anokhin), i. e., de controle dinâmico da ação é o elo mais 
importante de todo comportamento individualmente variável do animal mas se manifesta com nitidez 
especial na fase mais complexa da evolução do comportamento: no comportamento intelectual. 
Dois fenômenos essenciais, cujos embriões já podem ser vistos nas fases primordiais da evolução dos 
vertebrados, antecedem a formação dessa modalidade mais elevada de compor- 
62 
tamento dos animais. O1 primeiro deles é o surgimento de uma forma especial de atividade orientada, à 
qual o pesquisador soviético L. V. Krushinsky chamou "reflexo extrapolativo". O segundo é o fato das 
formas de desenvolvimento da memória dos animais, que se tornam mais complexas. 
Nas observações, efetuadas nos últimos anos por Krushinsky, foi estabelecido que alguns animais 
mostram em seu comportamento a não-capacidade de sujeitar-se à percepção imediata do objeto mas de 
acompanhar-lhe os movimentos e orientar-se em relação ao deslocamento esperado do objeto. Sabe-se 
que o cão que atravessa uma rua não corre diretamente na frente dos carros em movimento mas dá voltas, 
considerando o movimento dos carros e inclusive a velocidade deles. Foi esse reflexo, que "extrapola" o 
movimento observado e leva em conta o deslocamento, que Krushinsky observou em vários testes. 
Nesses testes, colocava-se diante do animal um tubo com um furo no centro. À vista do animal, prendia-
se um estimulante a um arame que passava por dentro do tubo. O estimulante aparecia aos olhos do 
animal no furo do tubo e continuava em movimento, tornando a aparecer no final do tubo. O animal se 
colocava diante do furo e observava o movimento do estimulante. 
Essas observações mostraram que os animais, que se encontram numa fase inferior de evolução, 
sobretudo os animais que tinham apenas a propriedade de apanhar comida pronta (a galinha, por 
exemplo), reagiam imediatamente ao lugar onde o alimento aparecia e não se afastava dele. Ao contrário, 
os animais que se encontram em fase mais elevada de evolução, especialmente aqueles que levam modo 
de vida carnívoro, observam a presa e a perseguem (o corvo, o cão), observavam os movimentos do 
alimento e, "extrapolando" esse movimento (ao que parece, orientando seu comportamento pelo 
movimento dos olhos), contornavam o tubo e esperavam o alimento no lugar em que ele aparecia. 
O "reflexo extrapolativo", que tem a forma especial de comportamento "antecipante", representa uma das 
importantes fontes para a formação dos tipos "intelectuais" mais elevados de comportamento 
individualmente variável nos vertebrados superiores. 
O segundo fato, que cria condições essenciais para a formação do comportamento "intelectual" dos 
vertebrados supe- 
63riores, é a crescente complexidade do processo de percepção e a grande estabilidade da memória nas 
fases subseqüentes da evolução dos animais. 
É sabido que se os vertebrados inferiores reagem apenas a certos indícios de influências provenientes do 
meio exterior, já os vertebrados superiores reagem mais a complexos inteiros de indícios ou às imagens 
dos objetos circundantes. Essa reação dos animais foi estudada minuciosamente pelo fisiologista e 
acadêmico soviético I. S. Beritov e constitui a condição mais importante para a evolução das formas mais 
complexas de comportamento. 
Simultaneamente com a formação da percepção por imagem, nas etapas superiores da evolução dos 
vertebrados observa-se uma crescente estabilidade da memória visual. Esse fato foi observado 
minuciosamente nos testes com as chamadas "reações retardadas" dos animais. 
Os testes com "reações retardadas' foram efetuados por muitos pesquisadores americanos, pelo psicólogo 
soviético N. Y. Voitonis e o fisiologista polonês Y. Konorsky. A essência do teste consistia no seguinte: 
Postava-se o animal diante de uma caixa hermetica-mente fechada, na qual se colocava o estimulante à 
vista do animal. Este se mantinha algum tempo amarrado a um pau por um cabresto, sendo depois 
libertado. Se o animal retinha na memória algum vestígio do estimulante colocado na caixa, corria 
imediatamente para esta, não o fazendo se o vestígio desaparecia. 
Em testes mais complexos, cuja tarefa consistia em verificar a precisão do vestígio conservado no animal, 
substituía-se o estimulante na caixa sem que o animal o percebesse. Se o animal conservava o vestígio do 
primeiro estimulante e ao correr para a caixa encontrava outro, ele o apanhava. Isto era indício de que o 
animal conservava a imagem seletiva do estimulante que havia visto. 
Noutros testes, colocava-se o animal entre duas caixas, numa das quais colocava-se um estimulante aos 
olhos do animal. Percorrido certo tempo, libertava-se o animal do cabresto. Se o vestígio do estimulante 
colocado numa das caixas se mantinha, o animal corria para essa caixa; se o vestígio não se mantinha, o 
animal não apresentava movimento dirigido. 
64 
Os testes de "reações retardadas" mostram que, nas fases posteriores da evolução dos vertebrados, 
aumenta a duração da conservação das respectivas imagens. 
Duração da conservação dos vestígios de memória visual provocada uma só vez em animais diferentes 
o rato conserva o vestígio da imagem de 10 a 20 segunãos o cão " " " 
até 10 minutos 
o macaco " " " de 16 a 48 horas. 
É natural que a conservação das imagens por longo tempo aumenta na medida em que se tornam 
complexas as estruturas cerebrais e cria uma segunda condição importante para o surgimento de formas 
"intelectuais" superiores de comportamento do animal. 
O conhecido psicólogo alemão Wolfgang Kiihler inciou, no início da década de 20 do corrente século, 
pesquisas sistemáticas do comportamento "intelectual" dos animais superiores (os macacos). Para estudar 
essa forma de comportamento, Kõhler colocou macacos (chimpanzés) em condições sob as quais a 
obtenção imediata do objetivo era inacessível e o macaco devia orientar-se em situações complexas nas 
quais lhe era dado o objetivo, usando o rodeio a fim de conseguir o chamariz ou aplicando para isto 
instrumentos especiais. 
Descrevamos três situações típicas nas quais Kõhler fez suas pesquisas do comportamento "intelectual" 
dos macacos. A primeira situação exigia "caminho em rodeio" . Colocava-se o macaco numa grande 
jaula, ao lado da qual havia sido colocado o estimulante que se encontrava a uma distância que não 
permitia que a mão do macaco o alcançasse. Para atingir o objetivo, o macaco devia desistir das tentativas 
de obtenção imediata do objetivo, usando um contorno por uma porta situada na parede traseira da jaula. 
A segunda situação era idêntica à que acabamos de descrever; colocava-se o macaco numa jaula fechada, 
desta feita com portas. O estimulante continuava distante e o animal não conseguia alcançá-lo. 
Diferentemente da 
65 
primeira situação, porém, em frente à jaula havia uma vara a uma distância equivalente a um braço 
estirado. O macaco podia obter o estimulante se conseguisse a vara e com esta alcançasse o objetivo. Em 
testes mais complexos, o estimulante se encontrava a uma distância ainda maior, mas no campo de visão 
do macaco havia duas varas: uma curta, ao alcance do braço, e outra comprida, um pouco adiante. Para 
resolver a tarefa, o macaco devia realizar um programa de comportamento mais complexo. A princípio, 
devia alcançar a vara mais próxima — a curta — e, com o auxílio desta, obter em seguida a vara 
comprida, situada mais adiante e, já com ajuda desta, obter o estimulante. Por último, na terceira variante 
dos testes, pendurava-se o estimulante de tal modo que o macaco não conseguia alcançá-lo. Mas na 
mesma área foram colocados caixotes; para alcançar o estimulante, o animal devia arrastá-los para perto 
deste, colocá-los uns sobre os outros e trepar. 
As pesquisas de Kõhler permitiram-lhe observar o seguinte quadro. A princípio o macaco tentava sem 
êxito obter o estimulante por via direta, estirando-se ou saltando em sua direção. Essas tentativas inúteis 
podiam durar muito, até o macaco ficar exausto e abandoná-las. Em seguida vinha o segundo período, no 
qual o animal permanecia sentado, imóvel, limitando-se a examinar a situação; neste caso a orientação na 
situação se transferia dos testes motores bem desenvolvidos para o "campo visual" da percepção e se 
realizava por meio dos respectivos movimentos dos olhos. Depois disto vinha o momento decisivo, que 
Kõhler descrevia como surgimento inesperado do insight. O macaco se dirigia imediatamente à porta, 
situada na parede traseira da jaula e, contornando-a, obtinha o estimulante ou desistia de suas tentativas e 
apanhava a vara. Com ela conseguia o alimento ou uma vara mais comprida, com a qual alcançava o 
alimento. Finalmente, na última situação, o macaco abandonava todas as tentativas de alcançar a comida 
por via direta, olhava em torno, arrastava imediatamente os caixotes, colocava-os um sobre o outro, 
trepava, e obtinha o alimento. Todos esses testes apresentaram como característica o fato de que a solução 
da tarefa se transferia do período dos testes imediatos ao período da observação antecedente da tentativa, 
e os alimentos do macaco se tornavam ato executivo para a realização de um "plano de solução" 
anteriormente adquirido. 
66 
Foram justamente essas observações que deram a Kõhler fundamento para considerar o 
comportamento do macaco um exemplo de comportamento "intelectual". 
Se nos experimentos de Kõhler a descrição do comportamento dos macacos é definitiva, a 
explicação das vias pelas quais o animal chega à solução "intelectual" da tarefa apresenta 
complexidades consideráveis e diferentes pesquisadores dão a esse processo interpretação 
diversa. 
O conhecido psicólogo americano Yerkes, que repetiu a pesquisa de Kõhler, acha possível 
aproximar essas formas de comportamento do macaco do intelecto humano e considerá-las por 
via antropomórfica como manifestações de "iluminação criativa". 
O psicólogo austríaco K. Bühler cita a experiência anterior do animal para explicar esse 
comportamento e considera que o emprego de instrumentos pelos macacos deve ser visto como 
resultado da transferência de uma experiência anterior (os macacos, que viviam em árvores, 
tinham de puxar os frutos para si junto com os ramos). 
O próprio Kõhler expressa a hipótese de que, no comportamento "intelectual" dos macacos, a 
análise da situação se transfere da área dos movimentos ao plano da percepção e o macaco, ao 
examinar a situação, "aproxima" os objetos que dela fazem parte no "campo visual", fechando-
os em certas "estruturas visuais". A solução posteriorda tarefa é, segundo Kõhler, apenas a 
realização de estruturas "visuais" em movimentos reais. Kõhler vê a confirmação dessa hipótese 
no fato de que, quando a vara e o alimento (uma fruta) ou mesmo as varas que o macaco deve 
obter sucessivamente estão dispostas de tal modo que não caem apenas no campo de visão, a 
tarefa se torna insolúvel para o macaco. 
Kõhler tenta confirmar sua hipótese com experimentos nos quais o macaco deve antes preparar 
o instrumento que usará posteriormente para conseguir o alimento; por exemplo, o macaco deve 
enfiar uma vara de bambu em outra para, alongan-do-a, colher uma fruta. Essas ações se tornam 
bem mais difíceis para o macaco e podem ser realizadas somente se as pontas de ambas as varas 
estiverem no campo de visão direto. Segundo Kõhler, essa incidência das duas varas num único 
campo de visão é o que pode levar à solução adequada da tarefa. 
67 
O problema dos mecanismos que servem de base ao surgimento de comportamento "intelectual" 
do macaco não poce ser considerado definitivamente resolvido. Se uns pesquisada»» o opõem 
às formas mais elementares de comportamento " dualmente variável dos animais, outros (por 
exemplo, que fez observações com o comportamento dos macacc"' possível não opô-lo às 
formas mais elementares de mento e consideram o comportamento "intelec cacos como uma 
espécie de "pensamento maniu. , num processo de testes e erros, que adquire caráter mais r.. -em 
decorrência do fato de que as mãos dos macacos, livres da função de andar, começam a executar 
formas mais complexas de atividade orientada. 
Fronteiras do comportamento individualmente variável dos animais 
Vimos que o comportamento adaptador individualmente variável dos vertebrados superiores 
pode adquirir formas muito complexas. Surge uma pergunta natural: quais são os seus traços 
característicos e quais os limites que o comportamento dos animais não pode ultrapassar? A 
análise do comportamento dos animais permite indicar três traços fundamentais. 
O primeiro é o fato de que todo comportamento individualmente variável (mesmo o mais 
complexo) do animal conserva sua ligação com os motivos biológicos e não pode ultrapassar-
lhe os limites. Todo comportamento animal tem por base as inclinações biológicas ou 
necessidades (necessidade de alimento, autoconservação ou necessidade sexual). Só nas etapas 
mais elevadas da evolução a elas se incorpora a necessidade de orientar-se no meio ambiente, a 
-que Pávlov chamava de reflexo orientador e que, no macaco, atinge desenvolvimento 
considerável. Nenhuma atividade desvinculada de todas essas necessidades biológicas é 
possível para o animal, razão por que o comportamento do animal pode ser considerado com 
todo fundamento como comportamento cortical-subcortical. 
O segundo traço, que caracteriza o comportamento de todo animal, consiste em que esse 
comportamento é sempre determinado por estímulos imediatamente perceptíveis ("pelo campo 
exterior") ou por vestígios da experiência anterior, não podendo 
68 
ocorrer abstraindo-os nem muito menos entrando em conflito com eles. 
O psicólogo holandês Buytendijk ilustra bem essa tese com uma pesquisa famosa, de importância capital. 
Ele colocou diante de um animal várias caixas nas quais poder-se-ia encontrar alimento. No primeiro teste 
o alimento foi posto aos olhos do animal na primeira caixa, permitindo-se ao animal apanhá-lo. No 
segundo teste, o alimento (também aos olhos do animal) foi transferido para uma segunda caixa, em 
seguida para uma terceira. Depois, nos experimentos seguintes, começou-se (já sem que o animal o 
percebesse) a transferir sucessivamente o alimento para cada caixa seguinte, permitindo-se sempre ao 
animal correr livremente para a caixa onde ele supunha encontrar o alimento. 
A pesquisa mostrou que o animal corre sempre para a caixa onde vira que havia sido posto o alimento, ou 
para a caixa onde antes se encontrava o alimento. Nenhum animal pode assimilar o princípio do 
"deslocamento sucessivo" e nunca corre para a caixa seguinte na qual ainda não houve alimento mas 
onde é fácil esperá-lo caso se leve em conta um princípio abstrato. 
O comportamento do animal é sempre dirigido pela experiência imediata ou pela experiência passada, e 
ele nunca pode impedir a reação ao lugar anteriormente memorizado e dirigir-se a lugar que não tinha 
sido memorizado. O experimento de Buytendijk realizado com animais de diferentes grupos, mostra que 
o animal, segundo Kõhler, é "um escravo do seu campo visual" ou "escravo da sua experiência passada", 
e seu comportamento nunca se liberta dessas influências diretas, não se dirige pela abstração destas, 
noutros termos, não se torna livre. 
O terceiro traço do comportamento do animal consiste nas limitações das fontes desse comportamento. 
Podem ser fonte de comportamento do animal os programas alicerçados em sua experiência de espécie, 
que se transmitem em códigos hereditários ("comportamento instintivo") ou que se formam na 
experiência imediata de dado indivíduo (comportamento individualmente variável ou reflexivo-
condicionado). Os animais não têm nenhuma possibilidade de assimilação da experiência alheia e de um 
indivíduo transmiti-la assimilada a outro indivíduo, e muito menos de transmitir a experiência formada 
em várias gerações. Os fenômenos que se descrevem como "imitação" ocupam lugar relativamente 
limitado na for- 
69 
Mação do comportamento dos animais, sendo antes uma forma de transmissão prática 
direta da própria experiência que uma transmissão de informação acumulada na hitória 
de várias gerações, que lembre o mínimo sequer a assimilação da experiência material 
ou intelectual das gerações passadas, assimilação essa que caracteriza a história social 
do homem. 
São esse três traços que constituem as peculiaridades fundamentais de todo 
comportamento e o distinguem radicalmente da atividade consciente do homem. 
70
III 
A Atividade Consciente do Homem e Suas Raízes 
Histórtco- 
Sociais 
Princípios gerais 
1 OR SUAS peculiaridades fundamentais, a atividade consciente do homem difere 
acentuadamente do comportamento individualmente variável dos animais. 
As diferenças da atividade consciente do homem sintetizam-se em três traços fundamentais, 
opostos àqueles pelos quais acabamos de caracterizar o comportamento dos animais. 
O primeiro desses traços consiste em que a atividade consciente do homem não está 
obrigatoriamente ligada a motivos biológicos. Além do mais, a grande maioria dos nossos atos 
não se baseia em quaisquer inclinações ou necessidades biológicas. Via de regra, a atividade do 
homem é regida por complexas necessidades, freqüentemente chamadas de "superiores" ou 
"intelectuais". Situam-se entre elas as necessidades cognitivas, que incentivam o homem à 
aquisição de novos conheci- 
71 
mentos, a necessidade de comunicação, a necessidade de útil à sociedade, de ocupar, nesta, 
determinada posição, ; 
Encontramos freqüentemente situações nas quais a atividade consciente do homem, além de não 
se sujeitar às influencias e necessidades biológicas, ainda entra em conflito com e . e chega 
inclusive a reprimi-las. São amplamente conhecidas casos de heroísmo em que o homem, 
movido por elevados motivos de patriotismo, cobre com seu corpo bocas de fogo ou se lança à 
morte sob tanques; esses casos são apenas exemplos da independência do comportamento do 
homem em relação aos motivos biológicos. 
Entre os animais não há semelhantes formas de comportamento "desinteressado", que se 
baseiam em motivos não-biológicos. 
O segundo traço característico da atividade consciente do homem consiste em que, à diferença 
do comportamento do animal, ela não é forçosamente determinada por impressões evidentes, 
recebidas do meio, ou por vestígios da experiência individual imediata. 
Sabe-se que o homem pode refletir as condições do meio de modo imediatamente mais 
profundo do que o animal.Ele pode abstrair a impressão imediata, penetrar nas conexões e 
dependências profundas das coisas, conhecer a dependência causai dos acontecimentos e, após 
interpretá-los, tomar come orientação não impressões exteriores porém leis mais profundas. 
Assim, ao sair a passeio num claro dia de outono, c homem pode levar guarda-chuva, pois sabe 
que o tempo i instável no outono. Aqui ele obedece a um profundo conhecimento das leis da 
natureza e não à impressão imediata de um tempo de sol e céu claro. Sabendo que a água do 
poço está envenenada, o homem nunca irá bebê-la, mesmo que esteja cor muita sede; neste caso, 
seu comportamento não é orientado pela impressão imediata da água que o atrai mas por um 
conhecimento mais profundo que ele tem da situação. 
A atividade consciente do homem não pode tomar come orientação a impressão imediata da 
situação exterior e sim um conhecimento mais profundo das leis interiores dessa situação, razão 
por que há todo fundamento para afirmar-se que c comportamento humano, baseado no 
reconhecimento da necessidade, é livre. 
Por último, há o terceiro traço característico, que difere a atividade consciente do homem do 
comportamento do animal. 
72 
Diferentemente do animal, cujo comportamento tem apenas duas fontes ■— 1) os programas 
hereditários de comportamento, jacentes no genótipo e 2) os resultados da experiência 
individual —, a atividade consciente do homem possui ainda uma terceira fonte: a grande 
maioria dos conhecimentos e habilidades do homem se forma por meio da assimilação da 
experiência de toda a humanidade, acumulada no processo da história social e transmissível no 
processo de aprendizagem. 
Desde o momento em que nasce, a criança forma o seu comportamento sob a influência das 
coisas que se formaram na história: senta-se à mesa, come com colher, bebe em xícara e mais 
tarde corta o pão com a faca. Ele assimila aquelas habilidades que foram criadas pela história 
social ao longo de milênios. Por meio da fala transmitem-lhe os conhecimentos mais 
elementares e posteriormente, por meio da linguagem, ele assimila na escola as mais 
importantes aquisições da humanidade. A grande maioria de conhecimentos, habilidades e 
procedimentos do comportamento de que dispõe o homem não são o resultado de sua 
experiência própria mas adquiridos pela assimilação da experiência histórico-social de gerações. 
Este traço diferencia radicalmente a atividade consciente do homem do comportamento do 
animal. 
Há muito tempo uma questão tem ocupado a filosofia e a Psicologia: como explicar os traços da 
atividade consciente do homem que acabamos de numerar? 
Na história da filosofia e da ciência podemos distinguir duas vias inteiramente diferentes de 
solução dessa questão. 
Uma delas, típica da filosofia idealista, partia das posições do dualismo A tese básica dessa 
corrente reduzia-se não só ao reconhecimento de acentuadas diferenças de princípio entre o 
comportamento do animal e a consciência do homem, como também à tentativa de explicar 
essas diferenças alegando que a consciência do homem deve ser considerada como manifes: 
tação de um princípio espiritual especial de que carece o animal 
A tese segundo a qual o animal deve ser visto como uma máquina complexa, cujo 
comportamento obedece as leis da mecânica, e o homem como dotado do princípio espiritual 
com livre-arbítrio partiu de Descartes, tendo sido repetida posteriormente pela filosofia idealista 
sem mudança considerável. É fácil perceber que, apontando a diferença de princípio entre o 
comportamento do animal e a atividade consciente do homem, 
73 
essa corrente não dá nenhuma explicação científica aos referidos fatos. 
A segunda via de solução do problema da originalidade da atividade consciente caracteriza o 
positivismo evolucionista. Segundo essa teoria, a atividade consciente do homem é resultado 
direto da evolução do mundo animal, já se podendo observar nos animais todos os fundamentos 
da consciência humana. O primeiro cientista a formular essas teses foi Charles Darwin, que em 
várias de suas obras tentou mostrar que, na forma embrionária, os animais já têm todas as 
formas de atividade racional inerente ao homem e que. não há limites precisos e basilares entre 
o comportamento dos animais e a atividade consciente do homem. 
O enfoque naturalista, que tentava estudar uma linha única de desenvolvimento da consciência 
dos animais ao homem, desempenhou papel positivo em seu tempo no combate às concepções 
dualistas pré-científicas. No entanto as afirmações de que os animais têm em embrião todas as 
formas da vida consciente do homem, o enfoque antropomórfico da "razão" e das "vivências" 
dos animais, bem como a falta de vontade de reconhecer as diferenças de princípio entre o 
comportamento dos animais e a atividade consciente do homem continuaram a ser o ponto fraco 
do positivismo naturalista. Ficava sem solução o problema da origem das peculiaridades da 
atividade consciente do homem, que foram ressaltadas acima. 
A Psicologia científica, que parte dos princípios do marxismo, focaliza de posições inteiramente 
diferentes o problema da origem da atividade consciente do homem. 
É sabido que toda a atividade psíquica dos animais, que cria a base para a orientação no meio 
ambiente, forma-se nas condições das formas de vida que caracterizam uma espécie de animais. 
O que é que caracteriza as formas de vida que diferenciam a atividade consciente do homem do 
comportamento dos animais e nas quais devemos procurar as condições que formam essa 
atividade consciente? 
As peculiaridades da forma superior de vida, inerente apenas ao homem, devem ser procuradas 
na forma histórico-social de atividade, que está relacionada com o trabalho social, com o 
emprego de instrumentos de trabalho e com o surgimento da linguagem. Essas formas de vida 
não existem nos animais, e a transição da história natural do animal à história social da 
74 
humanidade deve ser considerada um importante passo assim como a transição da matéria 
inanimada à animada ou da vida vegetal à animal. 
Por isto as raízes do surgimento da atividade consciente do homem não devem ser procuradas 
nas peculiaridades da "alma" nem no íntimo do organismo humano mas nas condições sociais 
de vida historicamente formadas. 
São justamente essas condições que fazem com que, com a transição para a história social, 
mude radicalmente a estrutura do comportamento. Junto com os motivos biológicos do 
comportamento, surgem os motivos superiores ("intelectuais") e necessidades, concomitantes 
com o comportamento que depende da percepção imediata do meio. Surgem formas superiores 
de comportamento, baseadas na abstração das influências imediatas do meio, e, juntamente com 
as duas fontes do comportamento — os programas de comportamento consolidados por via 
hereditária e a influência da experiência passada do próprio indivíduo —, surge uma terceira 
fonte formadora da atividade: a transmissão e assimilação da experiência de toda a humanidade. 
Abordemos mais detidamente as raízes histórico-sociais da complexa atividade consciente do 
homem. 
O trabalho e a formação da atividade consciente 
A ciência histórica destaca dois fatores, que servem de fonte à transição da história natural dos 
animais à história social do homem. Um desses fatores é o trabalho social e o emprego dos 
instrumentos de trabalho, o outro, o surgimento da linguagem. 
Examinemos o papel desempenhado por esses dois fatores na mudança radical das formas de 
atividade psíquica e no surgimento da consciência. 
Sabe-se que, à diferença do animal, o homem tanto emprega os instrumentos de trabalho como 
prepara esses instrumentos. Os remanescentes desses instrumentos, que pertencem à época mais 
antiga da história da humanidade, mostram que, se as lascas de pedra tosca são os instrumentos 
de trabalho mais primitivos, na etapa posterior já surgem os instrumentos (a lâmina, a flecha)preparados especialmente pelo homem. Nesses instrumentos podemos distinguir tanto o gume, 
com o qual o homem 
75 
primitivo podia esfolar o animal morto ou cortar pedaços de árvore, como a "lombada", a parte 
arredondada, que servia para manter-se comodamente na mão. É natural que arma dessa 
natureza exige preparo especial, que, pelo visto, cabia aos preferidos do grupo primitivo ou à 
mulher, que ficava em casa enquanto o homem ia à caça. 
A preparação dos instrumentos (que às vezes subentendia também a divisão natural do trabalho) 
por si só já mudava radicalmente a atividade do homem primitivo, distinguindo-a do 
comportamento do animal. O trabalho desenvolvido na preparação dos instrumentos já não é 
uma simples atividade, determinada por motivo biológico imediato (a necessidade de alimento) . 
Por si só a atividade de elaboração da pedra carece de sentido e não tem qualquer justificativa 
em termos biológicos; ela adquire sentido somente a partir do uso posterior do instrumento 
preparado na caça, ou seja, exige, juntamente com o conhecimento da operação a ser executada, 
o conhecimento do futuro emprego do instrumento. É esta a condição fundamental, que surge no 
processo de preparação do instrumento de trabalho, e pode ser chamada de primeiro surgimento 
da consciência, noutros termos, primeira forma de atividade consciente. 
Essa atividade de preparação dos instrumentos de trabalho leva a uma mudança radical de toda 
a estrutura do comportamento . 
O comportamento do animal fora sempre voltado imediatamente para a satisfação de urna 
necessidade. Diferentemente disto, no homem que preparava seus instrumentos de trabalho, o 
comportamento adquiria caráter de estrutura complexa; da atividade, voltada para a satisfação 
imediata de uma necessidade, separa-se uma ação especial, que adquire seu sentido 
posteriormente, quando o produto dessa ação ,(preparação do instrumento) será empregado para 
matar a vítima e deste modo satisfazer a necessidade de alimento. A mudança mais importante 
da estrutura geral do comportamento — surgida no processo de transição da história natural do 
animal à história social do homem — dá-se quando, da atividade geral, separa-se uma "ação" 
que não é dirigida imediatamente por motivo biológico e só adquire sentido com o emprego 
posterior dos seus resultados. Percebe-se facilmente que, na medida em que se tornam mais 
complexas a sociedade e as formas de produção, essas ações, não dirigidas imediatamente 
por motivos biológicos, 
76 
começam a ocupar posição cada vez mais marcante na atividade consciente do homem. 
Contudo, a complicação da estrutura da atividade durante a transição à história social do homem 
não se limita à mudança que acabamos de mencionar. 
A preparação dos instrumentos de trabalho requer uma série de procedimentos e modos 
(desbastar uma pedra com outra, friccionar dois pedaços de madeira na obtenção do fogo), por 
outras palavras, exige a separação de várias operações auxiliares. A separação dessas 
"operações" é o que constitui a sucessiva complicação da estrutura da atividade. 
Deste modo, a separação entre a atividade biológica geral, e as "ações" especiais não é 
determinada imediatamente por motivo biológico, mas é dirigida pelo objetivo consciente, que 
adquire sentido apenas na comparação dessas ações com o resultado final. O surgimento de 
várias "operações" auxiliares por meio das quais se executa essa atividade é o que constitui a 
mudança radical do comportamento, que é o que representa uma nova estrutura de atividade 
consciente do homem. A complexa organização de "ações" conscientes, que se separa da 
atividade geral, leva ao surgimento de formas de comportamento, que não são diretamente 
dirigidas por motivos biológicos, podendo inclusive opor-se algumas vezes a eles. 
Assim é, por exemplo, a caça na sociedade primitiva, durante a qual um grupo de caçadores 
"assusta" e afugenta a caça que deve ser apanhada, enquanto outro grupo arma emboscada para 
ela; aqui poderia parecer que as ações do primeiro grupo contradizem as necessidades naturais 
de apanhar a caça e só adquirem sentido a partir das ações do segundo grupo cujo resultado é a 
caça da vítima pelos caçadores. 
Torna-se claro que a atividade consciente do homem não é produto do desenvolvimento natural 
de propriedades jacentes no organismo mas o resultado de novas formas histórico-sociais de 
atividade-trabalho. 
A linguagem e a consciência do homem 
O surgimento da linguagem é a segunda condição que leva à formação da atividade consciente 
de estrutura complexa do homem. 
77 
Costuma-se entender por linguagem um sistema de códigos por meio dos quais são designados os objetos 
do mundo exterior, suas ações, qualidades, relações entre eles, etc. Assim, na linguagem, a palavra 
"cadeira" designa um tipo de móvel que serve de assento, a palavra "pão" designa um objeto comestível, 
enquanto "dorme", "corre" designam ações, "ácido", "plano" designam qualidades dos objetos e as 
palavras auxiliares "sobre", "sob", "juntamente", "em conseqüência" designam relações diferentes por 
complexidade entre os objetos. 
É natural que as palavras, unidas em frases, são os principais meios de comunicação mediante os quais o 
homem conserva e transmite informação e assimila a experiência acumulada por gerações inteiras de 
outras pessoas. 
Essa linguagem não existe entre os animais e surge somente no processo de transição à sociedade 
humana. O animal possui meios muito variados de expressão de seus estados, que são percebidos por 
outros animais e podem exercer influência substancial sobre o comportamento destes. O guia de um 
bando de cegonhas, ao sentir o perigo, solta gritos alarmantes aos quais o bando reage vivamente. Numa 
manada de macacos podemos observar todo um conjunto de sons, que expressa satisfação, agressão, 
medo ao perigo, etc. Podemos observar um sistema muito complexo de movimentos expressivos nas 
chamadas "danças" das. abelhas, que mudam de caráter dependendo de ter a abelha regressado do vôo 
com boa prenda e modificam-se dependendo da direção e da distância do caminho percorrido. Esses 
"segredos" são transmitidos a outros indivíduos e podem orientar de modos diferentes o comportamento 
das abelhas. 
Mas a "linguagem" dos animais nunca designa coisas, não distingue ações nem qualidades, portanto, não 
é linguagem na verdadeira acepção da palavra. 
O problema do surgimento da linguagem humana é o objeto de inúmeras hipóteses e teorias. 
Algumas delas consideram a linguagem manifestação do campo espiritual, atribuindo-lhe, de acordo com 
a Bíblia, "origem divina". Essas teorias são muito vagas e omitem o fato de que a linguagem é uma 
especial "forma simbólica de existência", que faz distinção entre a vida intelectual e qualquer 
manifestação do mundo material. 
Outras teorias, seguindo as tradições do positivismo naturalista, tentam, inutilmente, ver a linguagem 
como resultado da evolução do mundo animal e interpretam como formas iniciais 
78 
da evolução da linguagem os fenômenos de "comunicação" entre os animais que descrevemos. 
Mas a solução científica do problema da origem da linguagem só se tornou possível quando a 
filosofia e a ciência abandonaram as tentativas de procurar as raízes da linguagem no âmago do 
organismo e de deduzi-la diretamente das peculiaridades do "espírito" ou do cérebro, concluindo 
que as condições que originaram o fenômeno devem ser procuradas nas relações sociais do 
trabalho cujos primórdios de surgimento remontam ao período de tratisição da história natural 
à história humana. 
A ciência não dispõe de métodos que permitam observar imediatamente as condições que 
originaram a linguagem, restando para a.área da ciência, denominada "paleontologia da fala", 
apenas o caminho das hipóteses que se confirmam por via indireta. Há muitos fundamentos para 
se pensar que o surgimento da linguagem teve seus primórdiosnas formas de comunicação 
contraídas pelos homens no processo de trabalho. 
A forma conjunta de atividade prática faz surgir forçosamente no homem a necessidade de 
transmitir a outros certa informação; esta não pode ficar restrita à expressão de estados 
subjetivos (vivências), devendo, ao contrário, designar os objetos (coisas ou instrumento) que 
fazem parte da atividade do trabalho conjunto. Segundo as teorias originárias da segunda 
metade do século XIX, os primeiros sons que designam objetos surgiram no processo do 
trabalho conjunto. 
Entretanto seria incorreto pensar que os sons, que assumiram paulatinamente a função de 
transmitir certa informação, eram "palavras" capazes de designar com independência os objetos, 
suas qualidades, ação ou relações. Os sons, que começavam a indicar determinados objetos, 
ainda não tinham existência autônoma. Estavam entrelaçados na atividade prática, eram 
acompanhados de gestos e entonações expressivas, razão por que só era possível interpretar o 
seu significado conhecendo a situação evidente em que eles surgiam. Além do mais, nesse 
complexo de meios de expressão parece que, a princípio, coube posição determinante aos atos e 
gestos; estes, segundo muitos autores, constituíam os fundamentos de uma original linguagem 
ativa ou "linear" e só bem mais tarde o papel determinante passou a ser desempenhado pelos 
sons, que propiciaram a base para uma evolução paulatina de uma linguagem de sons 
independente. Durante muito tempo, porém, essa linguagem manteve a mais estreita ligação 
com o gesto e o ato e por isto o mesmo complexo de sons (ou "protovocábulo") podia desig- 
79 
nar o objeto para o qual a mão apontava, a própria mão c a ação produzida com esse objeto. Só depois de 
muitos milênios a linguagem dos sons começou a separar-se da ação prática e a adquirir independência. Ê 
a essa época que pertence o surgimento das primeiras palavras autônomas, que designavam objetos e bem 
mais tarde passaram a servir para distinguir as ações e as qualidades dos objetos. Surgiu a língua como 
um sistema de códigos independentes, que durante um longo período histórico posterior de 
desenvolvimento assumiu a forma que distingue as línguas atuais. 
Enquanto sistema de códigos que designam os objetos, suas ações, qualidades ou relações e serve de meio 
de transmissão de informação, a linguagem teve importância decisiva para a posterior reorganização da 
atividade consciente do homem. Por isto têm razão os cientistas que afirmam que, a par com o trabalho, a 
linguagem é o fator fundamental de formação da consciência. 
O surgimento da linguagem imprime ao menos três mudanças essenciais à atividade consciente do 
homem. A primeira dessas mudanças consiste em que, designando os objetos e eventos do mundo exterior 
com palavras isoladas ou combinações de palavras, a linguagem permite discriminar esses objetos, dirigir 
a atenção para eles e conservá-los na memória. Resulta daí que o homem está em condições de lidar com 
os objetos do mundo exterior inclusive quando eles estão ausentes. É bastante a pronúncia interna ou 
externa de uma palavra para o surgimento da imagem do objeto correspondente e o homem pôr-se em 
condições de operar com essa imagem. Por isto podemos dizer que a linguagem duplica o mundo 
perceptível, permite conservar a informação recebida do mundo exterior e cria um mundo de imagens 
interiores. Percebe-se facilmente que importância tem o surgimento desse mundo "interior" de imagens, 
que surge como base na linguagem e pode ser usado pelo homem em sua atividade. 
O segundo papel essencial da linguagem na formação da consciência consiste em que as palavras de uma 
língua não apenas indicam determinadas coisas como abstraem as propriedades essenciais destas, 
relacionam as coisas perceptíveis a determinadas categorias. Essa possibilidade de assegurar o processo 
de abstração e generalização representa a segunda contribuição importantíssima da linguagem para a 
formação da consciência. 
Por exemplo, as palavras "relógio" e "mesa" designam não apenas certos objetos. A palavra "relógio" 
indica que esse 
8X> 
objeto serve para marcar as horas (do latim horologio); a palavra "mesa" indica que esse objeto serve para 
ser coberto (do latim mensa). Além do mais, as palavras "relógio" e "mesa" designam todas as 
modalidades desses objetos, independentemente de sua forma exterior ou do tamanho. Isto significa que a 
palavra que distingue (abstrai) de fato os respectivos indícios do objeto e generaliza objetos diferentes 
pelo aspecto exterior mas pertencentes à mesma categoria transmite automaticamente ao homem a 
experiência das gerações e serve de meio de representação do mundo mais poderoso que a simples 
percepção. . . Deste modo, a palavra faz pelo homem o grandioso trabalho de análise e classificação dos 
objetos, que se formou no longo processo da história social. Isto dá à linguagem a possibilidade de tornar-
se não apenas meio de comunicação mas também o veículo mais importante do pensamento, que assegura 
a transição do sensorial ao racional na representação do mundo. 
O que acaba de ser dito dá fundamento para designar a terceira função essencial da linguagem na 
formação da consciência. A linguagem é o veículo fundamental de transmissão de informação, que se 
formou na história social da humanidade, ou seja, ela cria uma terceira fonte de evolução dos processos 
psíquicos que, no estágio do homem, aproximam-se das duas fontes (os programas de comportamento 
transmissíveis por hereditariedade e as formas de comportamento resultantes da experiência de dado 
indivíduo) que se verificavam nos animais. 
Ao transmitir a informação mais complexa, produzida ao longo de muitos séculos de prática histórico-
social, a linguagem permite ao homem assimilar essa experiência e por meio dela dominar um ciclo 
imensurável de conhecimentos, habilidades e modos de comportamento, que em hipótese alguma 
poderiam ser resultado da atividade independente de um indivíduo isolado. Isto significa que com o 
surgimento da linguagem surge no homem um tipo inteiramente novo de desenvolvimento psíquico 
desconhecido dos animais, e que a linguagem é realmente o meio mais importante de desenvolvimento da 
consciência. 
A importância da linguagem para a formação dos processos psíquicos 
A importância da linguagem para a formação da consciência consiste em que ela efetivamente penetra em 
todos os 
81 
campos da atividade consciente do homem, eleva a um novo nível o desenrolar dos seus 
processos psíquicos; Por isto a análise da linguagem e do discurso (da forma de transmissão da 
informação que emprega meios de linguagem) não pode ser vista apenas como capítulo especial 
da Psicologia mas deve ser considerada também como jatos de construção de todo o conjunto 
da vida consciente do homem. É justamente por isto que o papel da linguagem ou "segundo 
sistema de sinais da realidade", como a denominou Pávlov, deve ser enfocado como parte 
conclusiva da introdução evolucionista à Psicologia. 
A linguagem reorganiza substancialmente os processos de percepção do mundo exterior e cria 
novas leis dessa percepção. 
É sabido que existe no mundo um número imenso de objetos, formas, matizes de cores, mas é 
muito limitado o número de palavras que designam esses objetos, formas e matizes. Isto leva a 
que, quando relacionamos o objeto, a forma ou. matiz com alguma palavra ("mesa", "relógio", 
"círculo", "triângulo" ou "vermelho", "amarelo"), nós realmente selecionamos os traços 
essenciais e generalizamos os objetos, formas e cores perceptíveis em determinados grupos ou 
categorias. Isto dá à percepção humana traços que a distinguem radicalmente da percepção do 
animal. A percepção humana se torna mais profunda, relacionada com a discriminação dos 
indícios essenciais do objeto, generalizada e permanente. 
A linguagem muda essencialmente os processos de atenção do homem. 
Se a atençãodo animal tinha caráter imediato, era determinada pela força, a novidade ou valor 
biológico do objeto que dirigiam automaticamente (arbitrariamente) a atenção do animal, com o 
surgimento da linguagem e baseado nela o homem se acha em condições de dirigir 
arbitrariamente a sua atenção. 
Quando a mãe diz ao filho "isto é uma xícara", ela está distinguindo esse objeto de todos os 
demais e dirigindo para ele a atenção da criança. Quando posteriormente a própria criança 
assimila o discurso (a princípio exterior, depois interior), acha-se em condições de discriminar 
sozinha os objetos nomeados, as qualidades ou ações, tornando-se sua atenção dirigível, 
arbitrária. 
A linguagem muda essencialmente também os processos da memória do homem. É sabido que a 
memória do animal depende consideravelmente da orientação no meio ambiente e dos motivos 
biológicos, que servem de reforço daquilo que é lembrado com êxito. No nível humano e 
apoiada nos processos 
82 
do discurso, a linguagem se torna pela primeira vez atividade mnemônica consciente, na qual o homem 
coloca fins especiais de lembrar, organiza o material a ser lembrado e acha-se em condições não só de 
ampliar de modo imensurável o volume de informação que se mantém na memória como ainda de voltar-
se arbitrariamente para o passado, selecionando nele, no processo de memorização, aquilo que em dada 
etapa se lhe afigura mais importante. 
A linguagem do homem lhe permite desligar-se pela primeira vez da experiência imediata e assegura o 
surgimento da ■imaginação, processo que não existe no animal e serve de base à criação orientada e 
dirigida cujo estudo constitui área especial da Psicologia. 
É dispensável dizer que só com base na linguagem e com sua participação imediata constituem-se as 
complexas formas de pensamento abstrato e generalizado; o surgimento dessas formas representa uma das 
aquisições mais importantes da humanidade e garante a transição do "sensorial ao racional", considerada 
pela filosofia do materialismo dialético como um salto que pela importância é igual à transição da matéria 
inanimada para a animada ou da vida vegetal para a animal. 
Não são menos importantes as mudanças introduzidas na reorganização da vivência emocional pelo 
surgimento da linguagem, que eleva a um novo nível os processos psíquicos. 
Nos animais conhecemos apenas as reações afetivas expressas, que ocorrem com a participação 
dominante dos sistemas sub-corticais e são diretamente relacionadas com o êxito ou fracasso de sua 
atividade e conservam plenamente sua ligação com as necessidades biológicas. O mundo emocional do 
homem não é apenas incomparavelmente mais rico nem só isolado dos motivos biológicos; a avaliação 
das correlações das ações realmente exeqüíveis com as intenções iniciais, a possibilidade de uma 
formação generalizada do caráter e do nível dos seus acertos leva a que, paralelamente às categorias 
afetivas, formem-se no homem vivências e demorados estados-de-espirito que vão muito além dos limites 
das reações afetivas imediatas e são inseparáveis do seu pensamento, que se processa com a participação 
imediata da linguagem. 
Por último, não se pode omitir a última tese, cuja importância é especialmente grande. 
É sabido que as novas formas de comportamento individualmente variável do animal são adquiridas com 
base em sia orientação imediata no meio ambiente e que a aquisição de 
83 
formas estáveis de semelhante comportamento se baseia nas leis dos reflexos condicionados, 
estudadas minuciosamente pela escola de Pávlov. 
É fato bem conhecido que a aquisição de novas formas de comportamento exige um reforço 
relativamente longo da resposta ao sinal condicional, a repetição multiplicada da coincidência 
dos sinais condicionais com o reforço incondicionado. Essa ligação é adquirida paulatinamente, 
começa a extinguir-se tão logo desaparece o reforço e se reorganiza com relativa dificuldade 
num novo sistema de ligações. 
Não encontramos nada semelhante na formação de novas modalidades de comportamento 
consciente do homem. A nova forma de atividade consciente pode surgir no homem à base da 
formulação discursiva de uma regra, que o homem estabelece com o auxílio da linguagem. 
Basta instruir o homem no sentido de erguer o braço ou girar a chave em resposta a um sinal 
vermelho e não fazer nenhum movimento a um azul para surgir imediatamente e consolidar-se 
essa nova relação. O advento de qualquer ação, executável com base em instrução discursiva, 
dispensa qualquer reforço "incondicional" (ou biológico) . Sua formação dispensa elaboração 
longa e se estabelece de imediato; essa ação, que se estabelece de acordo com uma regra 
formulada no discurso, mostra-se imediatamente sólida, dispensa repetição permanente da 
instrução e não se extingue se essa instrução não se repete. Por último, a "conversão" dessa ação 
numa nova não apresenta, na norma, nenhuma dificuldade, e, para que a relação anteriormente 
criada seja imediatamente substituída por uma contrária, basta sugerir ao sujeito uma nova 
instrução, dizendo-lhe, por exemplo, que agora ele deve fazer o contrário: em resposta âo sinal 
azul, levantar o braço (ou girar a chave), nada fazendo ao sinal vermelho. 
Tudo isso se refere à imensa plasticidade e ao caráter dirifgível dos processos de atividade 
consciente do homem, que distingue acentuadamente o seu comportamento do comportamento 
do animal. 
A análise minuciosa das formas dessa atividade consciente, dos meios de sua direção, das leis 
que servem de base ao seu desenvolvimento e das formas de sua perturbação nos estados 
patológicos constitui uma das tarefas fundamentais da Psicologia^ 
84 
IV 
O Cérebro e os Processos Psíquicos 
1 ARA ENTENDER melhor a estrutura dos processos psíquicos do homem e das leis que os regem, devemos 
conhecer acima de tudo a maneira pela qual se construiu o órgãos principal da atividade psíquica — o 
cérebro humano — e as relações dos processos psíquicos com ele. 
O problema da relação dos processos psíquicos com o cérebro 
O problema da relação dos processos psíquicos com o cérebro e dos princípios de trabalho do cérebro 
enquanto substrato material da atividade psíquica teve soluções diferentes em períodos diversos de 
evolução da ciência. O caráter da solução desse problema dependia muito da maneira como se 
interpretavam os processos psíquicos do homem e como se enfocavam os seus fundamentos cerebrais. 
Na Idade Média já se formara na filosofia e na Psicologia a ela relacionada a concepção segundo a qual os 
processos psíquicos eram formas especiais de existência do espírito ou 
85 
"faculdades" irredutíveis a quaisquer componentes mais elementares . 
Estabeleceu-se a opinião segundo a qual podem-se distinguir ao menos três "faculdades" básicas: a 
faculdade da percepção ou imaginação, a faculdade do raciocínio e a faculdade da memória. 
Os pensadores, que procuravam a base material dessas faculdades, aventavam a hipótese de que elas 
estavam localizadas no líquido que preenche três "ventrículos cerebrais", e consideravam que no 
ventrículo anterior estava situada a "faculdade da percepção ou imaginação", no ventrículo médio, a 
"faculdade do raciocínio", e no ventrículo posterior a "faculdade da memória". 
A idéia de que os processos psíquicos, que são a seguir "faculdades" indivisíveis, podiam estar 
imediatamente "localizados" em determinadas formações cerebrais, manteve-se durante muitos séculos e 
continuou basicamente imutável inclusive depois que os cientistas deixaram de considerar substrato do 
psiquismo o líquido que preenche os "ventrículos cerebrais" e chegaram à opinião de que o fundamento 
da atividade psíquica devia ser procurado na substância sólida do cérebro, sobretudo no córtex. 
A primeira tentativa de semelhante "localização das faculdades psíquicas" foi empreendida no começo do 
século XIX por F. J. Gall. Ele apresentou a hipótese de que o substrato dediversas "faculdades" psíquicas 
é constituído por pequenas áreas do tecido nervoso do córtex cerebral, que crescem muito com o 
desenvolvimento dessas "faculdades". Após distinguir um grande número dessas "faculdades" congênitas 
(às quais, segundo ele, pertenciam "faculdades" como a "parcimônia", a "honestidade", o "respeito aos 
pais" e o "amor às crianças"), Gall localizou cada uma delas em determinada área do cérebro e 
considerava que o intenso crescimento dessa ou daquela área cerebral, que levava à formação de 
protuberâncias no crânio, indicava uma evolução especial dessa "faculdade". Essa hipótese acabou 
servindo de base a um campo especial da "ciência" — a "frenologia" —, que, segundo Gall, com base no 
estudo das protuberâncias no crânio podia fazer conclusões relativas às capacidades individuais do 
homem. 
Apesar de a "frenologia" de Gall ter sido considerada fantástica e sem fundamento científico ainda com 
seu criador vivo, a idéia da "localização" direta de certas funções psíqui- 
86 
cas do córtex cerebral continuou em evidência. Por isto os cientistas cujo método principal 
passou a ser o estudo das mudanças nos processos psíquicos, que ocorrem nos casos de afecções 
limitadas (locais) do cérebro, continuarem por muito tempo a fazer tentativas de "localização" 
direta das funções psíquicas em áreas isoladas do córtex cerebral. 
Ao descobrir que a afecção de áreas da terceira circunvo-lução frontal do hemisfério esquerdo 
leva à perturbação da fala articulada, o anatomista francês Paul Broca (1861) lançou a hipótese 
segundo a qual estão "localizadas" nessa região as imagens motoras da palavra, O psiquiatra 
alemão K. Wernicke (1873) descobriu que a afecção da parte posterior da cincun-volução 
temporal superior do hemisfério esquerdo mantém intacta a linguagem motora mas perturba a 
compreensão das palavras; ele lançou a tese de que essa região do córtex é o "centro da palavra 
sensória". 
Essas tentativas de localização direta das funções psíquicas em áreas limitadas do cérebro 
inspiravam os estudiosos (psiquiatras e neurologistas). A partir da década de 70 do século 
passado, o estudo das observações clínicas mostrou que a afecção de áreas limitadas do córtex 
cerebral faz predominar a queda de "funções psíquicas" perfeitamente determinadas. Essas 
descobertas deram aos pesquisadores fundamentos para distinguir, no córtex cerebral, as áreas 
que passaram a ser consideradas "centros da escrita", "centros do cálculo", "centro dos 
conceitos", etc. Essas tentativas foram reunidas num sistema pelo psiquiatra alemão K. Kleist 
(1934), que, com base em observações feitas em cérebros de feridos durante a I Guerra Mundial, 
colocou-as num "mapa sinótico localizado", no qual até as "funções" psíquicas mais complexas 
coincidiram com as áreas limitadas do córtex cerebral. 
Apesar de que em seu tempo eram progressistas às tentativas de "localização" direta das 
complexas "funções" psíquicas nas áreas limitadas do córtex cerebral, pois tais tentativas 
refletiam o esforço de fazer um enfoque materialista dos processos psíquicos e seu substrato 
cerebral, elas logo mostraram sua inconsistência e deixavam de satisfazer aos estudiosos. 
Isto tinha por base tanto considerações teóricas como as contradições do material factual em 
relação a essas considerações. Por um lado, levantaram-se dúvidas legítimas de que processos 
complexos como a fala, a escrita, a leitura e o 
87 
cálculo, já sem falar da atividade intelectual, podiam ser entendidos como simples "faculdades" 
congênitas, podendo-se procurar sua "localização" em áreas limitadas do córtex cerebral. Por outro lado, a 
análise minuciosa dos fatos das observações clínicas mostrou que a atribuição direta dos complexos 
processos psíquicos às áreas limitadas do córtex cerebral carece de fundamento. Verificou-se que 
perturbações de processos psíquicos tão complexos como a fala, a escrita, a leitura e o cálculo podem 
surgir com afecções corticais inteiramente diferentes pela posição, fato que por si só já contrariava a idéia 
da estreita "localização" das funções psíquicas nas áreas isoladas do córtex. Observou-se que a afecção de 
áreas limitadas do córtex cerebral leva, via de regra, à perturbação de todo um grupo de processos 
psíquicos, que à primeira vista parecem inteiramente diferentes. Assim, a afecção do lobo temporal 
esquerdo provoca a perturbação da compreensão da fala, distúrbios na escrita, dificuldades de encontrar 
palavras, etc, enquanto a afecção das áreas parietais e occipitais do córtex cerebral do hemisfério 
esquerdo provoca distúrbios na orientação no espaço, dificuldades de percepção da luz, impossibilidade 
de compreender as complexas relações lógico-gramaticais e vários outros distúrbios congêneres da 
atividade intelectual. 
Isto gerou uma crise das concepções anteriores da "localização" direta dos processos psíquicos nas áreas 
limitadas do córtex cerebral e levou vários pesquisadores (entre estes grandes psicólogos como K. S. 
Lashley e neurologistas como K. Goldstein, C. Monakow e outros) a lançarem a idéia de que os processos 
psíquicos são função de todo o cérebro e não podem ser "localizados" nas áreas limitadas do córtex 
cerebral. 
Essa idéia, que levou ao surgimento de uma corrente científica conhecida como "antilocalizacionismo", 
era uma reação legítima às concepções simplistas do "localizacibnismo estreito". No entanto ela não 
tardou a mostrar sua inconsistência. 
Tanto as sutis pesquisas histológicas como as observações fisiológicas mostraram que o córtex cerebral é 
um aparelho bastante diversificado, que áreas corticais distintas apresentam estrutura diferente e que os 
neurônios, integrantes do córtex cerebral, são amiúde tão especializados que dentre eles podemos 
distinguir os que reagem apenas a irritações muito especiais ou a indícios muito especiais (por exemplo, 
só reagem aos movimentos do centro à periferia ou da periferia ao centro, às linhas retas e curvas ou 
somente às linhas quebradas, etc). Essas 
88 
linhas, parte das quais é o resultado de descobertas obtidas ultimamente como decorrência de pesquisas 
fisiológicas, realizadas em certos neurônios, tornaram muito pouco prováveis as hipóteses da 
homogeneidade de toda a massa cerebral c as afirmações segundo as quais o cérebro sempre funciona 
como um todo único. 
Criou-se uma nova crise na doutrina dos princípios da organização funcional do cérebro e na doutrina da 
"localização" dos processos psíquicos no córtex cerebral. 
A saída para essa crise estava relacionada com a revisão radical do conceito de "funções psíquicas" e com 
a mudança radical dos principais enfoques dos princípios da "localização" cerebral dessas "funções". 
O conceito de "função" tem em biologia dois significados inteiramente diversos. 
Strtctu sensu, entende-se por "função" a direção de determinado tecido. Sabe-se que a função do fígado é 
a regulação da troca de hidrato de carbono, a função do pâncreas é a segregação de insulina, a função do 
alvéolo pulmonar, difusão do oxigênio e sua transmissão aos eritrócitos do sangue. 
Mas o conceito de "função" tem um outro significado mais amplo. Ele pode designar a atividade de 
adaptação de todo um organismo. Neste sentido fala-se de função da respiração, função da digestão, 
função da locomoção. Compreende-se perfeitamente que nesse segundo significado mais amplo, a função 
se constitui^ numa complexa atividade, exercida pelo trabalho conjunto de todo um sistema de órgãos, 
cada um dos quais integra esse "sistema funcional" (termo de P. K. Ano-khin) em seus próprios papéis, 
assegurando esse ou aquele aspecto desse sistema funcional. 
Assim, a "função da respiração" é exercida pelo trabalho conjunto de todo um grupo de músculos e 
alvéolos pulmonares. É característico que os músculos, que participam do ato de respiração, podem 
substituir mutuamente uns aos outros, e se de um sistema funcionalextingue-se a participação de um 
grupo de músculos (os músculos do diafragma, por exemplo), essa falha é compensada pelo trabalho 
reforçado de outro grupo de músculos (os músculos intercostais). Deste modo, o sistema funcional 
representa um complexo todo dinâmico, no qual o objetivo final permanente ("invariante") é realizado 
pelo sistema mutável ("variante") de suas partes componentes. 
89 
O mesmo podemos dizer da "função da digestão", que representa o mais complexo sistema 
funcional de órgãos digestivos que funcionam em conjunto, bem como da "função do 
movimento" (ou locomoção), na qual o objetivo final (deslocamento de um lugar para outro, o 
acerto em dado alvo, a batida do martelo, etc.) é realizado por um complexo sistema de 
músculos cuja inter-relação varia com a mudança da posição do corpo, dependendo da tensão, 
da consolidação da habilidade, etc. 
É natural que um sistema funcional tão complexo não pode ser "localizado" em determinada 
área limitada do sistema nervoso. Pávlov já indicara que "se antes o centro respiratório era 
concebido como um ponto do tamanho da cabeça de um alfinete no bulbo raquidiano, . . . agora 
ele está extremamente espalhado, subiu para o cérebro e desceu para a medula espinhal e hoje 
ninguém indicará com precisão a sua fronteira" (I. P. Pávlov, Obras completas, t. III, p. 
127). 
Se tão amplo significado do conceito de "função" se refere a um grande número de atos 
biológicos de adaptação, é com maior fundamento que ele deve ser aplicado às complexas 
"funções psicológicas". 
Como mostraram pesquisas psicofisiológicas e psicológicas, até "funções" relativamente 
simples como o movimento arbitrário, a marcha, o acerto no alvo, já sem falar de funções como 
a fala, a escrita e o cálculo, têm estrutura sumamente complexa, compreendendo em sua 
composição um número considerável de elos CQmponentes. 
Para executar o movimento mais simples (por exemplo, acertar um ponto com a ponta do dedo 
ou dar uma martelada) é necessário antes de tudo manter uma profunda sensibilidade 
proprioceptiva do braço que se move dando o sinal da sua posição no espaço e do grau das 
distensões dos músculos em funcionamento. Sem essa sinalização permanente da posição do 
extremo que se move, garantindo a necessária correção da direção, nenhum movimento 
organizado é possível. Para a sua execução é necessário um reflexo preciso das coordenadas 
espaciais exteriores em cujos limites executa-se o movimento, o movimento perde sua precisão 
e se torna impossível. A execução de um movimento exige a mudança harmoniosa dos seus 
elementos; até para se darem dois 
90 
passos é necessário inicialmente enervar um sistema de músculos e, em seguida, transferindo os 
impulsos para outro sistema de músculos, desenervar o primeiro e passar harmoniosamente ao 
elo seguinte do ato motor. 
Tudo isso mostra que até um movimento arbitrário relativamente simples é um complexo 
sistema funcional, que inclui em sua composição todo um conjunto de impulsos tanto senso-
riais (aferentes) como motores. 
É ainda mais complexa a estrutura de tipos de atividade psíquica como a fala, a escrita, a leitura 
ou o cálculo, formados no processo da história da sociedade. 
Tomemos como exemplo a análise da maneira como foi construído o ato da escrita e mostremos 
que elos complexos integram esse sistema funcional. 
Para escrever uma palavra, devemos discriminar antes de tudo os sons que integram a sua 
composição, noutros termos, devemos fazer a sua análise acústica, decompondo fluxo 
permanente de sons nas unidades sonoras componentes da língua — os "fonemas" (que em cada 
língua podem ter caráter diverso). Amiúde a separação desses fonemas se faz não só "de 
ouvido" mas com a participação imediata da articulação, por meio da qual é como se nós 
"sondássemos" os sons e os distinguíssemos de outros próximos. Somente depois desse trabalho 
prévio a composição sonora da palavra se considera definida e a palavra pronta para o registro. 
Aqui o processo da escrita passa à fase seguinte: os elementos sonoros ("fonemas") devem ser 
recodifiçados em elementos motor-visuais da escrita ("grafemas"). Para executar essa ação é 
necessário dispor tanto de um esquema motor-visual de "grafemas" ou letras como manter a 
correta disposição destes no espaço. No entanto a escrita não termina nesse processo. Ela 
representa um complexo programa de movimentos, nos quais um elo deve incorporar-se 
harmoniosamente ao seguinte. O cumprimento dessa condição exige a inclusão de dispositivos 
inteiramente diferentes, sem os quais a escrita harmoniosa se torna impossível. Por último, o 
processo da escrita deve sempre estar sujeito a uma tarefa geral (escrever uma frase, uma carta, 
expor 
91 
uma idéia, etc.) e só com a sólida manutenção desse programa correspondente a necessária 
tarefa pode ser cumprida. 
Cabe observar que em diferentes línguas a escrita pode apresentar estrutura diferente. Se na 
grande maioria das línguas (indo-européias, turcas) a escrita apresenta a estrutura que acabamos 
de descrever, há línguas (o chinês, por exemplo) em que a escrita não é um processo de 
transferência das unidades sonoras ("fonemas") para as respectivas letras ("grafemas"); nelas o 
escrevente representa imediatamente os conceitos com determinados sinais convencionais 
(hieróglifos). É natural que para semelhante escrita a primeira fase (a análise sonora da palavra) 
se torna desnecessária e o processo da escrita adquire inteiramente outro caráter. 
O que acaba de ser dito mostra de modo bastante convincente que deve ser abandonada em seus 
primórdios a própria idéia de que um processo tão complexo tenha sido "localizado" em 
determinada área limitada do cérebro e realizado por um grupo relativamente insignificante de 
células. Por isto a tarefa de "localização" das funções psíquicas nas áreas limitadas do cérebro 
pode ser substituída por outra tarefa: a análise do sistema de zonas cerebrais que funcionam em 
conjunto, que põem em ação dado "sistema funcional", noutros termos, a análise da maneira 
pela qual esse sistema funcional se distribui pelos aparelhos do córtex cerebral segundo as 
respectivas estruturas cerebrais. 
Esse enfoque torna compreensível também o fato de que a afecção de determinada área limitada 
do cérebro pode levar à desintegração todo um sistema funcional, e sempre que haja afecção 
limitada do cérebro não será afetada um "função" mas todos os sistemas funcionais cuja 
realização tem a participação da área cerebral afetada. Torna-se compreensível que a mesma 
afecção do cérebro pode provocar a perturbação dos mais diversos sistemas funcionais (só se 
forem integrados por determinado elo geral ou "fator" geral cujo funcionamento esteja 
diretamente relacionado com a afecção da área) e que um mesmo sistema funcional (o ato da 
escrita ou da fala, por exemplo) pode ser afetado com a afecção de diferentes áreas do cérebro, 
que asseguram elos diversos, integrantes da composição de dada função. 
92 
Assim, se um movimento arbitrário inclui em sua composição elementos sensórios 
(cinestésicos) espaço-visuais, que que criam a base "aferente" do movimento e os impulsos efe-
rentes propriamente ditos, então é perfeitamente natural que esse movimento possa ser afetado 
tanto com a afeccção das áreas sensórias e espaço-visuais como com a afecção das áreas 
corticais propriamente motoras. 
Se o processo da escrita inclui em sua composição a análise auditiva, cinestésica (articular) da 
estrutura da letra, a realização do respectivo programa motor será naturalmente perturbado tanto 
com a afecção das áreas auditivas, cinestésicas ou visuais como das áreas motoras do cérebro e 
essa perturbação será cada vez diferente. 
A análise do caráter das perturbações dos complexos sistemas funcionais nos casos de afecções 
locais limitadas do cérebro constitui o objeto de um campo especial da Psicologia — a 
neuropsicologia.Os dados desta ciência são de grande, importância tanto para o campo prático 
da neurologia — definição do diagnóstico local (tópico) das afecções cerebrais — como para 
uma compreensão mais profunda da estrutra fisiológica dos complexos processos psicológicos. 
Para entender a organização cerebral dos complexos processos psíquicos, é necessário, antes de 
tudo, ter uma noção precisa dos dados atuais atinentes à organização funcional do cérebro 
humano. 
Princípios da organização funcional do cérebro humano 
Como já foi dito (cap. II), o cérebro humano, sendo produto de uma longa evolução, é um 
complexo sistema construído por hierarquia, que se distingue pelo fato de que, aos aparelhos do 
tronco e do córtex primitivo — bastante desenvolvido já nos vertebrados superiores — 
sobrepõem-se os grandes hemisférios, que no homem chegam a um nível especialmente alto de 
desenvolvimento 
Se os aparelhos do tronco e de suas áreas superiores são aquelas partes do cérebro que incluem 
em sua composição os núcleos (grupos de células que regulam 'os processos de respiração, 
circulação sangüínea e do metabolismo bioquímico, que executa os mais importantes processos 
vitais), já os apa- 
93 
relhos do corpo quadrigêmeo e dos nós subcorticais (tálamo ótico e sistema palium estriado) são 
as primeiras instâncias que asseguram a obtenção das instigações do mundo exterior que 
chegam através dos órgãos superiores dos sentidos (receptores de contato e distância), a 
inclusão delas nos aparelhos motores (corpo quadrigêmeo) e sua integração primária com a 
execução de complexas sinergias (sistema talâmico-estriado). Esses últimos aparelhos 
desempenham papel dominante nos vertebrados inferiores (anfíbios, peixes, aves) mas são 
paulatinamente afastados pelas áreas superiores do cérebro anterior — os grandes hemisférios. 
Estes são os dispositivos mais complexos, que asseguram a análise e a síntese das excitações 
que chegam do mundo exterior, a assimilação e elaboração da informação recebida, o 
fechamento de novas ligações, o processamento de programas de atividade complexa e 
regulação da realização das formas superiores de comportamento. As áreas superiores do 
sistema nervoso central são os grandes hemisférios: o córtex cerebral e a substância branca 
subjacente, constituída de fibras de projeção, que ligam o córtex às formações subcorticais 
subjacentes, e de fibras de associação, que ligam regiões corticais isoladas. Os grandes 
hemisférios começam a ocupar posição dominante nos vertebrados superiores, tornando-se o 
aparelho fundamental, o mais importante da atividade psíquica do homem. 
Pesquisas realizadas nos últimos decênios deram certa clareza não apenas à característica 
morfológica dos aparelhos cerebrais como também aos princípios fundamentais de sua 
organização funcional. É isto que se reveste de importância essencial para a Psicologia. 
Os três "blocos" principais do cérebro 
Como já indicamos, o cérebro humano, que assegura o recebimento e a elaboração da 
informação e a criação de programas de suas próprias ações bem como o controle da execução 
destes, trabalha sempre como um todo único. Contudo o cérebro é um aparelho complexo e 
altamente diferençado, composto de várias partes; a perturbação do funcionamento normal de 
cada parte se reflete fatalmente no seu trabalho. 
94 
No cérebro humano podemos distinguir ao menos três "blocos" principais, cada um desempenhando 
papel especial na atividade psíquica. 
O primeiro mantém o necessário tônus do córtex, indispensável para o bom andamento dos processos de 
recebimento e elaboração da informação, bem como dos processos de formação de programas e controle 
da execução destes. O segundo bloco assegura o próprio processo de recebimento, elaboração e 
conservação da informação que chega ao homem do mundo exterior (dos aparelhos do seu próprio corpo). 
O terceiro bloco elabora programas de comportamento, assegura e regula sua realização e participa do 
controle do seu cumprimento. 
Todos os três blocos se instalam em órgãos isolados do cérebro e só o trabalho bem organizado leva a 
uma acertada organização da atividade consciente do homem. 
O bloco do tônus do córtex ou bloco energético do cérebro 
Para que o homem possa realizar normalmente o recebimento, a elaboração e conservação da informação, 
criar e executar os complexos programas de comportamento, acompanhar o êxito das ações executadas e 
fazer a necessária auto-regulação do comportamento, é necessária uma permanente manutenção do tônus 
otimal do córtex. Só esse tônus pode assegurar a escolha acertada dos sinais essenciais, a conservação dos 
seus vestígios, a elaboração dos necessários programas de comportamento e um controle permanente da 
execução destes. 
Coube a Pávlov apresentar uma característica fisiológica desse tônus otimal do córtex, indicando que os 
processos que ocorrem no córtex normal obedecem à "lei da força", segundo a qual um instigador forte 
(ou mais significativo) provoca uma reação forte, que deixa o vestígio mais estável, ao passo que o 
instigador fraco (ou menos significativo) provoca uma reação mais fraca cujo vestígio se extingue ou se 
inibe mais facilmente. 
A existência dessa "lei da força", que caracteriza a exci-tabilidade otimal do córtex, é necessária para a 
realização de atividade seletiva organizada, para a criação de sistemas domi- 
95 
nantes de exeitação, para a conservação de sistemas de informação organizados e programas 
estáveis de comportamento. É bem conhecido que com a redução do tônus do córtex este pode 
passar ao estado inibido ou "fásico": os instigadores fracos começam a provocar reações 
idênticas às que provocam os instigadores fortes ("fase niveladora") ou até reações mais fortes 
do que as dos instigadores fortes ("fase paradoxal"). Essa peculiaridade do trabalho surge, por 
exemplo, no estado de sono ou sonolência. 
É natural que em tais condições a atividade consciente organizada se torna impossível e o fluxo 
seletivo organizado de idéias é substituído pelo aparecimento de associações "casuais" (ou 
secundárias). 
Uma importante descoberta da fisiologia nos últimos vinte anos consiste em que inúmeras 
observações e experimentos de vários pesquisadores célebres (Magoun K. W., Moruzzi G. Jas-
per H. H.) mostraram que nesse processo desempenham papel substancial as formações das 
áreas superiores do tronco cerebral, particularmente as formações do hipotálamo, do tá-lamo 
ótico e do sistema de fibras reticulares ("formação re-ticular"), que une essas formações por uma 
ligação bilateral com o córtex cerebral. Essas formações são as componentes principais do 
"primeiro bloco" do cérebro-bloco humano, que assegura o tônus geral ou estado de vigília do 
córtex. 
A esses órgãos devemos incorporar os órgãos do córtex primitivo ou límbico, que está situado 
nas áreas internas (médias) dos grandes hemisférios e é estreitamente ligado aos órgãos recém-
referidos do tronco superior. Eles compreendem em sua composição formações anliquíssimas 
do grande cérebro como o hipocampo, o núcleo do tálamo ótico, os antimuros e os corpos 
mamilares; o movimento da excitação nesse sistema, que recebeu a denominação de "ciclo do 
hipocampo" é uma das condições mais importantes de manutenção do tônus corti-cal, de 
garantia do estado emocional normal e cria condições para a sólida manutenção dos indícios 
surgidos. 
Todo o complexo aparelho que integra o bloco desempenha importante papel no funcionamento 
normal do córtex cerebral e merece abordagem minuciosa. 
A manutenção do tônus permanente do córtex tem basicamente duas fontes (às quais só mais 
tarde acrescenta-se uma terceira, mais complexa) . 
96 
Por um lado, para manter o estado de vigília do córtex é necessário um afluxo permanente de 
informação do mundo exterior; privado dessa afluência de excitações do mundo exterior, o 
animal adormece. Sabe-se, ainda, o efeito provocadopela "fome de informação", que surge no 
homem após um longo período de isolamento numa cela escura à prova de som. As observações 
efetuadas nos últimos anos mostram que? nesses casos, começam facilmente a surgir alucinações 
no homem, qué compensam em parte essa insuficiência de afluência permanente de instigações 
exteriores. Por isto, para manter o tônus ideal do córtex, tem importância decisiva o estado de 
conservação do tronco superior e do tálamo ótico que são a primeira instância do recebimento 
das instigações afluentes de fora. O corte das vias que levam do tronco superior ao córtex na 
composição da "formação reticular ativa ascendente" leva inevitavelmente ao adormecimento; 
esse mesmo efeito pode ser provocado pela irritação das paredes do terceiro ven-trículo (que 
tem como componentes os órgãos do tálamo ótico): a irritação das paredes do terceiro ventrículo 
durante operações cerebrais realizadas pelo famoso cirurgião soviético N. N. Burdenko, levou 
freqüentemente o paciente a adormecer. 
Deste modo, a primeira fonte do estado de vigília do córtex é a afluência constante de irritações 
da periferia, no qual os órgãos do tronco, superior e a formação reticular ascendente 
desempenham papel principal. 
A segunda fonte igualmente importante do tônus permanente do córtex é constituída pelos 
impulsos que a este chegam dos processos internos de metabolismo do organismo, que formam 
a base das inclinações biológicas do organismo. 
É sabido que o estado do organismo (o nível de açúcar no sangue, por exemplo, que é um índice 
do estado de fome ou saciação, o nível de oxigênio no sangue, que, caindo para um nível 
inferior ao necessário, é um índice da "fome de oxigênio") é regulado pelos órgãos do tronco 
superior e do hipo-tálamo. Sabe-se, ainda, que o tronco superior e o encéfalo primitivo são 
compostos também por aparelhos especiais, que regulam processos como os reflexos sexuais, os 
reflexos da agressão, etc. 
Irritando as respectivas áreas do tronco superior e do encéfalo primitivo, os pesquisadores (N. 
Miller, J. Olds, Mc Lean, Delgado e outros) provocaram no animal formas expressas de 
comportamento sexual instintivo, atos de agressão, 
97 
fome constante e sede, etc. A existência, nas referidas zonas do encéfalo, de formações nervosas que 
regulam as inclinações citadas, foi utilizada por alguns pesquisadores (Olds e Delgado) para provocar nos 
animais reações duradouras de "auto-estimulação". Ao fechar a corrente que se dirigia aos eletrodos 
introduzidos nessas áreas do encéfalo, o animal provocava sozinho e demoradamente a excitação desses 
aparelhos, considerados pelos referidos autores como "centros" sui generís, reguladores do estado 
emocional do animal. 
Os impulsos que partem dessas formações do hipotálamo e do tálamo ótico, que são transmitidos ao 
córtex através da formação reticular ascendente, constituem a segunda fonte de manutenção do tônus 
cortical e seu estado de vigília. A afecção desses aparelhos do hipotálamo e dos núcleos do tálamo ótico 
no homem pode mudar substancialmente o tônus do córtex. Exemplos de mudança do tônus podemos ver 
nos casos de distúrbio das funções da hipófise, por um lado, e de tumores das paredes do terceiro 
ventrículo, por outro. 
Aos aparelhos do tronco superior da formação reticular, que asseguram a manutenção do tônus do córtex, 
devemos incorporar os aparelhos do córtex primitivo ("límbico"), situados nas áreas internas (mediais) 
dos grandes hemisférios e participantes do trabalho do bloco "energético" do encéfalo. 
O córtex primitivo "límbico" foi, durante muito tempo, considerado parte essencial do "corpo olfativo". 
Essa hipótese se baseava no fato de que esse córtex é especialmente desenvolvido nos animais nos quais o 
olfato desempenha papel dominante no comportamento. Mas a existência dessa área nos animais sem 
olfato (delfins), bem como várias observações fisiológicas levaram à mudança desse ponto de vista; 
levaram a incluir na região o hipocampo e os órgãos componentes, de funções bem mais complexas, e a 
considerar o córtex primitivo e a região límbica como "encéfalo-vegetativos", tendo participação 
essencial na regulação da ocorrência dos processos vegetativos e afetivos cujo papel é importante para a 
conservação dos vestígios da memória. 
Essas hipóteses foram formuladas pelos grandes pesquisadores americanos K. Klüver e P. Bucy que, 
depois da dani-ficação da região límbica (particularmente das áreas mediais do lobo temporal) 
observaram nos animais acentuada excitação das reações emocionais e perturbações da memória. Dados 
aproximados foram obtidos também nas observações pos- 
98 
teriores de Mc Lean, Olds e outros, que tiveram oportunidade de presenciar mudanças 
substanciais das inclinações e dos processos afetivos, que ocorrem nos animais como resultado 
da danificação do hipocampo. Por último, importantes observações realizadas em pessoas com 
afecção bilateral do hipocampo pelos pesquisadores americanos W. Penfield, B. Milner e W. 
Scoville permitiram mostrar que, nesses casos, muda substancialmente o tônus do córtex e 
afeta-se profundamente a memória. 
A explicação para esses fenômenos foi encontrada quando os fisiologistas (Viesel, Jasper e 
outros) descobriram que no hipocampo existe um grande número de neurônios que não reagem 
a instigadores específicos (visuais, auditivos ou táteis) mas reagem sutilmente a cada mudança 
que surge no meio ambiente. A existência desses neurônios de cujas funções faz parte a 
comparação dos instigadores com os vestígios antecedentes, fazendo parte também as reações à 
'Mescoordena-ção" destes, parece explicar o papel desempenhado pelas formações do córtex 
primitivo nos processos de reflexo orientado (atenção não-dirigida) e memorização. 
O papel dos aparelhos do primeiro* bloco na manutenção do tônus do córtex e do estado de 
vigília é assegurado pelas suas estreitíssimas ligações com o córtex„ que são realizadas através 
das fibras da formação reticular ativadora. Cabe observar que essa formação tem tecidos tanto 
ascendentes como descendentes. Através dos primeiros ("formação reticular ativadora 
ascendente") efetua-se a excitação do córtex pelos impulsos decorrentes das formações das 
áreas superiores do tronco do encéfalo. Por meio dos segundos ("formação reticular ativadora 
descendente") realizam-se1 aquelas influências que as áreas superiores do cérebro, 
particularmente o seu córtex, exercem sobre os segmentos do tronco encefálico. Por isto o 
aparelho da "formação reticular descendente" desempenha papel substancial na transmissão do 
colorido afetivo e na garantia do tônus para os programas de comportamento que surgem no 
córtex em decorrência da informação recebida e das formas exteriores de programas e 
necessidades que se formam no homem com a participação da fala. É esse aparelho que 
assegura a terceira fonte de manutenção do estado de vigília, que apenas mencionamos e que 
está ligado aos complexos programas e necessidades que surgem no homem como resultado de 
sua atividade consciente. 
99 
Deste modo, o primeiro bloco do cérebro de cuja composição fazem parte os aparelhos do 
tronco superior, da formação reticular e do córtex primitivo, assegura o tônus geral (vigília) do 
córtex e a possibilidade de duradoura conservação dos vestígios da excitação. O funcionamento 
desse bloco não está relacionado especialmente com os outros órgãos dos sentidos e tem caráter 
"modal-não-específico", assegurando o tônus geral do córtex. 
Bloco do recebimento, elaboração e conservação da informação 
Se o primeiro bloco que acabamos de descrever assegura o tônus do córtex mas ele mesmo 
ainda não participa do recebimento e processamento da informação nem da elaboração dos 
programas de comportamento, já o segundo bloco está imediatamente ligado ao trabalho de 
análise e síntese dos sinais trazidos do mundo exterior pelos órgãos dos sentidos, noutrostermos, está relacionado com o recebimento, o processamento e a conservação da informação 
recebida pelo homem. 
Esse bloco é composto de órgãos situados nas seções posteriores do córtex cerebral (áreas 
parietal, temporal e occipi-tal) e, diferentemente dos aparelhos do primeiro bloco, tem caráter 
modal-específico, sendo um sistema de dispositivos centrais que registra a informação visual, 
auditiva e tátil, processam-na ou "codificam-na" e conservam na memória os vestígios da 
experiência adquirida. 
Os aparelhos desse bloco podem ser considerados extremidades centrais (corticais) dos sistemas 
perceptivos (analisa-dores), sendo que as extremidades corticais do analisador visual estão 
situadas na região occipital, as auditivas na região temporal e as táteis na região tátil-cinestésica. 
Nessas seções corticais terminam os tecidos procedentes dos respectivos aparelhos receptores, 
distinguindo-se e sepa-rando-se aqui indícios isolados da informação visual, auditiva e tátil 
afluente. Nas seções mais complexas dessas zonas eles se reúnem, sintetizam-se e combinam-se 
em estruturas mais complexas. A esssa tarefa corresponde a delicada estrutura celular das zonas 
corticais. Como todas as outras regiões do novo córtex, essas zonas têm uma estrutura 
hexassegmentar. A mais desenvolvida nessas zonas é a seção IV do córtex, aonde 
100 
chegam as fibras que começam nos aparelhos sensitivos periféricos. Aqui elas se transferem 
para outros neurônios. Algumas fibras descem diretamente para a seção V do córtex, onde estão 
instaladas as células piramidais (motoras). As fibras se dirigem de algumas dessas células para a 
periferia e, deste modo, fecha-se o arco dos reflexos sensórios mais simples. Outros tecidos, que 
chegam dos órgãos sensitivos à seção IV do córtex, transferem-se ali para os neurônios de ação 
curta, que servem de aparelhos de transferência das excítações para células associativas mais 
complexas. Grande parte das células associativas ou células de ação curta, que têm a forma de 
pequenas pirâmides ou células asteróides, está situada nas seções II e III do córtex, que 
constituem o aparelho principal de transmissão das excitações de uns neurônios a outros. Nas 
zonas corticais aonde chegam diretamente as fibras vindas dos órgãos sensitivos periféricos 
(mudando apenas nos núcleos sub-corticais), que são denominadas zonas primárias ou de 
projeção, a posição de maior destaque cabe à seção IV receptora das células. Nas zonas 
corticais contíguas às zonas de projeção e denominadas zonas secundária? ou de projeto e 
associação, as seções celulares II e III são poderosamente desenvolvidas. As seções I e VI não 
examinadas têm importância especial: na I estão instaladas as ligações horizontais 
"transcorticais", que contactam as áreas contíguas do* córtex, instalando-se na VI as projeções 
das células vegetativas, que contactam o córtex com as áreas profundas do encéfalo. 
Toda a substância branca situada sob o córtex é constituída de fibras longas, que contactam o 
córtex com as formações subjacentes (tecidos de projeção) ou ligam áreas isoladas do córtex a 
outras regiões corticais (tecidos transcorticais) . Os dois hemisférios do córtex são ligados entre 
si por um feixe especialmente potente de fibras transcorticais, denominado "corpo caloso". 
Quando se corta o corpo caloso, parte considerável dos grandes .hemisférios fica desconexa e os 
dois hemisférios começam a funcionar isoladamente. 
O princípio de construção hierárquica de cada zona cor-tical, integrante da composição do 
bloco por nós examinado, é um dos princípios mais importantes de estruturação do córtex 
■cerebral. Como mostraram as pesquisas, a informação que chega do receptor visual, auditivo 
ou tátil às zonas primárias (ou de projeção do córtex) é aqui fracionada em grande número de 
indícios que a compõem. Isto se deve a que nessas 
101 
zonas de projeção do córtex estão instalados neurônios altamente especializados, que, como mostraram 
pesquisas de alguns fisiologistas, respondem somente a alguns indícios particulares das instigações. 
Assim, na zona de projeção do córtex occipital (visual) há neurônios que só reagem ao movimento do 
ponto que ilumina do centro à periferia ou da periferia ao centro, só às linhas curvas harmoniosas, às 
linhas quebradas agudas, etc. Essas mesmas células, com elevadíssima especialização, existem no córtex 
temporal (auditivo) e tátil (parietal). Isto permite dividir a excitação em mínimos elementos isolados e os 
transforma num mosaico funcional das instigações, acessível à organização posterior. 
Sobre cada zona primária ou de projeção do córtex estão edifiçadas zonas secundárias ou de projeto e 
associação. Os tecidos que aqui chegam não são diretamente originários, via de regra, do receptor 
periférico; eles ou mudam nos respectivos núcleos subcorticais e já veiculam impulsos generalizados ou 
chegam das zonas primárias às zonas secundárias do córtex. 
À diferença das zonas primárias do córtex, essas zonas se constituem basicamente das seções celulares II 
e III (de associação) poderosamente desenvolvidas. A maioria esmagadora dos neurônios componentes 
dessas zonas não se distingue por uma especialização tão sutil como os neurônios das zonas primárias (de 
associação). Eles não reagem a indícios isolados divididos, porém, mais amiúde, a todo um complexo de 
instigadores específico-modais (visuais, auditivos, táteis), sendo que alguns deles têm inclusive caráter 
multimodal, reagindo a instigações de diversas modalidades. A importância dessas zonas secundárias 
parece consistir em reunir as irritações que lhes chegam dos núcleos subcorticais subjacentes ou das 
zonas primárias do córtex e codificá-las em determinadas estruturas dinâmicas móveis. 
Esse fato é demonstrado por uma série de experimentos fisiológicos e psicofisiológicos. 
Como mostraram as pesquisas de Mc Culloch, a irritação das zonas primárias com estricnina, depositada 
num pedaço de papel, surte efeito somente nas áreas corticais imediatamente próximas; ao contrário, a 
irritação das zonas secundárias com estricnina provoca excitação, que se espalha a fundo nas zonas 
contíguas. Isto mostra que as zonas secundárias das áreas corticais de cada analisador difundem realmente 
a exci- 
102 
tação a áreas consideráveis e deste modo incorpora ao processo de excitaçâo sistemas complexos inteiros 
de neurônios, garantindo o funcionamento conjunto de grandes zonas do córtex. 
A importância psicológica das zonas primárias e secundárias do córtex da sensibilidade tornou-se clara 
graças aos experimentos em pacientes submetidos a cirurgia cerebral. É sabido que o córtex do cérebro, 
esse órgão superior da sensibilidade, é por si mesmo indolor, razão por que as cirurgias cerebrais podem 
ser feitas sem anestesia; irritando partes isoladas do córtex, podem-se observar as reações do doente. 
For isto que permitiu aos pesquisadores (O. Foerster, O. Poetzl e W. Penfield) chegarem a uma 
conclusão sobre as funções originais das áreas primárias e secundárias do córtex. Como mostraram as 
pesquisas, a irritação do córtex visual ou auditivo faz surgirem no sujeito sensações correspondentes 
(alucinações). 
No entanto varia inteiramente o caráter dessas alucinações com a irritação das zonas primárias e 
secundárias do córtex. 
Assim, as irritações das zonas primárias do córtex visual (campo 17) provocam no sujeito sensações 
visuais sem forma definida (o homem vê "luz colorida", "chama", "bolas luminosas", etc). Diferentemente 
disto, a irritação das zonas secundárias do córtex visual faz o homem começar a ver objetos de forma 
definida (borboletas, feras, rostos conhecidos, etc.). Resultados análogos são obtidos com a irritação do 
córtex auditivo: com a irritação das zonas primárias do córtex auditivo o homem começa a ouvir tons ou 
sons isolados, passando a ouvir melodias inteiras com a irritação das zonas secundáriasdesse córtex, etc. 
Tudo isso indica que as zonas primárias do córtex da sensibilidade têm as funções de distinguir esses e 
aqueles indícios específico-modais (visuais, auditivos, táteis), noutros termos, exercem a função de 
fracionar (analisar) em partes componentes a informação recebida, ao passo que as zonas visuais dessas 
mesmas áreas corticais implicam a função de unificar (sintetizar) ou proceder a uma elaboração 
complexa da informação que chega ao sujeito. 
Cabe observar mais uma peculiaridade importante do funcionamento das zortas primárias (de projeção) e 
secundárias (de projeção e associação) do córtex. 
103 
As' zonas primárias do córtex, aonde os tecidos de projeção chegam dos respectivos receptores 
periféricos, apresentam uma rigorosa estrutura somatotópica. Isto significa que as fibras nervosas, que 
chegam das regiões receptoras ao córtex dessas zonas, não estão distribuídas por acaso mas dispostas em 
ordem rigorosa, estando cada ponto da superfície receptora representado num ponto absolutamente 
determinado do córtex de projeção. Assim, os tecidos que vão das superfícies cutâneas das zonas 
inferiores do corpo, cruzando-se no tronco do encé-falo, chegam às zonas superiores da circunvolução 
anterior central do hemisfério oposto, ao passo que os tecidos que conduzem os impulsos da sensibilidade 
cutânea das mãos se situam na parte intermediária e os tecidos que levam os impulsos sensíveis da pele 
do rosto e da cabeça se situam nas partes inferiores da circunvolução central anterior do hemisfério 
oposto; é de importância especial o fato de que a área, ocupada pela projeção dessas ou daquelas partes do 
corpo, é proporcional à importância que essas regiões do corpo realmente têm. Deste modo, a área 
ocupada pela projeção do quadril ou da perna no córtex cerebral é muito insignificante, ao passo que as 
projeções da mão (especialmente do polegar e do indicador), da boca e dos lábios, são muito grandes. Isto 
garante maior direção para os órgãos que devem sujeitar-se com precisão especial a uma regulação 
central. É característico que a destruição de determinados trechos das áreas cor-ticais da região parietal 
(póstero-central) leva à queda da sensibilidade nas áreas rigorosamente limitadas do lado oposto do corpo, 
sendo que a queda da sensibilidade na pele da perna, do braço ou do rosto dá fundamentos para avaliar o 
lugar no córtex de projeção e sensibilidade ou em suas vias condutoras, destruídas por processo 
patológico. Ao contrário, a irritação das zonas primárias (de projeção) do córtex leva ao aparecimento de 
sensações visuais ou auditivas, que surgem na ausência das respectivas influências exteriores. O típico 
para esses casos é a "aura" (fase inicial) dos acessos epilépticos, que surgem como resultado da influência 
irritante de cicatriz localizada na zona correspondente do córtex cerebral. Assim, uma cicatriz localizada 
nas áreas superiores da circunvolução póstero-central provoca sensação de "choque" ou "formiga-mento" 
na extremidade inferior do lado oposto, a cicatriz localizada nas zonas intermediárias dessa região 
provoca as mesmas sensações no braço oposto, e a situada nas partes inferiores 
104 
do córtex dessa região provoca as mesmas sensações na face oposta do rosto. 
O princípio análogo da projeção somatotópica ocorre em outras áreas do córtex. Assim, as fibras que vão 
de áreas isoladas da retina, que constituem partes do campo visual, projetam-se em trechos absolutamente 
determinados da zorja de projeção do córtex occipital (visual), resultando que a afec-ção de determinadas 
áreas do córtex visual leva à eliminação de áreas perfeitamente determinadas do campo visual; a irritação 
de áreas isoladas da região occipital leva ao surgimento de sensações visuais ("fosfenos") em 
determinadas áreas do campo visual. 
O mesmo ocorre nas áreas de projeção do córtex temporal (auditivo): os tecidos que implicam 
excitação, que corresponde a tônus elevados, projetam-se nas áreas internas da zona auditiva primária do 
córtex, enquanto os tecidos que implicam excitações, correspondentes aos tônus baixos, projetam-
se nas áreas laterais do córtex. Por isto a irritação desses setores do córtex ou de suas vias condutoras 
provoca sensações auditivas correspondentes, que podem ser o início (aura) de acessos epilépticos. 
A consideração dos referidos fatos da estrutura somatotópica das zonas primárias do córtex é de grande 
importância prática, pois os sintomas de sua afecção ou irritação servem de importante indício 
diagnóstico para a atividade tópica de suas afecções. 
Esse princípio da rigorosa projeção somatotópica de determinadas superfícies sensíveis (receptoras) em 
certas áreas dos campos corticais de projeção (princípio esse que permite usar os sintomas de queda da 
sensibilidade em determinadas áreas do corpo para o diagnóstico tópico das afecções) caracteriza a 
organização funcional dos campos corticais primários. No entanto ele não tem qualquer validade para a 
avaliação do funcionamento dos campos corticais secundários. 
Como já foi dito, os campos corticais secundários do bloco por nós examinado asseguram a síntese das 
excitações que chegam ao campo primário, "codificando-as"; eles substituem o princípio de projeção 
somatotópica por outro princípio: o da organização fundamental das respectivas excitações. Por isto a 
destruição dessas zonas não leva a ocorrências de quedas de sensibilidade, levadas a coincidirem com 
determinadas regiões do corpo ou a certa parte do campo da per- 
105 
cepçao, mas suscita uma desintegração geral no funcionamento desse ou daquele analisador, a 
qual se manifesta na complexa decodificação da informação que chega ao sujeito, noutros 
termos, leva à perturbação das formas complexas de percepção visual, auditiva ou tátil, 
conhecida na clínica pela denominação de "agnosia". Ainda voltaremos a abordar a análise 
desses fenômenos quando analisarmos os processos de percepção. 
As zonas primárias e secundárias do córtex não esgotam os aparelhos corticais do bloco em 
análise. 
Sobre elas estão edificados os aparelhos das zonas terciárias do córtex (ou "zonas" de cobertura 
das extremidades corticais de determinados analisadores), sumamente importantes para garantir 
as formas mais complexas de funcionamento desse bloco. 
As zonas terciárias do córtex cerebral surgem nas etapas mais tardias da escada filogenética e 
são, até certo ponto, formações especificamente humanas. Até nos carnívoros as zonas corticais 
de certos analisadores estão em contato direto umas com as outras, sendo apenas esboçadas no 
macaco, ao passo que no homem elas ocupam parte considerável das áreas posteriores do 
córtex. 
As zonas terciárias do cóitex cerebral amadurecem só muito tardiamente, na ontogênese. Como 
mostrou o anatomista alemão P. Flechsig, o processo de revestimento dos tecidos que surgem 
nessas zonas — a mielina, que os torna aptos para o funcionamento — termina bem mais tarde 
do que em outras zonas. Tudo isso mostra que as zonas terciárias ou "zonas de cobertura" são as 
áreas do córtex cerebral mais jovens, que começam a funcionar mais tardiamente. 
Pela estrutura histológica, essas zonas pertencem àquelas em que predominam inteiramente as 
camadas II e III de células de associação. Isto se refere às suas funções básicas, que consistem 
na unificação da informação que chega de diferentes analisadores ao córtex cerebral. As zonas 
terciárias das áreas posteriores do córtex cerebral estão situadas nos -limites da região parietal, 
occipital e temporal e compreendem os campos 39, 40, 37 das áreas parietais inferiores do 
córtex. Quando elas se irritam, não surgem quaisquer reações sensitivas ou observações, sua 
afecção não provoca a queda da sensibilidade visual, auditiva ou tátil. A importância dessas 
áreas do córtex 
106 
para a unificação da informação, que chega de analisadores isolados, pode ser vistaanalisando-
se os comportamentos dos doentes com afecção dessas áreas do córtex cerebral. Via de regra, 
surgem nesses doentes dificuldades de fazer uma codificação mais complexa da informação 
recebida, predominando a dificuldade de unificar em esquema espaciais simultâneos as 
irritações sucessivas que chegam ao encéfalo. Distiguindo os objetos e sons visualmente 
perceptíveis, os doentes começam a sentir dificuldades de orientar-se no espaço, confundem a 
direção, não conseguem distinguir os lados direito e esquerdo, entender a posição dos ponteiros 
do relógio e correlação dos países no mapa geográfico. Esses pacientes ficam sem condições de 
fazer operações matemáticas que exigem tomar como orientação a ordem numérica, subtrações 
e divisões rápidas e começam a experimentar sérias dificuldades na interpretação das 
complexas estruturas gramaticais e de operações lógicas que incluem relações complexas. 
Tudo isso mostra que as zonas terciárias do córtex são um importante aparelho, indispensável 
para as formas mais complexas de elaboração e codificação da informação recebida. 
O bloco da programação, regulução e controle da atividade 
O terceiro bloco cerebral do homem faz a programação, a regulação e o controle do desempenho 
ativo do homem, fi integrado por órgãos situados nas áreas anteriores dos grandes hemisférios, 
cabendo nele posição dominante as seções frontais do encéfalo. 
A atividade consciente do homem apenas começa com a obtenção da informação e sua 
elaboração, terminando com a formação das intenções, do respectivo programa de ação e com a 
realização desse programa em atos exteriores (motores) ou interiores (mentais). Para isto é 
necessário um aparelho especial, capaz de criar e manter as necessárias intenções, elaborar 
programas de ação a elas correspondentes, realizá-los nos devidos atos e, o que é de suma 
importância, acompanhar as ações em curso, comparando o efeito da ação exercida com as 
intenções iniciais. 
Todas essas funções são exercidas pelas áreas anteriores do encéfalo e seus lobos frontais. 
107 
Pelo caráter de sua estrutura, as áreas anteriores do córtex distinguem-se substancialmente das 
posteriores; se o córtex das áreas posteriores do encéfalo apresentava • como característica raias 
transversais, o córtex das * áreas anteriores se caracterizava por raias verticais, o que sugere o 
caráter motor das estruturas nele dominantes. Se no córtex das áreas posteriores do encéf alo 
(principalmente enx suas zonas primárias) predomina a camada IV (aferente) de células, no 
córtex das áreas anteriores (especialmente em sua zona primária) predomina a camada eferente 
de células com as grandes pirâmides, cujas ações levam à periferia os impulsos formados, 
fazendo-os chegar aos músculos dos braços e assim provocando os movimentos 
correspondentes cujos programas foram preparados por todo o córtex cerebral, particularmente 
por sua região frontal. 
Como as áreas posteriores, as áreas anteriores têm as mais estreitas ligações com as formações 
subjacentes da formação reticular, sendo importante que aqui estão poderosamente 
representados tanto as fibras ascendentes como as descendentes da formação reticular, que 
acompanham os impulsos formados nos lobos frontais do córtex e deste modo regulam o estado 
geral da atividade do organismo, mudando-a de conformidade com as intenções formadas no 
córtex. 
Como os sistemas das áreas posteriores do córtex, as áreas anteriores têm estrutura hierárquica 
com a única diferença de que as zonas primárias do córtex motor não são as primeiras (aonde 
chegam os instigadores que atingem o encéf alo) mas as últimas pela ordem de funcionamento: 
a elas chegam os impulsos preparados nas áreas mais altas do córtex e elas dirigem esses 
impulsos para a periferia, provocando movimentos correspondentes. 
Por uma questão de simplicidade da nossa exposição, manteremos no exame das zonas 
primárias do cérebro a mesma ordem que adotamos na abordagem das estruturas 
hierarquicamente organizadas das áreas posteriores do córtex. 
É zona primária ou de projeção das áreas anteriores do encéfalo a circunvolução central 
anterior ou a região motora do córtex (4?- área de Brodmann), sobre a qual está construído o 
campo pré-motor secundário (6^ área de Brodmann); mais acima estão situadas as formações do 
córtex propriamente frontal ou região pré-frontal (áreas 9, 10, 11, 46 de Brodmann). 
108 
Apesar de todas essas zonas corticais apresentarem como característica a "estrutura de raias 
verticais" já referida, as estruturas celulares de cada uma das referidas zonas difere muito uma. 
das outras. 
O córtex primário ou de projeção está situado em forma de uma faixa longa nos limites da 
circunvolução anterior central, predominando nele a camada eferente constituída de gigantescas 
células piramidais, descobertas pelo anatomista russo V. A. Bets. Essas gigantescas pirâmides 
dão início a longos axônios, que, passando no tronco cerebral para o lado oposto, descem, 
chegam aos cornos anteriores da medula espinhal e são portadores de impulsos motores que, em 
suma, levam a conhecidos grupos musculares. 
Como outras zonas de projeção, os campos motores primários do córtex têm precisa estrutura 
somatotópica: as gigantescas células piramidais das suas áreas superiores levam os impulsos 
motores aos músculos das extremidades inferiores do lado oposto do corpo, as gigantescas 
pirâmides das zonas médias levam esses impulsos aos músculos das extremidades superiores, as 
células piramidais das zonas inferiores desse campo levam os impulsos aos músculos do 
pescoço, da cabeça e do rosto. Como nas zonas sensórias de projeção, o território do campo 
motor primário representa os respectivos grupos musculares não pelo traço geométrico mas pelo 
funcional; quanto mais dirigível deve ser o respectivo grupo muscular, tanto maior território 
ocupa sua projeção na zona motora primária do córtex. 
Essa organização somatotópica da circunvolução central anterior e suas vias condutoras é de 
suma importância para o diagnóstico tônico das afecções cerebrais: a destruição das áreas 
superiores dessa região cerebral ou de suas vias condutoras leva à paralisia na perna oposta, a 
afecção das áreas médias leva à paralisia do braço oposto, a afecção das áreas inferiores leva à 
paralisia ou paresia dos nervos do lado oposto do rosto. De acordo com isto, as cicatrizes 
situadas nessas áreas do córtex, e que o irritam, provocam contração ou convulsões das partes 
correspondentes do corpo, razão por que o caráter da aura (período inicial dos acessos 
epilépticos que surgem em casos semelhantes) é de grande importância diagnostica, indicando o 
lugar da cicatriz. 
Sobre a zona motora primária do córtex cerebral edifica-se a região pré-motora, que tem em sua 
composição a 6? área 
109 
de Brodmann. Essa região prepara o lançamento dos impulsos motores e cria a "melodia cinética" que põe 
em funcionamento as "teclas" da zona motora do córtex. 
À diferença da zona motora de projeção, nessa região pré-motora predominam pequena^ células 
piramidais das camadas II e III do córtex, células essas que desempenham papel de projeção e associação; 
aqui o princípio da projeção somatotópica está incomparavelmente menos representado do que na zona 
motora de projeção. Por isto a afecção da zona pré-motora não leva ao surgimento de paralisias em 
determinados grupos musculares. A importância da zona pré-motora do córtex (ou "campo motor 
extrapiramidal") consiste em que ela cria condições para o funcionamento sistemático do aparelho motor 
e, em particular, assegura a transferência harmoniosa dos impulsos de uns elos de movimento a outros, 
garantindo a execução de complexas melodias motoras. A zona pré-motora do córtex adquire importância 
especialmente grande para a criação de habilidades motoras, nas quais um elo motor deve ser 
harmoniosamente substituído por outro. £ por isto que,com a irritação da zona pré-motora do córtex, não 
surgem contrações de grupos musculares isolados mas complexos movimentos conjuntos (viradas da 
cabeça e dos olhos, movimentos de agarramento com os braços); com a afecção dessa zona surgem perdas 
da transferência harmoniosa de um elo a outro, ou seja, em outros termos, a perturbação das "melodias 
ciné-ticas" ou habilidades motoras. 
Nas zonas pré-motoras do córtex cabe papel especial à 8^ área de Brodmann, que é um centro anterior de 
movimentação dos olhos, que garante ativos movimentos harmoniosos dos olhos. Com sua afecção, 
mantém-se os movimentos refletores dos olhos, que acompanham os objetos em movimento, 
perturbando-se os movimentos rápidos e harmoniosos dos olhos. 
Sobre a zona pré-motora edificam-se as áreas terciárias do córtex frontal ou região pré-frontal, integradas 
pelas áreas 9, 10, 11 e 46 de Brodmann, de estrutura inteiramente diferente. 
À diferença da zona motora e pré-motora, essas áreas do córtex não têm entre seus componentes grandes 
células piramidais, estando toda a massa cortical ocupada por células de pequenos axônios e células 
asteróides cujos corpos são muito pequenos e constituem embriões ou grânulos (por isto a região pré-
frontal é às vezes chamada de "córtex frontal granular"). Ela apenas se esboça nos vertebrados, ocupa 
lugar relativa- 
110 
mente pequeno nos macacos, desenvolvendo-se poderosamente apenas no homem, no qual 
representa quase um terço de toda a massa dos hemisférios. Por isto o córtex pré-frontal pode 
ser considerado formação especificamente humana. 
Os órgãos do córtex pré-frontal amadurecem bem no final da ontogênese, ocupando pelo tempo 
de maturação um dos últimos lugares no mapa de mieíinização de Flechsig. Por último, o que é 
de suma importância, as regiões pré-frontais do córtex estão ligadas a todas as áreas do cérebro 
e às áreas subjacentes da formação reticular. Essas ligações são especialmente significativas nas 
regiões mediais e basais dos lobos frontais; como já dissemos anteriormente, 
concomitantemente com as fibras ascendentes da formação reticular, nela se desenvolvem, com 
força especial as fibras da formação reticular descendente. Isto permite aos lobos frontais do 
encéfalo manter permanentemente o tônus do córtex por meio de tecidos básicos, que os 
contactam com as formações subjacentes do tronco. 
A importância dos lobos frontais do córtex cerebral é muito grande para a organização do 
comportamento, embora durante muito tempo ela não se tenha prestado a uma definição 
científica precisa. 
Isto se devia à impossibilidade que havia de expressar as funções dos lobos frontais do encéfalo 
nos conceitos clássicos do raio refletor; a afecção dos lobos frontais do encéfalo não levava a 
nenhuma perturbação dos movimentos elementares, não provocava paralisia, distúrbios da 
sensibilidade nem perturbação da fala. Isto dava a alguns autores fundamentos para considerar 
as regiões frontais do córtex cerebral como "zona muda" sem quaisquer funções especiais. A 
questão mudou substancialmente quando os pesquisadores passaram a enfocar o cérebro como 
um sistema auto-regulador sumamente complexo, que cria complexos programas de 
comportamento, regula a ocorrência de atos motores e exerce controle sobre estes. À luz dessas 
concepções conseguiu-se definir com precisão bem maior a função do cérebro. 
Dotados de poderosas ligações com a formação reticular ascendente e a descendente, os lobos 
frontais do encéfalo se constituíam acima de tudo em um aparelho de poderoso papel ativador. 
Como mostraram os estudos, em cada tensão intelectual (expectativa do sinal, cálculo 
complexo) surgem nos lobos frontais do cérebro ondas lentas especiais, que se esten- 
111 
dem a outras áreas do córtex e foram denominadas "ondas da expectativa" pelo fisiologista 
inglês Walter Gray. Essas ondas desaparecem quando começa a cessar a expectativa do sinal. O 
trabalho intelectual tenso, que exige elevado tônus do córtex, provoca nos lobos frontais um 
elevado número de pontos de funcionamento conjunto, que se excitam sincronicamente. Como 
mostrou o cientista soviético M. N. Livanov, esses pontos de funcionamento sincrônico se 
conservam durante toda a duração do trabalho intelectual complexo e desaparecem quando este 
cessa. 
O papel dos lobos frontais na manutenção do estado ativo, provocado pela instrução do discurso 
ou uma tarefa intelectual, foi mostrado no exame de pacientes com afecções locais (tumores ou 
traumas) dos lobos frontais do encéfalo. Os experimentos da psicóloga soviética E. D. 
Chomskaya mostraram que se a instrução do discurso, que provoca tensão, leva nos sujeitos 
normais ao surgimento de longos estímulos de ativação (que se expressam em reações 
vasculares ou eletrofisioló-gicas), então esse estado persistente de elevada ativação não surge ou 
desaparece muito rapidamente nos doentes com afec-ção dos lobos frontais do encéfalo 
(especialmente das suas. regiões mediais e basais, dotadas de ligações sobretudo potentes com a 
formação reticular ativante). 
Ao manter o tônus do córtex, indispensável para a realização da tarefa colocada, as regiões 
frontais do encéfalo desempenham papel decisivo na criação de intenções e formulação de 
programas de ação que concretizam essas intenções. 
Neuropsicólogos (Luria e outros) mostraram com suas observações que a afecção bilateral dos 
lobos frontais do encéfalo impede que os pacientes fiquem em condições de conservar 
solidamente as intenções, manter os programas complexos de ação, inibir os impulsos não-
correspondentes aos programas e regular a atividade sujeita a esses programas. Eles não podem 
concentrar a atenção na tarefa que se lhes colocou' e fogem facilmente ao seu cumprimento, 
substituindo as ações necessárias ora por simples respostas a instigadores semelhantes, ora pela 
repetição apática dos estereótipos surgidos, que continuam a reproduzir-se independentemente 
da tarefa colocada, dificultando-lhe o cumprimento adequado. 
É natural que a atividade intelectual organizada, orientada pela tarefa colocada, é 
substancialmente perturbada com a afecção dos lobos frontais do cérebro; aqui os planos com- 
112 
plexos de solução das tarefas são substituídos por respostas fragmentárias surgidas de modo 
impulsivo ou pela reprodução apática dos estereótipos uma vez assimilados (A. Luria e L. S. 
Tsvetkova). 
É sobretudo importante o fato de que os lobos do encé-falo desempenham papel essencial na 
realização do controle permanente da atividade em processo. Os pacientes com afec-ção dos 
lobos frontais do encéfalo não podem comparar os resultados das suas ações com a intenção 
inicial, perdem a atitude crítica em face das suas próprias ações e ficam sem condições de 
reconhecer seus próprios erros e corrigi-los. Isto dá fundamento para considerar que os lobos 
frontais são importante componente do mecanismo do "aceptor de ação" (P. A. Anokhin) que 
desempenha papel de suma importância na garantia da atividade auto-reguladora do homem. 
O princípio da lateralização no funcionamento dos grandes 
hemisférios 
A descrição dos três blocos principais cujo funcionamento conjunto é assegurado pela atividade 
do cérebro humano não esgota os princípios fundamentais do seu funcionamento. Contudo essa 
descrição deve ser completada com mais um princípio, que serve de base ao funcionamento do 
cérebro humano. 
Se os dois hemisférios dos animais são equivalentes, no homem um deles (via de regra, o 
hemisfério esquerdo) é dominante e o outro, dominado. Ao que parece, o caráter dominante do 
hemisfério esquerdo começou com o surgimento do trabalho e o destaque do braço direito como 
executor do papel principal na atividade de trabalho. Por isto o hemisfério esquerdo desempenha 
papel dominante nos destros, enquanto nos canhotos o papel dominante oblitera-se ou passa 
para o hemisfério direito. 
O indício mais importante do papeldominante do hemisfério esquerdo no destro é o fato de esse 
trabalho estar estreitamente ligado à fala. Apesar de, em termos morfoló-gicos, a diferença entre 
os dois hemisférios ser muito insignificante, só o hemisfério esquerdo é aparelho cerebral da 
fala; as partes inferiores das áreas posteriores do hemisfério esquerdo (regiões temporal e 
panetal) estão relacionadas com 
113 
o discurso receptor (diferença dos sons da fala, formação de articulações da fala e codificação do discurso 
falado, que chega ao sujeito em complexos sistemas lógico-gramaticais), sendo as áreas inferiores da zona 
pré-motora um aparelho que assegura a transformação dos movimentos da fala em complexas "melodias 
cinéticas" do discurso e em articulação fluente da fala. É por isso mesmo que a afecção das áreas 
posteriores da região temporal superior esquerda leva à perturbação da capacidade de distinguir os 
complexos sons da fala, provocando a desintegração da compreensão da fala (a chamada "afasia seri-
sória"); a afecção das áreas inferiores da região pós-central leva à perturbação das articulações precisas 
("afasia motora aferente"); a afecção das áreas posteriores da circunvolução frontal inferior (ou áreas 
inferiores da zona pré-motora esquerda) leva à perturbação da fala expressiva fluente ("afasia motora 
aferente"). É natural que as afecções de todas as referidas regiões do córtex do hemisfério esquerdo levam 
fatalmente à perturbação de formas complexas da fala como os processos de localização dos nomes 
necessários, da fala independente organizada, da escrita e, em alguns casos, à perturbação da leitura,- do 
cálculo, etc. É característico que a afecção das zonas correspondentes do hemisfério direito (subdominan-
te) não provoca tais distúrbios. 
O caráter dominante do hemisfério esquerdo (nos destros) não se manifesta apenas na ocorrência normal 
dos processos da fala. Como mostraram observações clínicas, a integridade do hemisfério esquerdo é 
importante também para o desenvolvimento de todas as foi mas de atividade consciente relacionada com 
o discurso falado. 
Assim, a afecção das regiões do córtex cerebral, contíguas às zonas do discurso e pertencentes às regiões 
terciárias do córtex, provoca a perturbação das formas complexas de percepção (agnosia), a 
desintegração das formas mais complexas de operações lógico-gramaticais que servem de base aos 
processos intelectuais ("afasia semântica"). De modo diferente, as afecções de áreas análogas do 
hemisfério direito (sub-dominante) não provocam semelhantes distúrbios dos processos cognitivos e se 
refletem em maior medida no distúrbio da percepção direta e do campo emocional do homem. 
Há fundamentos para supor que da íntima ligação dos processos da fala com o córtex do hemisfério 
esquerdo (dominante) resulta que o seu funcionamento transcorre de modo 
114