Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
16 Termodinâmica I – cap. 2 CAPÍTULO II PROPRIEDADES DAS SUBSTÂNCIAS 2.1 - Substância pura Uma substância que tem uma composição química constante através de toda a sua massa chama-se substância pura. Uma substância pura não é necessariamente constituída apenas por um único elemento ou composto químico. Por exemplo, apesar de ser uma mistura de vários elementos e compostos o ar é uma substância pura porque tem uma composição química uniforme, isto é, qualquer porção de ar é constituída pelos mesmos componentes que se misturam, aproximadamente, nas mesmas proporções. Portanto, uma mistura quimicamente homogénea de vários elementos e/ou compostos químicos continua a ser uma substância pura. Se tivermos presente duas ou mais fases do mesmo composto ou elemento estamos ainda perante uma substância pura pois as várias fases têm a mesma composição química. É o caso duma mistura de água líquida e vapor de água, por exemplo. Pelo contrário, se as fases em presença não tiverem a mesma composição química já não se trata duma substância pura. Quando se liquefaz o ar, a fase líquida tem composição química diferente da fase gasosa por isso a mistura das duas fases já não é uma substância pura. 2.2 - Fases duma substância pura As substâncias podem apresentar-se em diferentes fases, dependendo das condições de pressão e de temperatura a que estão submetidas. Assim, por exemplo, à temperatura ambiente, o mercúrio é um líquido, o cobre um sólido e o azoto um gás. Apesar de serem três as fases principais – sólida, líquida e gasosa – uma substância pode apresentar várias fases diferentes dentro da mesma fase principal. Por exemplo, o carbono pode existir nas formas de grafite e de diamante, o hélio tem duas fases líquidas e o gelo pode existir em sete fases diferentes dependendo da pressão a que está submetido. A fase duma substância é caracterizada por possuir uma estrutura molecular homogénea através de toda a sua massa e por estar separada das outras fases por superfícies (fronteiras) bem definidas. Figura 2.1 – O azoto e o ar são substâncias puras. Figura 2.2 – A mistura de água líquida e vapor de água é uma substância pura mas a mistura de ar líquido e ar gasoso já não é. N2 AR VAPOR AR GASOSO LÍQUIDO AR LÍQUIDO Termodinâmica I – cap. 2 17 No âmbito da termodinâmica quando se estudam os fenómenos das mudanças de fases não é necessário preocuparmo-nos com a estrutura molecular de cada fase, nem com o seu comportamento. No entanto é útil ter alguma compreensão dos fenómenos que se passam a nível molecular, em cada fase. Embora brevemente, iremos discutir de seguida as transformações que ocorrem a este nível durante uma mudança de fase. As forças de ligação entre moléculas são muito fracas nos gases, por serem muito grandes as respectivas distâncias intermoleculares, e são fortes nos sólidos, por serem muito pequenas estas distâncias nos sólidos. Nestes, as moléculas dispõem-se num arranjo tridimensional (rede) que se repete através de todo o sólido. Devido à existência de forças de atracção fortes, as moléculas dos sólidos mantêm-se em posições fixas, umas relativamente às outras, podendo, apenas, oscilar em torno de posições médias de equilíbrio. Durante as oscilações a sua velocidade aumenta com a temperatura. A temperaturas suficientemente altas a velocidade pode atingir tal valor que as forças intermoleculares são vencidas e grupos de moléculas separam-se das restantes. É o início do processo de fusão. Na fase líquida o espaço intermolecular não é muito diferente do da fase sólida. No entanto, as moléculas já não ocupam posições fixas, umas relativamente às outras. Num líquido, aglomerados de moléculas flutuam em torno de outros aglomerados, contudo no interior de cada aglomerado as moléculas mantêm uma estrutura ordenada. Nos gases as moléculas encontram-se longe umas das outras, e não existe ordem molecular. As moléculas do gás movem-se quase livremente, ao acaso, chocando continuamente umas com as outras e com as paredes do reservatório onde se encontram. Figura 2.3 – As moléculas dos sólidos mantêm-se nas suas posições devido à existência de forças elásticas, de grande intensidade, entre elas. Figura 2.4 – O arranjo dos átomos nas diferentes fases: (a) Nos sólidos, as moléculas estão relativamente fixas, (b) nos líquidos, grupos de moléculas flutuam à volta de outros grupos, (c) nos gases, as moléculas movem-se ao acaso. 18 Termodinâmica I – cap. 2 2.3 - Mudanças de fase duma substância pura Observam-se muitas vezes situações onde coexistem em equilíbrio duas fases duma mesma substância pura. Assim, na caldeira e no condensador duma central térmica a vapor, existe uma mistura de vapor e de água líquida. O mesmo acontece na serpentina do evaporador dum frigorífico onde um fluido (denominado frigorigénio) passa de líquido a vapor. Sabe-se também que, durante o inverno, se a temperatura for muito baixa, a água pode passar da fase líquida à fase sólida nas canalizações. Iremos dar especial atenção às fases líquida e vapor e à mistura destas duas fases. Por ser a água uma substância muito vulgar utilizar-se-á esta substância para estudar os princípios básicos a que obedecem estes processos. Contudo, é importante frisar, todas as substâncias puras exibem comportamento semelhante. Líquido comprimido e líquido saturado Consideremos um dispositivo cilindro-êmbolo contendo água líquida a 20ºC e à pressão de 1 atm (estado 1, fig. 2.5). Sob estas condições a água apresenta-se num estado a que se chama líquido comprimido ou subarrefecido, significando este termo que o líquido não está prestes a vaporizar. Aquece-se a água até à temperatura de 40ºC. À medida que a temperatura sobe a água expande-se ligeiramente e o seu volume específico aumenta. Por isso, o êmbolo sobe ligeiramente. No interior do cilindro a pressão permanece constante a 1 atm, pois o seu valor depende da pressão atmosférica no exterior e do peso do êmbolo que são ambos constantes. A água continua no estado de líquido comprimido enquanto não começa a vaporizar. Continuando o aquecimento a temperatura subirá até atingir 100ºC (estado 2, Fig. 2.6). Nesta altura a água ainda está na fase líquida mas, por menor que seja a quantidade de calor que lhe é fornecida, ela provocará a vaporização de alguma porção de líquido. Isto é, uma mudança da fase líquida para a fase gasosa está prestes a ter lugar. Um líquido prestes a vaporizar chama-se líquido saturado (estado 2, Fig. 2.6). Fig.2.5 – A 1 atm e 20ºC a água está na fase líquida (líquido comprimido). Fig. 2.6 - A 1 atm e 100ºC a água líquida está prestes a vaporizar (líquido saturado). ESTADO 1 P = 1 atm θ = 20ºC ESTADO 2 P = 1 atm θ = 100ºC Termodinâmica I – cap. 2 19 Vapor saturado e vapor sobreaquecido Uma vez começada a ebulição a temperatura não subirá até que o líquido esteja completamente vaporizado, isto é: a temperatura permanece constante durante todo o processo de mudança de fase se a pressão permanecer constante. No decurso deste processo de vaporização (ou ebulição) a única mudança que se observará será um aumento de volume e um abaixamento do nível de líquido no cilindro, resultante da passagem de líquido a vapor. A certa altura, a meio da vaporização (estado 3, Fig. 2.7), o cilindro conterá iguais quantidades de líquido e vapor. À medida que formos fornecendo calor o processo de vaporização continuará até que a última gota de líquido se vaporize. (estado 4, Fig. 2.8). Nesse momento o vapor encherá completamenteo cilindro. Qualquer perda de calor, por menor que ela seja, provocará a condensação de algum vapor. Um vapor que está prestes a condensar-se chama-se vapor saturado (estado 4). Uma substância que se encontre num estado compreendido entre 2 e 4 é designada mistura de líquido saturado e vapor saturado ou vapor húmido, porque nesses estados coexistem em equilíbrio as fases líquida e vapor. Uma vez terminado o processo de mudança da fase líquida para a fase vapor estamos novamente perante uma só fase (desta vez vapor). Um aquecimento posterior provocará um aumento de temperatura e de volume específico do vapor. Um vapor que não é saturado, isto é, que não está prestes a condensar-se, chama-se vapor sobreaquecido (estado 5, Fig. 2.9). O processo de mudança de fase que acabámos de descrever está representado no diagrama θ-v da figura 2.10. Fig.2.7 – Mistura líquido-vapor. Fig.2.8 – Estado de vapor saturado. Fig.2.9 – Estado de vapor sobreaquecido. ESTADO 3 P = 1 atm θ = 100ºC ESTADO 4 P = 1 atm θ = 100ºC ESTADO 5 P = 1 atm θ = 300ºC 20 Termodinâmica I – cap. 2 Fig. 2.11- Curva de saturação líquido-vapor duma substância pura (valores da água). Temperatura de saturação e pressão de saturação É vulgar ouvir-se dizer que “a água ferve a 100ºC”, o que é incorrecto. A frase correcta seria “a água ferve a 100ºC à pressão de 1 atm” (101,325 kPa). Se a pressão for superior a 1 atm, a temperatura de ebulição também será superior a 100ºC. Portanto, a temperatura à qual a água (ou qualquer outra substância pura) entra em ebulição depende da pressão; se se fixa a pressão também ficará fixa a temperatura de ebulição. Para uma dada pressão, a temperatura à qual uma substância entra em ebulição chama-se temperatura de saturação Tsat (ou θsat). Analogamente, para uma dada temperatura, a pressão à qual uma substância pura entra em ebulição chama-se pressão de saturação Psat. Por exemplo, para a água à pressão de 101,325 kPa a temperatura de saturação é 100ºC. Inversamente, à temperatura de 100ºC a pressão de saturação é 101,325 kPa. Durante uma mudança de fase a pressão e a temperatura são, obviamente, propriedades dependentes uma da outra, isto é, existe uma relação entre elas que é traduzida por uma equação: Tsat (ou θsat) = f(Psat) Representando graficamente esta função obtém-se uma curva, chamada curva de saturação líquido-vapor, como a da Fig. 2.11, que foi obtida para a água. Curvas semelhantes a esta são características de todas as substâncias puras. Figura 2.10 – Diagrama θ-v do processo de aquecimento da água a pressão constante. θ θ 5 Termodinâmica I – cap. 2 21 2.4 - Diagramas de propriedades para os processos de mudança de fase 2.4.1- O diagrama T-v As variações que as propriedades experimentam durante um processo de mudança de fase estudam-se melhor com a ajuda dos diagramas de propriedades, T-v, P-v e P-T, que vamos estudar a seguir. Na secção 2.3 estudou-se em detalhe o processo de mudança da fase líquida para a fase gasosa da água, à pressão de 1 atm. Este processo representou-se num diagrama T-v na Fig.2.10. Suponhamos que colocávamos pesos em cima do êmbolo do dispositivo cilindro-êmbolo então referido até que a pressão no interior atingisse 1 MPa. A esta pressão a água teria menor volume específico do que tinha à pressão de 1 atm. Se aquecermos a água à pressão de 1 MPa o processo seguirá um “percurso” muito semelhante ao do aquecimento da água à pressão de 1 atm, como se vê na Fig. 2.12, mas com algumas diferenças. Primeiro, a água a esta pressão começará a ferver a uma temperatura muito mais elevada (179,9ºC). Além disso o volume específico do vapor saturado é menor do que o valor correspondente à pressão de 1 atm. Isto é, a linha horizontal que une os estados de líquido saturado e de vapor saturado é muito mais curta. À medida que a pressão aumenta esta linha continuará a diminuir, como se vê na figura 2.12, até se reduzir a um ponto quando a pressão atinge 22,09 MPa, no caso da água. Este ponto chama-se ponto crítico e pode ser definido como o Fig. 2.12 - Diagrama T-v para mudanças de fase a várias pressões. 22 Termodinâmica I – cap. 2 ponto para o qual os estados de líquido saturado e de vapor saturado são idênticos. A temperatura, a pressão e o volume específico duma substância no ponto crítico chamam-se, respectivamente, temperatura crítica Tcr, pressão crítica Pcr e volume específico vcr. No caso da água os seus valores são Pcr=22,09 MPa, θcr=374,14ºC e vcr=0,003155 m3/kg. Para o hélio Pcr=0,23 MPa; θcr=-267,85ºC e vcr=0,01444 m3/kg (ver tabela das constantes críticas em apêndice). A pressões acima da pressão crítica não haverá um processo de mudança de fase (Fig. 2.13). Em vez disso o volume específico da substância continuará a aumentar continuamente durante o aquecimento e em todos os momentos haverá somente uma fase presente. Eventualmente, parecerá a certa altura que estamos perante um vapor mas nunca poderemos dizer quando ocorreu a transição da fase líquida para a fase gasosa. Acima do estado crítico não há nenhuma linha que separe a região do líquido comprimido da região do vapor sobreaquecido. Contudo, é costume referirmo-nos à substância como um vapor sobreaquecido quando a sua temperatura for superior à do ponto crítico e como líquido comprimido quando a temperatura for inferior à temperatura crítica. Fig. 2.13 -A pressões supercríticas não se observa mudança de fase. Fig. 2.14 – Diagrama T-v duma substância pura. Termodinâmica I – cap. 2 23 Podemos unir todos os estados de líquido saturado por uma linha, a que se dá o nome de linha de líquido saturado, e todos os estados de vapor saturado por outra linha, a que se chama linha de vapor saturado. Estas duas linhas encontram-se no ponto crítico, como se mostra na figura 2.14, constituindo a designada curva de saturação. Os estados de líquido comprimido localizam-se numa região à esquerda da linha de líquido saturado – região do líquido comprimido. Os estados de vapor sobreaquecido localizam-se numa região à direita da linha de vapor saturado chamada região do vapor sobreaquecido. Nestas duas regiões a substância encontra-se numa única fase. Os estados em que ambas as fases, líquida e vapor, estão em equilíbrio situam-se debaixo da curva de saturação numa região a que se chama região da mistura de líquido e vapor saturados ou região húmida. 2.4.2 - O diagrama P-v Duma maneira geral, como se vê na Fig. 2.15, o diagrama P-v duma substância pura é muito semelhante ao diagrama T-v, exceptuando as linhas de T=Cte que são descendentes no diagrama P-v. Consideremos uma outra vez o dispositivo cilindro-êmbolo que contém, agora, água líquida a 1 MPa e 150ºC no estado de líquido comprimido. Se retirarmos, um a um, os pesos colocados sobre o êmbolo a pressão no interior do cilindro começa a diminuir gradualmente (Fig. 2.16). Entretanto permitimos que a água troque Fig. 2.15 -Diagrama P-v duma substância pura. Fig. 2.16 – Reduz-se a pressão no interior do cilindro diminuindo o peso do êmbolo. 24 Termodinâmica I – cap. 2 calor com a vizinhança de modo a manter constante a sua temperatura. À medida que a pressão diminui vai aumentando ligeiramente o volume específico da água. Quando a pressão atinge o valor da pressão de saturação correspondente à temperatura a que se encontra a água começa a vaporizar. Durante a vaporização tanto a pressão como a temperatura permanecem constantes mas o volume específico aumenta.Uma vez vaporizada a ultima gota de líquido uma posterior diminuição de pressão provocará um aumento do volume específico. Note-se que não se retirou nenhum peso durante a vaporização. Se o tivéssemos feito teríamos provocado uma diminuição da pressão e consequente diminuição da temperatura (dado que Tsat = f(Psat) ) e o processo já não seria isotérmico. Se se repetisse o processo para outras temperaturas obteríamos “percursos” semelhantes. Unindo todos os estados de líquido saturado e de vapor saturado por uma curva obteríamos o diagrama P-v duma substância pura como se mostra na figura 2.15. 2.4.3 - Prolongando os diagramas para incluir a fase sólida Os dois diagramas que acabámos de analisar representam, apenas, estados de equilíbrio que dizem respeito às fases líquida e gasosa (vapor). No entanto uma substância pura pode, também, encontrar-se na fase sólida. É portanto conveniente prolongar estes diagramas de modo a incluírem, também, a fase sólida bem como as regiões de saturação sólido-líquido e sólido-vapor. Os princípios básicos que acabámos de estudar aplicam-se, igualmente, às mudanças de fase sólido-líquido e sólido-vapor. Muitas substâncias contraem-se ao solidificar. Outras, como por exemplo a água, expandem-se ao solidificar. Os diagramas P-v para ambos os grupos de substâncias apresentam-se nas figuras 2.17 e 2.18. Estes dois diagramas diferem Fig. 2.17 - Diagrama P-v duma substância que se contrai ao solidificar. Termodinâmica I – cap. 2 25 somente nas regiões de saturação sólido-líquido. Os diagramas T-v são muito semelhantes aos diagramas P-v, especialmente para substâncias que se contraem ao solidificar. Já estamos familiarizados com duas fases em equilíbrio mas, sob determinadas condições, as três fases duma substância pura podem coexistir em equilíbrio (Fig. 2.19). Nos diagramas P-v e T-v estes estados onde coexistem as três fases situam-se sobre uma linha chamada linha tripla; têm a mesma pressão e a mesma temperatura mas diferentes volumes específicos. A linha tripla aparece como um ponto no diagrama P-T, razão pela qual se chama ponto triplo ao estado de equilíbrio das três fases. Para a água, a pressão e temperatura do ponto triplo são, respectivamente, 0,6113 kPa e 0,01ºC. Isto significa que as três fases da água (gelo, líquido e vapor) só podem coexistir em equilíbrio se a pressão e a temperatura tiverem estes valores. Nenhuma substância pode existir na fase líquida, em equilíbrio estável, a pressões inferiores à pressão do ponto triplo. Quanto à temperatura, o mesmo só se verifica para substâncias que se contraem ao solidificar. A água, por dilatar-se ao solidificar, pode existir na fase líquida a temperaturas inferiores à do ponto triplo se submetida a pressões elevadas. Por exemplo, está na fase líquida a - 20ºC e 200 MPa. Fig. 2.18 - Diagrama P-v duma substância que se expande ao solidificar. Fig. 2.19 - No ponto triplo coexistem as três fases em equilíbrio. Fig.2.20 – Sublimação. 26 Termodinâmica I – cap. 2 Há duas maneiras duma substância passar da fase sólida para a fase vapor: ou a substância funde primeiro e depois evapora-se, ou passa directamente da fase sólida para a fase vapor, processo denominado sublimação, que ocorre para pressões inferiores à do ponto triplo (Fig. 2.20). Por exemplo, o CO2 tem uma pressão no ponto triplo superior à pressão atmosférica pelo que, à pressão atmosférica, passa de sólido a vapor sem passar pela fase líquida, sublima. 2.4.4- O diagrama P-T A figura 2.21 mostra o diagrama P-T para uma substância pura. Este diagrama denomina-se diagrama de fases, porque as três fases, sólida, líquida e vapor, correspondem a três regiões diferentes do diagrama e estão separadas umas das outras por três linhas. A linha de sublimação separa a região do sólido da região do vapor, a linha de vaporização separa as regiões de líquido e de vapor e a linha de fusão separa a região de sólido da região de líquido. Estas três linhas encontram-se no ponto triplo. A linha de vaporização termina no ponto crítico. Os diagramas P-T das substâncias que se expandem, ou que se contraem, ao solidificar diferem, apenas, na forma da linha de fusão que se inclina para a direita no primeiro caso e para a esquerda, no segundo caso (como se observa na figura 2.21). 2.5 - A superfície P-v-T Como já dissemos no 1º capítulo o estado dum sistema compressível simples fica determinado pelos valores de duas quaisquer propriedades intensivas independentes. Uma vez fixados estes dois valores as outras propriedades podem determinar-se, isto é, as outras propriedades dependem das duas primeiras. Sabe- se que qualquer equação com duas variáveis independentes, do tipo Z = f (X,Y), Fig. 2.21- Diagrama P-T, ou de fases, duma substância pura. Termodinâmica I – cap. 2 27 é representada no espaço por uma superfície. Então, podemos representar o comportamento P-v-T duma substância pura por uma superfície no espaço, visto que qualquer uma das três propriedades, P,v ou T, é função das outras duas. Esta superfície, designada superfície de estado ou superfície P-v-T, está representada nas figuras 2.22 e 2.23. Nestas representações T e v são as variáveis independentes e P a variável dependente. Fig.2.22 – Superfície P-v-T duma substância que se contrai ao solidificar. Fig.2.23 – Superfície P-v-T duma substância que se dilata ao solidificar. 28 Termodinâmica I – cap. 2 Todos os pontos da superfície de estado representam estados de equilíbrio. Um processo quase-estático, constituído por uma sucessão contínua de estados de equilíbrio, é representado por uma linha assente nesta superfície. As regiões monofásicas são representadas por superfícies curvas e as regiões bifásicas aparecem na superfície de estado como superfícies perpendiculares ao plano P-T. Por isso, as projecções das regiões de duas fases no plano P-T são, como já se viu, linhas. Todos os diagramas de duas dimensões que estudámos são projecções desta superfície tridimensional nos planos T-v, P-v e P-T. A superfície P-v-T contém uma grande quantidade de informação mas é mais conveniente usarem-se os diagramas a duas dimensões quando se analisam os processos estudados em termodinâmica. 2.6 - Tabelas de propriedades Para muitas substâncias as relações entre as suas propriedades termodinâmicas são muito complicadas para serem traduzidas por equações simples. Por conseguinte os valores das propriedades apresentam-se muitas vezes em tabelas. Algumas propriedades podem facilmente medir-se directamente, outras porém não são directamente mensuráveis e só podem determinar-se a partir das equações que as relacionam com as propriedades mensuráveis. Os resultados destas medições ou cálculos são apresentados em tabelas de formato conveniente. A seguir iremos aprender a usar as tabelas do vapor de água para exemplificar o uso das tabelas termodinâmicas. As tabelas de propriedades doutras substâncias utilizam-se da mesma maneira. Para cada substância as propriedades termodinâmicas são dadas por mais do que uma tabela. De facto, para cada região de interesse, tais como as regiões do vapor sobreaquecido, do líquido comprimido e de saturação (mistura líq.-vapor), existe uma tabela. Em apêndice são apresentadas as tabelas de propriedades da água, em unidades S.I. Antes de iniciarmos o estudo das tabelas vamos definir uma nova propriedade termodinâmica chamada entalpia. Entalpia Observando as tabelas constata-se que nelas figuram duas novas propriedades: a entalpia h e a entropia s. A entropia será definida mais tarde a partir do 2º princípio da termodinâmica. Vejamos como é definida a entalpia. No estudo de certo tipo de processos, como se verá à frente, deparamos frequentementecom a combinação das propriedades U+PV. Por uma questão de simplicidade e conveniência definiu-se uma nova propriedade a partir desta combinação a que se chamou entalpia e que se representa pelo símbolo H: H = U + PV (2.1) A entalpia é uma propriedade extensiva. Para a unidade de massa define-se a entalpia específica h: h = u + Pv (2.2) A unidade S.I. da entalpia H é o joule (J) e da entalpia específica h é o joule por kg (J.kg-1). Note-se que as equações 2.1 e 2.2 são homogéneas, significando isto que o produto PV tem as mesmas dimensões da energia U. Por exemplo, no S.I. Termodinâmica I – cap. 2 29 a pressão vem expressa em Pa (N.m-2), o volume em m3 e portanto o produto PV tem a mesma unidade que a energia interna (J): Pa.m3 = (N.m-2).m3 = N.m = J A divulgação do uso da propriedade entalpia deveu-se ao professor Richard Mollier que reconheceu a importância do grupo u+pv no estudo das turbinas de vapor. O termo entalpia deriva da palavra grega enthalpien que significa aquecer. 2.6.1a – Estados de líquido saturado e vapor saturado As duas tabelas A-4 e A-5, dadas em apêndice, fornecem ambas a mesma informação: os valores das propriedades do líquido saturado e do vapor saturado. A única diferença entre elas é a seguinte: enquanto que na tabela A-4 a propriedade que é preciso conhecer para obter as outras propriedades do líquido saturado e do vapor saturado é a temperatura, na tabela A-5 a propriedade a partir da qual podemos obter as outras propriedades é a pressão. Utiliza-se o índice f nos símbolos das propriedades do líquido saturado e o índice g nos símbolos das propriedades do vapor saturado. O índice fg é utilizado para representar a diferença entre os valores da mesma propriedade correspondentes aos estados de vapor saturado e de líquido saturado (Fig.2.24). Por exemplo: vf = volume específico do líq. saturado vg = volume específico do vapor saturado vfg = diferença entre vg e vf = vg - vf Fig.2.24 – vfg diminui quando P ou T aumentam e anula-se no ponto crítico. À quantidade hfg = hg - hf chama-se entalpia de vaporização ou calor latente de vaporização. É a quantidade de calor que é necessário fornecer à unidade de massa duma substância para a vaporizar a uma dada pressão ou temperatura, isto é, para passar do estado de líquido saturado ao estado de vapor saturado sem variar a sua temperatura (e pressão). Este calor latente de vaporização diminui à medida que aumenta a pressão, ou a temperatura, e anula-se no ponto crítico, tal como acontecia com a variação de volume, vfg. 2.6.1b – Mistura de líquido-vapor saturados Durante a transição da fase líquida para a fase vapor (vaporização) estamos em presença duma mistura de líquido saturado e vapor saturado. Para determinar as propriedades desta mistura é preciso conhecer a proporção em que se misturam a 30 Termodinâmica I – cap. 2 fase líquida e a fase vapor o que é possível à custa de uma nova propriedade chamada título, que se representa pelo símbolo x. Título x duma mistura de líquido saturado e vapor saturado é o cociente entre a massa de vapor e a massa total da mistura: total vapor m mx = mtotal = mlíquido+ mvapor = mf + mg gf g mm mx += Só tem significado falar de título quando se trata duma mistura. Este termo não tem sentido quando se trata dum vapor sobreaquecido ou de um líquido comprimido. O título tem sempre um valor compreendido entre 0 (0%) e 1 (100%). Um líquido saturado tem título igual a 0 e um vapor saturado igual a 1. No caso duma mistura de líquido saturado e vapor saturado, como a pressão e a temperatura são dependentes uma da outra, o título juntamente com a pressão ou com a temperatura pode ser uma das duas propriedades independentes necessárias para definir o estado do sistema. Note-se que as propriedades do líquido saturado e do vapor saturado são as mesmas, quer existam sozinhos, quer estejam em presença um do outro formando uma mistura. Quando se determinam as propriedades duma mistura admite-se que as duas fases, líquido e vapor, estão bem misturadas formando um sistema homogéneo. Sendo assim, as suas propriedades podem obter-se fazendo uma média ponderada das propriedades do líquido e do vapor nela presentes. Consideremos um reservatório contendo uma mistura de líquido e vapor saturados (fig.2.25) da qual queremos determinar o seu volume específico v. Representemos por Vf o volume ocupado pela fase líquida e por Vg o volume da fase gasosa. O volume total V obtém-se fazendo a soma dos dois primeiros V = Vf + Vg Mas, por definição de volume específico, V = mt v onde mt representa a massa total. Portanto, se forem mf e mg, respectiva- mente, as massas das fases líquida e gasosa em presença: mt v = mf vf + mg vg Como mf = mt - mg vem mt v = (mt - mg) vf + mg vg Fig.2.25 Para efeito de cálculos, um sistema bifásico pode considerar-se uma mistura homogénea. Termodinâmica I – cap. 2 31 Dividindo por mt, e uma vez que x = mg/mt, obtém-se v = (1 - x) vf + x vg Esta relação pode apresentar-se sob outra forma: v = vf + x vfg (2.3) Resolvendo a equação anterior em ordem a x obtém-se: fg f v vvx −= (2.4) Pode determinar-se graficamente o título de uma mistura de líquido e vapor saturado se este estado estiver representado num diagrama P-v ou T-v (ponto B da Fig. 2.26). Atendendo à equação 2.4 o título x pode ser dado por: AC ABx = representando, respectivamente, os pontos A e C os estados de líquido saturado e de vapor saturado presentes nessa mistura. Os cálculos que foram efectuados para determinar o volume específico da mistura podem repetir-se para as outras propriedades: u = uf + x ufg h = hf + x hfg Generalizando para qualquer propriedade y da mistura y = yf + x yfg (2.5) Note-se que os valores assim determinados são valores médios das propriedades da mistura e estão sempre compreendidos entre os valores dessa propriedade para o vapor saturado e para o líquido saturado. Isto é: yf ≤ y ≤ yg 2.6.2 - Vapor sobreaquecido Na região à direita da linha de vapor saturado a substância encontra-se no estado de vapor sobreaquecido. Como se trata duma região duma só fase a temperatura e a pressão já não são dependentes uma da outra e podem ser escolhidas como as duas propriedades independentes necessárias para definir o estado do sistema, isto é, conhecendo os valores de P e T é possível determinar os valores de todas as outras propriedades. Assim, as tabelas do vapor sobreaquecido apresentam uma listagem dos valores das várias propriedades correspondentes às diferentes Fig.2.26 – O título está relacionado com as distâncias AB e AC 32 Termodinâmica I – cap. 2 temperaturas para uma dada pressão previamente seleccionada, começando pelo estado de vapor saturado a essa pressão (tabela A.6, em apêndice). Um vapor sobreaquecido é caracterizado por: Pressões inferiores à pressão de saturação (P < Psat à T dada) Temperaturas superiores à temperatura de saturação (T > Tsat à P dada) Qualquer propriedade tem um valor superior ao do vapor saturado à mesma pressão (ou temperatura) (y > yg à P, T dadas) 2.6.3 - Líquido comprimido ou subarrefecido O formato da tabela do líquido comprimido (tabela A.7 em apêndice) é muito semelhante ao da tabela do vapor sobreaquecido pois a região do líquido comprimido é, também, uma região de uma única fase (líquida) e as propriedades P e T dum dado estado são suficientes para determinar todas as outras. No entanto, esta tabela apresenta apenas dados para poucos valores da pressão. Isto justifica-se porque a variaçãodas propriedades dum líquido com a pressão é muito pequena. Por exemplo, uma pressão 100 vezes superior pode provocar uma variação inferior a 1% no valor duma propriedade do líquido. Por isso é usual fazer-se a seguinte aproximação: consideram-se as propriedades dum líquido comprimido iguais às propriedades do líquido saturado à mesma temperatura. Isto é: y (P,T) ≅ yf(T) (2.6) O erro resultante desta aproximação é desprezável para propriedades como o volume e a energia interna que não dependem directamente da pressão. No caso da entalpia (h=u+pv) o erro pode atingir valores indesejáveis quando a pressão for elevada. Nesses casos é mais correcto fazer-se a seguinte aproximação: h(P,T) ≅ hf(T) + vf (P - Psat) onde vf e Psat são, respectivamente, os valores do volume específico do líquido saturado e da pressão de saturação correspondentes à temperatura dada. Um líquido comprimido é caracterizado por: Pressões superiores à pressão de saturação (P>Psat à T dada) Temperaturas inferiores à temperatura de saturação (T<Tsat à P dada) Qualquer propriedade tem um valor inferior ao do líquido saturado à mesma pressão (ou temperatura) (y<yf à P, T dadas) Termodinâmica I – cap. 2 33 2.6.4 - Estados de referência e valores de referência Os valores das propriedades u, h e s não são directamente mensuráveis. São calculados, como mais tarde se verá, a partir de propriedades mensuráveis usando relações entre propriedades termodinâmicas. No entanto, estas relações dão variações dessas propriedades e não os seus valores num determinado estado. Por isso, quando se constroem as tabelas, é necessário escolher um estado de referência e atribuir o valor zero (ou o que se convencionar) para uma propriedade (ou propriedades) nesse estado, como se achar mais conveniente. Para a água foi escolhido para estado de referência o estado de líquido saturado a 0,01ºC (ponto triplo). Atribuiu-se o valor zero à energia interna e entropia da água nesse estado. Para outras substâncias, os estados de referência podem ser outros assim como os valores atribuídos às propriedades nesse estado. Em termodinâmica lidamos, quase sempre, com variações de propriedades, pelo que o estado de referência escolhido não tem consequências nos cálculos. No entanto, ao utilizar dados retirados de mais do que uma tabela e/ou diagrama é preciso verificar se estamos perante um conjunto coerente de valores. 2.7 - Equação de estado dos gases perfeitos Uma maneira de apresentar dados referentes a uma substância pura é, como vimos, sob a forma de tabelas. Estas fornecem uma informação muito precisa e rigorosa acerca das propriedades de determinada substância. No entanto, são bastante volumosas e sujeitas a erros tipográficos o que torna pouco prática a sua utilização. Por isso seria desejável dispormos de relações matemáticas entre as propriedades, simples e suficientemente gerais, que permitissem determiná-las sem recorrer a tabelas. Na secção 1.6 do primeiro capítulo, afirmámos que “o estado dum sistema compressível simples fica completamente determinado por duas propriedades intensivas independentes”. Assim sendo, as três propriedades P, v e T não são independentes entre si pois basta que duas delas sejam conhecidas para ser possível determinar a terceira. Uma equação que relacione a pressão, a temperatura e o volume específico duma substância dada chama-se equação de estado: F(P,v,T) = 0 Existem muitas equações de estado: umas simples, outras muito complicadas. A equação de estado mais simples e melhor conhecida para substâncias na fase gasosa, é a equação de estado dos gases perfeitos ou ideais. Esta equação prevê, com bastante precisão, o comportamento P-v-T dum gás, para uma determinada gama de valores da pressão e da temperatura. 2.7.1 - Constante universal dos gases perfeitos R Suponhamos que pretendíamos determinar, experimentalmente, como se relacionam os valores da pressão P, do volume V e da temperatura T, duma massa conhecida m de um dado gás. Para tal efectuávamos uma série de medições do volume V do gás, fazendo variar amplamente a pressão P a que estava submetido, mas mantendo constante a sua temperatura T (T=T1). Para cada valor de P obteríamos um valor de V, poderíamos calcular o volume 34 Termodinâmica I – cap. 2 específico molar v =V/n assim como o cociente (P v /T). Representando graficamente a variação deste cociente com a pressão, isto é, marcando em ordenadas os valores de (P v /T) e em abcissas os correspondentes valores de P, constatávamos que os pontos assim obtidos se situavam sobre uma mesma curva contínua. Se repetíssemos este procedimento para valores diferentes da temperatura do gás (T=T2, T=T3, etc.) obteríamos curvas semelhantes à primeira. Por fim, se repetíssemos esta série de experiências com outros gases diferentes obteríamos, para cada gás, famílias de curvas semelhantes às obtidas com o gás inicial. Cada família de curvas referentes a um dado gás teria o aspecto que se mostra na figura 2.27. Estas curvas apresentam as seguintes características comuns: Todas as curvas referentes a um dado gás, depois de extrapoladas, vão cortar o eixo das ordenadas no mesmo ponto; Se sobrepuséssemos no mesmo gráfico as famílias de curvas obtidas com os diferentes gases, todas elas, depois de extrapoladas, iriam convergir no mesmo ponto do eixo das ordenadas onde convergiam as curvas da primeira família. Conclui-se que os cocientes (P v /T) de todos os gases tendem para o mesmo limite quando a pressão P a que estão submetidos se faz tender para zero. O valor deste limite é uma constante universal - a constante universal dos gases perfeitos R: R = lim (P v /T) P→0 Se todas as grandezas que figuram no cociente (P v /T) forem expressas em unidades do Sistema Internacional o valor da constante R é: R = 8,314 (Nm-2).(m3mol-1) K-1 ou R=8,314 J mol -1 K-1 Figura 2.27 – Determinação experimental da equação de estado dos gases perfeitos. Termodinâmica I – cap. 2 35 2.7.2 - Diversas formas da equação de estado dos gases perfeitos Finalmente é possível apresentar a equação de estado dos gases perfeito. Tendo em consideração o resultado das experiências atrás referidas conclui-se que, a pressões suficientemente baixas e para temperaturas relativamente elevadas, todos os gases exibem o mesmo comportamento, traduzido pela equação: P v = R T (2.7) A equação 2.7 é uma das formas da equação de estado dos gases perfeitos. Substituindo nesta equação o valor do volume molar v = V/n obtém-se: (2.8) Uma vez que o número de moles é dado por n=m/M, substituindo em 2.8 vem P V = (m/M) R T = m (R/M) T O cociente (R/M), entre a constante universal R e a massa molar M, é uma constante característica de cada gás, que representaremos pelo símbolo r: (2.9) Então (2.10) Dividindo por m os dois membros da equação 2.10 vem P v = r T Por fim, dividindo os dois membros da equação 2.10 pelo volume V, obtém-se: P = ρ r T onde ρ=m/V é a massa volúmica ou densidade absoluta do gás. Aplicando a equação de estado dos gases perfeitos PV=mrT a dois estados duma dada massa dum gás perfeito é possível relacionar os valores da pressão P, do volume V e da temperatura T, desses estados pela equação: (2.11) As equações 2.7 a 2.11 traduzem com bastante exactidão o comportamento de gases pouco densos como, por exemplo, o ar, o oxigénio, o azoto, o hidrogénio, o hélio, etc., quando submetidos a baixas pressões e temperaturas altas. Aumentando a pressão e/ou baixando a temperatura o comportamento destes gases já se desvia consideravelmente do comportamento do gás perfeito.P V = n R T P V = m r T M Rr = 2 22 1 11 T VP T VP = 36 Termodinâmica I – cap. 2 Aos gases densos, tais como vapor de água nas centrais térmicas, vapores dos fluidos que circulam nos frigoríficos e nos sistemas de ar condicionado, já não é possível aplicar as referidas equações. Então pode concluir-se que: “o gás perfeito é uma substância hipotética cujo comportamento seria traduzido sempre pela equação dos gases perfeitos, quaisquer que fossem os valores da pressão e da temperatura a que estava submetido”. Já no século XVII o inglês Robert Boyle observou que o volume dum gás é inversamente proporcional à pressão a que está submetido, quando a temperatura permanece constante - Lei de Boyle-Mariotte: P∝ 1/V isto é PV= const. (para T=const.) No final do século XVIII dois franceses, J. Charles e J. Gay-Lussac, determinaram experimentalmente que, a baixas pressões, o volume ocupado por um gás é directamente proporcional à temperatura (absoluta), quando não varia a pressão – Lei de Charles e Gay-Lussac: V ∝ T isto é V = const.T (se P=const.) Tendo em conta estas duas leis: PV = const. (se T=const.) V/T = const. (se P=const.) vemos que elas são satisfeitas se tivermos PV = const.T que é uma equação da mesma forma das equações 2.8 e 2.10 a que já tínhamos chegado por outra via. Superfície P-v-T dos gases perfeitos Vimos, na secção 2.5, a forma da superfície P-v-T duma substância pura, também denominada superfície de estado, A figura 2.28 representa esta superfície e suas projecções nos planos P-v e P-T para o caso particular dum gás perfeito. As linhas desenhadas sobre esta superfície, que representam transformações isotérmicas, isobáricas e isocóricas dum gás perfeito, projectam- -se nos planos P-v e P-T como também se mostra na figura 2.28. Termodinâmica I – cap. 2 37 2.8 - Desvio do comportamento dos gases reais relativamente aos gases ideais – Factor de compressibilidade Z Devido à sua simplicidade, seria desejável poder utilizar-se sempre a equação dos gases perfeitos. Infelizmente o seu uso acarreta erros graves quando se aplica a estados próximos da região de saturação e do ponto crítico. No entanto, é possível fazer uma correcção a esta equação introduzindo um parâmetro a que se chama factor de compressibilidade Z, que é definido por: rT PvZ real= (2.12) ou P vreal = Z r T (2.13) Mas, para um gás perfeito: P videal = r T logo ideal real v vZ = (2.14) Naturalmente que Z=1 para os gases perfeitos. Para os gases reais Z pode ser superior ou inferior à unidade. Quanto mais se afastar Z da unidade mais o comportamento do gás nesse estado se afasta do comportamento do gás perfeito ou ideal. Temos afirmado várias vezes que os gases seguem o comportamento do gás perfeito a baixas pressões e temperaturas elevadas. Mas o que constitui, na realidade, uma pressão baixa e uma temperatura elevada? Será -100ºC uma Fig. 2.28 - Superfície P-v-T de um gás perfeito e suas projecções nos planos P-v e P-T. 38 Termodinâmica I – cap. 2 temperatura elevada? Não é para a maioria das substâncias que se encontram na fase sólida a esta temperatura. Contudo, por exemplo, o ar (azoto) pode ser tratado como um gás perfeito a esta temperatura e pressão de 1 atm com um erro inferior a 1% pois a temperatura crítica do azoto é -147ºC. Portanto, uma pressão e uma temperatura são, respectivamente, baixa e alta relativamente à pressão crítica e temperatura crítica da substância. Chama-se pressão reduzida PR dum dado estado em que se encontra o gás, ao cociente entre a pressão P desse estado e a pressão crítica do gás Pcr; analogamente, temperatura reduzida TR é o cociente entre a temperatura T e a temperatura crítica Tcr: cr R P PP = cr R T TT = Os dados experimentais mostram que os gases têm comportamentos diferentes uns dos outros às várias temperaturas e pressões mas têm aproximadamente o mesmo comportamento se se encontram em estados que têm os mesmos valores da temperatura reduzida e pressão reduzida, chamados estados correspondentes. Isto é: o factor de compressibilidade Z de todos os gases tem aproximadamente o mesmo valor para estados com a mesma pressão reduzida e a mesma temperatura reduzida – lei dos estados correspondentes. No gráfico da figura 2.29 representam-se os valores de Z (determinados experimentalmente em função da pressão reduzida PR e da temperatura reduzida TR) para vários gases que parecem obedecer bastante bem à lei dos estados correspondentes. Traçando as curvas que melhor se ajustam aos dados experimentais obtém-se a carta da compressibilidade generalizada, que pode ser utilizada para todos os gases. O seu uso requer o conhecimento das constantes críticas do gás para ser possível determinar a pressão reduzida e a temperatura reduzida do estado em que o gás se encontra e, uma vez conhecidas, obter-se o factor de compressibilidade Z . Figura 2.29 - Carta da compressibilidade generalizada. Termodinâmica I – cap. 2 39 Observando a Fig. 2.29 constata-se que: a pressões muito baixas (PR«1) os gases comportam-se como gases perfeitos qualquer que seja a temperatura; a temperaturas elevadas (TR>2) pode considerar-se que o comportamento é o do gás perfeito para qualquer pressão (excepto se PR»1); o desvio do comportamento do gás relativamente ao gás perfeito é o maior possível próximo do ponto crítico. Quando são conhecidos P e v ou T e v, em vez de P e T, o uso da carta de compressibilidade generalizada para determinar a terceira propriedade ainda é possível, mas essa determinação seria um processo moroso. Para o evitar pode definir-se uma nova grandeza, que se denomina volume específico pseudo- reduzido vR, pela relação: crcr real R PrT vv / = Note-se que vR é definido de maneira diferente de PR e TR pois, no denominador da fracção, em vez de vcr aparece Pcr e Tcr.. As linhas de vR=const também aparecem nas cartas da compressibilidade generalizada. Em apêndice, são dados três exemplares da carta generalizada que abrangem, respectivamente, regiões de baixas pressões, de pressões intermédias e de altas pressões. 2.9 - Teoria cinética dos gases No modelo mais simples, o gás é constituído por partículas elementares – as moléculas –, cada uma com uma determinada massa. Acerca do comportamento destas moléculas fazem-se as seguintes hipóteses: Movem-se aleatoriamente em qualquer direcção do espaço, isto é, todas as direcções do seu movimento são igualmente prováveis. Não interagem uma com as outras excepto no momento em que chocam. Estes choques e os choques com as paredes do reservatório são perfeitamente elásticos, isto é, conserva-se a energia cinética durante o choque. As moléculas são muito pequenas quando comparadas com as distâncias médias entre elas, por isso o volume que ocupam é uma pequena fracção do volume total do gás podendo desprezar-se. Segundo a teoria cinética, a pressão exercida por um gás sobre as paredes do reservatório é a resultante da acção dum grande número de moléculas chocando contra estas paredes e sendo por elas reflectidas. 40 Termodinâmica I – cap. 2 Para determinar esta pressão comecemos por considerar uma única molécula e analisar o que se passa quando ela choca com uma parede do reservatório. Suponhamos, para simplificar, que o reservatório é um cubo de aresta l. Num choque elástico com a parede só a componente da velocidade da molécula perpendicular à parede se altera. Consideremos uma molécula, de massa µ, representada na figura 2.30, movendo-se com a velocidade V r de componentes Vx Vy e Vz. No choque desta moléculacom a parede BC, perpendicular ao eixo dos xx, a molécula sofre uma variação de momento linear pr (ou quantidade de movimento) dada por: ∆ pr = fpr - ipr = [(-µVx) - (µVx)] i r = -2 µVx ir O intervalo de tempo ∆t entre dois choques com a parede, isto é, o tempo que a molécula demora a ir e vir percorrendo, na direcção do eixo dos xx, duas vezes a distância entre duas faces opostas do cubo é: A força média exercida sobre a molécula pela parede, ao longo de vários percursos, pode ser agora calculada através da expressão: Pela lei da acção-reacção, a força média que a molécula exerce sobre a parede é, por sua vez: Fig. 2.30 - As componentes da velocidade duma molécula. i t V t pF xmolécula rrr ∆−=∆ ∆= µ2 i t VFF xmoléculaparede rrr ∆=−= µ2 xV lt 2=∆ Termodinâmica I – cap. 2 41 No volume de gás considerado não existe uma única molécula mas sim um grande número de moléculas, N. De facto a força total que é exercida sobre a parede será se admitirmos que todas as moléculas têm a mesma massa µ. As velocidades das moléculas não são porém todas iguais, o mesmo acontecendo com as suas componentes segundo os eixos coordenados. No entanto, a expressão para a força total exercida na parede pode ser escrita na forma simplificada: iVN l iV N N l F x i xitotal rrr ><= = ∑ 221 µµ onde <Vx2> representa o valor médio dos quadrados das componentes Vxi. Como todas as direcções do movimento das moléculas são igualmente prováveis: <Vx2> = <Vy2> = <Vz2> e como V2 = Vx2 + Vy2 + Vz2 vem que <Vx2> = 1/3 <V2>. Logo a força total exercida perpendicularmente à parede é A pressão exercida sobre a parede será então Mas como l3 é o volume V Comparando esta última equação com a equação dos gases perfeitos 2.8: PV = n R T } ⇒ n R T = 3 2 >< VNµ 3 V P 2 ><= VNµ iV l FF i xi i itotal rrr ∑∑ == 2µ l VNFtotal 3 2 ><= µ 3 2 2 3l VN l FP total ><== µ 3 V 2 ><= VNP µ 42 Termodinâmica I – cap. 2 donde ><= 2 2 1 3 2 V nR NT µ (2.16) O número de moléculas é N=nNA sendo NA=6,022.1023 o número de moléculas em cada mole, número de Avogadro. Então kR N nR N A 1== Como NA e R são duas constante universais o mesmo acontece com k = R/NA a que se dá o nome de constante de Boltzmann. k = R/NA = 1,38.10-23 J K-1 (2.17) Logo a equação 2.16 pode escrever-se: T = k3 2 [ ½ µ<V2>] T = const.[ ½ µ<V2>] mas ½ µ<V2> representa a energia cinética média <Ec> das moléculas do gás o que permite concluir que a temperatura dum gás é directamente proporcional à energia cinética média das moléculas do gás, isto é, a temperatura é como que uma “medida” da energia cinética média das moléculas do gás Por outro lado <Ec> = kTV 2 3 2 1 2 >=<µ (2.18) Se na equação 2.8 fizermos R=NAk vem PV = n NA kT PV = N k T A velocidade média (vectorial) das moléculas dum gás é zero pois caso contrário o gás mover-se-ia em bloco. No entanto, é costume achar-se a raiz quadrada da média dos quadrados das velocidades, que é uma grandeza escalar a que se dá o nome de velocidade quadrática média rT M RTkTVV mq 3332. ===><= µ (2.19) pois a massa da molécula µ = M/NA. De 2.19 conclui-se que, à mesma temperatura, são mais rápidas as moléculas de menor massa. Termodinâmica I – cap. 2 43 2.10 - Outras equações de estado – Equação de van der Waals Como vimos a equação de estado dos gases perfeitos é muito simples mas nem sempre se pode aplicar. Há outras equações de estado mais complicadas que representam, com maior precisão, o comportamento P-v-T das substâncias em intervalos mais latos da pressão e da temperatura. Uma dessas equações é a equação de van der Waals proposta em 1873. Como se disse na secção anterior, no modelo do gás perfeito não se toma em conta o volume ocupado pelas moléculas, parte-se do princípio que elas são pontuais e que todo o volume V está à disposição. Por outro lado não se consideram as interacções entre as moléculas (para além dos choques). Para corrigir a equação dos gases perfeitos van der Waals propôs a introdução de duas constantes nesta equação. Uma das constantes b representa o volume próprio de uma mole de moléculas e deve-se subtrair ao volume total V para reduzir o volume que está à disposição das moléculas. Chama-se covolume. Portanto onde na equação 2.8 estava V deve aparecer V-n b: P (V-n b) = n R T Devido às forças de atracção entre moléculas o valor da pressão já não é P=nRT/(V-n b). Quanto maior for o número de moléculas à volta duma dada molécula junto da parede do reservatório e prestes a chocar com ela, maior será, também, a força de atracção sobre essa molécula que a puxa para o interior do dito reservatório. Diminui assim a força que a molécula exerce sobre a parede ao chocar. Esta força de atracção é, como é óbvio, proporcional ao número de moléculas por unidade de volume (N/V): Fatracção ∝ (N/V) Por outro lado, o número de moléculas à superfície é proporcional a (N/V)×Área. Então, a diminuição da força exercida sobre a parede pelas moléculas que com ela chocam será: ∆ F ∝ (N/V)×(N/V)×Área e a diminuição de pressão: ∆ P ∝ (N2/V2) Como N=nNA: ∆ P ∝(n2/V2) ou seja ∆ P = a (n2/V2) sendo a uma constante de proporcionalidade denominada pressão interna. Introduzindo estas correcções na equação de estado dos gases perfeitos, obtemos: (P + a n2/V2) (V-n b) = nRT que é a equação de van der Waals. Para uma mole, a equação anterior escreve- se 44 Termodinâmica I – cap. 2 RT-b)v)( v a(P =+ 2 As constantes a e b da equação anterior podem ser determinadas experimentalmente a partir das constantes críticas do gás. Observa-se que, para um gás que obedeça à equação de van der Waals, a isotérmica crítica quando representada no diagrama P- v apresenta no ponto crítico um ponto de inflexão (Fig.2.31). Por isso, as primeira e segunda derivadas parciais de P em ordem a v quando T=const. têm que ser nulas: 0= ∂ ∂ = crTTv P 02 2 = ∂ ∂ = crTTv P Calculando estas derivadas e igualando-as a zero obtém-se: cr cr P TRa 64 27 22= cr cr P RTb 8 = Fig.3.1 – A isotérmica crítica tem um ponto de inflexão no ponto crítico.
Compartilhar