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C A P Í T U L O 1 4 REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE Até o presente momento demos ênfase ao aspecto da regulação positiva da resposta imune, ou seja, como os mecanismos imunes são ativados e eliminam o antígeno. Assim também ocorreu com os primeiros cientistas que estudaram o sistema imune: estes inicialmente deram muita ênfase aos mecanismos de ativação e só posteriormente, a partir dos anos 70 do século XX, os mecanismos de regulação negativa começaram a ser abordados. Estes mecanismos de inativação são tão importantes quanto os de ativação porque tendem a manter a homeostasia e evitar que alterações patológicas induzidas pela exacerbação da resposta imune ocorram. A partir do momento em que a resposta imune se estabelece, mecanismos de regulação negativa também são ativados para que esta resposta não seja exacerbada e tenha um tempo limitado de ocorrência. Desta forma, citocinas e outras moléculas regulatórias, hormônios e neurotransmissores e a própria eliminação do antígeno reduzem a resposta imune. Como já foi visto, os linfócitos T apresentam TCRs que reconhecem estruturas próprias (moléculas do MHC) associadas a estruturas não próprias (peptídeos) e para proteger o organismo de respostas de auto-agressão estes linfócitos são selecionados no timo (Capítulo 7). A seleção dos linfócitos T no timo ocorre pelo contato com moléculas próprias em altas concentrações. Os linfócitos T com TCR auto-reativo morrem por apoptose e este mecanismo é denominado deleção clonal. CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 159 Além desta seleção que ocorre no timo, denominada seleção central, existe uma seleção periférica que ocorre nos órgãos linfóides secundários. Este tipo de controle periférico é importante porque com a resposta imune ativada nos tecidos, produtos celulares liberados em grandes concentrações podem levar a alterações das células locais e possíveis respostas auto-imunes. A seleção periférica nos órgãos linfóides secundários consiste na indução de tolerância dos linfócitos T aos antígenos, ou seja, apesar de apresentarem receptores para os antígenos, estes linfócitos não são ativados. Os mecanismos que induzem a tolerância periférica dos linfócitos T são: ! Anergia clonal – os linfócitos tornam-se inativados sem a ocorrência de morte celular. ! Deleção clonal – os linfócitos morrem por apoptose. ! Supressão clonal – os linfócitos são inibidos na sua ativação e funções efetoras por citocinas produzidas por outras células. ! Ignorância clonal - os linfócitos continuam viáveis e funcionais mas não reagem ao antígeno. Não apenas os linfócitos T estão sujeitos à indução de tolerância central e periférica mas também os linfócitos B. No entanto, têm se tornado cada vez mais evidente, que os linfócitos T estão mais sujeitos a mecanismos de tolerância que os linfócitos B, isto porque, a maioria dos tipos de resposta imune são T-dependente. TOLERÂNCIA DE LT TOLERÂNCIA CENTRAL DE LT – VER CAPÍTULO 7 FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 160 TOLERÂNCIA PERIFÉRICA DE LT A tolerância dos linfócitos T nos órgãos linfóides secundários pode ocorrer por: ! anergia induzida por co-estimulação inadequada, ! anergia por associação de peptídeos mutados, ! deleção clonal induzida por estimulação repetitiva, ! ignorância clonal e ! supressão induzida por citocinas. Anergia clonal induzida por co-estimulação inadequada Um clone de LT pode se tornar anérgico quando o reconhecimento dos peptídeos associados ao MHC pelo TCR ocorre na ausência ou em baixa concentração de moléculas coestimuladoras, tais como as moléculas B7 presentes em APCs ativadas e o seu ligante em LT, o CD28. Trabalhos experimentais mais recentes têm demonstrado que a anergia ocorre não pela ausência do sinal co-estimulatório mas porque os linfócitos T expressam CTLA-4 que se associa a B7, inibindo a sua ativação (Figura 1 e Capítulo 9). Figura 1 – Interações moleculares que levam à ativação (A.) ou anergia (B.) de linfócitos T B7(CD80) MHC-II CD40 CD40-L TCR CD28 CD3 CD4 LFA-1 ICAM-1 Linfócito T MØ ou Cél. Dendrítica ou Linfócito B MHC-II CD40 CD40-L TCR CTLA-4 CD3 CD4 LFA-1 ICAM-1 Linfócito T MØ ou Cél. Dendrítica ou Linfócito B B7(CD80) A. Ativação B. Anergia CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 161 Anergia induzida por peptídeos mutados A anergia também pode ser induzida quando os peptídeos apresentados estão mutados (Peptídeos Ligantes Alterados). A anergia dos linfócitos T ocorre porque apesar dos sinais co- estimulatórios estarem presentes, o sinal de reconhecimento do peptídeo + MHC pelo TCR está alterado (Figura 2). Existem alguns microorganismos, tais como o HIV, que produzem peptídeos deste tipo o que resulta no escape da resposta de linfócitos T. Figura 2 - Anergia mediada por peptídeos ligantes alterados Morte celular induzida por ativação Quando o antígeno é apresentado em altas concentrações ou de forma repetitiva, situação encontrada quando os antígenos são próprios, os LT podem morrer por apoptose mediada por Fas (ou CD95/APO 1) ou pelo receptor de TNF-α (Figura 3). O Fas é um receptor de membrana expresso constitutivamente em células do baço, linfonodos, fígado, pulmões, rins e ovário e está relacionado ao controle da proliferação celular. O Fas associa-se a MHC-II CD40 CD40-L TCR CD28 CD3 CD4 LFA-1 ICAM-1 Linfócito T MØ ou Cél. Dendrítica ou Linfócito B B7(CD80) FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 162 uma proteína de membrana – Fas-Ligante (FasL) - que é expressa constitutivamente em neutrófilos, neurônios, células do estroma da retina e linfócitos T ativados, dentre outras células. Os linfócitos T ativados co-expressam Fas e FasL o que resulta na morte destas células e de células vizinhas. Este mecanismo é potencializado pela IL-2. A molécula Fas é o principal mediador da morte por apoptose de células Tauxiliares CD4+. O Fas é uma molécula que faz parte da família do receptor de TNF-α e o FasL é estruturalmente homólogo ao TNF-α. O receptor de TNF-α (rTNF-α) é o principal mediador da morte por apoptose de células Tcitotóxicas CD8+ (Figura 3). A associação entre Fas-FasL e TNF-α-rTNF-α ativa Cisteína proteases intracelulares (denominadas caspases que clivam proteínas nos locais onde são encontrados o ácido aspártico) que causam a fragmentação de nucleoproteínas, o que caracteriza a morte por apoptose. Figura 3 – Dekeção Clonal por ativação repetitiva Mø LTh LTc Fas FasL rTNF TNF Apoptose CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 163 Supressão de clones de LT auto-reativos por LT regulatórios A ativação dos LT naive por antígenos e moléculas co-estimulatórias leva-os a diferenciação em células efetoras que secretam citocinas que atuam de maneira regulatória. Estas citocinas podem suprimir alguma etapa da resposta imune. Linfócitos Th2, macrófagos e Linfócitos B produzem IL-10 que inibe a produção de TNF-α e outras citocinas pró-inflamatórias e a expressão de moléculas co-estimulatórias em macrófagos (Figura 4). Linfócitos Th1 e linfócitos Th2 podem ser contraregulados pela produção de citocinas. Por exemplo, a produção de IFN-γ por linfócitos Th1 reduz a produção de IgE por linfócitos B, porque inibe a troca deste isótipo, mediada pela IL-4. Por outro lado, as IL-4, IL-13 e IL-10, produzidas por linfócitos Th2, inibem a ativação de macrófagos pelo IFN-γ. Na mucosa oral, por exemplo, a tolerância é induzida por células Th3 que pela síntese de TGF-β reduz a proliferação dos linfócitos e a ativação demacrófagos. Ignorância clonal. A ignorância clonal consiste na incapacidade dos LT em reconhecer os antígenos próprios sem que estejam anérgicos ou que tenham morrido por apoptose. Antígenos presentes no Sistema Nervoso Central e nos olhos podem induzir ignorância clonal. Este fenômeno ocorre na presença de baixas concentrações do antígeno e por isso não ocorre a indução das moléculas co-estimulatórias (B7-CD28) importantes na ativação celular. A anergia em contraste ocorre quando os antígenos estão em altas concentrações. Evidências de que este tipo de mecanismo ocorre têm sido demonstrado em camundongos transgênicos (camundongos que recebem intrauterinamente, um determinado gen inexistente ou pré- existente, induzindo ou aumentando a sua expressão, respectivamente). Camundongos transgênicos para a expressão de uma glicoproteína viral em células pancreáticas β são acasalados com camundongos transgênicos para a expressão de LT com TCR específico para esta mesma glicoproteína viral. Camundongos da linhagem resultante (F1) expressam FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 164 peptídeos virais na membrana das células pancreáticas e possuem LT com TCRs específicos para estes peptídeos associados ao MHC. No entanto, as células T destes animais não são mortas nem são ativadas frente aos antígenos virais expressos pelas células pancreáticas. Elas também não se tornam anérgicas porque podem ser ativadas quando são colocadas in vitro frente ao antígeno. Figura 4 – Produção de citocinas inibitórias da resposta imune Mø LTh0 LTh1 LTh1 LTh1 IFN-γγγγ LTh2 LTh2 LTh2 IL-4 IL-10 LTh3 LTh3 TGF Mø Efeitos Efeitos estimulatórios LTh3 CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 165 TOLERÂNCIA DE LB Os linfócitos B podem se tornar tolerantes aos antígenos para os quais as suas Igs de membrana são específicas tanto na medula óssea (tolerância central) quanto nos órgãos linfóides secundários (tolerância periférica). Os mecanismos que induzem tolerância nos linfócitos B são: ! Deleção clonal – os linfócitos morrem por apoptose. ! Anergia clonal – os linfócitos tornam-se inativados sem a ocorrência de morte celular. TOLERÂNCIA CENTRAL Os linfócitos B são selecionados na medula óssea durante o processo de maturação assim como os LT o são no timo. No processo de maturação normal, quando os linfócitos B se diferenciam sem contato com antígenos próprios, moléculas de IgM e IgD são expressas na membrana e estas células maduras migram para os órgãos linfóides periféricos (Figura 5A). No entanto, quando estas células entram em contato com Ag próprio multivalente são deletadas por apoptose na fase em que apresentam apenas IgM de membrana (Figura 5B). Os linfócitos B tornam-se anérgicos se a IgM de membrana reconhecer antígeno próprio solúvel. Neste caso, a célula passa a expressar baixas concentrações de IgM de membrana com um predomínio de IgD e não responde mais ao antígeno para o qual é específica (Figura 5C). FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 166 Figura 5 – Maturação (A.) e indução de tolerância dos linfócitos B por deleção (B) ou anergia clonal (C) na medula óssea IgM IgM IgD Migração para os órgãos linfóides secundários A. Maturação dos LB IgM APOPTOSE B. Deleção clonal Ag multivalente C. Anergia clonal Ag solúvel IgM ANERGIA IgM IgD CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 167 TOLERÂNCIA PERIFÉRICA Em uma resposta imune normal linfócitos Tauxiliares reconhecem peptídeos associados com moléculas do MHC classe II presentes na membrana de macrófagos e LB. Os linfócitos B ativados por citocinas liberadas linfócitos T proliferam e originam plasmócitos secretores de anticorpos e linfócitos B de memória (Figura 6A). Os plasmócitos inicialmente secretam IgM e posteriormente passam a secretar IgG (Capítulo 9). No entanto, quando linfócitos B maturos, nos órgãos linfóides secundários, reagem com antígenos próprios multivalentes, da mesma forma que na medula óssea, morrem por apoptose levando à deleção clonal (Figura 6B). Se os linfócitos B reagirem com Ag próprio solúvel, p.ex., proteínas hepáticas, as IgMs que reconhecem estes antígenos são endocitadas e ficam sequestradas no RE, ou seja, não são reexpressas na membrana. Estas células conseqüentemente apresentam baixa expressão de IgM e alta de IgD na membrana e tornam-se anérgicas (Figura 6C). LINFÓCITOS T SUPRESSORES. Durante a década de 70 do século XX, foram realizadas observações em modelos experimentais que sugeriram a existência de LT supressores. Nestes modelos, o inóculo endovenoso de altas doses de antígenos proteícos ou de haptenos sem adjuvantes (soluções que aumentam a retenção do antígeno solúvel e conseqüentemente a resposta contra ele) não causavam uma resposta imune e sim a sua supressão. Estes efeitos inibitórios foram correlacionados à produção de proteínas secretadas por células T CD8+. A visão atual é de que não existem células exclusivamente supressoras mas sim células T que desenvolvem um padrão de secreção de citocinas que desencadeiam respostas predominantemente celulares (Th1) ou humorais (Th2). Em geral, quando a resposta é predominantemente celular, linfócitos Th1 liberam citocinas que inibem a ativação de células Th2 e vice-versa (Capítulo 9). FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 168 Figura 6 Ativação (A.) e indução de tolerância dos linfócitos B por apoptose (B) ou anergia (C) nos órgãos linfóides secundários IgM IgD A.Ativação dos LB por LTh LT IgM APOPTOSE B. Deleção clonal Ag multivalente IgD C. Anergia clonal Ag solúvel IgM ANERGIA IgM IgD IgD CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 169 OUTRAS FORMAS DE REGULAÇÃO Além dos mecanismos de tolerância, a resposta imune é regulada por diversos outros mecanismos, dentre eles: ! As características do antígeno, as doses e vias de inóculo ! As características das células acessórias no início da resposta, ! Redução do antígeno nos tecidos e Feedback pelo anticorpo, ! Moléculas antagonistas de citocinas ! Redes iditotípicas e ! Hormônios e neurotransmissores. CARACTERÍSTICAS DO ANTÍGENO, AS DOSES E AS VIAS DE INÓCULO DO ANTÍGENO Os antígenos de acordo com suas características físico-químicas podem induzir diferentes tipos de resposta. Enquanto que as proteínas induzem resposta humoral e celular, lipídeos e polissacarídeos induzem um tipo de resposta humoral independente de LT. Além das características físico-químicas também é importante a dose administrada, sendo que quando são administradas soluções proteícas em altas concentrações ou de forma repetitiva, as células T tornam-se tolerantes ao antígeno em questão. Por outro lado, altas concentrações de polissacarídeos induzem tolerância de LB. A via da administração também pode tornar um antígeno mais ou menos imunogênico. Quando administrados por via sc (subcutânea) ou id (intradérmica), os antígenos são imunogênicos, enquanto que por via oral ou iv (intravenosa) há indução de tolerância ou de LT supressores. FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 170 CARACTERÍSTICAS DAS CÉLULAS ACESSÓRIAS NO INÍCIO DA RESPOSTA IMUNE O tipo de APC pode condicionar o tipo de resposta. Macrófagos em repouso ou naive e LB não estimulados são deficientes em co-estimuladores, levando clones de linfócitos T a se tornarem tolerantes. A proporção de macrófagos, LB ou células dendríticas apresentando Ag determina qual o tipo de resposta será desencadeada. Acredita-se que quando ocorreum predomínio de LB como APCs a resposta tende a ser Th2 enquanto que macrófagos e células dendríticas tenderiam a induzir uma resposta tipo Th1. REDUÇÃO DO ANTÍGENO NOS TECIDOS E FEEDBACK PELO ANTICORPO. Durante a resposta imune, a produção de anticorpos leva à eliminação dos antígenos por mecanismos de opsonização, ADCC ou lise pelo complemento. Estes eventos reduzem os antígenos livres no organismo e com isto, a fagocitose e a apresentação dos antígenos são reduzidas e conseqüentemente, a ativação dos Linfócitos. Além deste mecanismo, a produção de anticorpos é regulada pela presença de complexos imunes que se associam aos linfócitos B inativando-os. No início da resposta imune, os linfócitos B reconhecem antígenos pelas Igs de membrana, o que leva à endocitose do antígeno, processamento e apresentação aos LT (Figura 7A). A apresentação de antígenos pelo linfócito B ao LT auxiliar, leva os linfócitos B à proliferação e à diferenciação em plasmócitos secretores de anticorpos e linfócitos de memória. Os anticorpos presentes na linfa, sangue e tecidos associam-se aos antígenos, eliminando-os como referido anteriormente. No entanto, a medida que complexos Ag-IgG são formados, estes podem se associar a receptores para Fc de IgG na membrana dos linfócitos B reduzindo a ativação destas células e a produção de anticorpos (Figura 7B). CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 171 Figura 7 – Ativação de LB por Ag (A.) e inativação por complexos Ag-Ac (B.) PRODUÇÃO DE ANTAGONISTAS DE CITOCINAS A produção de citocinas pró-inflamatórias também pode ser regulada por complexos Ag-Ac. Quando complexos Ag-Ac associam-se aos receptores para Fc de IgG, nos macrófagos, durante a opsonização, um inibidor da IL-1 - a IL-1Ra - é produzido e compete pela ligação com receptores para IL-1 nas células, reduzindo a ativação destas e reduzindo a resposta inflamatória (Figura 8). Figura 8 – Inibição da atividade da IL-1 pelo IL-1RA IgG rFcIgG Macrófago rC3b/C4b C3b/C4b IL-1 IL-1RA rIL-1 A. B. FcγγγγRIIB IgM IgD IgG Antígeno Complexo Ag-Ac FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 172 REDES IDIOTÍPICAS A idéia da rede idiotípica surgiu em 1974 com o cientista Niels Jerne que demonstrou que animais inoculados com suas próprias Igs produzem anticorpos contra as regiões variáveis destas moléculas. Estas regiões reconhecidas por estes auto-anticorpos foram denominadas idiótopo e o conjunto dos idiótopos foi denominado idiótipo. Estes experimentos levantaram a hipótese de que podem ser gerados anticorpos que reconhecem os idiótipos das Igs, existindo uma conectividade entre estes anticorpos o que leva à criação de uma rede de interações - a rede idiotípica. Como uma Ig é específica para um determinante antigênico mas pode também se associar a um idiótopo, a conclusão lógica é de que ambos são iguais ou similares, ou seja, dentro do organismo existem idiótopos que atuam como imagens internas dos antígenos. Os anticorpos anti-idiotípicos, ou seja, os que reconhecem os idiótipos (ou imagens internas do antígeno) são reconhecidos por anticorpos-anti-anti-idiotípicos e assim por diante. De acordo com esta idéia, os anticorpos dentro do sistema imune são interdependentes e estão associados formando uma malha em que todos os anticorpos estariam conectados. A entrada de uma molécula estranha quebra a homeostasia do sistema, competindo com as imagens internas do antígeno (anticorpos anti-idiotípicos) pela associação com os anticorpos, alterando todo o sistema e levando, ao término da resposta a um novo padrão homeostático. Para os cientistas que acreditam na existência da rede (e não é a maioria), a Imunologia ensinada é apenas parte da verdadeira realidade do que ocorre no sistema imune. O sistema não é tão previsível como se pensa e para cada indivíduo a evolução de suas respostas depende da história de seus contatos com o meio ambiente desde o momento do nascimento sendo estas dependentes do tempo e do espaço, na qual ocorreram. Se um dia você quiser ter um melhor contato com estas idéias leia o livro Guia Incompleto de Imunologia: imunologia como se o organismo não importasse, dos professores Nelson M.Vaz e Ana Maria C. de Faria, ambos da UFMG e publicado pela editora da própria universidade. CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 173 Para dar uma pausa e pensar, caso você nunca leia o tal livro; um trecho da introdução escrita por um cientista chileno (Humberto Maturana), que estuda a fisiologia do olfato e da visão, com a mesma abordagem que os professores de imunologia da UFMG: “... o modo de olhar não apenas determina o que se vê e se faz, mas também determina o que se pergunta e o que se explica. Por isso, uma mudança no olhar e no conversar, em um âmbito experiencial particular, muda o entendimento do que se faz e, também, a natureza desse âmbito.” HORMÔNIOS E NEUROTRANSMISSORES Desde o início dos anos 70 do século XX, estão sendo acumuladas evidências do fluxo de informações entre o sistema imune e o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, o qual governa as reações do corpo frente a mudanças metabólicas e stress ambiental. As interações entre o Sistema Nervoso Central (SNC), o sistema endócrino e o sistema imune provavelmente ocorrem a partir do sistema límbico, local no qual as informações do córtex cerebral e do hipotálamo interagem e onde surgem as emoções. Dados neurológicos mais recentes indicam que embora o sistema límbico seja o responsável pelo impulso emocional, a maneira como expressamos estas emoções é regulada por regiões situadas no córtex pré-frontal, logo atrás da testa. Cada lado do córtex pré-frontal lida com um conjunto diferente de reações emocionais. As emoções que nos fazem ter medo ou repulsa são reguladas pelo lado direito e sentimentos, como a felicidade, pelo esquerdo. As células do sistema imune são sensíveis a uma série de hormônios, neurotransmissores e neuropeptídeos porque expressam receptores específícos podendo ser portanto reguladas pelos diferentes estados emocionais, patologias endócrinas e do SNC. Por outro lado, a produção de algumas citocinas interfere na liberação de hormônios e neuropeptídeos. Quando citocinas pró-inflamatórias, tais como o TNF-α, as IL-1 e IL-6 são produzidas, estas induzem a liberação, pelo hipotálamo, do Fator Liberador de Corticotropina (CRF), que ativa a hipófise e leva à produção de ACTH e à regulação negativa da produção destas moléculas. Quando os FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 174 linfócitos são ativados eles produzem moléculas similares àquelas produzidas no cérebro como as β- endorfinas que atuam por sua vez sobre o sistema límbico do cérebro. As atividades moduladoras de algumas destas moléculas estão sumarizadas a seguir. Corticotropina (ACTH), endorfinas e encefalinas O ACTH é produzido pela hipófise anterior quando esta é ativada pelo Fator Liberador de Corticotropina (CRH), secretado pelo Hipotálamo. O ACTH é derivado de uma molécula precursora – a pró-ópio-melanocortina (POMC) - que origina também as endorfinas e encefalinas. Infecções e vários tipos de estresses físicos e psicológicos podem aumentar a liberação de ACTH e de cortisol desde alterações de temperatura até grandes cirurgias, hipoglicemia e exercícios intensos. As concentrações de CRF, ACTH e cortisol podem estar alteradas em desordens psiquiátricas como a depressão, ansiedade e anorexia nervosa. O principal efeito do ACTH sobre o sistema imune parece ser indireto pela indução da biossíntese de esteróides pelo córtex da adrenal principalmente glicocorticóides, dentre os quais o cortisol. Os glicocorticóidestêm efeito supressor na produção de anticorpos, na anafilaxia e na rejeição de enxertos. Os outros hormônios da hipófise anterior, as endorfinas e as encefalinas são peptídeos opióides que atuam no SNC levando a analgesia e mudanças de comportamento, produzindo estados de euforia. As β-endorfinas e a Met- e Leu-Encefalinas modulam o sistema imune de maneira dose- dependente: doses baixas potenciam enquanto que doses altas suprimem a resposta imune. Um dos importantes efeitos destas moléculas é a ativação das células NK quando liberadas durante um esforço físico aumentando a vigilância destas células frente a células alteradas por infecção ou neoplasia. Prolactina (PRL) A prolactina é um hormônio secretado pela hipófise anterior e é induzido por estresse físico agudo ou comportamental. Pode ser produzida também por LT no sangue periférico e órgãos linfóides CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 175 secundários. A elevação da prolactina em animais reverte os efeitos supressivos dos glicocorticóides e a sua produção é aumentada por estrógenos e reduzida pelos glicocorticóides. Anomalias na produção de prolactina são encontradas em doenças auto-imunes tais como LES, doença de Addison e doenças auto- imunes da tireóide. Hormônio do Crescimento (GH) A deficiência na produção do Hormônio do Crescimento está associada a uma redução na celularidade de medula óssea e timo e função reduzida de LT, células NK e produção de anticorpos. Alguns vírus e endotoxinas bacterianas aumentam a produção de hormônio do crescimento em seres humanos. Durante a resposta inflamatória, a produção de IL-1 também aumenta a secreção sistêmica de GH o que pode estar associado ao incremento da ativação de LT, LB e células NK. Estrógenos, Andrógenos e Progesterona Os hormônios esteróides estão associados com as diferenças de resposta imune de machos e fêmeas a diferentes microorganismos. A produção de estrógenos (estradiol) nas fêmeas tem sido associada a uma resposta imune mais vigorosa, com maior produção de anticorpos, uma resposta imune primária e secundária mais forte, maior resistência à indução de tolerância e a maior habilidade em rejeitar tumores e transplantes. Os estrógenos também estão associados à maior incidência de doenças auto-imunes em mulheres. Por exemplo, a incidência de lupus é maior em mulheres em fase fértil e o agravamento da doença pode ocorrer durante a gravidez ou após a administração de contraceptivos orais contendo esteróides. Além disso, as pacientes com LES têm um metabolismo anormal de andrógenos e estrógenos levando a redução da razão andrógeno/estrógeno. No entanto, nem sempre o estrógeno é o fator deletério nas doenças auto-imunes: no caso da artrite reumatóide, o estrógeno melhora a doença. Isto pode ser devido aos mecanismos envolvidos na doença auto-imune: no caso do LES em que estão envolvidos LB produtores de anticorpos anti-DNA e FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA 176 formação de complexos imunes circulantes, o estrógeno aumenta este tipo de resposta enquanto que na Artrite reumatóide, dependente de LT, o estrógeno atua como supressor. Durante a gravidez, a progesterona também afeta a resposta imune apresentando efeito imunossupressor e anti-inflamatório local, reduzindo a probabilidade de rejeição do feto. Os andrógenos nos seres humanos são secretados pelos testículos e adrenais. O mais importante andrógeno quantitativamente secretado pelo córtex adrenal de homens e mulheres é a a dihidroepiandrosterona (DHEA), um intermediário na síntese de testosterona e estradiol. O DHEA nos órgãos periféricos torna-se ativado pelos macrófagos que pela ação da α-redutase metaboliza testoterona em dihidroepiandrosterona. Receptores para DHEA são encontrados nos LT e a sua produção leva a um aumento na produção de IL-2 e IFN-γ, induzindo um padrão de resposta do tipo Th1. Existem evidências de que o DHEA pode contrabalancear os efeitos dos glucocorticóides, que induzem um padrão Th2. A redução de DHEA, em indivíduos idosos e pacientes terminais com AIDS, induz as células Th0 a se diferenciarem em LTh2 propiciando o surgimento de infecções intracelulares e tumores. Glicocorticóides O Cortisol é o principal glicocorticóide produzido pelo córtex adrenal, sendo responsável por cerca de 95% da atividade exercida pelos hormônios adrenocorticais; o restante da atividade se deve a corticosterona. O estresse físico ou mental aumenta a secreção de ACTH que estimula a produção de cortisol. Em altas concentrações o cortisol reduz o processo inflamatório pela inibição da fosfolipase A2, reduzindo a síntese de ácido aracdônico, precursor dos Leucotrienos, Prostaglandinas e Tromboxano. Os linfócitos, principalmente os LT, também são sensíveis aos efeitos imunossupressores dos glicocorticóides. Estes induzem a produção de IL-4 e a resposta humoral (Th2) e inibe a produção de IL-2 e a resposta celular (Th1). Corticosteróides também inibem a expressão de moléculas do MHC- II em macrófagos e a produção de TNF-α, IL-1, IL-6, IL-3, GM-CSF e IFN-γ. Glucocorticóides em concentrações altas mas ainda fisiológicas controlam a proliferação de células com alta afinidade para o antígeno. REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE TOLERÂNCIA DE LT TOLERÂNCIA CENTRAL DE LT – VER CAPÍTULO 7 TOLERÂNCIA PERIFÉRICA DE LT Anergia clonal induzida por co-estimulação inadequada Figura 1 – Interações moleculares que levam à ativação (A.) ou anergia (B.) de linfócitos T Anergia induzida por peptídeos mutados Figura 2 - Anergia mediada por peptídeos ligantes alterados Morte celular induzida por ativação Figura 3 – Dekeção Clonal por ativação repetitiva Supressão de clones de LT auto-reativos por LT regulatórios Ignorância clonal. Figura 4 – Produção de citocinas inibitórias da resposta imune TOLERÂNCIA DE LB TOLERÂNCIA CENTRAL Figura 5 – Maturação (A.) e indução de tolerância dos linfócitos B por deleção (B) nullou anergia clonal (C) na medula óssea TOLERÂNCIA PERIFÉRICA LINFÓCITOS T SUPRESSORES. Figura 6 Ativação (A.) e indução de tolerância dos linfócitos B por apoptose (B) nullou anergia (C) nos órgãos linfóides secundários OUTRAS FORMAS DE REGULAÇÃO CARACTERÍSTICAS DO ANTÍGENO, AS DOSES E AS VIAS DE INÓCULO DO ANTÍGENO CARACTERÍSTICAS DAS CÉLULAS ACESSÓRIAS NO INÍCIO DA RESPOSTA IMUNE REDUÇÃO DO ANTÍGENO NOS TECIDOS E FEEDBACK PELO ANTICORPO. Figura 7 – Ativação de LB por Ag (A.) e inativação por complexos Ag-Ac (B.) PRODUÇÃO DE ANTAGONISTAS DE CITOCINAS Figura 8 – Inibição da atividade da IL-1 pelo IL-1RA REDES IDIOTÍPICAS HORMÔNIOS E NEUROTRANSMISSORES Corticotropina (ACTH), endorfinas e encefalinas Prolactina (PRL) Hormônio do Crescimento (GH) Estrógenos, Andrógenos e Progesterona Glicocorticóides
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