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Departamento de Microbiologia - UFV Disciplina Microbiologia Geral – MBI 100 Notas de Aula FUNGOS Prof. Marcos R. Tótola Sumário: Fungos são organismos eucariotos, unicelulares ou multicelulares, pertencentes ao reino Fungi. Alguns fungos multicelulares assemelham-se às plantas em alguns aspectos. Entretanto, são incapazes de realizar a fotossíntese e armazenam carboidratos na forma de glicogênio. Fungos verdadeiros possuem parede celular composta principalmente de quitina. As leveduras são formas unicelulares dos fungos, de forma arredondada, maiores que as bactérias. Os tipos mais comuns de fungos são os bolores, que formam massas visíveis chamadas de micélio, compostas de filamentos longos ou hifas. Essas hifas exploram o substrato, ramificando-se e ligando-se entre si por uma espécie de ponte, no processo de anastomose. O crescimento cotonoso encontrado no pão e em frutas é o micélio de bolores. Os fungos podem se reproduzir sexuada ou assexuadamente. Obtêm seu alimento por absorção de soluções de material orgânico do ambiente – solo, água do mar, água doce, hospedeiros animais e plantas, etc. A classificação e a identificação baseiam-se em diversas características , como o tipo de hifa, as estruturas de reprodução sexuada e assexuada e, mais recentemente, é também realizada por técnicas de biologia molecular. Introdução Os fungos constituem um grupo diverso de organismos, que ocupam praticamente todos os habitats da Terra. Estima-se que mais de 1,5 milhão de espécies de fungos existam, embora somente cerca de 69.000 tenham sido descritas. Essa discrepância enfatiza a necessidade de se ampliarem os trabalhos sobre a taxonomia e a descrição dos fungos, não por uma questão meramente filosófica ou de curiosidade científica, mas porque muitas substâncias valiosas são produzidas por fungos de diferentes espécies. Assim, pesquisas aplicadas envolvendo os fungos e produtos de seu 1 Departamento de Microbiologia - UFV metabolismo apresentam um potencial incalculável de retorno econômico e de benefícios para a humanidade. Estudos sistemáticos sobre os fungos iniciaram-se há apenas 250 anos, embora as manifestações do crescimento desse grupo de organismos sejam conhecidas há milhares de anos, como a fermentação alcoólica. A partir de pesquisas mais direcionadas, várias atividades dos fungos têm sido exploradas pelo homem, como a produção de enzimas, de antibióticos, de hormônios, controle biológico de pragas e de doenças na agricultura, alimentação, etc. A figura 1 apresenta um resumo das diversas atividades dos fungos que afetam a humanidade, sejam de caráter benéfico ou indesejável. Ao examinar essa figura, é importante que se perceba que o papel mais importante dos fungos na ecosfera não está identificado especificamente. Sem dúvida, a maior importância dos fungos para os ecossistemas terrestres é sua ação decompositora. Isso é particularmente verdadeiro em ecossistemas florestais, onde os fungos são os principais agentes de decomposição da celulose e lignina, componentes primários da madeira. A produção de biomassa nos ecossistemas florestais é controlada especialmente pelos fungos degradadores da madeira, na medida em que esses organismos determinam as taxas de ciclagem de nutrientes e sua liberação para o ecossistema, após a morte das árvores. BENÉFICAS INDESEJÁVEIS Figura 1 – Resumo das principais atividades dos fungos . 2 Departamento de Microbiologia - UFV Além da sua importância como decompositores em ecossistemas florestais, os fungos também são responsáveis diretos pela degradação de muitos produtos de madeira, como postes de luz, mourões de cerca, pontes, etc. A menos que esses produtos sejam protegidos da umidade ou tratados quimicamente, eles certamente serão atacados por fungos decompositores. Uma vez que os fungos podem utilizar uma variedade de substratos, eles atacam outros bens produzidos pelo homem, como tecidos, couro, produtos de petróleo (incluindo certos combustíveis e lubrificantes) e produtos alimentícios. Em nossos esforços para proteger os alimentos do ataque de fungos e bactérias, desenvolvemos uma variedade de procedimentos, como a adição de sal ou açúcar, desidratação, congelamento/resfriamento, aquecimento, enlatamento, irradiação e uso de aditivos químicos. Além de simplesmente deteriorar, certas espécies de fungos também produzem algumas substâncias extremamente tóxicas, conhecidas como micotoxinas, em certos produtos vegetais utilizados na alimentação humana ou animal. Dignas de menção são as ocratoxinas em grãos de cereais, produzidas por Aspergillus ochraceus e Penicillium viridicatum; as aflatoxinas, produzidas por Aspergillus flavus e A. parasiticus em várias castanhas e grãos (principalmente amendoim, pecans, milho e milheto); e as fumonisinas, produzidas por Fusarium moliniforme em milho. As ocratoxinas têm sido relacionadas com um tipo de atrofia renal humana endêmica entre os habitantes da Bulgária, Romênia e Ioguslávia, enquanto as aflatoxinas têm sido apontadas como causadoras de câncer em todas as espécies de animais testadas, e estão entre os agentes cancerígenos mais potentes que se conhece. É consenso que as aflatoxinas causam câncer de fígado em seres humanos. Interessante é o fato de que as aflatoxinas aparecem não apenas em material vegetal, mas também em alimentos de origem animal que consumimos, como carne, ovos e laticínios. As fumonisinas só recentemente têm recebido certa atenção, mas há tempo que são relacionadas com câncer de esôfago em humanos, com uma doença neurológica fatal em eqüinos e com doenças respiratórias fatais em suínos. Todos esses problemas parecem estar relacionados com o consumo de milho contaminado com F. moliniforme. Outras espécies de Fusarium também são conhecidas por produzirem outras toxinas potentes, algumas das quais tendo sido possivelmente usadas como armas biológicas na guerra do Vietnã e do Afeganistão. Os fungos são também responsáveis pela produção de uma série de compostos de valor para o homem, em especial os antibióticos, como as penicilinas, as cefalosporinas e a ciclosporina, utilizada como imunosupressor em pacientes transplantados. Este composto foi descoberto no início da década de 1970 em Cylindrocarpon lucidum e Tolypocladium inflatum, dois fungos isolados do 3 Departamento de Microbiologia - UFV solo. Certamente, muitas outras drogas de valor inestimável serão ainda descobertas entre os fungos que nos rodeiam. Características Gerais e Morfologia da Fase Vegetativa Os fungos constituem um grupo de organismos heterotróficos desprovidos de clorofila mas que, historicamente, têm sido comparados com as plantas. Alguns deles realmente assemelham-se a plantas, no sentido de que, com poucas exceções, possuem parede celular definida (geralmente composta de quitina), não possuem motilidade (embora algumas poucas espécies possuam células reprodutivas móveis) e reproduzem-se por meio de esporos (do grego spora = semente; unidade de propagação simples e minúscula, sem um embrião, capaz de produzir um novo indivíduo). Entretanto, os fungos não possuem caules, folhas ou raízes, nem apresentam um sistema vascular complexo. Outra característica que diferencia os fungos das plantas é que seu principal produto de reserva de carboidratos é o glicogênio e não o amido. Em geral, os fungos são filamentosos e multicelulares. Seus núcleos, embora pequenos, podem ser visualizados com relativa facilidade, e suas estruturas somáticas, com raras exceções, exibem pouca diferenciação e praticamente não exibem divisão de funções.O corpo dos fungos, ou talo, é composto por filamentos chamados de hifas (Figura 2). Essas hifas crescem apicalmente, mas a maior parte do talo é potencialmente capaz de retomar o crescimento; um minúsculo fragmento de praticamente qualquer parte do organismo é capaz de produzir um novo ponto de crescimento e reiniciar um novo indivíduo. B A Figura 2 – (A) Micrografia por microscopia de varredura (MEV), mostrando detalhe de hifas de fungos; (B) germinação de um esporo e produção de um novo micélio. 4 Departamento de Microbiologia - UFV Os fungos são heterotróficos e obtêm os nutrientes de que precisam por absorção. Isso significa que eles não fixam carbono e que os nutrientes que penetram em seu corpo devem atravessar a parede celular e a membrana. Essa última característica tem levado algumas pessoas a descrever os fungos como organismos cujos “estômagos” localizam-se fora de seus corpos. Em vez de primeiramente ingerir os alimentos e então digeri-los, como fazem os animais, os fungos inicialmente liberam as enzimas digestivas para o meio externo, onde o alimento se encontra. Essas enzimas degradam moléculas complexas e relativamente insolúveis, como carboidratos, proteínas e lipídios, em moléculas menores e mais solúveis, as quais podem ser então absorvidas. Como um grupo, os fungos apresentam uma capacidade extraordinária de utilizar quase todas as possíveis fontes de carbono orgânico como alimento. Entretanto, diferentes espécies possuem requerimentos nutricionais próprios. Algumas são onívoras, podendo viver a base de virtualmente tudo que contenha matéria orgânica. É o caso do mofo verde, muito comum (Penicillum) e do mofo preto, também comum (Aspergillus) que, tendo um pouco de umidade, crescem sobre qualquer coisa, seja um queijo Cheddar ou um sapato de couro. Outros fungos são mais restritos em sua dieta; alguns poucos parasitas obrigatórios necessitam não somente de protoplasma vivo como alimento, mas, também, são altamente especializados quanto à espécie e mesmo à variedade do hospedeiro parasitado. Em última análise, os tipos de substrato que um fungo é capaz de utilizar dependem, largamente, de quais as enzimas digestivas ele é capaz de liberar para o ambiente, especialmente no caso dos fungos saprófitas. Além da disponibilidade de uma fonte adequada de nutrientes, outros fatores que interferem com o crescimento dos fungos são a umidade, a temperatura, o pH e o oxigênio. Dada a grande diversidade das espécies fúngicas e dos diferentes ambientes em que vivem, torna-se difícil fazer generalizações sobre a importância relativa de cada um dos fatores relacionados acima. Enquanto algumas espécies vivem na água, a maioria não cresce adequadamente em ambientes com excesso de umidade, dada a redução na disponibilidade de oxigênio. Por outro lado, por possuírem paredes delgadas, as hifas que compõem o micélio de muitas espécies são sensíveis ao ressecamento, necessitando, portanto, de uma fonte relativamente constante de água para crescer. Algumas espécies podem crescer em água do mar e certos fungos osmofílicos crescem em substratos contendo concentrações extremamente elevadas de solutos. Esses fungos muitas vezes tornam-se um problema para a conservação de alimentos. A temperatura ótima para a maioria das espécies situa-se entre 25ºC e 30ºC, com limites inferior e superior em torno de 10ºC e 40ºC. Algumas espécies termofílicas possuem um ótimo de temperatura acima de 40ºC, podendo crescer mesmo em torno 5 Departamento de Microbiologia - UFV de 50ºC-55ºC em pilhas de compostagem. Ao contrário, algumas espécies psicrofílicas são capazes de crescer abaixo do ponto de congelamento da água. A respeito da temperatura e umidade deve-se enfatizar que, enquanto apenas umas poucas espécies são equipadas para crescer ativamente sob condições extremas, virtualmente todas produzem algum tipo de esporo ou estrutura especializada de resistência que assegura o escape ou sobrevivência durante as condições adversas. O pH ótimo de crescimento também varia amplamente entre os fungos. A maioria parece crescer melhor em ambientes com pH entre 4 e 7. No entanto, dada a decomposição e consumo dos materiais em que vivem e a liberação de metabólitos para o ambiente, os fungos alteram significativamente o pH nos microambientes onde estão crescendo. A maioria dos fungos é aeróbica, embora algumas espécies, incluindo algumas leveduras, sejam anaeróbias facultativas. Certas espécies do filo Chytridiomycota são obrigatoriamente fermentadoras, incapazes de respirar mesmo na presença do oxigênio. Nos fungos, os produtos finais da fermentação são o etanol ou ácido lático; em algumas espécies, uma mistura desses dois compostos é produzida. A luz geralmente não é requerida para o crescimento dos fungos, embora para algumas espécies aumente significativamente o crescimento e seja necessária para a indução de estruturas reprodutivas sexuadas ou assexuadas. Muitos fungos são saprófitas, obtendo seu alimento a partir da decomposição de matéria orgânica morta. Várias espécies vivem como parasitas de plantas, animais e, em alguns casos, de outros fungos. A maioria dos fungos parasitas é capaz de viver independentemente do hospedeiro em substratos orgânicos, o que é comprovado pelo fato de poderem ser cultivados em meios de cultura. Aqueles fungos incapazes de crescer em meios artificiais ou que são sempre parasitas na natureza são chamados parasitas obrigatórios ou biotróficos. Os que são capazes de crescer parasiticamente ou saprofiticamente utilizando material orgânico morto são conhecidos como parasitas facultativos ou saprófitas facultativos. Além dos fungos parasitas, que causam danos perceptíveis a seus hospedeiros, muitas outras espécies formam relações mutualistas com animais ou plantas. Exemplos de relações mutualistas entre fungos e plantas são os líquens (algas ou cianobactérias) e as micorrizas, que se desenvolvem entre alguns fungos do solo e as raízes da maioria das plantas, contribuindo para a nutrição da planta e para a sobrevivência do fungo, que recebe fotoassimilados do fitobionte (planta). Diversos fungos conhecidos como endofíticos estão presentes no interior de folhas e ramos de plantas sadias. Essas plantas normalmente não apresentam qualquer sintoma de dano causado pela presença do fungo, e podem até mesmo se beneficiar de sua 6 Departamento de Microbiologia - UFV presença. Muitas interações também ocorrem entre os fungos e os animais, em especial os insetos. Em alguns casos, os fungos vivem dentro ou sobre os animais, sem lhes causar dano aparente. Em outros casos, certas espécies de fungos podem até mesmo aprisionar e consumir animais microscópicos como alimento (Figura 3). Algumas dessas espécies, ditas predadoras, produzem estruturas elaboradas que funcionam na captura de suas presas. Alguns insetos, por outro lado, cultivam os fungos e se alimentam das estruturas produzidas por eles, como as formigas cortadeiras, algumas espécies de besouros e de cupins. Certos fungos são micoparasitas, alimentando-se de outras espécies fúngicas. Figura 3 – Micrografia eletrônica de varredura (MEV) mostrando um nematóide aprisionado por anéis constritores produzidos pela hifa de um fungo entomopatogênico. Conforme já descrito, o corpo dos fungos, ou talo, consiste tipicamente de hifas tubulares microscópicas (Figuras 2B e 4), que se ramificam em todas as direções, espalhando-se sobre ou entre o substrato utilizado pelo fungo. B A Figura 4 – Fungo cultivado em meio de cultura. Um disco de ágar contendo micélio foi colocado no centro da placa à esquerda (A); após alguns dias, o micélioespalhou-se pela superfície do meio de cultura (B). 7 Departamento de Microbiologia - UFV Coletivamente, essas estruturas compõem uma massa que forma o corpo do fungo (talo), conhecida como micélio. É importante notar que nem todos os fungos apresentam o micélio composto de hifas. Muitas formas, conhecidas comumente como leveduras (Figura 5), existem como células isoladas, capazes de se reproduzirem rapidamente por gemas ou fissão. Algumas espécies de fungos tanto podem formar hifas como viver na forma de leveduras, e estes fungos são conhecidos como dimórficos. O dimorfismo é comum entre espécies que causam doenças em homens e animais; geralmente crescem como hifas fora do hospedeiro, assumindo a forma de leveduras ao penetrarem o tecido a ser parasitado. Figura 5 – Células de leveduras de Candida albicans, mostrando as gemas laterais. As hifas são estruturas tubulares finas e geralmente transparentes, recobertas por uma parede celular e preenchidas com o protoplasto. Ao serem observadas ao microscópio, pode-se notar que as hifas da maioria das espécies apresentam septos; as hifas septadas recebem a denominação de apocíticas, ao passo que as não-septadas são conhecidas como cenocíticas (Figura 2B). Em algumas espécies, os septos apresentam-se em intervalos mais ou menos regulares, dividindo a hifa em compartimentos que podem conter um ou mais núcleos. Geralmente, um septo completamente desenvolvido possui um único poro central (Figura 6), através do qual o protoplasto de compartimentos adjacentes é contínuo. Este tipo de poro é bloqueado algumas vezes por várias estruturas, mas, quando desobstruído, é grande o suficiente para permitir a passagem de várias organelas, incluindo o núcleo (Figura 6B). 8 Departamento de Microbiologia - UFV A B Figura 6 – Micrografia eletrônica de transmissão (MET) de septos de hifas. (A) Septo com um único poro central (seta), com o qual se associam estruturas escuras e esféricas conhecidas como Corpo de Woronin. (B) Exemplo de um núcleo (N) migrando através de um poro septal. A parede celular é a estrutura que confere aos fungos a maior parte de suas características particulares. A capacidade da parede celular de suportar a pressão de turgor parece ser a razão primordial para a sobrevivência e evolução dos fungos. Além de suportar a pressão de turgor, a parede celular desempenha outras funções importantes: confere o formato à hifa; atua como uma espécie de filtro, controlando em parte o que entra para o protoplasto; protege o protoplasto das condições adversas do ambiente e atua no reconhecimento de eventos associados não apenas com a reprodução sexuada, mas também em várias interações dos fungos com plantas e animais hospedeiros ou simbiontes. Durante a germinação dos esporos de fungos, observa-se a emissão de um tubo germinativo (Figura 2B) que cresce apicalmente e se ramifica para explorar o substrato, dando origem ao micélio. Em alguns pontos, hifas adjacentes são interligada por uma espécie de ponte, composta de um fragmento de hifa. A esse processo dá-se o nome de anastomose, que contribui para que o micélio dos fungos tenha a aparência de uma rede de hifas. As hifas da maioria dos fungos tendem a passar desapercebidas na natureza, porque geralmente encontram-se no interior do substrato ou do hospedeiro. Entretanto, as hifas de muitas espécies podem exibir um certo grau de organização, dando origem a estruturas maiores que são facilmente visualizadas a olho nu. Exemplos típicos são o estroma e o esclerócio. Estroma é uma estrutura somática compacta, semelhante a um colchão ou almofada, sobre ou no meio da qual os corpos de frutificação são geralmente produzidos. Os esclerócios são estruturas de dormência resistentes a condições ambientais adversas. Possuem tamanhos e formas variadas, podendo 9 Departamento de Microbiologia - UFV permanecer dormentes por longos períodos e germinar quando as condições voltam a ser favoráveis ao crescimento. As hifas de algumas espécies de fungos podem formar ainda cordões espessos chamados rizomorfos (Figura 7). Essas estruturas podem ter várias formas e funções, especialmente o descobrimento e exploração de novos substratos e como estruturas de resistência. A B Figura 7 – (A) Rizomorfos produzidos na parte inferior de um tronco em decomposição; (B) Rizomorfos de Armillaria mellea produzidos em cultura. As hifas da maioria dos fungos fitopatogênicos biotróficos crescem primariamente entre as células do hospedeiro, dando origem a ramificações de hifas especializadas que penetram a parede celular da célula do hospedeiro e então causam a invaginação da sua membrana plasmática sem, contudo, causar a sua morte. Essas ramificações são conhecidas como haustórios, e sua função é absorver nutrientes da célula invadida (Figura 8). Após a germinação dos esporos dos fungos fitopatogênicos, forma-se na extremidade do tubo germinativo uma estrutura globosa, conhecida como apressório (Figura 9). Os apressórios são estruturas de infecção especializadas, podendo surgir também na extremidade de hifas que estejam crescendo na superfície do hospedeiro. O apressório adere à superfície e forma pontos de infecção que penetram no hospedeiro, tanto pelo crescimento através das aberturas dos estômatos ou diretamente pela epiderme. Essa estrutura, além de exercer pressão mecânica, também libera enzimas digestivas para romper a barreira imposta pela cutícula e parede celular do hospedeiro. 10 Departamento de Microbiologia - UFV Figura 8 – Microscopia eletrônica de transmissão (MET) de um haustório do fungo fitopatogênico Melamp ora lini no interior de uma célula hospedeira. Dois núcleos (N) são visíveis no corpo do haustór entrar p Figura fitopato tubo ge um apre está cre s io. Observe também a célula-mãe do haustório (HMC), a região de afunilamento da hifa ao ela parede do hospedeiro (NR) e o citoplasma da célula hospedeira (HC). A B 9 – (A) Microscopia eletrônica de varredura de um apressório (indicado por A) de um fungo gênico sobre a superfície de uma folha. O apressório se desenvolve na extremidade de um rminativo (GT) que cresce sobre um estômato; (B) Microscopia eletrônica de transmissão de ssório sobre um estômato. Uma minúscula hifa de infecção (seta) emergiu do apressório e scendo entre a abertura das duas células-guarda (GC). 11 Departamento de Microbiologia - UFV Reprodução Os fungos filamentosos podem se reproduzir assexuadamente por fragmentação de suas hifas. Além disso, reprodução sexuada e assexuada em fungos ocorre por meio da formação de esporos. Os esporos dos fungos são muito diferentes dos endosporos bacterianos. Os endosporos bacterianos são formados para que a célula possa sobreviver a condições ambientais adversas. Uma célula bacteriana forma apenas um endosporo, que eventualmente germina para dar origem a uma única célula bacteriana. Esse processo não é reprodução, porque não aumenta o número total de células. Após serem produzidos, os esporos dos fungos destacam-se do talo original e germinam, dando origem a um novo talo (Figura 2B). Ao contrário do endosporo bacteriano, esse é um esporo de reprodução: um segundo organismo cresce a partir de sua germinação. Embora os esporos dos fungos possam sobreviver por longos períodos em ambientes quentes e secos, eles não possuem a tolerância e longevidade extremas dos endosporos bacterianos. A reprodução sexuada envolve a plasmogamia (fusão dos protoplastos dos gametângios), cariogamia (fusão dos núcleos) e a meiose, bem como células ou órgãos sexuais especializados.A reprodução sexuada é caracterizada pela união de dois núcleos, seguida de meiose. O significado da reprodução sexuada é que ela resulta na incidência elevada de recombinação e formação de novos genótipos. Isso permite aos fungos adaptarem-se a diferentes condições ambientais. Em fungos verdadeiros, a reprodução sexuada pode ou não envolver células ou órgãos sexuais especializados. Em geral, a reprodução assexuada é mais importante para a colonização de novos habitats, porque resulta na produção de um grande número de indivíduos e particularmente porque o ciclo assexuado se repete várias vezes ao ano, ao passo que a reprodução sexuada pode ocorrer, em geral, somente uma vez durante o ano. O fato de os fungos serem encontrados em uma fase reprodutiva ou em outra dificulta enormemente a sua identificação, na medida em que é geralmente impossível predizer se o estádio atual irá dar origem a outro estádio. É comum situações em que o fungo possui um estádio assexuado, mas não apresenta um estádio sexuado conhecido. Além disso, dois isolados com estádios assexuados morfologicamente idênticos podem ter estádios sexuados totalmente diferentes. Alguns fungos, também, aparentemente não possuem um estádio reprodutivo assexuado. Por causa da natureza pleomórfica (ocorrência de duas ou mais formas estruturais durante o ciclo de vida de um organismo) dos fungos, a terminologia usada para descrever as fases do ciclo de vida dos fungos tem sido confusa. Em um sistema proposto por Weresub em 1977 e amplamente aceito, o termo 12 Departamento de Microbiologia - UFV teleomorfo é usado para descrever a fase sexuada, e anamorfo é usado para a fase assexuada. O termo holomorfo é usado para descrever o fungo em todas as suas fases, formas e potencialidades, tanto latentes quanto expressas, mesmo que ele se reproduza por apenas um método. Mais recentemente tem-se proposto substituir esses termos por fungos meiospóricos (teleomorfos) e mitospóricos (anamorfos). Os esporos dos fungos são formados a partir de hifas aéreas (que emergem do substrato), de diferentes modos, dependendo da espécie. Alguns são formados simplesmente pela fragmentação das hifas em suas células componentes. Esses esporos são conhecidos como artrósporos ou conídios tálicos (Figura 10). Figura 10 – Micrografia eletrônica de varredura (MEV) de uma hifa fragmentando-se para dar origem a diversos artrósporos, um tipo de conidiósporo. Se as células tornam-se envolvidas em uma parede espessa antes de se separarem umas das outras ou de outras células da hifa adjacente, são chamadas de clamidósporos (Figura 11). Além desses esporos produzidos simplesmente pela fragmentação das hifas, outros tipos são produzidos por estruturas mais especializadas, conhecidas como esporóforos. 13 Departamento de Microbiologia - UFV Figura 11 – Clamidósporos de Candida albicans. Note as paredes celulares espessas desse tipo de esporo assexuado. Os esporos assexuados variam muito em morfologia, podendo possuir parede celular fina ou espessa, coloração hialina ou verde, laranja, amarela, vermelha, marrom ou preta. Variam em tamanho e em forma, de globosos a ovalados, oblongos, em forma de agulhas ou helicoidais e podem conter uma ou mais células. Alguns esporos assexuados são produzidos no interior de estruturas especializadas, os esporângios, sendo chamados de esporangiósporos. Outros são produzidos nas extremidades ou nas laterais de hifas, de várias formas, sendo conhecidos como conídios. Os esporângios são estruturas em forma de saco, e todo o seu conteúdo é convertido, através de divisões, em um ou, mais comumente, vários esporos. Os esporangiósporos de quase todos os fungos verdadeiros são imóveis e são chamados de aplasnósporos. São característicos dos fungos pertencentes ao Filo Zygomycota, cujo micélio é cenocítico (Figura 12). Os esporângios são produzidos na extremidade de hifas especializadas chamadas esporangióforos. 14 Departamento de Microbiologia - UFV CB A Figura 12 – (A) Esquema de um esporângio de Rhizopus sp., mostrando o esporangióforo e os esporangiósporos (aplanósporos); (B) MEV de um esporângio de Zygorhynchus heterogamus produzido na extremidade de um esporangióforo (S); (C) Esporângio aberto de Gilbertella persicaria, mostrando o grande número de esporangiósporos produzidos. Nota-se o esporangióforo (C), na extremidade do qual foi produzido o esporângio. Os fungos do Filo Chytridiomycota produzem esporangiósporos móveis chamados zoósporos, equipados geralmente com um flagelo. O esporângio recebe a denominação de zoosporângio, e é produzido a partir do zoosporangióforo (Figura 13). Uma outra característica dos fungos pertencentes a esse Filo é a hifa cenocítica. 15 Departamento de Microbiologia - UFV Figura 13 – Microscopia luminosa de Allomyces macrogynus. Acima, talo contendo numerosos zoosporângios, produzidos na extremidade dos zoosporangióforos. Abaixo, estádios na maturação de um zoosporângio e liberação dos zoósporos. Os conídios são esporos assexuados produzidos externamente por fungos pertencentes a outros dois Filos, Ascomycota e Basidiomycota e cujas hifas são septadas (apocíticas). Geralmente, os conídios ocorrem em cadeias na extremidade de um conidióforo, que é uma hifa simples ou ramificada sustentando ou constituindo-se de células conidiogênicas a partir das quais os conídios são produzidos (Figura 14 e 15). Figura 14 – Micrografia eletrônica de varredura (MEV) de um conidióforo de Aspergillus niger, mostrando os inúmeros conídios. 16 Departamento de Microbiologia - UFV Figura 15 – Uma cultura de Penicillium, com numerosos conidióforos contendo conídios. A reprodução sexuada em fungos, como em outros organismos, envolve a união de dois núcleos compatíveis. O processo consiste de três fases distintas. Na primeira fase, a plasmogamia, ocorre a união de dois protoplastos, o que resulta em uma única célula contendo os dois núcleos. A segunda fase é a cariogamia, que consiste na fusão dos dois núcleos. A cariogamia ocorre logo após a plasmogamia em algumas espécies; em outras, esses dois eventos são separados no tempo e no espaço, onde a plasmogamia resulta numa célula binucleada contendo um núcleo de cada parente. A esse par de núcleos nós chamamos dicário, que podem se fundir somente após um tempo considerável do ciclo de vida do fungo. Enquanto isso, durante o crescimento e divisão celular da célula binucleada, a condição dicariótica se perpetua de célula para célula por divisão simultânea dos dois núcleos e pela separação dos núcleos irmãos resultantes entre as duas células irmãs. A fusão nuclear, que ocorre eventualmente em todos os fungos que se reproduzem sexuadamente, é acompanhada pela meiose, a qual reduz novamente o número de cromossomos para haplóide e constitui a terceira fase da reprodução sexuada. Entre os fungos verdadeiros, são produzidos quatro tipos de esporos sexuados: zigósporos, oósporos, ascósporos e basidiósporos. Os órgãos sexuais dos fungos são chamados de gametângios. Estes podem formar diferentes células sexuais chamadas gametas, ou podem simplesmente conter núcleos que são os gametas funcionais. Utilizam-se os termos isogametângios e isogametas para designar gametângios e 17 Departamento de Microbiologia - UFV gametas, respectivamente, que são morfologicamente idênticos. Os termos heterogametângios e heterogametas referem-se aos gametângios e gametas macho e fêmea morfologicamente diferentes. Nesse caso, o gametângio macho é chamadode anterídio e o gametângio fêmea é chamado de oogônio ou ascogônio, dependendo do grupo a que pertence o fungo. Deve-se ressaltar que muitos fungos não possuem órgãos sexuais diferenciados; nesse caso, as hifas e os núcleos são funcionalmente os gametângios e gametas. Os fungos homotálicos possuem um talo sexualmente auto-compatível e podem, assim, reproduzir-se sexuadamente sem a participação de um outro indivíduo ou talo. Os fungos heterotálicos são os que apresentam um talo sexualmente auto-estéril, e requerem a presença de outro talo compatível de diferente tipo de acasalamento (macho/fêmea) para que ocorra a reprodução sexuada. Os zigósporos são esporos sexuados grandes, envolvidos por uma parede espessa e produzidos por fungos pertencentes ao Filo Zygomycota. Os zigósporos resultam da fusão do núcleo de duas células (gametângios) morfologicamente iguais (Figura 16). Figura 16 – Micrografia eletrônica de varredura (MEV) de um zigosporângio (ZS) de Gilbertella persicaria, no interior do qual estão os zigósporos. O zigosporângio se desenvolve a partir de duas células suspensoras (S) Os oósporos são esporos sexuados produzidos a partir da fusão de gametângios morfologicamente distintos, o anterídio e o oogônio. São característicos de alguns fungos pertencentes ao Filo Chytridiomycota. 18 Departamento de Microbiologia - UFV Os ascósporos são esporos sexuados produzidos pelos fungos pertencentes ao Filo Ascomycota. Nesse filo ocorrem fungos filamentosos, cuja hifa é apocítica (septada) e as leveduras. Os ascósporos resultam da fusão de núcleos de dois gametângios que podem ser morfologicamente similares ou não. Esses esporos são produzidos dentro de uma estrutura em forma de saco ou asco (Figura 17). Figura 17 – Exemplos de diversos tipos de ascos, no interior dos quais são formados os ascósporos A maioria dos fungos Ascomycota produz ascos no interior de estruturas complexas ou corpos de frutificação chamados ascocarpos. Algumas espécies não apresentam ascocarpos, e produzem ascos nus. O cleistotécio é um tipo de ascocarpo de formato globoso, totalmente fechado. O peritécio é também um ascocarpo fechado, em formato de pêra, e possui uma abertura quando maduro, o ostíolo, por onde os ascósporos são liberados. O apotécio é um ascocarpo aberto, em forma de taça, sobre o qual os ascos contendo os ascósporos são produzidos. Em outros casos, os ascos são produzidos dentro de um pseudotecido formado por hifas densamente agrupadas, como um colchão ou almofada, chamado de estroma. A essa estrutura nós chamamos ascostroma ou pseudotécio (Figura 18). 19 Departamento de Microbiologia - UFV Figura 18 – Exemplos de estruturas de produção de ascos contendo ascósporos. Basidiósporos são esporos sexuados localizados externamente sobre uma estrutura em forma de clava chamada basídio (Figura 19). Geralmente, ocorrem em número de quatro por basídio, embora esse número possa variar de acordo com a espécie. Os basidiósporos são característicos dos fungos pertencentes ao Filo Basidiomycota, os quais possuem hifa septada ou apocítica. Os basídios são produzidos em corpos de frutificação complexos, os basidiocarpos. Esses basidiocarpos são muito variáveis em tamanho, formato e coloração, sendo popularmente conhecidos como cogumelos, orelhas-de-pau e bufos. Um basidiocarpo típico está esquematizado na Figura 19. 20 Departamento de Microbiologia - UFV Estipe Chapéu Anel Volva Figura 19 – Ciclo de vida geral dos Basidiomycota. Os basidiocarpos aparecem após a fusão de duas células de isolados compatíveis (+ e -). Observação Importante: A fase sexuada de alguns fungos é desconhecida, ou seja, ainda não foi descoberta, ou realmente não existe. Isso dificulta os trabalhos de classificação, porque as estruturas de reprodução, especialmente as da fase sexuada, são ferramenta importante na identificação da espécie. Nesses casos em que apenas a fase assexuada é conhecida, o fungo é considerado como sendo mitospórico, ou seja, cujos esporos são formados somente pelo processo de mitose, não envolvendo a fase sexuada. Quando finalmente se descobre o ciclo sexuado de um fungo mitospórico, ele é reclassificado segundo as características apresentadas durante a fase reprodutiva sexuada. 21 Notas de Aula FUNGOS Prof. Marcos R. Tótola
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