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AULA 2 – OBJETO E FUNÇÕES DA CRIMINOLOGIA O objeto da Criminologia: delito, delinquente, vítima e controle social. Uma das características mais destacadas da moderna Criminologia – e do perfil da sua evolução nos últimos anos – é a progressiva ampliação e problematização do seu objeto. A problematização do seu objeto reflete uma mudança ou uma crise do modelo de ciência e dos postulados então vigentes acerca do fenômeno criminal. A moderna Criminologia vem questionando os fundamentos epistemológicos e ideológicos da Criminologia tradicional, de sorte que a própria definição de delito e de pena é concebida como problemática, conflitiva, insegura. Um novo paradigma que rechaça o conceito jurídico formal de delito, reclamando maiores cotas de autonomia frente ao sistema legal para selecionar seu próprio objeto com critérios rigorosamente científicos. O deslocamento do seu objeto de investigação científica dos fatores criminógenos ao controle social supera, em parte, o enfoque etiológico. Processo desmistificador e enriquecedor. A Criminologia se ocupa do delito, segundo García-Pablos de Molina. Mas, é preciso delimitar o conceito de delito, pois não é unânime, mormente dada a autonomia científica da Criminologia. Existem numerosas noções de delito. O Direito Penal, por exemplo, serve-se de um conceito formal e normativo, sendo delito toda conduta prevista na lei penal e somente a que a lei penal castiga. O conceito jurídico-formal, no entanto, para a Criminologia constitui seu ponto de partida, sua referência primeira, mas nada mais do que isso, porque o formalismo e normativismo jurídico resultam incompatíveis com as exigências metodológicas de uma disciplina empírica como a Criminologia. E se assim fosse, por exemplo, se tivesse que aceitar apenas este conceito, perderia a sua autonomia científica e se tornaria instrumento auxiliar do sistema penal. A Criminologia e o Direito Penal operam com conceitos distintos de delito, haja vista suas distintas funções em relação ao problema do crime e, logicamente, do significado também distinto dos conceitos, técnicas e instrumentos dos quais um e outro se servem. O conceito “penal” de delito tem natureza formal e normativa, contempla um fragmento parcial da realidade, com critérios valorativos, pois o Jurista cuida do fato delitivo como abstração, por meio da figura típica prevista na norma, de forma, portanto, valorativa, normativa. As definições “formais” de delito delimitam a intervenção do Estado, por imperativo do princípio da legalidade. O “realismo criminológico” libera as disciplinas destas exigências típicas do Direito, reclamando o investigador uma análise totalizadora do delito. Interessa à Criminologia não tanto a qualificação formal de um acontecimento penal, mas a imagem global do fato e do seu autor, a etiologia do fato real, sua estrutura interna e dinâmica, formas de manifestação, técnicas de prevenção do mesmo e programas de intervenção no infrator. O conceito filosófico de “delito natural” também não atende às necessidades da Criminologia, pois embora tenha denunciado o formalismo das definições legais de delito, tenta em vão atribuir uma base ontológica e segura a este conceito, neutra, livre de valorações e com sustento empírico. O conceito sociológico de “conduta desviada” também apresenta semelhantes limitações, segundo García-Pablos de Molina. É que o conceito de “desviação”, o qual advém de uma etiqueta que as maiorias sociais determinam a determinado autor com estigma de desviado, apela para as expectativas sociais, as quais são mutantes, circunstanciais, reconhecendo a sua própria incapacidade para formular um conceito de delito ontológico, objetivo, material, privando o Criminólogo de uma base segura de referencial metodológico para o seu trabalho. Também os teóricos do labelling approach quando definem o crime como mero subproduto final do controle social, o que sem dúvida tem um papel importante na configuração efetiva da criminalidade, denotando a seletividade e a discriminação, pecam por negar toda a consistência e autonomia ao conceito de delito, impossibilitando a análise teórica sobre sua definição, etiologia, prevenção, pois confere ao controle social eficácia constitutiva, criadora da criminalidade. Não obstante, estes enfoques sociológicos têm desmistificado com saudável realismo o conceito formal e estático de delito da Criminologia clássica, chamando a atenção acerca da sua insuficiência. O conceito penal de delito é um conceito jurídico-formal, normativo e estático. O conceito Criminológico é um conceito empírico, real e dinâmico. A Criminologia clássica (tradicional), segundo García-Pablos de Molina, em sendo assim, submissa às definições jurídico-formais de delito, fez do conceito deste uma questão metodológica prioritária. Não assim a Criminologia moderna, a qual vem problematizar outros temas, como, por exemplo, as funções que o delito desempenha como indicador da efetividade do controle social. Chegou a tal ponto, inclusive, a perda de interesse de debate sobre o conteúdo criminológico de delito que um setor sugere utilizar o conceito que mais corresponda às características e necessidades da investigação, por exemplo, se estudo tem por objeto a descriminalização ou neocriminalização, operaria com o conceito “material” de delito, mas, se tem por objeto a análise do volume, estrutura e movimento da criminalidade, deverá tomar a definição jurídico-formal de delito. Para a criminologia o delito se apresenta, antes de tudo, como problema social e comunitário, que exige do investigador uma determinada atitude (empatia, aqui utilizada como interesse, diferenciando-se da tecnocracia e do formalismo) para se aproximar dele. Ou seja, a criminologia deve contemplar o delito não só como comportamento individual, mas, sobretudo, como problema social e comunitário, entendendo esta categoria refletida nas ciências sociais de acordo com sua acepção original, com toda sua carga de enigma e relativismo, segundo García-Pablos de Molina. O mesmo autor chama atenção que, conforme Oucharchyn-Dewitt e outros, um determinado fato ou fenômeno deve ser definido como problema social somente quando: tenha uma incidência massiva na população; que referida incidência seja dolorosa; persistência espaço-temporal; falta de um inequívoco consenso a respeito de sua etiologia e eficazes técnicas de intervenção no mesmo; consciência social generalizada a respeito de sua negatividade. Todas essas notas podem ser observadas no delito, que é, na verdade, um problema da comunidade, porque nasce na comunidade e nela deve encontrar formulas de solução positivas, já que vítima e delinquente são membros ativos da comunidade. Em razão de tudo isso e, ainda, tendo-se por norte a interdependência entre delito e reação social, pode-se afirmar da relatividade do seu conceito e da sua problematicidade, haja vista que há de se superar diversos filtros até que se atribua a determinado fato a qualidade de criminoso, pois, criminal não é uma qualidade objetiva inerente a certas condutas – estas não são in se ou per se delituosas – senão um (des) valor ou atributo negativo que se lhes confere desde o ordenamento jurídico. Veja-se a criminalização primária, a qual parte do legislativo, mas, também, se vale da conduta do denunciante (cifra negra); da polícia (verdadeira seletividade); dos Juízes e dos Tribunais (criminalização secundária). Além, é claro, da influência da mídia e da opinião pública nesses contextos. A criminologia, por outro lado, se ocupa, também, da pessoa do infrator, do delinquente, a qual alcançou seu máximoprotagonismo como objeto de investigações criminológicas durante a etapa positivista. O princípio da “diversidade” que inspirou a criminologia tradicional (o delinquente como realidade bi psicopatológica) o converteu no centro quase que exclusivo da atenção científica. Na moderna criminologia, no entanto, o estudo do homem delinquente passou a um segundo plano, em razão do giro sociológico e da necessária superação do enfoque individual em atenção aos objetivos políticos- criminais. Desloca-se o interesse da pessoa do infrator para a conduta delitiva, para a vítima e para o controle social. Em todo o caso, o delinquente é observado em suas interdependências sociais, como unidade biopsicossocial e não de uma perspectiva biopsicopatológica, como sucedera antes. No que diz com a imagem do homem delinquente, pode-se falar em quatro respostas: a clássica, a positivista, a correcionalista e a marxista. Vejamos. Os clássicos partiam de uma imagem sublime e ideal de ser humano, como centro do universo, como dono e senhor absoluto de si mesmo, de seus atos. O dogma da liberdade, o qual tornou todos os homens iguais qualitativamente, fundamentou a responsabilidade: o absurdo comportamento delitivo só pode ser atribuído ao mau uso da liberdade em uma concreta situação, não a razões internas, nem a influências externas. O crime, pois, possui suas raízes em um profundo mistério ou enigma. Para os clássicos, o delinquente é um pecador que optou pelo mal, embora pudesse e devesse respeitar a lei. Os positivistas, ao contrário, negam ao homem a possibilidade de livre controle sobre os seus atos, inserindo o comportamento do indivíduo na dinâmica de causas e efeitos que rege o mundo natural ou social, em uma cadeia de estímulos e respostas: fatores determinantes internos, endógenos (biológicos) ou externos e exógenos (sociais) explicam a sua conduta. Para o positivismo o infrator é um prisioneiro de sua própria patologia (determinismo biológico) ou de processos causais alheios a ele (determinismo social). A filosofia correcionalista, por sua vez, opera com diferentes imagens do infrator. O vê como um menor de idade, um inválido, pois trabalha com uma imagem pedagógica, pietista, vendo no criminoso um ser inferior, deficiente, incapaz de dirigir por si mesmo – livremente – a sua vida, cuja débil vontade requer uma intervenção eficaz e desinteressada por parte do Estado. Uma intervenção tutelar, por sua vez. O marxismo, por último, atribui à responsabilidade do crime a determinadas estruturas econômicas, de maneira que o infrator torna-se mera vítima inocente e fungível daquelas: culpável é a sociedade, conforme doutrina García-Pablos de Molina, aduzindo trabalhar e partir da premissa da normalidade do delito e do delinquente, diferindo, portanto, das referidas teses. Isso porque as demais disciplinas empíricas, como a psicologia, por exemplo, nos dão uma imagem mais dinâmica do homem em si, revelando-se este como um ser aberto e inacabado. Aberto aos demais em um permanente e dinâmico processo de comunicação, de interação; condicionado, com efeito, muito condicionado (por si mesmo, pelos demais, pelo meio), porém com assombrosa capacidade para transformar e transcender o legado que recebeu e, sobretudo, solidário com o presente e com a visão do seu próprio futuro ou no futuro alheio. Esse é o homem real e histórico do nosso tempo, que pode acatar as leis ou não cumpri-las por razões nem sempre acessíveis a nossa mente; um ser enigmático, complexo, torpe ou genial, herói ou miserável, porém, em todo o caso, mais um homem, como qualquer outro. Segue o autor, ainda, aduzindo para o fato de que existem infratores anormais, como também existem anormais que não delinquem. O postulado da normalidade do homem delinquente – e o da normalidade do crime – só pretende expressar um claro rechaço à tradicional correlação crime- anormalidade do infrator. Afinal, os “normais” são os que mais delinquem, a bem da verdade, vide a criminalidade econômico-financeira, a de tráfico, entre outras. Outra coisa, não significa, também, o postulado da normalidade do delito (não no sentido axiológico, valorativo, mas estatístico e sociológico): toda sociedade, qualquer que seja seu modelo de organização e abstração feita das numerosas variáveis de tempo e lugar, produz uma taxa inevitável de crime. O comportamento delitivo, portanto, é uma resposta previsível, típica, esperada, normal. No que tange à vítima, pode-se dizer que seu protagonismo era grande quando da vingança privada, mas, entretanto, seu abandono ocorreu quando da neutralização operada pelo sistema legal moderno. O abandono da vítima é um fato incontestável em todos os âmbitos. O Estado orienta a resposta oficial ao delito com base em critérios vingativos, retributivos (castigo ao culpável), desatendendo às mais elementares exigências reparatórias, de maneira que a vítima resulta relegada, geralmente, a um total desamparo, sem outro papel que o puramente testemunhal. O seu abandono pode ser constatado por muitas e diversas causas, tanto no âmbito jurídico como no empírico e no político-social. O sistema legal – o processo – já nasceu com o propósito deliberado de “neutralizar” a vítima, de acordo com García-Pablos de Molina, distanciando os dois protagonistas do conflito criminal, precisamente como garantia de uma aplicação serena, objetiva e institucionalizada das leis ao caso em concreto. É que a vingança privada gerava injustiça e represália, sendo assim, acreditava-se que a resposta ao crime deve ser uma resposta distante, imparcial, pública, desapaixonada. A neutralização da vítima está nas próprias origens do processo legal moderno. O processo seria o mecanismo institucionalizado de solução dos conflitos, entretanto, a sua linguagem abstrata, a sua simbologia e formalismo, convertem a vítima real em mero conceito e abstração, impedindo um enfrentamento interpessoal. Tal fenômeno é muito negativo, pois o infrator considera que seu único interlocutor é o sistema legal e, portanto, apenas frente a ele contrai responsabilidades, esquecendo-se da sua vítima. A vítima, por sua vez, se sente maltratada pelo sistema legal, havendo um processo de vitimização secundária, fruto da insensibilidade, desinteresse e do espírito burocrático daquele sistema, o que faz com que se distancie deste. Segundo Shecaira, tem-se convencionado dividir em três tempos o protagonismo da vítima nos estudos penais. A idade de ouro da vítima é aquela compreendida desde os primórdios da civilização até o fim da Alta Idade Média. Com a adoção do processo penal inquisitório, a vítima perde seu papel de protagonista do processo, passando a ter uma função acessória. Na segunda fase histórica, tem-se uma neutralização do poder Da vítima, ela deixa de ter o poder de reação ao fato delituoso, que é assumido pelos poderes públicos. A pena passa a ser uma garantia de ordem coletiva e não vitimaria. Em um terceiro momento, revaloriza-se o papel da vítima no processo penal. Desde a escola clássica já se tem essa intenção. Entretanto, a vitimologia com contorno criminológico é recente, advém do pós-segunda guerra mundial, sendo considerado fundador do movimento o advogado israelita Benjamim Mendelsohn, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, em função de uma conferência proferida em 1947, em Bucareste, intitulada Um horizonte novo na ciência biopsicossocial: a vitimologia. Também merece destaque o livro de Hans von Hentig, de 1948, divulgado na Universidade de Yale, intitulado O criminoso e sua vítima. Seguiram-se alguns seminários internacionais, tendo sidoo VII Simpósio Internacional de Vitimologia realizado no Brasil, em 1991, no Rio de Janeiro. A particularidade essencial da vitimologia consiste em questionar a aparente simplicidade em relação à vítima e mostrar, ao mesmo tempo, que o estudo da vítima é complexo, seja na esfera do indivíduo, seja na inter-relação existente entre autor e vítima, de acordo com Shecaira. Segundo leciona o referido autor, os estudos vitimológicos são muito importantes, pois permitem o exame do papel desempenhado pelas vítimas no desencadeamento do fato criminal. Propicia estudar a problemática da assistência jurídica, moral, psicológica e terapêutica, especialmente naqueles casos em que há violência ou grave ameaça à pessoa, nos crimes que deixam marcas e causam traumas, eventualmente até tomando as medidas necessárias a permitir que tais vítimas sejam indenizadas por programas estatais, como ocorrem uns alguns países, como México, Nova Zelândia, Áustria, Finlândia e alguns Estados americanos. De outra parte, os estudos da vítima permitem estudar a criminalidade real, mediante informe facilitado pela vítima de delito não averiguado (cifra negra da criminalidade). Há casos em que a diferença entre os fatos criminosos ocorridos e os comunicados é de 90%, como nos crimes sexuais, por exemplo. Por fim, cabe diferenciar a vitimização primária, secundária e terciária. Considera-se haver vítima primária quando um sujeito é diretamente atingido pela prática do fato delituoso. A secundária é derivativa das relações existentes entre vítimas primárias e o Estado em face do aparelho repressivo (polícia, burocratização do sistema, falta de sensibilidade, etc.). Já a terciária é aquela que, mesmo possuindo um envolvimento com o fato delituoso, tem um sofrimento excessivo, além daquele determinado pela lei do país. É o caso do acusado que sofre sevícias, torturas ou outros tipos de violência (às vezes dos próprios presos), ou que responde processos que evidentemente não lhe deveriam ser imputados (ex. caso Escola Base). Esse protagonismo, no entanto, deve ser objeto de cuidado, no sentido de que não sejam às vítimas manipuladas e instrumentalizadas para fins meramente punitivos, desvirtuando o sistema até então construído, o qual possibilitou, ainda diante de todas as suas deficiências, maior justiça e igualdade. Ainda como objeto da Criminologia temos o controle social. A moderna criminologia se preocupa, também, com o controle social do delito, sem dúvida por sua orientação cada vez mais sociológica e dinâmica, o que representou um giro metodológico, inclusive. De acordo com Shecaira, toda sociedade ou grupo social, desde que Max Weber introduziu a ideia de “monopólio da força legítima”, necessita de mecanismos disciplinares que assegurem a convivência interna de seus membros, razão pela qual se vê obrigada a criar uma gama de instrumentos que garantam a conformidade dos objetivos eleitos no plano social. Este processo irá pautar as condutas humanas, orientando posturas pessoais e sociais. Dentro deste contexto, podemos definir o controle social como o conjunto de mecanismos e sanções sociais que pretendem submeter o indivíduo aos modelos e normas comunitários. Para alcançar tais metas as organizações sociais lançam mão de dois sistemas articulados entre si. O controle social informal, que passa pela instância da sociedade civil: família, escola, profissão, opinião pública, grupos de pressão, clubes de serviço etc. E controle social formal, identificada com a atuação do aparelho político do Estado: polícia, justiça, exército, ministério público, administração penitenciária e todos os consectários destas agências, como controle legal, penal etc. As instâncias de controle social informal operam educando, socializando o indivíduo, são mais sutis do que as agências formais e atuam ao longo de toda a existência da pessoa. Por fazer assimilar nos destinatários valores e normas de uma dada sociedade sem recorrer à coerção estatal, o controle social informal possui mais força em ambientes reduzidos, sendo, então, típico de sociedades pouco complexas. Entretanto, em épocas como a atual, em que se assiste ao aprofundamento das complexidades sociais, e em que são enfraquecidos os laços comunitários, cada vez mais os mecanismos de controle informal tornam-se enfraquecidos. As redes de interação humana se reduzem de modo que uma multidão de anônimos não convive, apenas habita os mesmos espaços, e desse modo não há permanência que possibilite a estruturação de mecanismos de controle informal. Segundo Bauman, com a vitória da visão meritocrática de mundo, que conforta aos poderosos ao conferir dignidade aos seus privilégios, afasta-se o princípio comunitário de compartilhamento. Daí porque a grande margem de atuação do controle social formal, mormente quando se verifica que o controle social informal falha ou é ausente. Assim, se o indivíduo, em face do processo de socialização, não tem uma postura em conformidade com as pautas de conduta transmitidas e apreendidas na sociedade, entrarão em ação as instâncias formais que atuarão de maneira coercitiva, impondo sanções qualitativamente distintas das reprovações existentes na esfera informal. Este controle social formal é seletivo e discriminatório, pois o status prima sobre o merecimento. Ademais, é ele estigmatizante, desencadeando desviações secundárias e carreiras criminais. A sua efetividade é muito menor do que a exercida pelo controle social informal. É isso que explica ser a criminalidade muito maior nos grandes centros urbanos do que nas pequenas comunidades. A efetividade do controle social formal é sempre relativa, na verdade, a eficaz prevenção do crime não depende tanto da maior efetividade do controle social formal, mas, sim, da melhor integração ou sincronização do controle social informal e formal. Ex. polícia comunitária. O Direito Penal representa, também, tão-somente um dos meios ou sistemas normativos existentes, do mesmo modo que a infração legal constitui nada mais que um elemento parcial de todas as condutas desviadas; e que a pena significa uma opção dentre as muitas existentes para sancionar a conduta desviada. Mas é inegável que o Direito penal simboliza o sistema normativo mais formalizado, com uma estrutura mais racional e com o mais elevado grau de divisão do trabalho e de especialidade funcional dentre todos os subsistemas normativos, segundo García-Pablos de Molina. O controle social penal é um subsistema dentro do sistema global de controle social; difere deste último pelos seus fins (prevenção ou repressão do delito), pelos meios dos quais se serve (penas ou medidas de segurança) e pelo grau de formalização que exige. A função básica da Criminologia consiste em informar a sociedade e os poderes públicos sobre o delito, o delinquente, a vítima e o controle social, reunindo um núcleo de conhecimentos – o mais seguro e contrastado – que permita compreender cientificamente o problema criminal, preveni-lo e intervir com eficácia e de modo positivo no homem delinquente, de acordo com García- Pablos de Molina. A Criminologia aspira conhecer e explicar a realidade com pretensões de objetividade, busca a verdade e o progresso, entretanto, como disse Popper, ao referir-se a este último, o progresso constitui uma “busca sem fim”. Convém recordar que a Criminologia não é uma ciência exata, capaz de explicar o fenômeno delitivo formulando leis universais e relações de causa e efeito. Ela tem por intuito buscar um núcleo de conhecimentos que significa saber sistemático, ordenado, generalizador e não mera acumulação de dados ouinformações isoladas e desconexas. Assim, a Criminologia, como ciência, não pode ser tão-somente um gigantesco banco de dados centralizado, senão uma fonte dinâmica de informação; do mesmo modo que a tarefa do criminólogo é sempre provisória, inacabada, aberta aos resultados das investigações interdisciplinares, nunca definitiva. A obtenção de dados não é um fim em si mesmo; os dados são material bruto que têm que ser interpretados de acordo com uma teoria. A Criminologia é uma ciência prática que busca reunir conhecimentos úteis e aplicáveis à realidade social. Segundo o autor, a Criminologia pretende um controle razoável do delito, pois a sua total erradicação da sociedade é uma meta utópica e inviável. A sua investigação, no entanto, não é neutra, por isso, podemos falar em dois modelos radicais: o positivista e o crítico. A Criminologia positivista seria uma criminologia legitimadora da ordem social constituída, porque não questiona os seus fundamentos axiológicos, as definições oficiais ou o próprio funcionamento do sistema, pelo contrário, assume-o como um dogma, acriticamente, refugiando-se na suposta neutralidade do empirismo das cifras e das estatísticas. O modelo crítico, do contrário, questiona as bases da ordem social, sua legitimidade, o concreto funcionamento do sistema e de suas instâncias, assim como a reação social: o delito e o próprio controle social se tornam problemáticos. Para García-Pablos de Molina, nenhum dos dois modelos convence, pois o criminólogo deve buscar a verdade, como cientista, reservando para si a possibilidade de criticar, inclusive, as bases legais do sistema e seu funcionamento, mas não pode transformar a Criminologia em sociologia política ou mera política criminal. A contribuição da Criminologia está, portanto, na explicação cientifica do fenômeno criminal, através dos seus modelos teóricos; a prevenção do delito (sabendo de antemão da nocividade da intervenção penal, por isso reservando a pena apenas a casos de estrita necessidade, dados seus efeitos e custos sociais, bem como, salientando a complexidade do efeito dissuasório); e a intervenção no homem delinquente (sem desconhecer a crise da “ideologia do tratamento”, pois não parece fácil que o Estado garanta a ressocialização do condenado, quando não é capaz sequer de assegurar a sua vida, sua integridade física, sua saúde. Além disso, tal desencanto preocupa, pois faz ressurgir o tradicional direito penal retributivo, questionando a eficácia dos dispositivos constitucionais e convencionais, normas jurídicas obrigatórias que vinculam todos os poderes do Estado. Em consequência, a Criminologia teria três metas: esclarecer qual é o impacto real da pena em que a cumpre; quais os efeitos que produz, dadas suas condições de cumprimento, não os fins e funções “ideais” que lhe são assinalados pelos teóricos; esclarecer e desmistificar tal impacto real para neutralizá-lo, para que a inevitável potencialidade destrutiva inerente a toda privação de liberdade não se torne irreversível. Para que a privação de liberdade seja somente privação de liberdade e nada mais que isso. Desenhar e avaliar programas de reinserção, entendendo-a não no sentido clínico e individualista (modificação qualitativa da personalidade do infrator), senão no funcional; programas que permitam uma efetiva incorporação sem traumas para o ex- condenado à comunidade jurídica, removendo obstáculo, promovendo uma recíproca comunicação e interação entre indivíduo e sociedade. Fazer a sociedade perceber que o crime não é um problema exclusivo do sistema legal, senão de todos). Por fim, vale asseverar que a Criminologia estabelecerá relações com outras disciplinas, sejam elas integrantes de ciências criminais e não criminais, como, por exemplo, nesse último caso, a biologia (dado o substrato biológico do ser humano), a psiquiatria e a psicologia (dado o potencial psíquico do homem), a sociologia (isso porque a realidade total do fenômeno delitivo é pluridimensional; o crime não como expressão de uma personalidade patológica do indivíduo, mas, sim, como fato social, normal com magnitude coletiva), a etiologia (esta examina a estrutura ou suporte biológico do comportamento das espécies vivas, delimitando, caso a caso, o componente instintivo e o adquirido. Por meio da comparação do comportamento humano e o animal trata, assim, de verificar as regras que regem o sistema orgânico em sua totalidade, de acordo com os objetivos próprios da biologia. É, no entanto, reducionista, simplifica a natureza complexa do homem e a mediação das pautas culturais). Também a Criminologia se relaciona com as ciências criminais: mormente o Direito Penal e a Política Criminal. Só que o Direito Penal é uma ciência do “dever ser” e a Criminologia do “ser”. A ciência penal é normativa e funda-se num conceito formal de delito, já a Criminologia encara o delito como fenômeno real e serve de métodos empíricos para examiná-lo. A evolução das ciências penais e criminológicas, segundo Garcia-Pablos de Molina, caminha para um modelo “integrado” de Ciência Penal, imposto pela necessidade de um método interdisciplinar e pela unidade do saber científico. Dessa forma, a politica criminal, enquanto disciplina que oferece aos poderes públicos as opções cientificas concretas mais adequadas para o eficaz controle do crime, vem servindo de ponte eficaz entre o Direito Penal e a Criminologia. Seriam, portanto, estas disciplinas, os três pilares do sistema de ciências criminais, inseparáveis e interdependentes, embora o abismo existente entre elas na realidade. Referências bibliográficas: BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011. GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Direito Penal, Introdução e princípios fundamentais. V. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. ______. GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. AULA 3 – A CONSOLIDAÇÃO DA CRIMINOLOGIA COMO CIÊNCIA A origem da criminologia científica: De acordo com García-Pablos de Molina, o crime é um fato tão antigo como o homem e sempre fascinou e preocupou a humanidade. Por isso, sempre existiu uma experiência cultural e uma imagem ou representação de cada civilização em relação ao crime e ao delinquente. O que denominamos hoje como criminologia não é nenhum descobrimento recente. Não há, portanto, como circunscrever a sua origem exata, mas a criminologia é uma disciplina científica, de base empírica, que surge quando a denominada Escola Positiva italiana (Scuola Positiva) é dizer, o positivismo criminológico, cujos representantes foram Lombroso, Garófalo e Ferri, generalizou o método de investigação empírico-indutivo. Embora Zaffaroni entenda que a criminologia já se fazia presente aos tempos da inquisição, com os demonólogos. Mas, para García-Pablos de Molina pode-se falar em duas etapas ou momentos na evolução das ideias sobre o crime: a etapa pré-científica e a científica, cuja linha divisória foi dada pela escola italiana positiva, isto é, pela passagem da especulação, da dedução, do pensamento abstrato-dedutivo à observação, à indução, ao método positivo. Nesta longa evolução de ideias e teorias sobre o crime e o delinquente, pode-se constatar um certo deslocamento dos interesses e do método empregado, desde a Biologia à Psicologia e à Psiquiatria, e desde estas à Sociologia, predominando, hoje em dia, esta última. Mas há uma grande diferença na consideração deste tema entreEuropa e Estados Unidos. Na Europa existiu uma dilatada e fecunda tradição biológica, da qual não se liberou a Psicologia nem a própria Psicanálise. Nos Estados Unidos, do contrário, a análise sociológica permeou e orientou todas as investigações, até o ponto em que a Criminologia nasce como apêndice da Sociologia. O certo é que ocorreu uma progressiva maturação do pensamento criminológico. A etapa pré-científica da criminologia: nesta etapa havia dois enfoques claramente distintos em razão do método dos seus patrocinadores: por um lado, o que se pode denominar “clássico” (produto das ideias do iluminismo, dos reformadores e do Direito Penal clássico: modelo que se vale de um método abstrato, dedutivo e formal); de outro, o que se pode qualificar como “empírico”, por ser desta classe as investigações sobre o crime, realizadas de forma fragmentária por especialistas das mais diversas procedências (fisionomistas, frenólogos, antropólogos, psiquiatras etc.), tendo todos eles em comum o fato de que substituem a especulação, a intuição e a dedução pela análise, observação e indução (método empírico-indutivo). Ambas coincidem no tempo e, inclusive, se prolongam até os nossos dias, de acordo com García- Pablos de Molina. Criminologia Clássica: assumiu o legado liberal, racionalista e humanista do Iluminismo, especialmente sua orientação jusnaturalista. Concebe o crime como fato individual, isolado, como mera infração à lei: é a contradição com a norma jurídica que dá sentido ao delito, sem que seja necessária uma referência à personalidade do autor (mero sujeito ativo do fato) ou à sua realidade social, para compreendê-lo. O decisivo mesmo é o fato, não o autor. A determinação sempre justa da lei, igual para todos e acertada é infringida pelo delinquente em uma decisão livre e soberana. Falta para a referida escola uma preocupação etiológica (indagar as causas do comportamento criminoso), já que sua premissa jusnaturalista a conduz a atribuir a origem do ato delitivo a uma decisão livre do seu autor, incompatível com a existência de outros fatores ou causas que pudessem influir no seu comportamento. É uma concepção mais reativa, só podendo assim oferecer uma explicação situacional do delito. Seu jusnaturalismo é incompatível com as supostas diferenças qualitativas entre os homens honestos e os delinquentes. A imagem do homem como ser racional, igual e livre, a teoria do pacto social, como fundamento da sociedade civil e do poder, assim como a concepção utilitária de castigo, não desprovida de apoio ético, constituem os três pilares do pensamento clássico. A escola simboliza o trânsito entre o pensamento mágico, sobrenatural, ao pensamento abstrato, do mesmo modo que o positivismo representará a passagem ulterior para o mundo naturalístico e concreto. Seu ponto débil, segundo García-Pablos de Molina não foi tanto não contar com uma teoria da criminalidade, mas abordar o problema do crime menosprezando o exame da pessoa do delinquente, assim como do seu meio ou relacionamento social, como se fosse possível conceber o delito como uma abstração jurídico-formal. Em sendo assim, não foi capaz de oferecer aos poderes públicos as bases e informações necessárias para um programa político- criminal de prevenção e luta contra o crime. Optou pela especulação, pelos sistemas filosóficos e metafísicos, pelos dogmas (liberdade e igualdade do homem, bondade das leis etc.). A sua contribuição permanece mais no campo da penologia. Sua teoria sobre a criminalidade não busca tanto a identificação dos fatores que a esta determina (análise etiológica) como a fundamentação, legitimação e delimitação do castigo. Não porque se produz o delito, senão quando, como e por que castigamos o crime. Isso porque historicamente enfrentou o sistema penal caótico e arbitrário das monarquias absolutas, por isso, precisava antes de tudo racionalizar e humanizar o panorama legislativo e o funcionamento das instituições, buscando um novo marco. Como consequência, a escola enfrenta muito tarde o problema criminal: limita-se a responder ao comportamento delitivo com uma pena justa, proporcionada e útil, mas não se interessa pela gênese e etiologia daquele nem trata de preveni-lo e antecipar-se ao mesmo. Seus traços formalistas e acríticos, assim, são funcionais ao poder constituído e tranquilizadores para a opinião pública. Legitimam o uso sistemático do castigo como instrumento de controle do crime, justificando a práxis e seus eventuais excessos. Para as autoridades, a teoria do contrato social consolida o status quo e resulta atraente; porque lembra o insubstituível rol das estruturas de poder, o caráter egoísta e irracional do crime, a periculosidade dos membros das classes baixas, acerca dos quais podem concentrar-se as taxas mais elevadas da criminalidade etc. Tudo isso sem se questionar as bases do contrato social, a bondade ou a injustiça deste, os desequilíbrios e as desigualdades reais das partes. Como expressão da escola clássica temos Beccaria com a obra dos delitos e das penas, o qual se assentou nas ideias do contrato social e da divisão dos poderes, para além do princípio utilitarista da maior felicidade para o maior número. Romagnosi, o qual via a pena como contraestimulo ao impulso criminoso e Francesco Carrara, através do qual nasce a moderna ciência do direito penal italiano. Orientações empíricas: operando no marco das ciências naturais, se vale de um método empírico-indutivo, baseado na observação da pessoa do delinquente e do seu meio. Este método, como percursor do positivismo criminológico, antecedeu-lhe em anos. As principais investigações foram realizadas nos mais diversos campos do saber. Na Ciência Penitenciária, Howard (1726-1790) e Bentham (1748-1832) analisaram, descreveram e denunciaram a realidade penitenciária europeia do século XVIII, conseguindo importantes reformas legais (Howard) ou formulando a tese da reforma do delinquente como fim prioritário da Administração, assim como da necessidade de valer-se do emprego das estatísticas (Bentham). Este último autor influiu muito na reforma penal inglesa do século XIX e em outras legislações. Sua obra fundamental é teórica, mas sua criação do panóptico é um achado que alcançou universalidade. É um utilitarista, pois defende a concepção de que a pena, para justificar-se, deve ter uma finalidade útil. Tendo em conta a fisionomia, Della Porta (1535-1616) e Lavater (1741-1801) preocuparam-se com o estudo da aparência externa do indivíduo, ressaltando a inter-relação entre o somático (corpo) e o psíquico. A observação e a análise (visita a reclusos, necropsias, etc.) foram os métodos empregados. Conhecido é o “retrato robô” que ofereceu Lavater, denominado “homem de maldade natural”, baseado nas suas supostas características somáticas. E, na prática, conhecido como “Édito de Valério” (quando se tem dúvida entre dois presumidos culpados, condena-se o mais feio) ou a forma processual imposta no século XVIII por um juiz napolitano, o marquês de Moscardi (ouvidas às testemunhas de acusação e de defesa e visto o rosto e a cabeça do acusado, condeno-o), que se vinculam a tais concepções fisionômicas, de escasso rigor teórico-científico, porém com apoio nas convicções populares. Antecipando-se aos conhecimentos frenológicos, sustentou Lavater que existe uma correlação entre determinadas qualidades do indivíduo e os órgãos ou partes do seu corpo onde se supõe que têm sede e concentração física e as correspondentes potências humanas. A vida intelectual podia ser observada na fronte (testa); a moral e sensitiva nos olhos e no nariz; a animale vegetativa no mento (maxilar inferior). Autêntico percursor do delinquente nato de Lombroso. A frenologia, percursora da moderna Neurofisiologia e da Neuropsiquiatria, deu também uma importante contribuição, ao tratar de localizar no cérebro humano as diversas funções psíquicas do homem e explicar o comportamento criminoso como consequências das malformações cerebrais. Destaca-se a obra de Gall (1758- 1828), autor de um conhecido mapa cerebral dividido em 38 regiões. Para este autor, o crime é causado por um desenvolvimento parcial e não compensado do cérebro, que ocasiona uma hiperfunção de determinado sentimento. Acreditou haver localizado em diversos pontos do cérebro um instinto de agressividade, homicida, de patrimônio, moral e etc. A obra de Cubí y Soler também merece destaque porque três décadas antes de Lombroso antecipa uma de suas teses. Contribui no âmbito metodológico, experimental, devido às pesquisas e trabalhos de campo. Considerava o delinquente como um enfermo que necessitava de tratamento. Optou por fórmulas prevencionistas em matéria de política-criminal, tratando de localizar em diversos lugares do cérebro as faculdades e potências do ser humano, incluída as criminais. O mesmo sucede com as investigações da Psiquiatria, cujo fundador Pinel (1745-1826), realizou os primeiros diagnósticos clínicos separando os delinquentes dos enfermos mentais; também importa a obra de Esquirol (1772-1840), que elaborou as categorias clínicas oficiais vigentes no século XIX; e a de Prichard e Despine, que formularam a tese da loucura moral do delinquente; por último, a de Morel (1809-1873), para quem o crime é uma forma determinada de degeneração hereditária, de regressão, e a loucura moral um mero déficit do substrato moral da personalidade. A antropologia também aparece unida às origens da Criminologia, destacando-se os estudos sobre os crânios de assassinos de Broca ou Wilson e as investigações de Thompson sobre numerosos reclusos. Em abono delas veio a tese de Nicholson no sentido de que o criminoso é uma variedade mórbida da espécie humana. Lucas (1805-1885) anunciou o conceito de atavismo, Virgílio, que, dois anos antes de Lombroso, utilizou a expressão “criminoso nato”. Particular importância teve a obra de Darwin (1809-1882). Três de suas teses foram assumidas pela escola positiva: a concepção de delinquente como espécie atávica, não evoluída; a máxima significação concedida à carga ou legado que um indivíduo recebe por meio da hereditariedade e uma nova imagem do ser humano, privado da importância e do protagonismo que lhe conferira o mundo clássico. As ideias segundo as quais há organismos superiores estruturados hierarquicamente para sobreviver por sua maior aptidão foram transpassadas ao plano social, indicando nele sociedades, classes, forças produtivas e modelos econômicos superiores que pareciam dar direitos diferentes na divisão de benefícios de um mundo que tinha no topo o Império Britânico, segundo Elbert. Nesse contexto, as ideias de Spencer (1820- 1903), o qual aplica o evolucionismo, convencido de que os ineptos deviam desaparecer por decantação, e os melhores deveriam ocupar os postos de direção em todos os terrenos da vida social. Via, assim, a sociedade como um órgão, traçando comparações entre o biológico e o social. Sinale-se que tais ideias implicam uma visão racista, oligárquica, estática e fatalista da sociedade. Estatística Moral ou Escola Cartográfica: tem como principais representantes Quetelet (1796-1874), Guerry (1802-1866), V.Mair, Fregier e Maygew, genuínos percursores do positivismo sociológico e do método estatístico, que criam a concepção de delito como fenômeno coletivo e fato social – regular e normal - , regido por leis naturais, como qualquer outro acontecimento, e que deve ser submetido a uma análise quantitativa. No século XIX, as preocupações com os problemas sociais advindos da Revolução Industrial entravam em choque com os ideais iluministas. Fazia-se necessária uma nova análise que trouxesse novas respostas. Daí a estatística, mormente porque o modelo de Estado moderno trazia consigo os censos populacionais, estudos demográficos, entre outros. Representa, para alguns, a inevitável ponte entre a criminologia clássica e a positiva; para outros, o começo da moderna sociologia criminal cientifica. Para a referida escola o crime é um fenômeno social, de massas, não um acontecimento individual; o delinquente concreto, com sua eventual decisão, não altera em termos estatisticamente significantes o volume e a estrutura da criminalidade. A liberdade individual é um problema subjetivo, psicológico, sem transcendência estatística. O crime é uma magnitude assombrosamente regular e constante. Repete-se com periodicidade, pois é produto de leis sociais que o investigador deve descobrir e formular. Ainda, o crime, como fenômeno natural, assim como os fatos humanos e sociais, é regido por leis naturais, que a mecânica e a física social conhecem. Por isso, averiguar as suas causas, frequência média relativa, distribuição e variáveis. O delito é um fenômeno normal, inevitável, constante, regular, necessário. O único método que admite para a investigação, por óbvio, é o estatístico. A estatística social teve, ao longo do tempo, um duplo âmbito de influência: por um lado, inspirou a direção sociológica do positivismo europeu, como se pode observar no pensamento de Ferri; de outro, provocou decisivo impacto na moderna Sociologia Criminal norte-americana, cujo ponto de partida foi à denominada Escola de Chicago. Para os representantes da referida escola, o crime é uma magnitude estável, existe um volume constante e regular de criminalidade na sociedade. Essa premissa, posteriormente, restou debatida e questionada por autores que optaram por uma análise dinâmica do comportamento criminal, os quais ressaltaram não só os movimentos da criminalidade, mas também a conexão entre eles e as principais transformações sociais ocorridas: guerras, modificação dos preços de certos produtos de primeira necessidade, crises socioeconômicas etc. Ex. Moreau-Cristophe (1791-1898) que destacou a conexão existente entre o desenvolvimento industrial inglês e o agudo crescimento da pobreza, que traria maiores índices de criminalidade; V.Ottingen que comprovou a relação entre guerra, preços de certos produtos e criminalidade, sendo que em tempo de crise aumentariam os roubos e os delitos cometidos por mulheres e crianças; G. V. Mayr questionou a chamada frequência relativa do delito, considerando a tese de Quetelet do volume constante da criminalidade insustentável, pois as oscilações ambientais e temporais e as espaciais seriam muito significativas, volume e movimento da criminalidade seriam fatal e necessariamente condicionados por fatores sociais, que fogem da livre decisão humana; Rawson W. Rawson, representante da ecologia social, que formulou uma análise comparativa da criminalidade de diversos distritos e chegou à conclusão que o emprego seria um fator decisivo, assim como o processo de concentração urbana; por fim, Mayhew que não se limitou a interpretar as estatísticas oficiais, senão conseguiu pessoalmente a informação e os dados nas ruas e nas casas comerciais de Londres. Seu propósito era demonstrar que o crime é um fenômeno que se perpetua por meio de atitudes antissociais e pautas de condutas transmitidas de geração a geração em um contexto social caracterizado pela pobreza, pelo álcool, pelas deficientes condições de moradia e pela insegurança econômica. O crime não procede, segundo ele, da mera flacidez moral nem de forças sobrenaturais, senão dascondições sociais do momento. A referida escola, portanto, sela o início da Sociologia Criminal e provável da própria Criminologia. A ela devemos a observação do crime como fenômeno de massas, como fato social e como magnitude mensurável, perspectiva, assim como a possibilidade de se aplicar métodos quantitativos – estatísticos – ao estudo dos fatos sociais. Além de uma certa normalidade na ocorrência dos delitos. Referências bibliográficas: BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011. ELBERT, Carlos Alberto. Novo Manual Básico de Criminologia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Direito Penal, Introdução e princípios fundamentais. V. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. ______. GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. AULA 4 - Etapa científica da Criminologia: a) A Escola Positiva italiana; b) Escolas intermediárias e teorias ambientais. De acordo com García-Pablos de Molina, a etapa científica da criminologia começa no final do século passado com o positivismo criminológico, com a scuola positiva italiana que foi encabeçada por Lombroso, Garófalo e Ferri. Surge como crítica à criminologia clássica, dando lugar a uma polêmica doutrinária sobre métodos e paradigmas, do científico (o método abstrato e dedutivo dos clássicos, baseado no silogismo), frente ao método empírico-indutivo dos positivistas (baseado na observação dos fatos, dados). A scuola positiva italiana, no entanto, apresenta duas direções opostas: a antropológica de Lombroso e a sociológica de Ferri, que acentuam a relevância da etiologia do fator individual e social em suas explicações do delito. Entretanto, esta escola acaba inaugurando o debate contemporâneo sobre o crime e a polêmica entre as diversas escolas. Assim, seguindo a lição de García-Pablos de Molina, a exposição se dividirá entre a escola positiva e a posterior luta de escolas. O positivismo criminológico representa o momento científico, de acordo com a famosa lei de Comte, sobre as fases e estágios do conhecimento humano: a superação das etapas “mágica” ou “teológica” (pensamento antigo) e “abstrata” ou “metafísica” (racionalismo ilustrado). Significa, também, de acordo com Ferri, uma mudança radical na análise do delito: os clássicos haviam lutado contra a irracionalidade do castigo do antigo regime; a missão histórica do positivismo seria lutar contra o delito, por meio de um conhecimento científico de suas causas, com o objetivo de proteger a ordem social: a nova ordem social da nascente sociedade burguesa industrial. Sua característica fundamental reside no método, mais ainda que nos postulados. O método positivo, empírico, que trata de submeter constantemente a imaginação à observação e os fenômenos sociais às leis férreas da natureza, a cosmogonia da ordem e do progresso, a fé cega na onipotência do método científico e na inevitabilidade do progresso. Sob o ponto de vista histórico- político, o positivismo contribuiu para a consolidação e defesa da nova ordem social que se tornou, assim, um absoluto inquestionável. O iluminismo havia se limitado a criticar o antigo regime. A teoria do contrato social e da função preventiva da pena não era suficiente para fundamentar positivamente a nova ordem social burguesa industrial. Pelo contrário, o criticismo racionalista e metafísico dos iluministas poderia colocá-la em perigo. Era necessário, assim, fortalecer a ordem social nascente, legitimando-a e protegendo-a, e esse foi o projeto do positivismo. Essa função legitimadora explica a sua teoria da pena; isto é, a prioridade que concede à proteção eficaz da ordem social – em contraste com a abordagem ilustrada, atenta mais a metas retribucionistas, dissuasivas ou, inclusive, à reforma do delinquente - ; explica, também, o chamativo rigor defendido pelo positivismo, que põe especial ênfase nas colônias ultramar e na pena de morte, evocando a lei da seleção natural das espécies para justificar esta última; e explica o princípio da diversidade do homem delinquente, a hipótese de que o criminoso, sob o ponto de vista qualitativo, é um indivíduo distinto (patológico) do cidadão normal. a) A Escola Positiva italiana: ainda que o utilitarismo, cientificismo e racionalismo aproximem a filosofia positivista à iluminista, ambas compartilhando de uma fé na ciência e no progresso, tem-se que a ciência e o saber positivista, sua teoria objetiva do conhecimento e o próprio modelo causal explicativo, conferem ao método empírico um papel bem distinto a serviço de um marco social também diferente. No mesmo sentido há que se interpretar três dogmas do positivismo: a subordinação dos fenômenos sociais às inflexíveis leis da natureza; a permanente submissão da imaginação à observação; a natureza relativa do espírito positivo; e a previsão racional, como destino das leis positivas. O positivismo crê na existência de leis naturais. Mas estas leis não têm sua origem numa instância jusnatural ou metafísica, senão no outro absoluto: a ordem física e social. Não há mais realidade do que a dos fatos. O conhecimento é objetivo: o indivíduo que observa deve esvaziar-se do seu próprio mundo subjetivo. Não obstante, a observação mesma fica permanentemente superada por sua relatividade. A finalidade da ciência não se esgota no acumulo de dados, senão na inter-relação deles, formulando as leis que regulam os fenômenos. O modelo científico transcende a mera descrição, reclama uma análise causal- explicativa. Assim, do que é poder-se-á deduzir o que será. O fator aglutinante do positivismo criminológico foi o método empírico-indutivo ou indutivo- experimental, o qual se ajustava ao esquema causal-explicativo. A escola positivista se apresenta como superação do liberalismo individualista clássico, na demanda de uma eficaz defesa da sociedade. Fundamenta o direito a castigar na necessidade da conservação social e não na mera “utilidade”, antepondo os direitos dos “honrados” aos direitos dos “delinquentes”. Os postulados da escola positiva podem ser sintetizados: o delito é concebido como fato real e histórico, natural, não como uma fictícia abstração jurídica; sua nocividade deriva não da mera contradição com a lei a que ele corresponde, senão das exigências da vida social, que é incompatível com certas agressões que põem em perigo suas bases; seu estudo e compreensão são inseparáveis do exame do delinquente e da sua realidade social; interessa ao positivismo a etiologia do crime, isto é, a identificação das suas causas como fenômeno, e não simplesmente a sua gênese, pois o decisivo será combatê-lo em sua própria raiz, com eficácia e, sendo possível, com programas de prevenção realistas e científicos; a finalidade da lei penal não é restabelecer a ordem jurídica, senão combater o fenômeno social do crime, defender a sociedade; o positivismo concede prioridade ao estudo do delinquente, que está acima do próprio fato, razão pela qual ganham particular significação estudos tipológicos e a própria concepção do criminoso como subtipo humano, diferente dos demais cidadãos honestos, constituindo esta diversidade a própria explicação da conduta delitiva. O positivismo pode-se dizer, assim, é determinista, qualifica de ficção a liberdade humana e fundamenta o castigo na ideia da responsabilidade social ou na do mero fato de se viver em comunidade. Carece das raízes liberais, propugnando por um claro antiindividualismoinclinado a criar obstáculos à ordem social, e se caracteriza, ademais, por sobrepor a rigorosa defesa da sociedade frente aos direitos do indivíduo e por diagnosticar o mal do delito com simplistas atribuições a fatores patológicos (individuais) que exculpam de antemão a sociedade. Professa, assim, uma concepção classista (como se os ricos fossem portadores de uma moral maior, jamais delinquindo) e discriminatória da ordem social, imbuída de preconceitos e de acordo com o mito da “diversidade” do delinquente. A antropologia de Lombroso: Lombroso (1835-1909) representou a diretriz antropológica. Sua obra Tratado Antropológico Experimental do Homem Delinquente, publicada em 1876, marca as origens da criminologia científica, sendo ele considerado o seu fundador. Médico, psiquiatra, antropólogo, político, foi um homem polifacetado e genial, com mais de 600 publicações em diversas áreas e temas. A sua contribuição principal para a criminologia não está tanto em sua famosa tipologia (onde destaca a categoria do delinquente nato) ou em sua teoria criminológica, senão no método que utilizou em suas investigações: o empírico. A teoria do delinquente nato teve sua base em mais de 400 autópsias e 6000 análises de delinquentes vivos; e o atavismo que, conforme seu ponto de vista caracteriza o tipo criminoso, contou com o estudo minucioso de 25.000 reclusos das prisões europeias. Do ponto de vista tipológico, distingue seis grupos de delinquentes: o nato (atávico), o louco moral (doente), o epilético, o louco, o ocasional e o passional. Posterior, enriqueceu essa diferenciação com o exame da criminalidade feminina e do delito político e mitigou mais tarde essas classificações iniciais, reconhecendo a transcendência dos fatores sociais e exógenos no delito. Lugar destacado na sua teoria tem a categoria do delinquente nato, uma subespécie ou subtipo humano (dentre os seres vivos superiores, porém sem alcançar o nível superior do homo sapiens), degenerado, atávico (produto da regressão, não evolução das espécies), marcado por uma série de “estigmas”, que lhe delatam e identificam e se transmitem por via hereditária. Iniciou suas investigações a partir do exame do crânio de um conhecido delinquente. E baseou o atavismo ou caráter regressivo do tipo criminoso no exame do comportamento de certos animais e plantas, no de tribos primitivas e selvagens de civilizações indígenas e, inclusive, em certas atitudes da psicologia infantil. De acordo com seu pensamento, o delinquente padece uma série de estigmas degenerativos comportamentais, psicológicos e sociais (fronte esquiva e baixa, grande desenvolvimento dos arcos supraciliares, assimetrias cranianas, fusão dos ossos atlas e occipital, grande desenvolvimento das maçãs do rosto, orelhas em forma de asa, tubérculo de Darwin, uso frequente de tatuagens, notável insensibilidade à dor, instabilidade afetiva, uso frequente de determinado jargão, altos índices de reincidência etc.). Em sua teoria Lombroso inter-relaciona o atavismo, a loucura moral e a epilepsia. Sua tese, por fim, foi muito criticada. Censura-se o seu evolucionismo, carente de base empírica, já que nem o comportamento de outros seres vivos é extrapolável ao do homem, nem se demonstrou a existência de taxas superiores de criminalidade dentre as tribos primitivas, senão o contrário. Reprova-se, também, o suposto caráter atávico do delinquente nato e o significado que Lombroso atribui aos estigmas degenerativos. Não há uma correlação necessária entre estigmas e tendência criminosa. Além disso, não é difícil de encontrar em qualquer indivíduo alguns desses traços, sem que a explicação seja o atavismo. Nem todos os delinquentes apresentam essas anomalias e nem os não delinquentes estão livres delas. Não existe, pois, o tipo criminoso, de caráter antropológico. Não é correto, obviamente, examinar o crime apenas sob a ótica do seu autor, desprezando, assim, a relevância de fatores exógenos, sociais etc. A sociologia criminal de Ferri (1856-1929): representa a diretriz sociológica do positivismo. Professor universitário, advogado célebre, político militante e reputado cientista, costuma ser considerado o pai da moderna sociologia criminal. A mentalidade positivista de Ferri apareceu na sua primeira obra, sua tese de doutoramento, na qual rechaçava o livre-arbítrio, qualificando- o de mera ficção. Mas, Lombroso, ainda assim, não o reconhecia como verdadeiro positivista, eis que lhe faltava um método, o qual posteriormente veio a apreender, através da observação empírica, da análise dos fatos, da experimentação. É conhecido por sua equilibrada teoria da criminalidade (apesar do seu particular ênfase sociológico), por seu ambicioso programa político- criminal (substitutivos penais) e por sua tipologia criminal, assumida pela Scuola Positiva. Propugnava por um estudo etiológico do crime, orientado à busca científica das suas causas. O delito, para Ferri, não é produto exclusivo de nenhuma patologia individual, senão, como qualquer outro acontecimento natural ou social, resultado da contribuição de diversos fatores: individuais, físicos e sociais. Distinguiu, assim, fatores antropológicos ou individuais (constituição orgânica do indivíduo, sua constituição psíquica, características pessoas como raça, idade, sexo, estado civil etc.); fatores físicos ou telúricos (clima, estações, temperatura etc.); e fatores sociais (densidade da população, opinião pública, família, moral, religião, educação, alcoolismo etc.). Entende, pois, que a criminalidade é um fenômeno social como outros, que se rege por sua própria dinâmica, de modo que o cientista poderia antecipar o número exato de delitos e a classe deles, em uma determinada sociedade e em um momento concreto, se contasse com todos os fatores antes citados e fosse capaz de quantificar a incidência de cada um deles. Quanto aos substitutivos penais, sua tese era a seguinte: o delito é um fenômeno social, com uma dinâmica própria e etiologia específica, na qual predominam os fatores sociais. Em consequência, a luta e a prevenção do delito devem ser concretizadas por meio de uma ação realista e científica dos poderes públicos que se antecipe a ele e que incida com eficácia nos fatores criminógenos que o produzem, nas mais diversas esferas (econômica, política, familiar, legislativa etc.), neutralizando-os. A pena seria, por si só, ineficaz, se não vem precedida ou acompanhada das oportunas reformas econômicas, sociais etc., orientadas por uma análise científica e etiológica do delito. Por isso, propugnava como instrumento de luta contra o delito, não o direito penal convencional, senão uma sociologia criminal integrada, cujos pilares seriam a psicologia positiva, a antropologia criminal e a estatística social. Quanto à tipologia, se valia dos cinco tipos básicos de delinquentes (nato, louco, habitual, ocasional e passional), acrescentando a categoria do delinquente involuntário, o imprudente. Mas admitia a frequente combinação das características dos tipos em uma mesma pessoa. Ferri lamentava o excessivo individualismo dos clássicos, em detrimento da defesa da sociedade. Propugnou pela justiça da ordem social e pela necessidade de sua defesa a qualquer custo, incluindo o sacrifício dos direitos individuais, daí a sua ingênua confiança no regime fascista, sua preferência pelo sistema de medidas de segurança (livres do formalismo e da obsessão pelas garantias individuais dos juristas) e pela sentença indeterminada; sua hostilidade em relação aos jurados e a admissão em alguns casos da pena de morte. O positivismo moderado de Garófalo (1852-1934): emborafosse fiel às premissas metodológicas positivistas, o que lhe caracteriza é a moderação e o equilíbrio, que o distanciaram tanto da antropologia de Lombroso, como da sociologia de Ferri. Entendia que os positivistas até então tinham se delimitado a descrever as características do delinquente, do criminoso, em lugar de definir o próprio conceito de crime como objeto da disciplina, daí advindo o seu conceito de “delito natural”, com o qual se distingue uma série de condutas nocivas, em qualquer sociedade e em qualquer momento, com independência, inclusive, das próprias valorações mutantes. Sua definição decepcionou, pois dificilmente pode se elaborar um catálogo absoluto e universal de crimes. No que diz com a teoria da criminalidade, nega a possibilidade de demonstrar a existência de um tipo criminoso, mas reconhece o significado e a relevância de determinados dados anatômicos (o tamanho excessivo das mandíbulas ou o superior desenvolvimento da região occipital em relação a frontal). O seu característico é a fundamentação do comportamento e do tipo criminoso em uma suposta anomalia, não patológica, psíquica ou moral. Trata-se de um déficit na esfera moral da personalidade do indivíduo, de base orgânica, endógena, de uma mutação psíquica (não enfermidade mental), transmissível por via hereditária e com conotações atávicas e degenerativas. Distinguiu quatro tipos de delinquentes: o assassino, o criminoso violento, o ladrão e o lascivo. Sua principal contribuição foi no que diz com os fins da pena e sua fundamentação, assim como das medidas de prevenção e repressão da criminalidade. Parte de um determinismo moderado, o qual contrasta com a dureza com que propõe a defesa da ordem social. Do mesmo modo que a natureza elimina a espécie que não se adapta ao meio, também o Estado deve eliminar o delinquente que não se adapta à sociedade e às exigências de convivência. Esta defesa radical da ordem social leva-lhe a aceitar a pena de morte em determinados casos, assim como penas de particular severidade (ex. envio do delinquente por tempo indefinido para colônias agrícolas). Para ele a pena deve existir em função das características concretas de cada delinquente, sem que sejam válidos outros critérios convencionais como o da retribuição, a correção ou prevenção. Destacou a ideia de proporção como medida da pena, do mesmo modo que destacou a ideia de responsabilidade moral e liberdade humana como fundamento daquela. Opôs-se a finalidade correcional ou ressocializadora do castigo, por considerar que impede o substrato orgânico e psíquico, inato, que existe na personalidade criminosa. Tampouco estimou acertada a ideia da prevenção como fundamento da pena, porque esta não permite determinar o quantum do castigo. b) Escolas intermediárias e teorias ambientais: A Escola de Lyon: também chamada escola antropossocial ou criminal- sociológica, era integrada fundamentalmente por médicos. Recebeu influência da escola do químico Pasteur, por isso seus integrantes se utilizavam do símil do micróbio (delinquente) para explicar a transcendental importância do meio social na gênese da delinquência. Lacassagne (1843-1924), a quem se atribui a frase “As sociedades têm os criminosos que merecem” (para ressaltar a importância do meio social), distinguiu duas classes de fatores criminógenos: os predisponentes (de caráter somático – corporal) e os determinantes (os sociais, decisivos). Reconhece o referido autor que o homem delinquente apresenta mais anomalias corporais e anímicas que o homem não delinquente, mas estima que essas sejam produto do meio social e não explicam o crime sem o concurso necessário do entorno. Nessas anomalias o papel decisivo vem da pobreza e da miséria. Não são as anomalias que fazem o delinquente, mas a relação dinâmica do sistema nervoso central do indivíduo e o meio social que se traduz em imagens mais ou menos equilibradas do cérebro. Para ele, cabe falar de três classes de homens, de acordo com tantas outras topografias cerebrais, isto é, segundo o deslocamento no cérebro das três funções básicas do ser humano: as intelectuais (região frontal), as afetivas (occipital) e as volitivas (parietal). A preponderância de uma ou outra zona é que permitiria falar em delinquente frontal, parietal e etc. Contemplou a influência criminógena das condições socioeconômicas, chegando à conclusão de que, para fins estatísticos, existe uma clara correlação entre os delitos contra o patrimônio e as mudanças operadas nas estruturas econômicas. As denominadas Escolas ecléticas: trata-se de uma série de escolas que pretendem harmonizar os postulados do positivismo com os dogmas clássicos, tanto no plano metodológico quanto ideológico. Não contêm nenhuma teoria criminológica (etiológica) original (valem-se da conhecida formula de combinar a predisposição individual e o meio ambiente), porém interessam porque abordam problemas essenciais para a reflexão criminológica. A Terza Scuola: alguns de seus representantes: Alimena, Carnevale, Ipallomeni etc. Seus postulados eram os seguintes: nítida distinção entre disciplinas empíricas (método experimental) e disciplinas normativas (método abstrato e dedutivo); contemplação do delito como produto de uma pluralidade muito complexa de fatores endógenos e exógenos; substituição da tipologia positivista por outra mais simplificada, que distingue os delinquentes em ocasionais, habituais e anormais; dualismo penal ou uso complementar de penas e medidas de segurança, frente ao monismo clássico (monopólio da pena retributiva) ou ao positivismo (exclusividade das medidas de segurança); atitude eclética a respeito do problema do livre-arbítrio, conservando a ideia de responsabilidade moral como fundamento da pena, e a de temibilidade como fundamento da medida; atitude de compromisso quanto aos fins da pena, conjugando as exigências de retribuição com as de correção do delinquente. Escola de Marburgo ou Jovem Escola Alemã de Política Criminal: seu porta-voz mais conhecido foi Von Liszt, fundador, junto com Prins e Van Hamel, da Associação Internacional de Criminalística. Os seus postulados: análise científica da realidade criminal, dirigida à busca das causas do crime, em lugar de uma contemplação filosófica ou jurídica deste, pois a ótica jurídica, dogmática, é complementar, não substitutiva da empírica; desdramatização e relativização do problema do livre-arbítrio, o que conduz a um dualismo penal que compatibiliza as penas e as medidas de segurança, baseadas, respectivamente, na culpabilidade e na periculosidade; a defesa social apresenta- se como objetivo prioritário da função penal, embora se acentue a importância da prevenção especial. Sua ideia mais sugestiva está no âmbito metodológico e no político-criminal. Franz von Liszt sugere uma ciência total ou totalizadora do direito penal, da qual deveriam fazer parte a antropologia, a psicologia e a estatística criminal (não só a dogmática jurídica), com o fim de obter e coordenar um conhecimento científico das causas do crime e combatê-lo eficazmente. Afasta-se dos clássicos, que pretendiam lutar com o crime sem analisar cientificamente suas causas, e, também, afasta-se dos positivistas, na medida em que conserva intactas as garantias individuais que, a seu juízo, representam o direito penal (como barreira intransponível de qualquer política criminal). Propugnou por uma concepção finalista da pena (não meramente retributiva), influenciado pelo pensamento evolucionista. A escola ou movimento da defesa social: representada por Mark Ancel, Gramática, etc. É uma filosofia penal, uma política criminal e nãonecessariamente uma escola, segundo García-Pablos de Molina. A ideia de “defesa social” é mais antiga, pois surgiu na época do iluminismo e foi formulada, posteriormente, por Prins. O específico desta escola é o modo de articular referida defesa da sociedade mediante a oportuna ação coordenada do direito penal, da criminologia e da ciência penitenciária, sobre bases científicas e humanitárias, ao mesmo tempo, e a nova imagem do homem delinquente, realista, porém digna, de que parte. A meta desejada não deve ser o castigo do delinquente, senão a proteção eficaz da sociedade por meio de estratégias não necessariamente penais, que partam do conhecimento científico da personalidade daquele e sejam capazes de neutralizar sua eventual periculosidade de modo humanitário e individualizado. Potencia a finalidade ressocializadora do castigo, compatível com a finalidade protetora da sociedade, precisamente porque acolhe uma imagem do delinquente, como membro da sociedade, chamado a nela se reincorporar, o que obriga a respeitar sua identidade e dignidade. O pensamento psicossociológico de Tarde (1843-1904): era jurista, francês e diretor de estatística criminal do Ministério da Justiça. Fez oposição às teses antropológicas de Lombroso e ao determinismo social, propugnando por uma teoria da criminalidade na qual ostentam particular relevância os fatores sociais; fatores físicos e biológicos podem ter alguma incidência na gênese do comportamento delitivo, porém, nunca a decisiva que tem o meio social. Preferiu substituir a tese positivista da responsabilidade social por nova teoria que fundamentaria a reprovação, se concorressem no indivíduo dois pressupostos: sua identidade ou conceito de si mesmo e a semelhança ou identidade social dele como seu meio. A sua explicação sociológica tem uma particular conotação psicológica, por isso ser caracterizado como percursor da teoria da aprendizagem de Sutherland. Para Tarde, o delinquente é um tipo profissional, que necessita de um longo período de aprendizagem, como os médicos, advogados e outros, em um meio particular, o criminal, e de particulares técnicas de intercomunicação e convivência com seus camaradas. São muito significativas as suas leis da imitação. Pois, para ele, o delito, como qualquer outro comportamento social, começa sendo moda e torna-se, depois, um hábito ou costume e, como qualquer outro fenômeno social, o mimetismo – a imitação – representa um papel decisivo. O delinquente é consciente ou inconsciente, um imitador. O seu pensamento já contem o germe de posteriores concepções subculturais, quando contrapõe o delinquente urbano ao rural e analise a gênese da criminalidade derivada do progresso tecnológico e da moderna civilização. De outro lado, consciente do efeito preventivo da pena, mostrou-se partidário da pena de morte e se opôs ao sistema de jurado, partidário de uma justiça profissionalizada e técnica. Partidário do livre-arbítrio condiciona a responsabilidade penal do indivíduo a uma dupla exigência: a identidade pessoal deste consigo mesmo, antes e depois da infração, e o que denomina de similitude social, a adequada integração ou adaptação daquele ao seu grupo ou subgrupo, sem a qual somente caberia a aplicação de uma medida e não de uma pena. A sua teoria da pena parte de uma base psicológica, um comitê de médicos e psicólogos era quem deveria decidir sobre a responsabilidade do indivíduo. Do ponto de vista político-criminal formula a seguinte sugestão: se o delinquente é um profissional, a criminalidade é, então, uma indústria especial exercida por uma determinada classe de indivíduos que produzem delitos de acordo com as leis gerais do mercado. O aumento ou a diminuição da delinquência será regida pelas mesmas normas da economia geral e do concreto mercado ao que pertence essa indústria ou atividade em particular. Referências bibliográficas: BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011. ELBERT, Carlos Alberto. Novo manual básico de criminologia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Direito Penal, Introdução e princípios fundamentais. V. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. ______. GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. AULA 5 - A moderna Criminologia científica e os diversos modelos teóricos. Biologia Criminal, Psicologia Criminal e Sociologia Criminal. A moderna Criminologia científica – modelos teóricos explicativos do comportamento criminal. A Biologia Criminal, a Psicologia Criminal e a Sociologia Criminal. De acordo com García-Pablos de Molina, com a luta de Escolas, conforme verificamos na aula passada, surgem três orientações relativamente definidas na criminologia: as biológicas, as psicológicas e as sociológicas. As primeiras cuidam de novo do homem delinquente, tratando de localizar e identificar alguma parte de seu corpo ou no funcionamento dos diversos sistemas e subsistemas deste, o fator diferencial que explicaria a conduta delitiva que é entendida como consequência de uma patologia, disfunção ou transtorno orgânico. As hipóteses são variadas e abrangem diversas ciências: antropológica, biotipológica, endocrinológica, genética, neurofisiológica, bioquímica etc. As orientações psicológicas buscam a explicação do comportamento delitivo no mundo anímico do homem, nos processos psíquicos anormais (psicopatologia) ou nas vivências subconscientes que têm sua origem no passado remoto do indivíduo e que só podem ser captadas por meio da introspecção (psicanálise); ou, ademais creem que o comportamento delitivo, em sua gênese (aprendizagem), estrutura e dinâmica, têm idênticas características e se rege pelas mesmas pautas que o comportamento não delitivo (teorias psicológicas da aprendizagem). As orientações sociológicas, por sua vez, contemplam o fato delitivo como “fenômeno social”, aplicando à sua análise diversos marcos teóricos, os quais verificaremos separadamente: ecológico, estrutural-funcionalista, subcultural, conflitual, interacionista etc. De qualquer maneira, é bom pontuar que a atual polêmica se desenvolve apenas diante o método empírico e científico. De acordo com o referido autor, vale salientar que tradicionalmente tem- se destinado à criminologia, entre outras, a função de explicar cientificamente o crime elaborando modelos teóricos que esclareçam a etiologia e gênese deste problema social e comunitário. O que ela tem tentado fazer, seguindo, no entanto, diversos caminhos. Por exemplo, já vimos que a criminologia clássica e neoclássica partia do dogma do livre arbítrio porque não poderiam admitir sequer a hipótese de que o comportamento humano estivesse regido por causas ou fatores. Opostas ao determinismo biológico e social atribuíam o crime a uma decisão livre e racional do infrator baseada em critérios de utilidade e oportunidade. Por isso, para García-Pablos de Molina, as referidas escolas não professaram uma teoria etiológica da delinquência, senão uma teoria situacional da mesma. A criminologia positivista que se inicial com a Scuola Positiva, pelo contrário, abraça o paradigma etiológico (busca das causas do delito). Sua conhecida análise causa-explicativa atribui o comportamento criminal a certos fatores biológicos, psicológicos ou sociais que determinariam o mesmo. Entretanto, na atualidade estes enfoques então simplistas e monocausais tornam- se mais complexos apontando para modelos explicativos
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