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adolescencia-e-evolucao-sociocultural-emmanuelli - PRIMEIRA AULA

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ADOLESCÊNCIA E EVOLUÇÃO SOCIOCULTURAL
Michèle Emmanuelli
Fonte: Emmanuelli, Michèle. A clínica da adolescência. In CARDOSO, Marta Resende e MARTY, François (orgs). 
Destinos da adolescência. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008. pág. 29-32.
[…]
O ponto de partida do processo de adolescência é fixado, com a puberdade, por dados biológicos, mas isso não 
diminui a importância do fato de que o estatuto do jovem é profundamente tributário do olhar social e varia conforme as 
culturas e as épocas. A tal ponto que determinados historiadores ou sociólogos confundiram estatuto social e realidade 
psíquica.
Para o historiador Philippe Ariès a noção de adolescência só apareceu no Ocidente por volta do final do século 
XVIII. De acordo com esse autor, de fato, a passagem entre a infância e a idade adulta até então se efetuava sem 
transição nessa sociedade. Por seu lado, Margaret Mead, a partir de observações que fez nas Ilhas Samoa, defende a 
idéia de que a adolescência é um fenômeno de sociedade, e que pode ser inexistente em algumas dentre estas – 
conforme essa autora, este é o caso nessas ilhas. Não obstante, é preciso distinguir estatuto social e processo psíquico 
e, como Annie Birraux (1994, op.cit., p.41) enfatiza, não se pode extrapolar, a partir da construção da ausência de papéis 
de transição entre a infância e a idade madura, que não há ao mesmo tempo modificação interna, remanejamentos 
psicológicos. O trabalho de J. S. Schmitt, que tem por objeto as autobiografias do século XII, ou os romances corteses, 
deixa isso bem evidente. Mesmo que a terminologia a propósito das etapas da vida nem sempre seja precisa quanto a 
isso e englobe ou confunda, às vezes, a passagem entre infância e juventude – ainda que encontremos em Aucassin et 
Nicolette um vocabulário que marca diferenciações muito claras sobre esse ponto –, esses textos revelam a presença de 
temas fundamentais (incesto e parricídio) associados desde sempre aos remanejamentos psíquicos da adolescência 
(Perrot, Schmitt & Farge, 1985).
A sociedade representa seu papel no estatuto que outorga a seus membros nas diferentes épocas de sua vida, 
na compreensão ou na recusa a apreender os processos psíquicos que as acompanham. O Émile de J. J. Rousseau 
ilustra o aparecimento de uma concepção nova da adolescência no século XVIII na Europa. Essa concepção comporta a 
noção nova de “momento crítico”, de “crise”, que vai passar a ter um lugar importante ao longo dos séculos seguintes: o 
livro IV enfatiza a irrupção pulsional e seu impacto no curso desse período, na entrada na vida sexual que o caracteriza. 
Rousseau, além disso, insiste na noção central de transformação que implica o corpo e o espírito e cujas conseqüências 
são tão importantes que, nessa obra de reflexão acerca da educação, ele propõe prolongar essa etapa que, se sabemos 
quando a adolescência começa, é mais difícil determinar seu final. O Petit Robert propõe os 18 anos como final para as 
moças e 20 anos para os rapazes. Hoje em dia sabe-se, por causa das modificações socioculturais e econômicas que as 
sociedades industrializadas conhecem, que poucos jovens podem ser considerados adultos a partir dessas idades 
mencionadas: a entrada na idade adulta implica uma autonomia que muitos não têm nem no plano econômico nem no 
plano psíquico. A noção de pós-adolescência, proposta por Blos em 1962, tem sido retomada em trabalhos recentes que 
enfatizam a dimensão “interminável” da adolescência atual (Alléon, Morvan & Lebovici, 1985; Anatrella, 1993). A situação 
dos atuais adolescentes para quem a “moratória” de que Erikson (1968) falava se prolonga dessa maneira, ao mesmo 
tempo em que conquistaram uma liberdade sexual precoce e o estatuto de maior mais cedo, não deixa de parecer 
paradoxal nesse ponto. Essa situação, em si mesma, é fonte de problemas psicopatológicos.
A evolução cultural também se marca pelo abandono dos ritos, cujas conseqüências sobre o psiquismo são 
incontestáveis. Nas sociedades tradicionais, as mudanças ficavam sob a égide dos ritos de iniciação, constituindo uma 
etapa simbólica carregada de significações múltiplas: representação codificada da separação em relação à mãe e ao 
mundo da infância, do abandono da bissexualidade, da rivalidade com os adultos, os ritos propõem uma encenação 
atuada que serve de preparação e de apoio para o trabalho de representação psíquica individual. Nas sociedades 
industrializadas, certas experiências tais como os ritos religiosos, o serviço militar, a consulta média com vistas à 
contracepção, podem adquirir o valor de ritual iniciático por causa de seu alcance simbólico. Seu caráter individual e sua 
heterogeneidade, entretanto, não permitem a inscrição num simbolismo do corpo social, o que dá à família e sua rede de 
interações com o adolescente, uma importância adicional (Brusset, 1995). O desaparecimento dos ritos nas sociedades 
industrializadas tem como conseqüência a falência dos processos de figuração, embora determinados psicanalistas 
(Richard, 1996) tenham proposto a idéia de que a doença mental para alguns adolescentes poderia ter o valor de ritual.
A ligação entre as mudanças que afetam a patologia dos adolescentes e as modificações que intervêm nas 
sociedades e nas famílias foi claramente desenvolvida por Philippe Jeammet em 1985, e depois por Raymond Cahn em 
1996 (op.cit.). O enfraquecimento do consenso social acerca das regras educativas, a atenuação da valorização do pai, 
que com freqüência se acompanha de uma perda de sua situação, o retraimento na vida familiar com o encolhimento 
que exclui a família alargada, o apagamento das barreiras entre as gerações, servem de contexto à inflação das 
patologias atuais, situadas fora dos registros clássicos da neurose e da psicose. 
Nessa evolução, a relação de pais e filhos é marcada por uma busca de cumplicidade que exclui o jogo da 
autoridade paterna, escamoteia os interditos e visa ao apagamento de qualquer conflito. A expectativa parental, marcada 
no extremo pelo desejo de gratificações narcísicas, é de uma relação idealizada. A criança, e depois o adolescente, é 
encarregada de devolver aos pais uma imagem deles mesmos perfeita, que exclui toda a agressividade: pais-colegas, 
com quem se pode falar tudo, o que contribui, assim como uma certa moda de vestuário, para negar a distância das 
idades e, por aí, o envelhecimento. Nesse sistema, toda a carga de agressividade inerente às relações pais-filhos é 
deixada ao adolescente, o que torna sua elaboração tanto mais difícil, talvez impossível. O filho fica encarregado, mais 
do que nunca, de satisfazer as expectativas narcísicas dos pais, alcançando bons resultados escolares e sociais, o que 
num sistema em que o sucesso é cada vez mais valorizado, pesa muito cedo e muito intensamente no desenvolvimento 
psíquico da criança. A expectativa dos pais, substituída pela da escola, tende a apagar a tomada em consideração das 
necessidades afetivas e interfere com o desenvolvimento dos auto-erotismos. Estabelece-se uma dificuldade de 
experienciar como seus os seus próprios desejos, que se equiparam a representações mal diferenciadas das imagos 
parentais. A perda dos valores entrava a instauração de um superego que se assente sobre a integração de tais valores, 
transmitidos de geração em geração.
É, com freqüência, na adolescência que, após uma infância tranqüila, se revela o impacto psicopatológico 
dessas interações da família e dessa evolução cultural.
Se, no plano do funcionamento mental, a interiorização, as capacidades de autonomização e de conflitualidade 
edipiana são sustentadas pelos sistemas da família em que residem os valores edipianos, ligados à coerência da figura 
paterna, na direção contrária os sistemas familiares e sociais que prevalecem hoje em dia, flutuantes, sem referências, 
vêem desenvolver-se problemáticas narcísicas marcadas pela dependência ao objeto externo, pela falta de capacidades 
de autonomização e conflitualizaçãopsíquica. Muitas vezes, a adolescência serve de revelador para essas 
problemáticas.
[...]
Referências
ALLÉON, A-M., MORVAN, O. e LEBOVICI, S. (1985) Adolescence terminée, adolescence interminable. Paris: PUF.
ANATRELLA, T. (1993) Interminables adolescences. Paris: Cerf/Cujas.
ARIÈS, P. (1973) L'enfant et la vie familiale sous l'Ancien Régime, 2ème éd. Paris: Seuil. 
BIRRAUX, A. (1994) L'Adolescent face à son corps. Paris: Bayard.
BLOS, P. (1962) Les adolescents. Essai de Psychanalyse. Paris: Stock, 1967.
BRUSSET, B. (1983) “A propos de l'élasticité de la technique analytique”. Adolescence, 1, 1, 87-91.
CAHN, R. (1996) L'Adolescence em l'an 2000. Cahiers de psychologie clinique, 6, 35-44. 
ERIKSON, E. (1968) Adolescence et crise. Paris: Flammarion, 1972.
JEAMMET, F. (1985) Actualité de l'agir. A propos de l'adolescence. Nouvelle revue de Psychanalyse, 31, 201-222.
PERROT, M., SCHMITT,J-C. e FARGE, A. (1985) Adolescences. Un pluriel à l'étude des historiens. Adolescence, 3, 1, 
43-74.
RICHARD, F. (1996) “Crise d'adolescence et nouveau malaise dans la civilisation”. Cahiers de psychologie clinique, 6, 
205-221.

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