
Pré-visualização | Página 34 de 39
até mesmo, circunstanciais que obrigam a pessoa a contratar uma determinada cobertura securitária. Dessa forma, indispensável o controle jurídico das condições contratuais gerais e, se houver, das cláusulas abusivas, a fim de limitar o excesso de poder econômico empresarial e proteger a parte economicamente mais fraca na relação contratual, ou seja, a parte hipossuficiente, o consumidor. Assim, as cláusulas do contrato de seguro de vida, que é contrato de adesão, devem estar inteiramente de acordo com o CDC, sob pena de, conforme dispõe o art. 51, serem consideradas abusivas e declaradas nulas de pleno direito quando: a) impliquem renúncia ou disposição de direitos (inc. I); b) subtraiam ao segurado ou beneficiário a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos em lei (inc. II); c) transfiram responsabilidades a terceiros (inc. III); d) estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o segurado ou beneficiário em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (inc. IV); e) estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do segurado ou do beneficiário (inc. V); f) permitam ao segurador, direta ou indiretamente, variação do prêmio de maneira unilateral (inc. X); g) autorizem a seguradora a cancelar o contrato ou a modificar seu conteúdo unilateralmente, após a sua celebração (incs. XI e XIII); h) estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor (inc. XV). O inc. IV, combinado com o § 1º, ambos do art. 51, constitui a chamada cláusula geral proibitória da utilização de cláusulas abusivas nos contratos de consumo. Essa cláusula exige boa-fé, equidade e equilíbrio nas relações contratuais, de modo a proibir quaisquer abusos 188 SENE, Leone Trida. Seguro de pessoas: negativas de pagamento das seguradoras. Curitiba: Juruá, 2006. p. 106. 95 contra o segurado-consumidor. A boa-fé impõe o respeito às expectativas legítimas do outro contratante quanto à prestação principal, o agir leal, o dever de informar, aconselhar o leigo, destacar os riscos e deveres incluídos no contrato, a cooperação para que se atinja o resultado contratual esperado. A equidade, por sua vez, pressupõe o equilíbrio contratual, a manutenção do sinalagma genético, apesar das modificações supervenientes.189 Insta referir, ainda, que o art. 51 do CDC, ao fulminar com a nulidade absoluta as cláusulas abusivas, utiliza como base conceitual o art. 166, VII, do Código Civil, segundo o qual “é nulo o negócio jurídico quando a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção”. Pode o consumidor ou o Ministério Público, a partir de requerimento de entidade representativa dos consumidores, ajuizar a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto no CDC ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes (art. 51, § 4º). No que diz respeito às cláusulas abusivas no contrato de seguro de vida, a jurisprudência assim se manifesta: SEGURO DE VIDA. CANCELAMENTO DA APÓLICE SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE CONTEMPLA FATOR DE REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA. ABUSIVIDADE. Caso em que não se mostra lícita a pretensão da ré de alterar, de forma unilateral, as cláusulas contratuais, com o argumento da impossibilidade de manter o pacto original, face ao aumento da sinistralidade, sob pena de comprometer o equilíbrio financeiro do grupo. Era de conhecimento da ré que, com o passar dos anos, a massa segurada envelheceria e, conseqüentemente, os eventos danosos previstos no contrato ocorreriam com maior freqüência. Aumento da sinistralidade que não se revela fator surpresa a justificar a adoção da nova modalidade de reajuste. Viável o pedido de repetição de indébito, pois o valor pago a maior pelo segurado, advém de cláusula abusiva, ora declarada, a qual estipulou tal aumento. Apelo provido. (Apelação Cível Nº 70026083519, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 26/08/2009). APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. PEDIDO DE CANCELAMENTO DA APÓLICE PELA ESTIPULANTE. RESCISÃO DO CONTRATO PELA SEGURADORA. CLÁUSULA ABUSIVA. MANUTENÇÃO DO SEGURO CONTRATADO. Aplicabilidade do CDC às relações securitárias, porquanto enquadrado o serviço na regra do art. 3º, §2º, da Lei nº 8.078/90. Cláusula abusiva que prevê a possibilidade de não renovação contratual com base em manifestação da estipulante e de inviabilidade de manutenção do seguro, nos termos do art. 51, IV e XI, do CDC. Ausência de que foi oportunizada à segurada a continuidade do 189 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 752. 96 seguro com a adaptação para avença de ordem privada, e não mais coletiva. Afronta ao princípio da boa-fé. Procedência da ação com a manutenção da renovação da apólice do seguro de vida da autora. Sentença mantida. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70026326124, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Julgado em 19/11/2008). APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO PELA SEGURADORA. PEDIDO DE MANUTENÇÃO DA APÓLICE DE SEGUROS. POSSIBILIDADE. Preliminar de nulidade de sentença A sentença proferida não é extra petita, uma vez que não extrapolou os limites do pedido. Preliminar rejeitada. Mérito Hipótese em que o cancelamento unilateral do contrato de seguro de vida mostra-se abusivo, tendo em vista a incidência do art. 51, incisos IV e XV do CDC. Precedentes desta Câmara. PRELIMINAR RECURSAL REJEITADA. APELO DESPROVIDO, UNÂNIME (Apelação Cível Nº 70033200551, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 28/07/2010). SEGURO DE VIDA INDIVIDUAL - CANCELAMENTO UNILATERAL -MANUTENÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO - BOA- FÉ OBJETIVA- COBERTURA SECURITÁRIA VIGENTE HÁ ANOS - NÃO RENOVAÇÃO - ABUSIVIDADE - VIOLAÇÃO AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR- RECURSO NÃO PROVIDO A possibilidade de não renovação nas mesmas condições do pacto anteriormente firmado pelo segurador deve ser apreciada caso a caso, sob pena de ser caracterizada como abusiva, sobretudo quando a cláusula restringe direito fundamental ou de regra sobre direito e não ofereça uma opção ao segurado, pois o risco é fator inerente ao contrato de seguro de vida, à luz do art. 51 da lei consumerista. (Apelação Cível nº 992080092763, 35ª Câmara de Direito Privado, Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator: Clóvis Castelo, Julgado em 29/03/2010). Vê-se, pela análise da jurisprudência acima exposta, que a maior parte das cláusulas abusivas em contratos de seguro funda-se na alteração ou rescisão unilateral, por parte da seguradora, do contrato, contrariando, expressamente, o disposto nos incs. IV, X, XI, XIII e XV do art. 51 do CDC. Isto é assim porque à seguradora é vedado atuar de maneira unilateral a fim de rescindir o contrato ou modificá-lo, aumentando o valor do prêmio, subtraindo do segurado o direito, previsto em lei, de devolução das quantias pagas etc. Deve o segurador pautar-se, ao agir, pelos princípios da boa-fé objetiva, equidade, lealdade e transparência, de maneira a sempre informar o consumidor-segurado acerca dos termos do contrato e realizar alteração ou rescisão contratual somente com o consentimento (informado, é bom que se esclareça) deste. Casos há, por óbvio, em que se admitirá a resolução do contrato por vontade da seguradora190, mas são estes excepcionais e devem ser analisados no caso