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DOSSIE A Inquisirdo em Portugal e nas co16nias pode ter acabado oficial- mente em 1821, mas, pelo menos no Brasil, suas chamas conti- nuam acesas, ainda que discretamente. Em breve, a Camara dos Deputados teni a chance de reaviVli-Ias. Nada de perseguiroes, torturas ou bruxaria: 0 unico instrumento necessario e um projeto de reJorma do C6digo de Processo Penal, ja aprovado pelo Senado. Como em uma viagem no tempo, 0 projeto propoe a criardo de um modelo de juiz que surgiu nos prim6rdios da Inquisirdo espanhola e nunca mais JOi utilizado. Diferentemente do sistema atual, esse juiz passa a poder apresentar provas a favor do reu. D chamado "juiz-deJensor" era importante para neutralizar um depoimento de acusardo que tivesse 0 objetivo de prejudicar o reu. E1e surgiu nas Instruroes do primeiro inquisidor-geral es- panhol, Tomas de Torquemada, em 1484. Mas, e hoje? Qual seria o beneficio desse tipo de juiz para a ]ustira brasileira? "Ndo sei qual 0 lado bom, pois esse juiz e tendencioso, ja nasce tendo que o gorro usado pelos reus - representado no filme "Fantasmas de Goya" (2006) - e apontado como a origem da expres- sao popular "a cara- pu~a serviu". proteger 0 reu. Mas se voce for acusado, vai prefe- rir urn juiz que fique do seu lado ou urn juiz isen- to? Dai da para se ter uma ideia de quem propos isso", ironiza Mauro Fonseca Andrade, promotor de Justi<;a do Rio Grande do SuI e autor de Inquisi- ~ao espanhola e seu processo criminal - As Instru~i5es de Torquemada e Valdes (2006). o projeto ainda nao tern data para ser analisado na Camara, mas ja vern sendo criticado por varios juristas e organizac;6es. "0 sistema judiciario bra- sileiro nao tern juizes suficientes; essa ideia esta fora da realidade. Alem disso, 0 juiz tern que ser imparcial; essa mudan<;a vai contra os principios da democracia brasileira", protesta Gabriel Wedy, presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros. Talvez a criac;ao da figura do juiz-defensor nunca seja aprovada. De qualquer modo, ela seria so mais lenha na fogueira, pois no Brasil nao faltam heranc;as da Inquisic;ao - e a Justic;a concentra boa parte delas. Dois exemplos positi- vos sao a concessao de defensor publico a quem nao tern dinheiro para pagar urn advogado e a figura do Ministerio PUblico, criada na esfera inquisitorial, mas ainda no fim da Idade Media. Naquela epoca, a Igreja e a Coroa tinham uma especie de funcionario chamado "fiscal", encarre- gada de apresentar acusac;6es a Inquisic;ao. "Isso acontecia justamente porque os particulares nao tinham intenc;ao ou entao tinham medo de acu- sar quem cometia algum crime ou praticava here- sia" , explica 0 promotor Andrade. Ainda hoje na Espanha, 0 nome do orgao equivalente ao nosso Ministerio Publico e Ministerio Fiscal. o segredo de processo e outra heranc;:a desse periodo. Na Idade Media, ele era uma forma de os inquisidores manterem maior controle sobre as ac;6es. Antes disso, os julgamentos eram publicos e chegavam a ter a presenc;a de ate seis mil pessoas. Essa participac;ao permitia uma especie de fiscaliza- c;ao popular. Mesmo com 0 fim dessa plateia, os acu- sados nao ficaram totalmente desamparados: surgiu na mesma epoca 0 recurso em beneficio do reu. Em alguns paises, passou a ser possivel recorrer das decis6es impostas pelo tribunal. A francesa Joana D'Arc (1412-1431), por exemplo, so po de apelar ao papa por causa deste recurso. Ele nao foi tao eficaz quanta 0 esperado, mas retardou sua morte. Esses e outros resquicios da Inquisic;ao se fixa- ram no processo penal de forma que nem 0 discur- so liberal no Imperio nem a influencia americana na Constituic;ao republicana de 1891 conseguiram elimina-los. "Isso se intensificou com 0 Codigo de Processo Penal de 1941, elaborado no clima do Estado Novo e vigente ate hoje. 0 codigo se baseia na hipertrofia do poder e na presunc;:ao de culpa do acusado. Ele se choca com a Constituic;ao de 1988, cujos pressupostos se encaminham para urn mode- 10 acusatorio que privilegia tres entes separados: a promotoria, a defesa e 0 juiz, em lugar da con- centrac;:ao, tipica do modelo inquisitorial", afirma Arno Wehling, presidente do Instituto Historico e Geografico Brasileiro (IHGB) e autor de Direito e Jus- ti~a no Brasil Colonial - 0 Tribunal da Rela~ao do Rio de Janeiro (1 751-1808) (2004), com Maria Jose Wehling. Mas as heranc;:as inquisitoriais nao estao so na Justic;:a. E possivel percebe-las antes dessa fase , - - --------- ---------- - -~\o~s.e Inouisicoo ~nnrtn~~m ' .. :r:::ante a investiga<;:ao feita pela policia. "0 inque- as crian<;:as de origemjudaica - habituadas a venerar policial e unilateral, nao admite a contradi- 0 astro que dava inicio ao ritual- apontassem para a -= _ 0 suspeito ja e visto como culpado e exposto estrela e se denunciassem a Inquisi<;:ao. o tal, mesmo que ainda possa ser inocentado = -:eriormente pela Justi<;:a. Primeiro descobrem _ snspeito e depois extraem dele os fatos. Essa -- ralidade e fruto da Inquisi<;:ao", afirma Lana ~e, historiadora da Uenf. Segundo ela, 0 criterio :;c:::a a escolha dos suspeitos tambem parte de es- ::::.::e6tipos, como no perfodo inquisitorial. "Quase - ~em suspeita de uma pessoa bem-vestida, mas daquelas com a chamada 'cara de ladrao'. Em ==-al pobres e moradores de favelas", diz. .Por mais 6bvias que sejam para especialistas, heran<;:as inquisitoriais na Justi<;:a enos pro- ::zOmentos policiais dificilmente sao percebidas :;e2 popula<;:ao. Uma das maneiras mais simples de ~"-<1JlJ..uOS os resquicios do Santo Oficio nos dias de - -e talvez seja por meio de express6es populares, o "a carapu<;:a serviu". Ha quem garanta que a -<Tem esta no ritual que obrigava os reus da In- -=-~<;:ao a colocar urn gorro canieo na cabe<;:a, assu- ~do a culpa. E quem nunca "ficou aver navios"? A lista de mitos e express6es conhecidos ate hoje e longa, e inclui itens tambem pejorativos, como a palavra "judiar". Usada na maioria das vezes por pessoas que nem fazem ideia de sua ori- gem, ela aparece no Dicionario Houaiss como "ato de judiar, de fazer alguem alvo de escarnio ou de maus-tratos; judiaria". Exatamente 0 que aconte- cia com os cristaos-novos de origem judaica, os mais perseguidos pela Inquisi<;:ao portuguesa. Apesar de ainda restarem hoje express6es nega- tivas, piadas sobre judeus e algumas manifesta<;:6es de racismo isoladas, nao se pode dizer que 0 povo brasileiro e antissemita. "Ha algumas pessoas que tern antipatia pelos judeus, mas nao sabem 0 por- que. Ate a Igreja, que manteve a antipatia por urn tempo, ja pediu perdao pela Inquisi<;:ao", lembra Anita Novinsky, presidente e fundadora do Labo- rat6rio de Estudos sobre a Intolerancia da USP. Se- gundo ela, apesar de ter sido uma "institui<;:ao de horror", a a<;:ao inquisitorial teve outros desdobra- -=~ expressao teria surgido em Portugal, quando mentos: "Ela fez com que varios cerebros ilustres - judeus se preparavam para deixar 0 reino na -";:ra rnarcada por D. Manuel, ainda no seculo XV. ~ 0 nao passava de uma farsa montada pelo rei, -=-~ nao queria que eles partissem. Resultado: todos - am convertidos a for<;:a ao catolicismo, e os na- que os levariam embora nunca apareceram. Urn exemplo que mostra bern 0 clima de per- ~<;:ao da epoca e 0 ditado "mesa de mineiro gaveta para esconder a comida quando chega --=_ -ta". Facilmente relacionado a sovinice, pode :E:" uma origem bern diferente, ja que os cristaos- os eram obrigados a esconder comidas tipica- - ente judaicas para nao serem identificados por fugissem para 0 Brasil. Sem contar os primeiros plantadores de a<;:licar, os primeiros mineradores. Esse foi seu maior legado". Entre tantas heran<;:as, a lista parece infinita. E atinge praticamente todos os campos da cultura popular,incluindo a rejei<;:ao de muitos nordestinos a carne de porco - denunciando ai urn judaismo clandestino - e ate a tradicional festa de Sao Joao. Pois e, quem pula as fogueiras juninas nem imagina que elas estao associadas as chamas da Inquisi<;:ao. Mas ambas foram tentativas da Igreja de desfazer a imagem negativa das fogueiras acesas nas festas pa- gas rVer RHBN n045]. Consideradas desde entao "fogos _ - 'veis delatores. "Quando chegava uma visita, eclesiasticos", as fogueiras da Inquisi<;:ao nunca che- ~e muitas vezes era urn cristao-velho, dizem que garam a arder aqui no Brasil. No entanto, sua versao ~ escondiam a cornida kasher nas gavetas e tira- G:ll, por exemplo, carne de porco, que e proibida ;: judeus. Isto e 0 que se conta, mas nao se tern mais inocente continua a fazer muito sucesso no pais e esta, junto com as demais heran<;:as na cultura e na Justi<;:a, mantendo as chamas da Inquisi<;:ao ace- sas, discretamente, por mais -de 200 anos. H "'*- Saiba Mais AN DRADE, Mauro Fonseca. Inquisi<;oo Espanhola e seu Processo Criminal - As Instru<;oes de Torquemada e Valdes. Cu rit iba: Juru;! Editora, 2006. CARNE IRO, Maria Luiza Tucci . Preconceito Racial em Portugal e Brasil Colonia. as Crist8os-Novos e 0 M,to da Pureza de Sangue. Sao Paulo: Perspectiva, 2005. CASCU DO, LUIS da Camara. Mouros, Franceses e jude us: Tr~s Presen<;as no Brosil. Rio de Janeiro: Ed. Letras e Artes, 1967. Internet Associa,ao Brasileira dos Descendentes de Judeus da Inquisi,ao www.anussim.org.br o projeto de refor- ma do C6digo de Processo Penal pode ressuscitar he,-an,as da Inquisi,ao na Justi,a brasileira. o comprovar", diz Tania Kaufman, presidente Arquivo Hist6rico Judaico de Pernambuco. Outro exemplo, mais conhecido, ja deixou ame- :::untadas crian<;:as de todas as religi6es. Muita gente a dizer que quando se aponta para as estre- ~ '- ~ ,. I ,.... l· , nascem verrugas nos dedos. E claro que isso nao ~ de uma lenda, provavelmente criada por causa ::2. tradicional cerimania do shabat, que come<;:a na sexLa-feira a tarde, quando a primeira estrela apare- :ee no ceu. A hist6ria era uma maneira de evitar que RONALDO VAINFAS o que a Inquisi~ao veio fazer no Brasil? A INQUISI<;:AO PORTUGUESA s6 passou a frequentar as terras brasileiras no final do seculo XVI. Entre os anos 1540 e 1560, s6 houve dois casos: 0 do donatario de Porto Seguro, 0 blasfemo Pero do Campo Tourinho, e 0 do frances calvinista Jean de Boles. 0 primeiro foi enviado para Lisboa a ferros, seculo XVIII, pela consolidac,:ao de uma rede de fa- e 0 segundo, preso pelo bispo da Bahia, que tinha miliares e comissarios, alem da justic,:a eclesiastica, jurisdic,:ao sobre as heresias. Foram ocorrencias isoladas e desvinculadas da preocupac,:ao maior do Santo Oficio lusitano desde a sua criac,:ao: perse- guir os cristaos-novos judaizantes. A estreia da Inquisic,:ao no Brasil ocorreu em 1591, com a primeira visitac,:ao do Tribunal de Lisboa a Bahia e a Pernambuco. Justifica-se: na segunda metade do seculo XVI, 0 Brasil recebeu muitos cristaos-novos envolvidos com a nascente economia ac,:ucareira. Eles viveram em paz du- rante decadas. Muitos continuaram a professar 0 judaismo nas sinagogas domesticas, alem de se unirem, pelo matrimonio, com os cristaos-velhos. A ameac,:a de indios na terra e de piratas no mar funcionava como forc,:a de coesao. Tudo mudou com a chegada da visitac,:ao, que integrou nova estrategia inquisitorial, em tempo de Uniao Iberica, voltada para 0 AtHintico hispano- portugues. A estreia do Santo Oficio no Brasil ame- drontou mais do que prendeu os cristaos-novos, embora tenha destroc,:ado a sinagoga de Matoim, no Reconcavo Baiano. Em todo caso, deixou urn rastro deleterio, rompendo a solidariedade cotidia- na que unia cristaos-velhos e novos da Colonia. Ao longo do seculo XVII, outras visitac,:6es de- ram seguimento a ac,:ao inquisitorial, reforc,:ada, no que pinc,:ava suspeitos de heresia em suas visitas diocesanas. Foi esta a rna quina que viabilizou a In- quisic,:ao no Brasil, resultando no seguinte balanc,:o: 1.074 presos, sendo 776 homens e 298 mulheres; 48% deles e 77% delas eram cristaos-novos acusa- dos de judaizar; a grande maio ria dos homens pre- sos (62%) morava na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro, enquanto a maioria das mulheres (54%) vivia em terra fluminense, seguidas de longe pelas mulheres da Bahia (14%). o auge da ac,:ao inquisitorial ocorreu na pri- me ira metade do seculo XVIII (51% dos presos). Vinte homens e duas mulheres da ColOnia foram queimados em Lisboa, todos por judaizar. Dentre eles, 0 dramaturgo carioca Antonio Jose da Silva (1739) e a octogenaria Ana Rodrigues, matriarca do engenho de Matoim. A velha sinha embarcou para Lisboa acompanhada de uma escrava e morreu no carcere em 1593. Nem assim ela escapou da fo- gueira. 0 Santo Oficio desenterrou seus ossos para queima-Ios em auto de fe, no Terreiro do Pac,:o. H RONALDO VAINFAS E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE E AUTOR DE TROPICO DOS PECADOS (NOVA FRONTEIRA. 2010) E ORGANIZADOR DE CONFISSOES DA BAHIA. (COMPANHIA DAS LETRAS. 2005). Saiba Mais CALAINHO. Daniela. Agentes da fe: farniliares da Inquisi<;iio Portuguesa no Brasil colonial. Sao Paulo: Edusc, 2006. FEITLER, Bruno. Nas rnalhas da consci~ncia: Igreja e Inquisi<;iio no Brasil. Sao Paulo: Ala- meda, 2007. Filme "A Santa Visita<;ao", de Elza Cataldo, 2006. A cima, na gravul'a de Bemard Picart, do seculo XVIII, formas de tortura empregadas para extrair a confis- sao de um herege. Abaixo, numa gravura da mesma epoca, vista da cidade de Salvador, um dos locais onde a Inquisi~ao agiu no Brasil. Saiba Mais TREVISAN, Joao Silverio. Devassos no Pa- raiso. Sao Paulo: Ed itora Record, 2000. VAINFAS, Ronaldo. Tr6pico dos pecados. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 20 I O. LUIZ MOTT Porque os homossexuais eram perseguidos? DE POlS DOS CRISTAOS-NOVOS JUDAIZANTES, OS homossexuais foram OS mais perseguidos pela In- quisi<;ao portuguesa: trinta hom ens "sodomitas" foram queimados na fogueira. Proporcionalmente, OS gays constituiram 0 grupo social tratado com maior intolerancia por esse Monstrum Terribilem. Foram mais torturados e degredados que os outros condenados e, nao bastasse, receberam as penas mais rigorosas. Metade foi condenada a remar para sempre nas gales del Rei. Mas somente os praticantes do que a Inquisi- <;ao classificava como "sodomia perfeita" ardiam nas fogueiras . Esta perfei<;ao consistia "na pene- com derramamento de semente de homem". Os demais atos homoe- roticos eram considerados pecados graves ou "molice" . A sodomia, entretanto, nao foi estigmati- zada e perseguida em todos os tribunais do Santo Oficio da Espanha, nem mesmo pela Inquisi<;ao portuguesa em seus primeiros anos de instala<;ao. Isto demonstra que inexplicaveis fatores historicos , politicos e culturais estariam por tras do maior ou menor radicalismo da homofobia catolica. Varia<;6es e contradi<;oes da condena<;ao moral dos desvios sexuais refletem a condi<;ao pantano- sa, imprecisa e ilogica do catolicismo em rela<;ao ao amor entre pessoas do mesmo sexo. As razoes cruciais que levaram a Inquisi<;ao a perseguir os homossexuais masculinos teriam sido duas. Ao condenar a fogueira apenas os praticantes da co- pula anal, os Inquisidores refor<;avam a mesma maldi<;ao bfblica que condenava ao apedrejamento tra<;ao do membro viril desonesto no vasa traseiro "0 homem que dormir com outro homem como o se fosse mulher" . Ou seja, 0 crime e derramar 0 .. , ~ semen no vasa "antinatural" , uma vez que juda- ~ ismo, cristianismo e islamismo se definem como Ao lado, gravura de essencialmentepronatalistas, quando 0 ate sexual 1741 satiriza padres se destina exclusivamente a reprodu<;ao. Dai a per- sodomitas num ban- segui<;ao aqueles que ousassem ejacular fora do quete dentro de uma vasa natural da fecunda<;ao , uma insubordina<;ao igreja. antinatalista inaceitavel para povos dominados pelo dogma demografico do "crescei e multiplicai- vos como as estrelas do ceu e as areias do mar". A segunda razao tern a ver com 0 estilo de vida androgino e irreverente, qui<;a revolucionario, dos proprios sodomitas, chamados de "filhos da dissidencia". Eis 0 trecho de urn discurso homo- fobico lido num sermao de urn Auto de Fe de Lis- boa em 1645: "0 crime de sodomia e gravissimo e tao contagioso, que em breve tempo infecciona nao so as casas, lugares, vilas e cidades, mas ain- da Reinos inteiros! Sodoma quer dizer trai<;ao. Gomorra, rebeliao. E tao contagiosa e perigosa a peste da sodomia, que haver nela compaixao e delito. Merece fogo e todo rigor, sem compaixao nem misericordia!" H LUIZ MOTT E PROFESSOR DA UNIVERSI D A DE FEDERAL D A BAH IA E AUTOR DE SEXO PROIBIDO: VIRGENS, GAYS E ESCRA- VOS NAS GARRAS DA INQUISI(:AO (PAPIRUS, 1988). DANIELA BUONO CALAINHO Houve queima de bruxas e autos de fe por aqui? Nos TEMPOS DA INQUISI<;:AO, muitos compartilha- yam varias cren<;as magico-religiosas misturando praticas cristis, indfgenas e africanas em nossa terra. Considerados hereges pelo Tribunal do Santo Oficio portugues, foram acusados de firmar urn pac- .to com 0 diabo e tachados de feiticeiros pela Igreja. Adivinha<;oes, sortilegios, usa de amuletos pro- tetores, feiti<;os para rela<;oes amorosas, confec<;:ao de unguentos e po<;:oes magicas, praticas curativas que fugiam aos padroes da medicina oficial, ceri- manias de culto a fdolos pagaos, comunica<;:ao com os mortos, benzeduras, evoca<;:oes ao diabo - enfim, todo este universo de cren<;:as e praticas encantou a popula<;ao colonial. No entanto, jogou seus prota- gonistas nos temidos carceres inquisitoriais. Mas, dentre os delitos hereticos do foro da Inquisi<;ao, a feiti<;:aria foi urn dos menos perse- guidos, tanto no Brasil como em Portugal, repre- sentando apenas cerca de 3,6% os acusados deste crime nos seculos XVII e XVIII. Nenhuma bruxa foi queimada no Brasil, porque todos os casos de reus acusados pelo Santo Oficio eram enviados para Portugal e lajulgados. E, na verdade, pouqufssimos bruxos e bruxas foram queimados. A maioria deles foi penalizada com degredo e prisao. Os que rece- beram a senten<;:a de morte na fogueira correspon- deram a cerca de 0,6% de todos os reus daquele pe- rfodo. Isto prova que Inquisi<;ao nao e sinanimo de fogueira. A maioria dos que subiram aos cadafalsos portugueses era de cristaos-novos supostamente judaizantes, ou seja, judeus convertidos ao cristia- nismo suspeitos de professarem sua fe original em segredo, alvo principal do Tribunal. As outras penas inquisitoriais nao foram menos atrozes: degredos para regioes in6spitas em Portu- gal, no Brasil ou na Africa; trabalhos for<;:ados nas embarca<;:oes do rei; confiscos de bens, levando muitos a pobreza e a miseria, e ainda penas social- mente humilhantes e infamantes, como a<;:oites publicos, uso de trajes tfpicos de condenados pela Inquisi<;:ao e exposi<;:ao a porta de uma igreja com uma vela na mao. Os autos de fe eram sfmbolos inequfvocos do poderio do Santo Oficio junto a popula<;:ao. Num domingo, safam em procissao as autoridades in- quisitoriais, eclesiasticas e tambem 0 rei, ate che- garem a uma pra<;:a publica, onde estava montado urn grande anfiteatro para 0 evento. Os condena- dos ouviam os sermoes dos sacerdotes e, depois, a leitura publica de suas senten<;:as. 0 apice do espe- taculo era a execu<;:ao dos "hereges": alguns ago- nizavam nas fogueiras, por serem renitentes em suas cren<;as, e outros eram queimados ja mortos, estrangulados antes por terem se rendido a fe cat6- lica nos ultimos instantes. Mas, aqui no Brasil, nao tivemos nenhum auto de fe desta natureza, uma vez que 0 Tribunal de Lisboa centralizou todos os trabalhos dos casos relativos ao Brasil, desde 0 inf- cio do processo dos reus ate sua senten<;:a final. H DANIELA BUONO CALAINHO E PROFESSORA DA UNIVERSIDADE DO ESTA DO DO RIO DE JANEIRO E A UTORA DE METROPOLE DAS MANDINGAS. RELIGIOSIDADE NEGRA E INQUISI( AO PORTUGUESA NO ANTIGO REGIME (GA RAMON D, 2008) . Saiba Mais PAIVA, Jose Pedro. Bruxario e supersth;oo num pais sem "co,o as bruxos". 1600-1774. Lisboa: Notlcias Edit o- rial , 1997. SCHWARTZ, Stuart. Coda um no suo lei. Tolerdncio religioso e solvo,oo no mundo atlantica iberica . Sao Paulo: Companh la das Letra/Edusc, 2009. SO UZ A, Laura de Mello e. 0 Diobo e a terra de Santo Cruz. Feiti,orio e religiosidode popular no Brosil colonial. Sao Paulo: Companhia das Letras, 1993. No alto, bruxas mon- tadas num porco, em x ilogravura colorizada de I 6 12. Abaixo, execu~ao de crimino- 50S condenados pela Inquisi~ao . No Brasil nao houve autos de fe como 0 representado na gravura. Saiba Mais BETHENCOURT. Francisco. Hist6ria das Inquisi<;oes - Portugal. Espanha e le6lia. Lisboa: Oreu lo de Leitores, 1994. D EL COL. Andrea. L'lnquisizione in Iwlia dol XII 01 XXI secolo. Milao: Amoldo Mondadori Editore, 2006. MARTrNEZ MILLAN, Jose. La Inquisicion espanola. Madri: Al ianza Editorial, 2007. Abaixo, gravura do inicio do seculo XVIII mostra a corte da Inquisi~ao espanhola em Madri. No deta- Ihe, a gravura de Bemard Picard ( 1673-1734) destaca um condenado usando 0 traje peni- tencial. JOSE PEDRO PAIVA Quais as diferen~as entre as I nquisi~oes? A INQUlSI<;:AO MODER NA, diferentemente da me- dieval, contava com estruturas fixas e urn corpo hierarquizado de agentes em atividade permanente, A de Castela e Leao, fundada em 1478 por iniciativa da Coroa, atuou na Espanha e em suas colonias da America Latina, nos Paises Baixos e em regi6es da Peninsula Italica sob dominio da monarquia hispa- nica sem maiores problemas de adapta<;ao, So foi abolida definitivamente em 1834. A portuguesa, estabelecida em 1536, na sequencia de dificeis negocia<;6es desencadeadas pelo rei D. Joao III, vigorou nos territorios de Portugal e de seu imperio pluricontinental, desde Macau, no Extremo Oriente, ate 0 Brasil. Foi extinta em 1821. A romana foi fi.-uto de reorganiza<;ao em 1542, durante 0 pontificado de Paulo III, com a cria<;ao da Congrega<;ao Roma- na do Santo Oficio. Teve jurisdi<;ao na Pe- contrario das outras. Embora alguns inquisidores - franciscanos e dorninicanos - tivessem sido nome- ados pelo papa, nao ha registro de sua atua<;ao. A natureza dos tribunais era distinta. Os iberi- cos tinham uma aparencia hfbrida, com fortes vin- cula<;6es e dependencias em rela<;ao a Coroa e ao sumo pontifice, 0 que foi bem usado para garantir certa independencia, em especial no caso portu- gues. Em Roma, a Congrega<;ao era exclusivamen- te dependente do papado, Nos casos espanhol e romano, os confrontos entre bispos e inquisidores foram mais fortes e recorrentes, enquanto em Por- tugal houve, de modo geral, grande coopera<;ao e complementaridade entre eles. Todas tin ham como objetivo principal eli- minar as heresias e preservar a ortodoxia do catolicismo romano. Mas elas se concentraram em grupos distintos, A portuguesa centrou sua atividade na persegui<;ao aos cristaos-novos judai- zantes, e assim se manteve ate 1773, quando foi abolida pelo marques de Pombal a distin<;ao entre cristaos-novos e velhos. A espanhola, inicialmen- te, teve sua mira apontada para 0 mesmo alvo. No entanto, os delitos quantitativamente mais signi- ficativos foram as blasremias e 0 criptoislarnismo praticado pelos mouriscos. A Inquisi<;aoromana, ninsula ItaJica, e ja em 1965 pas sou a desig- por sua vez, apontou baterias contra 0 protestan- nar-se Congrega<;ao para a Doutrina da Fe, tismo e, em segundo plano, contra as praticas modificando seus propositos e praticas. magico-supersticiosas. Ravia diferen<;as entre as tres . A portu- 0 rigor repressivo tambem foi diferente. Em guesa nao teve lastro medieval a precede-la, ao termos de volume, a espanhola se destacou. As penas aplicadas eram variadas: prisao, degredo, :< 6 exposi<;ao publica na porta das igrejas, usa de ha- G ~ bito de condenado (sambenitos), A que teve mais « u 5 iii as condenados a pena capital foi a lusitana (cerca de 6%), seguida da espanhola (3,5%) e da romana, esta muito cautelosa em aplicar este tipo de senten<;a. Ate do ponto de vista. da historiografia, as tres apresentam perfis heterogeneos. Por mais parado- xal que pare<;a, aquela que nos dias de hoje conta o maior numero de registros, a portuguesa, e a que menos se conhece. Nao ha sequer uma historia ge- ral sobre 0 assunto. H JOSE PEDRO PAIVA E PRO FESSOR DA UNIVERSIDADE D E COIMBRA E AUTOR DE OS BALUARTES DA FE E DA DISC/PUNA 0 ENLACE ENTRE A INQUISIc;:AO E as BISPOS EM PORTUGAL (1536- 1750) (IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA. 2011) . Saiba Mais DELUMEAU, Jean. Nascimento e afJrmar;oo da Reforma. Sao Paulo: Pioneira, 1989. LEV ACK, Brian P. A cO/;a as bruxas na Europa Modema, 2" ed. Rio de Janeiro: Campus, 1988. SANTOS, Joao Henri- que dos. "Da concil ia,50 posslvel a ruptura. Uma anali se dos documentos de 1520 de Martinho Lutero". Tese de douto- rado, UFJF, 2009. Filmes "As Bruxas de Salem", de Nicholas Hytner, 1996. "Lutero", de Eric Till, 2003. Protestantes tambem usaram estrategias de controle da fe. No alto, a gravura de Jan Luyken, do seculo XIX, representa uma execu~ao. No centro, o teologo e reforma- dor Joao Calvi no, em oleo do seculo XVI. ANGELO ADRIANO FARIA DE ASSIS Assim como os catolicos, os protestantes • persegulram seus fieis? A I N QUISI<;:AO NAO FOI 0 UN ICO CASO de into Ie ran cia movida em nome de Deus na Epoca Moderna. Embora nao houvesse a institucionaliza- <;:ao de tribunais similares aos do Santo Oficio, tambem foram usa- das estrategias de controle da fe nos locais em que 0 protestantis- mo era dominante, levando a per- segui<;:ao por crimes como adulterio, discordancia dos dogmas protestantes e bruxaria. Na Alemanha, 0 lider protestante Martinho Lu- tero (1483-1546) exigiu persegui<;:oes aos anabatis- tas, grupo cristao mais radical da Reforma, porque, entre outras questoes, eles nao aceitavam as regras da Igreja Evangelica e divergiam sobre 0 batismo. A decisao causou a expulsao, 0 encarceramento, a tortura e a execu<;:ao de milhares de pessoas. Lutero tambem divulgou textos com criticas aos judeus - embora sem maiores repercussoes na epoca, estes escritos acabariam utilizados pela Alemanha nazis- ta, em pleno seculo xx. Em Genebra, urn dos ber<;:os da Reforma Protes- tante e onde ela se mostrou bastante radical, fun- cionou uma verdadeira "policia da feu. Joao Calvi- no (1509-1564), devido a sua autoridade sobre os protestantes sui<;:os, era conhecido como 0 "papa de Genebra". Ao organizar a Igreja Presbiteriana, instaurou comissoes compostas de religiosos e leigos: a Veneravel Companhia, responsavel pelo magisterio, e 0 Consisterio, que zelaya pela dis- ciplina religiosa. Para isso, promovia confissoes, demincias, espionagens e visitas as residencias, levando muitos a prisao, a tortura, ao julgamento e, em alguns casos, a morte. A popula<;:ao era proibida de cultivar certos habitos, como jogar, dan<;:ar e representar. Alguns pens adores foram perseguidos, como 0 medico e humanista espanhol Miguel Servet Griza. Ele foi preso, condenado e queimado em efigie - repre- sentado por urn boneco. Fugiu em dire<;:ao a Italia, mas acabou preso em Genebra, onde foi processa- do pelo Conselho presidido por Calvino e queima- do por causa de proposi<;:oes vistas como antibibli- cas e hereticas, entre outras culpas. Na Inglaterra, uma verdadeira ca<;:a as bruxas levou a morte centenas de mulheres acusadas de feiti<;:aria. A experiencia persecutoria inglesa foi ainda "exportada" para as col6nias na America do Norte, como no famoso episodio das "bruxas de Salem", ocorrido em Massachusetts, em fins do seculo XVII, em que varias adolescen- tes foram mortas, acusadas de pro- mover reunioes em torno de uma fogueira nas quais, supostamente, invocavam espiritos. Sem duvida, nao sao poucos os exemplos de intolerancia religiosa nos variados espa<;:os que viven- ciaram a Reforma Protestante, mas nada que representasse 0 equivalente dos estruturados tribunais inquisito- riais cat61icos. H ANGELO ADRIANO FARIA DE ASSIS E PROFESSOR DA UNIVERSID ADE FEDERAL DE VI<;:OSA E CO-ORGANIZADOR DE REliGfOES E REliGfOSfDADES: ENTRE A TRADf(:AO E A MO DERNfDADE. (ED I<;:OES PAULINAS, 20 I 0). BRUNO FEITLER Por que nao foi criado urn tribunal da Inquisi~ao no Brasil? COLONIAS ESPANHOLAS na America tiveram seus tribunais inquisitoriais, assim como a india portu- guesa. No Brasil, apesar da insistencia de Felipe IV, nao foi bern assim. Durante as famosas visita<;6es do Santo Oficio, em fins do seculo XVI e come<;o do XVII, foram forjados tribunais itinerantes. Houve inqueritos, julgamento de casos considerados leves e ate a ce- lebra<;ao de autos da fe, a cerimonia de leitura das senten<;as. Mas urn verdadeiro tribunal, como os instalados no Mexico, no Peru, na ColOmbia e na India portuguesa, jamais existiu por aqui. Como a coloniza<;ao engatinhava e a popula<;ao, alem de pequena, era esparsa, foi descartada a ideia de se criar urn tribunal especifico. Com 0 sucesso crescente da produ<;ao a<;ucarei- ra e 0 consequente aumento da popula<;ao local, suscetivel de cair nas malhas do Santo Oficio, Lis- boa pas sou a despachar visita<;6es semelhantes as que ja circulavam pelo reino. Mas faltou combinar com os 6rgaos superiores da Inquisi<;ao. Excessos e desmandos cometidos pelos visitadores em ati- vidade no Brasil definitivamente nao agradaram a cupula do Santo Oficio. o primeiro projeto de cria<;ao de urn tribunal no Brasil s6 surgiu em 1621. Com base nos varios pedidos e alertas de autoridades locais, inconforma- das com a liberdade desfrutada por hereges, sobre- tudo judaizantes, e tambem temendo urn conluio desses cristaos-novos com os iniInigos holandeses, o rei espanhol Felipe IV ordenou a cria<;ao de urn tribunal em Salvador. Na epoca, Portugal compu- nha a Uniao Iberica, liderada pela Coroa espanhola. Obispo do Brasil devia fazer as vezes de principal inquisidor e julgar os casos localmente com a ajuda de jesuitas, franciscanos, beneditinos e carmelitas. o inquisidor-geral, entretanto, propos que se criasse urn tribunal independente, com juizes no- meados por ele. Nao interessava ao Santo Oficio entregar sua jurisdi<;ao ao bispo, pois outros eclesiasticos talvez vissem 0 caso como urn precedente. Isto poderia enfraquecer a autoridade dos inquisidores perante os bis- pos, pois, em Portugal, eram esses eclesiasti- cos que julgavam os casos de heresia antes da instala<;ao da Inquisi<;ao. Mas 0 rei nao se conformou. Foram duas as tentativas - em 1622 e 1629 - de criar esses tribunais no Brasil. A Inquisi<;ao fez ouvidos moucos e nada aconteceu. Os interesses poli- ticos da Inquisi<;ao falaram mais alto do que a ideia de controlar 0 comportamento dos que viviam aqui. Felipe IV voltou ao assunto em 1639. Preo- cupado com as devasta<;6es dos paulistas nas Iniss6es jesuiticas, 0 rei decidiu conceder po- deres inquisitoriais ao bispo do Rio de Janeiro. Com a sucessao em Portugal no ano seguinte,0 assunto morreu e nao se falou mais nele, ate porque a Coroa pas sou por graves apuros econoInicos, in- compativeis com a instala<;ao de novos tribunais. H BRUNO FEITLER E PROFESSOR DA UNIVERS IDADE FEDERA L DE SAO PAULO E AUTOR D E NAS MALHAS DA CONSClt.NC/A IGREJA E INQUIS/(:AO NO BRASIL (SAO PAU LO, 2008) . Saiba Mais SIQUEIRA Son ia. A Inquisi,Qo Portuguesa e a Sociedade Colonia/. Sao Paulo: Atica, 1978. VAINFAS, Ronalda. Confissoes da Bahia. Sao Paulo: Companhia das Let ras, 1997. Abaixo, 0 rei Felipe IV, da Espanha, em pintura de D iego Velazquez de 1624. o monarca tentou varias vezes criar um tribunal penmanente da Inquisi~ao em Salvador. No alto, a gravura de I 866 mostra a Corte de Circeres da extinta Inq uisi~ao de Li sboa. Saiba Mais MEA, Elvira Cunha de Azevedo. A Inquisic;ao de Coimbra no seculo XVI. A instituiC;ao. os hom ens e a sociedade. Porto: Funda- <;ao Engenheiro Antonio de Almeida, 1997. PEREIRA, Ana Margari- da Santos. A Inquisic;ao no Brasil. Aspectos do sua actuac;ao nos capitanias do Sui, de meados do sec. XVI 00 inicio do sec. XVIII. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2006. SARAIVA, Antonio Jose. InquisiC;ao e cristaos- novas. 6' ed. Li sboa: Editorial Estampa, 1994. SCHWARTZ, Stuart B. Coda um no sua lei: tolerilncia religiosa e solva,ao no mundo at/iln- tico iberica. Sao Paulo: Companhia das Letras; Bauru: Edusc, 2009. Apesar da reconhe- cida intolerancia. a Inquisi~ao nem sem- pre foi muito eficiente. Abaixo, procissao de fiagelados em pintura de Goya. de 1823. · ~~- . '. ff) • _ u·s' coo MARCO ANTONIO NUNES DA SILVA A intoleroncia foi incorporada pela popula~ao? INAcIO DE SOUZA BRAN DAO acusou Crist6vao Ri- beiro de Lira de "algumas heresias". Lira respon- deu dizendo que "todos os hereges se salvavam, que ninguem se perdia porque Cristo Senhor Nos- so morrera por todos os homens". 0 argumento de Lira assegurava a possibilidade de se encontrar salva<;:ao na lei de Moises ou na de Maome. Inacio, alem de vigario da Igreja de Nossa Senhora da Concei<;:ao da Praia, tambem era 0 comissario do Santo Oficio na Bahia, no tim do seculo XVII. A ideia de "universalismo religioso" contida nas palavras desse homem era defendida tanto por cristaos-novos como por cristaos-velhos. No caso de Lira, nao ha qualquer indicio de que ele tivesse nas veias "sangue infecto", 0 que poderia indicar sua condi<;:ao de cristao-velho. E natural que pessoas como ele forjassem sua con- cep<;:ao de mundo baseando-se em experii~ncias pessoais. Grande parte do que diziam continha mensagens de esperan<;:a ao alcance de muitos outros, 0 que de fato era motivo de preocupa<;:ao para a Inquisi<;:ao. A no<;:ao de intolerancia esta quase sempre associada a ideia de infalibilidade, eticacia e invencibilidade, caracteristicas que, para mui- tos , marcaram a a<;:ao inquisitorial. A analise aprofundada dos documentos revela que a Inqui- si<;:ao nao primou pela eficiencia, muito menos conseguiu silenciar as pessoas, pois 0 registro de criticas e farto . A morda<;:a nao foi tao bern apertada. E possivel ouvir as vozes que gritam nos documentos. o segredo exigido dos presos e ponto funda- mental nesta discussao. Os reus deviam "ter se· gredo em tudo 0 que se pas sou no decurso de suas causas" e eram terminantemente proibidos "de levar para 0 exterior recados de outros presos". No entanto, bilhetes eram trocados com a ajuda dos guardas, 0 que prova a falta de controle des sa maquina perseguidora. A Inquisi<;:ao foi, sim, intolerante, mas nao de forma generalizada. E os documentos provam que a sociedade imp6s limites ao Santo Oficio. H MARCO ANTONIO NUNES DA SILVA E PROFESSOR DA UNIVERSIDAD E FEDERAL DO RECONCAVO DA BAHIA E AUTOR DA TESE "0 BRASIL HOLANDES NOS CADERNOS DO PROMOTOR: INQUISI<;:AO DE LIS BOA, SECULO XVII" (USP. 2003). PAULO VALADARES Nomesde arvores e de animais correspondem a sobrenomes de judeus? E COMUM A AFIRMAC;:AO DE QUE certos sobrenomes usados por lusodescendentes identificam origem ju- daica, heranc;a de ancestrais cristaos-novos. De acor- do com esta explicac;ao popular, sobrenomes como Lobo ou Pereira identificariam a procedencia. Sera verdade? Para responder, e born que se conhe<;:a urn pouco do desenvolvimento da onomastica judaica. como as listas de penitenciados e cerca de 40 mil processos movidos contra cristaos-novos entre os seculos XVI e XVIII. La esta a maioria dos sobreno- mes usados pelos portugueses. Do simples Santos ao dinastico Bragan<;:a. Em alguns casos, e possivel encontrar a autoridade inquisitorial e 0 reu com o mesmo nome de familia, sem que eles tenham vinculos de parentesco entre si. o des conhecimento desse passado levou pesqui- sadores amado res a buscar uma teoria para localiza- los. Baseados no discurso religioso, principalmente nas benc;aos aos filhos de ]ac6 (Genesis, 49:1-33), chegaram a conc1usao de que nomes de plantas e animais correspondem aos sobrenomes de judeus, mas sem qualquer fundamenta<;:ao na realidade. E impossivel descobrir a origem de urn Ius odes- cendente s6 pelo nome de familia. E equivocado afirmar que alguem tern origem judaica s6 por ter urn sobrenome como Barata, Bezerra, Carneiro, Car- Saiba Mais CARVALHO. Flavia Mendes. Roizes judoicos no Brosil. 0 orquivo secreta do Inquisi<;ilo. Sao Paulo: Nova Arcadia, 1992. FAIGUENBOIM, G.; V ALADARES, P.; CAMPAGNANO, AR. Dicionario Seforadi de Sobrenomes/Dictionary of Sephardic Surnames. Sao Paulo: Fraiha, 2003, 2004 e 20 10. NOVINSKY, Anita. Inquisi<;ilo: prisioneiros do Brasil. Seculos XVI-XIX. Rio de Janeiro: Expres- sao e Cultura, 2002. Abaixo, uma arvore geneal6gica num manuscrito do seculo XIX e um exemplo dos longos estudos necessarios para se descobrir a origem dos sobrenomes. Os judeus sempre usaram, para se identificar, urn patronimico, 0 nome do pai. E s6 verificar no Velho Testamento - a Biblia hebraica - os nomes dos personagens como Fulana ben (filho de) Sicrana. Hoje eles sao us ados apenas nas cerim6nias religio- sas. Os sobrenomes foram incorporados primeiro na Peninsula Iberica e depois, por influencia napole6- nica, fora dela. No mundo iberico, ja no seculo XIV, havia judeus que se identificavam com prenome bi- blico e urn sobrenome de variadas origens geografi- cas - Abravanel, Amado, Arruda, Cavaleiro, Cohen, valho, Cordeiro, Falcao, F.iigu=e=ir:a:,~L:e:a:o~, L:e:i~-----------;;:l tao, Lobo, Oliveira ou - ~;H Pereira. A afirmac;ao nao se sustentaria na documenta<;:ao produ- Crespim, Franco, Navarro, Negro, Pinto, Toledano, zida durante 300 anos. Valentim etc -, que, com 0 passar dos anos, foram Nao ha sobrenome incorporados aos patrim6nios familiares. cristao-novo, mas urn A permanencia dos judeus como convertidos, sobrenome iberico usa- a partir do seculo XV, tornou obrigat6rio 0 re- do por cristaos-novos, cebimento de novos nomes e sobrenomes sem que muitas vezes foi 0 que houvesse urn ordenamento juridico para sua mesmo usado tambem aquisi<;:ao. Somente os prenomes tradicionalmente por cristaos-velhos, ci- usados, como Abraao, Isaac e ]ac6 foram conve- ganos, mouriscos, indi- nientemente abandonados, mas como 0 objetivo genas... H era a incorpora<;:ao desta minoria a populac;ao majoritaria, nao havia sinais que os distinguissem pela onomastica. Os convertidos que mudavam de nome tambem nada traziam do passado. 0 objeti- vo era desaparecer na massa circundante. Mas como encontrar os sobrenomes utilizados pelos cristaos-novos e seus descendentes se eles desapareceram na populac;ao geral? Convem con- sultar a documenta<;:ao produzida pela Inquisic;ao, PAULO VALADARES E AUTOR DE A PRESEN(:AOCUL- TA. GENEALOGIA, !DENT/DADE E CUL TURA CRISTA-NOVA BRA- SILEIRA NOS SECULOS XIX E XX (FUN DA<;:Ao ANA LIMA, 2007) E EDITOR DO BOLET/M DO ARQUIVO H/S TO R/CO JUDAICO BRASILE/RO. ... • Saiba Mais BETHENCOURT, Fran- cisco. Hist6ria das Inqui- sir;6es. Portugal, Espanha e Itolio, secu los X V-XIX. Sao Paulo: Companhia das Let ras, 2000. FEITLER, Bru no. Nas Molhos do Conscien- cia. Igreja e Inquisir;iio no Brasil, Sao Paulo: Alameda, 2007. PA IVA, Jose Pedro de Mat os, Baluartes da (e e da disciplina. 0 enlace entre a Inquisir;iio e os bispos em Portugal (1536- 1750) . Coimbra: Editora da Universidade de Coimbra, 20 I I. VAINFAS, Ronaldo, FEITLER, Bruno, LAGE, Lana (orgs.). A Inquisir;iio em Xeque . Temas, controversias e estudos de coso. Rio de Janeiro: Eduerj, 2006. Ao fundo, pintura mostra 0 ConCilio de T rento, dedicado prin- cipalmente aos delitos morais. Ao lado, na gravura de Severini, de 1881, a Inquisi~ao de D. Joao IV em Portugal. A Inquisi~ao era subordinatla a Igreja? For MUlTO MAIS COMPLICADA do que se imagina a instala<;ao da Inquisi<;ao em Portugal. Depois de longas negocia<;6es entre 0 rei e 0 papado, 0 Santo Oficio enfim foi estabelecido em 1536. 0 surgimen- to dessa esfera de poder no campo religioso poderia desencadear atritos entre a nova institui<;ao e 0 tribunal do bispo, que ja exercia jurisdic;ao sobre as heresias. No entanto, nao houve conflitos relevan- tes. 0 poder real costurou urn arranjo institucional do qual a Inquisi<;ao saiu fortalecida. A justi<;a ec1esiastica continuou tendo jurisdic;ao sobre os hereges. Mas, na pratica, em sintonia com as orienta<;6es reforrnistas do Concillo de Trento (1545-1563), dedicou-se aos delitos predOIninante- mente morais. Quando os agentes do juizo episcopal e os visitadores diocesanos se deparavam com com- portamentos considerados hereticos, eram prestati- vos e enviavam os casos aos inquisidores. A principal diferenc;a entre os dois tribunais e que na Inquisi<;ao os processos corriam em segredo, os reus desconhe- ciam seus denunciantes, os "advogados" nao tinham acesso aos autos e era utilizada a tortura. Diferentemente dos bispos, que depois de se tornarem inquisidores deixavam 0 cargo na dioce- se, os oficiais que atuavam fora das sedes do Santo Oficio - como os comissarios, representantes 10- cais do tribunal- podiam acumular, se quisessem, postos nas duas institui<;6es, Essa boa relac;ao foi importante para a presen<;a inquisitorial no Brasil. No seculo XVIII, os comissarios mais proeminentes da Colonia tambem eram ministros dos tribunais diocesanos. Normalrnente, eles eram formados em Canones - 0 ordenamento juridico da Igreja - pela Universidade de Coimbra. Entre 1718 e 1742, por exemplo, a Inquisi<;ao expediu diligencias a Gaspar Gon<;alves de Araujo, comissario no Rio de Janeiro, 36 vezes. Depois que se formou na Universidade de Coimbra, ele obteve colocac;6es mais elevadas do bispado fluminense. Dentre elas, 0 posto de vigario-geral, a maior auto- ridade do juizo episcopal. Por isso, ele era urn dos preferidos dos inquisidores, e foi 0 sexto agente mais contactado no Brasil. A monarquia portuguesa estabeleceu uma com- plexa alianc;a com 0 poder religioso. A Igreja e a Inquisi<;ao ate gozaram de certo grau de autonomia em deterrninados contextos. Tinham jurisdic;6es proprias, e seus agentes projetavam nelas ambic;6es de fazer carreira. Mas essa relativa autonomia nao abalava 0 quadro geral das instituic;6es geridas pelo rei. Nesse cenario, 0 tribunal inquisitorial foi criado e funcionou ate 1821. H ALDAIR CARLOS RODRIGUES E HISTORIADOR E AUTOR DE LlMPOS DE SANGUE: FAMILIARES DO SANTO OF/C/O, SOc/EDADE E INQUISI<;:AO EM MINAS COLONIAL (ALAMEDA. 20 I I). Os indios tambem foram perseguidos? QUANDO AS EPIDEMIAS grassaram nas Americas, 0 Tribunal foi mais rigoroso com aqueles que se dizimando numa guerra bacteriol6gica boa parte consagraram em verdadeiros rituais gentflicos, tao das popula<;oes indigenas; quando a explora<;ao do mais espantosos aos ouvidos do inquisidor. Varios trabalho dos nativos pelos colonos levou a escravi- indios foram acusados de beber jurema e "descer de- za<;ao indiscriminada; quando a atua<;ao das ordens religiosas reduziu os indios nas missoes, ainda assim nao foram esses todos os desafios que os povos in- digenas enfrentaram. Outro ainda estava por vir: a atua<;ao do Tribunal do Santo Oficio. Estudos indicam que 33 indios e mamelucos fo- ram prisioneiros da Inquisi<;ao em Lisboa entre os seculos XVI e XVIII. Mas, se levarmos em conta as dentincias, 0 nfunero de casos e bern maior. Somen- te no seculo XVIII foram registradas 273 denuncias contra indios e descendentes mesti<;os de diferentes procedencias etnicas por divers as razoes. Uma india de nome Narcisa, por exemplo, foi acusada em Vila de Borba Nova, em1755, de fazer urn maleficio: uma boneca, com cabelos, ossos de peixes, retalhos de roupas rotas e amarrilhos, tudo cravado com agulhas e alfinetes. Ao desmanchar a boneca, a irma da enferma, Benta de Souza, teve as maos feridas em chagas sem que houvesse curati- YO, a nao ser com exorcismos e azeite bento. Narcisa e mais 157 indios acusados de feiti<;aria e praticas magicas nao escaparam dos agentes da Inquisi<;ao. Outros foram envolvidos em roubo, venda de h6stias consagradas para a produc;:ao de amuletos - as populares bolsas de mandinga - ou cartas de tocar, que sao os escritos usados como magia amorosa para seduzir 0 amado. Havia ainda indios que, por virtuosismo, desco- briam os maleficios com adivinha<;oes, por meio de quibando, uma pratica de adivinha<;ao, recor- rendo a peneiras e tesouras. Nomeavam seus mal- feitores e desenterravam as velhacarias. Urn caso celebre e 0 de outra india, Sabina, em Belem, que atendia 0 pr6prio governador do Grao-Para, Joao de Abreu Castelo Branco. monios" , enquanto 0 mestre tocava 0 maraca ento- ando a dan<;a embalada pela cantoria indigena. Uma dessas descri<;oes e a de D. Souza e Castro, indio prin- cipal dos tabajaras, que foi dar conta pessoalmente a Mesa do Santo Oficio, em Lisboa, em 1720. Contava por meio de seu interprete, 0 padre Antonio Leal, que a india Antonia Guiragasu "invocava os demO- nios que the respondiam varias perguntas do outro mundo". Para isso, "tomava umas grandes fuma<;as de tabaco de cachimbo ate ficar como fora de si". Outro motivo de dela<;oes foi a bigamia. Das 78 de- ntincias, 24 foram processados, mas nao hci senten<;a final em 17 deles. Outros seis foram tornados como "casos extraordincirios de absolvic;:ao" pela "ignoran- cia e rusticidade" dos indios. Essa senten<;a "benevo- lente" nao poupou Cust6dio da Silva, em 1741. Aos 28 anos, prestou seu depoimento por meio de urn in- terprete. Foijulgado e qualificado como bigamo. Con- denado, abjurou de leve, por ser suspeito de ferir os preceitos da fe cat6lica. Sob 0 olhar de urna multidao, fez auto da fe na forma costumeira. Foi a<;oitado pelas ruas de Lisboa ate a Igreja de Sao Domingos, onde, na presen<;a do rei D. Joao V, do principe e dos infantes D. Pedro e D. Antonio, inquisidores, ministros e toda a nobreza, foi sentenciado ao degredo por cinco anos para trabalhar nas gales de Sua Majestade. Como se ve, essas narrativas extraordinarias mostram 0 quanto ainda precisamos conhecer so- bre a hist6ria do nosso Brasil indigena. H MARIA LEONIA CHAVES DE RESENDE E PROFESSORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO JOAO DEL-REI E AUTORA DE "DEVASSAS GENTfLiCAS INQUISI<;:A O DOS fNDIOS NA MINAS GERAIS IN QU ISITORIAL", IN: RESENDE, MARIA l EONIA CHAVES DE; BRUGG ER, Srl VIA MARIA JARDIM (ORGS.) . CAMINHOS GERAIS ESTUDOS H/ST6RICOS SOBRE MINAS. (ED. UFSJ , 2005) Saiba Mais CARVALHO JR. "fndios hereges",in: indios cristaos. A conversoo dos gentios na Amazonia Portuguesa (1653-1769) . Campinas: IFCH/Uni- camp, 2005 (T ese de doutoramento). VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos indios: cotolicismo e rebeldia na Brasil colonial. Sao Paulo: Companhia das l etras. 1995. Ao fundo, gravura do seculo XVI mostra um chefe indigena sendo queimado pela Inquisic;ao. Alem de epidemias e escravi- dao, os indios ainda t iveram que enfrentar o Tribunal do Santo Oficio. I L ~ t":;~' ~it~' ~ "': ' ; --- ---~--------, ---- --~~-~~, -'----~-- • , - ";: ';" ~ <- " <0 ,1:,~:~',,~ " ,; ,: ' _ rl:- "jA~$iQ ~- '·-';'- ~·si ,iio::.,---~<;-- ,,', J,-_"-"" -, ___ ->"' __ - ,c"'~ ~- _ -,'_ "A nova gera~ao pesquisa a historia desse tribunal corrupto" Pioneira na pesquisa sobre a persegui(:ao aos cristaos-novos pela Inquisi(:ao no Brasil, Anita Novinsky e referencia nos estudos judaicos no mundo luso-brasileiro, Autora de obras que permanecem essenciais na abordagem do Santo Oficio, como Inquisic;ao. Cristaos novos na Bahia (1970, 1 g edi(:ao), a professo- ra livre-docente da Universidade de sao Paulo foi desbravadora dos arquivos portugueses sobre 0 assunto. Nesta breve entrevista, ela avalia a atual produ(:ao brasileira e conclui que ainda hci muito para se descobrir. REVISTA DE HISTORIA A Inquisi<;:ao e um tema urgente no seculo XXI? ANITA NOVINSKY A Inquisi<;:ao foi uma institui- <;:ao repressiva, de exterminio, propria de um regime politico totalitario. Hoje 0 mundo sofre amea<;:as do ignorando a a<;:ao de um tribunal de tenror, que atuou em todos os niveis da vida brasileira - economico, social, religioso e cultural. Hoje, em todos os estados, estudantes pesquisam a historia desse tribunal corrupto e arbitrario. As novas pesquisas estao trazendo a tona os interesses materiais dos inquisidores. RH 0 que, de fato, ignoramos? AN Tudo ainda esta por ser estudado na historia da Inquisi<;:ao no Brasil, que atuou do Amazonas ao Rio Grande do SuI. Ha estados ainda nao pesquisados, completamente virgens, como Alagoas. Interessam-nos as rela<;:oes economico-financeiras intemacionais, a vida clandestina, a resistencia, 0 contrabando, a religiosida- de, os cristaos-novos na goveman<;:a, as blasfemias de uma popula<;:ao heterodoxa. fundamentalismo, do fanatismo, e isso e preocupante RH Como a Inquisi<;:ao afetou a coloniza<;:ao no Brasil? para 0 futuro da humanidade. Conhecendo 0 passado AN Afetou, por exemplo, a criatividade da popula<;:ao, historico, talvez os homens se conscientizem dos peri- ao proibir leituras, cnticas, estudos superiores e im- gos que conremos. prensa. A Inquisi<;:ao foi responsavel, de acordo com 0 poeta portugues Antero de Quental, pel a decadencia RH 0 que despertou 0 seu interesse pelo tema? dos povos peninsulares. AN Muita gente ignora a presen<;:a da Inquisi<;:ao no Brasil durante 300 anos. Houve prisoes, confiscos, tor- RH 0 Santo Oficio uniu ou separou os cristaos- tura e morte de brasi leiros inocentes. Dois professores novos? da USP me incent ivaram: Joao Cruz Costa, de Filosofia, AN Os cristaos-novos foram solidarios com os que e Lourival Gomes Machado, de Sociologia. Os dois di- chegavam sem coisa alguma. Recebiam os fugitivos, ziam que e impossivel escrever a Historia do Brasil sem os desterrados, a quem davam tenras para trabalhar. estudar os cristaos-novos. Muitas vezes a popula<;:ao brasileira se recusou a com- pactuar com os agentes da Inquisi<;:ao, 0 que levou um RH Percebe algum progresso nos estudos? govemador a tomar medidas severas. Durante toda a AN A nova gera<;:ao acordou para a necessidade de historia colonial , os cristaos-novos mantiveram uma vi- compreendernros que a Historia do Brasil foi escrita sao do mundo bem diferente da dos cristaos-velhos.
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