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Prefácio
“O professor de matemática em geral é um sádico.” Essa grave acusação é de um professor de matemática que fi cou conhe-cido em todo o Brasil pelo pseudônimo de Malba Tahan. Seu 
livro mais conhecido, publicado na década de 1960, salvo engano, era 
O Homem que Calculava, e eu o comprei em um sebo na Avenida Rangel 
Pestana que “queimava” os livros da coleção a Cr$1. Era uma pechincha, 
e quando obtive o livro de Malba Tahan cheguei ao Parque Dom Pedro 
II, em pleno centrão de São Paulo, com as páginas iniciais da primeira 
história lidas. Nunca mais me esqueci da história dos camelos e de como 
um sábio beduíno deu seu camelo para promover uma divisão equânime 
entre os pretendentes, e ainda sobraram dois camelos para ele. Esses ára-
bes eram mesmo fabulosos matemáticos e eu já tinha aprendido que até 
os algarismos arábicos haviam sido inventados por eles!!!
O fato é que para mim o tal do Malba Tahan deveria ser um beduíno 
de tipo físico semelhante às pessoas que mercadejavam na região da Rua 
25 de Março, em São Paulo. Foi justamente lá que conheci o sírio, ou tur-
co – como todos eram chamados, inclusive os judeus –, Abdallah Aschar, 
um bem-intencionado militante do Partido Comunista Brasileiro. Foi o 
turco, ou sírio, que me disse que o genial autor de O Homem que Calculava, 
que propunha problemas de aritmética e álgebra, era um criativo profes-
sor brasileiro, Julio César de Mello e Souza, carioca que cutucava os seus 
pares afi rmando que eles gostavam de complicar tudo. A verdade é que 
fi quei um pouco decepcionado com o Malba Tahan que havia criado em 
minha imaginação de menino de 14 anos; ele não tinha turbante, nem 
camelos, nem vivia no deserto, nem fazia as orações dos crentes em Alá. 
O homem era brasileiro, mas escrevia como se cada problema de mate-
mática ou álgebra fosse um conto das Mil e Uma Noites, que também 
tinham me fascinado.
Além de Malba Tahan, a matemática que aprendi se deveu à criati-
vidade de alguns professores. Em compensação, não aprendi nada com 
outros, e cheguei mesmo a desconfi ar que um ou outro não sabia o que 
ensinava – pretensão passageira de quem tomou várias notas vermelhas 
na matéria. Depois, como professor de História, fui assistir às aulas de 
matemática do professor do cursinho Objetivo de São Paulo, Olivaldo 
Pereira, e me encantei quando ele me mostrou que matemática não era 
aquele monte de cálculos e fórmulas que todos decoravam, e sim algo 
mais intuitivo e belo.
Escrever fácil é difícil. Falar fácil também. Ensinar com boa didática muito 
mais, pois exige que o professor saiba muito e seja capaz de decodifi car em 
função de seu público-alvo. Uma coisa é falar para os sábios da Academia de 
Viena, outra, para alunos do curso fundamental da periferia.
Assim como O Homem que Calculava fez muita gente de diversas ge-
rações ver a matemática com outros olhos, este livro dos professores da 
USP, Carlos Eduardo Soares Gonçalves e Mauro Rodrigues, composto por 
deliciosas crônicas que aplicam os conceitos da ciência econômica a diver-
sas situações concretas, mostra ao leitor leigo que aprender sobre econo-
mia pode também ser algo divertido.
Heródoto Barbeiro
Escritor e jornalista da CBN e da TV Cultura
Bagdad, 19 da lua de Ramadã de 1321
Prólogo
N osso objetivo ao mergulhar no desafi o de escrever este livro foi trazer ao conhecimento do público geral, sob a forma de uma leitura leve e acessível, alguns resultados da pesquisa acadêmica 
recente na área de Economia. Além disso, o livro tem também a fi nalida-
de de ensinar uma série de conceitos básicos da teoria econômica, empre-
gando, para isso, exemplos inusitados do dia a dia.
Tratamos aqui dos mais diversos temas, muitos deles largamente dis-
sociados dos assuntos abordados nos cadernos de economia dos jornais. 
Queremos com isso: (i) mostrar a abrangência da lógica econômica e 
como ela pode contribuir para o entendimento de diversos fenômenos 
sociais, e (ii) transmitir uma variedade de conceitos econômicos de forma 
divertida e agradável ao leitor.
Diferentemente de outros trabalhos com objetivo similar, estrutura-
mos nosso livro em forma de textos curtos e autocontidos, que podem ser 
saboreados pelo leitor em qualquer ordem.
Sumário
As maiores bilheterias do cinema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1
A herança maldita da escravidão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7
Harry Potter e o preço da passagem de avião . . . . . . . . . . . . . . .13
Dos mosquitos ao desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16
Nosso amigo, o especulador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22
Adam Smith e os benefícios da globalização . . . . . . . . . . . . . . . .26
A hecatombe fi nanceira de 2008 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31
Rins à venda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37
Diplomatas e índios peruanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43
Mais comércio, menos países . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .50
1688 e 1904: o impacto sobre as taxas de juros . . . . . . . . . . . . . .53
O ovo e a galinha na economia do crime . . . . . . . . . . . . . . . . . .59
O contrabando a serviço da sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .64
Incentivos ao futebol arte? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .72
Deuses da chuva e da guerra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .77
A feia fumaça que sobe apagando as estrelas . . . . . . . . . . . . . . .82
Racionalidade individual e irracionalidade coletiva . . . . . . . . . . .90
A privatização dos rinocerontes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .93
O outro lado das epidemias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .98
Malleus Malefi carum . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .102
Max Weber versus Martinho Lutero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .107
Beleza importa? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .113
Vermes e armas: benefícios e custos sociais . . . . . . . . . . . . . . . .117
Celebridades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .120
O custo do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .125
Impactos escondidos do 11/9 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .129
A vida e a morte do dragão infl acionário . . . . . . . . . . . . . . . . .131
Dr. Fantástico e a crise fi nanceira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .138
Felizes para sempre? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .142
Ligações perigosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .147
Grandes salários – I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .152
Grandes salários – II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .155
A proliferação dos cursos de MBA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .159
Frentistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .164
Sobre fi las e cambistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .168
O fi m dos CDs? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .174
Vinhos, pipocas e passagens aéreas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .179
O DNA destruidor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .182
Remédios para quem? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .187
QWERTY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .193
Nas bordas da racionalidade econômica . . . . . . . . . . . . . . . . . .199
A maldição do vencedor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .207
Parece, mas não é . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . .213
Corrupção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .218
Terroristas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .224
Marcas de cerveja e número de candidatos . . . . . . . . . . . . . . . .230
Rins à venda 37
Rins à venda
Na teoria econômica, lugar proeminente é atribuído à importância das trocas. As trocas permitem que as pessoas se especializem na produção de alguns poucos bens e serviços, vendam-nos no mer-
cado e, com o dinheiro recebido, comprem uma miríade de outros bens 
que elas mesmas não produzem. Além disso, a possibilidade de trocar 
faz com que os bens na economia terminem nas mãos das pessoas que 
lhes atribuem maior valor. Se Carlos Eduardo, que não liga muito para 
futebol, acha um ingresso para um jogo do Corinthians na calçada, ele 
vende-o para Mauro por um preço menor que o cobrado no guichê. Am-
bos saem ganhando e, não menos importante, o ingresso termina na mão 
de quem o valoriza mais, o fanático Mauro.
Trocas não impostas por força ou coerção são ditas efi cientes porque ne-
cessariamente benefi ciam ambos os lados da barganha: quem vende e quem 
compra. Esse resultado é quase óbvio, apesar de muitas vezes não ser bem 
recebido entre os não economistas. Veja que se dada troca não fosse mutua-
mente benéfi ca, ela deixaria de ocorrer, já que ao menos uma das partes não 
toparia a transação. O problema é que algumas trocas são tão assimétricas 
que ferem nosso senso de justiça. Ficamos revoltados, por exemplo, quando 
um trabalhador em uma vila pobre da Índia vende 14 horas diárias de sua 
força de trabalho em troca de um salário pífi o de poucos dólares. Mas, apesar 
disso, a verdade é que essa troca o benefi ciou, pois, apesar de muito ruim, era 
provavelmente a melhor opção disponível no momento.1
1 O ideal para mudar esse quadro lamentável é ampliar as possibilidades de escolha dos 
pobres, o que pode ser alcançado, por exemplo, ao melhorar sua qualifi cação profi ssional.
38 SOB A LUPA DO ECONOMISTA
O teorema sobre a efi ciência das trocas não se restringe a transações 
de natureza puramente econômica – por exemplo, a troca de um carro 
por dinheiro. Ele se aplica também a outros mercados, como o polêmico 
mercado de órgãos humanos.
Cerca de 30 mil brasileiros fazem parte de listas de espera por trans-
plantes de rins. Entretanto, o número de transplantes efetivamente rea-
lizados é bem menor: apenas 3.397 no ano de 2007, por exemplo.2 A fi la 
é longa: espera-se, em média, 5,5 anos por um rim – período no qual um 
paciente com insufi ciência renal crônica deve se sujeitar a um penoso 
tratamento de hemodiálise.
Filas quase sempre refl etem um descompasso entre demanda e oferta. 
Nesse caso, não há rins sufi cientes para atender a todos que precisam 
de um transplante. A escassez de oferta de órgãos não é exclusividade 
tupiniquim: no Reino Unido, uma pessoa espera em média 2 anos por 
um rim; nos Estados Unidos, entre 3 e 5 anos,3 ou seja, mesmo em países 
desenvolvidos, conseguir um rim em bom estado não é nada fácil. Em 
face disso, pergunta-se: Por que então não existe um mercado de rins 
funcionando efi cientemente?
Veja o leitor que transplantes de rins possuem uma particularidade in-
teressante que os diferencia de outros tipos de transplantes: o órgão pode 
ser doado por pessoas ainda vivas. Isso porque o doador pode levar uma 
vida praticamente normal com apenas um rim (o maior risco da doação é 
o da operação). Essa peculiaridade deveria facilitar a vida de pessoas que 
precisam de transplantes, mas a realidade é, como vimos anteriormente, 
bem menos alentadora.
Um dos problemas é que encontrar uma pessoa saudável e disposta a 
doar um rim (normalmente um grande amigo ou membro da família do 
doente) não garante que o transplante possa ser efetivamente concluí-
do. Em particular, para reduzir ao máximo a probabilidade de rejeição 
do órgão transplantado, paciente e doador devem ter tipos sanguíneos e 
tecidos compatíveis.
2 Dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos: <http://www.abto.org.br>.
3 Ver Marinho, A.; Cardoso, S.S. e Almeida, V.V. (2007). “Os Transplantes de Órgãos 
nos Estados Brasileiros”. IPEA, Texto para discussão n. 1317, Tabela 1. Os dados para 
Brasil dizem respeito ao ano de 2003, para transplantes realizados dentro do Sistema 
Único de Saúde (SUS). Os dados para os Estados Unidos referem-se aos anos de 2001 
e 2002. Para o Reino Unido, consideram-se apenas adultos, no período 1999-2002.
Rins à venda 39
Assim, o número de transplantes é baixo por dois motivos: (i) o gru-
po de pessoas próximas ao doente, dentre as quais poderia aparecer um 
doador, é reduzido, e (ii) há uma chance nada desprezível de que o bom 
samaritano desse pequeno círculo possua tipo sanguíneo ou tecidos in-
compatíveis com os do doente.
Dado que existe uma enorme demanda por rins não atendida, e que 
as pessoas podem levar a vida com apenas um rim, há, no mínimo, um 
grande potencial para o surgimento de um mercado formal e impessoal 
no qual esses órgãos seriam transacionados entre pessoas que sequer se 
conhecem. Como ninguém seria obrigado a vender seu rim, nesse mer-
cado só ofertariam órgãos aqueles cujo benefício da venda – o dinheiro 
recebido – fosse maior do que o custo de passar por uma operação e ter 
que viver com um só rim. Uma pessoa de baixa renda, por exemplo, po-
deria se benefi ciar da venda de seu rim, usando o dinheiro para outras 
fi nalidades de grande emergência.4
No entanto, esse mercado, ou melhor, um mercado legal de rins, não 
existe. A legislação brasileira, assim como a da maioria dos países do mun-
do, proíbe a comercialização de órgãos humanos em troca de montantes 
monetários. Dessa forma, na ausência de um doador compatível perten-
cente a seu círculo de amigos e familiares próximos, restará ao paciente 
entrar na fi la e esperar por um doador falecido ou tentar sua sorte no 
mercado negro de órgãos.
Como essa situação mudaria se nossos rins pudessem ser negociados 
como bananas, em um mercado legal?
Consideremos um exemplo hipotético. Um indivíduo X, cujo sangue 
é do tipo A, necessita de um transplante. Seu irmão, o indivíduo Y, está 
disposto a lhe doar um rim, porém possui sangue do tipo B, o que os tor-
na incompatíveis e impossibilita a operação. A presença de um mercado 
impessoal bem organizado alteraria completamente esse quadro, mesmo 
não tendo a família dinheiro em caixa para comprar um rim. Isso porque 
Y poderia vender seu rim no mercado para outro doente com tipo san-
guíneo compatível – no caso, tipo B ou O5 – e, com os fundos levantados 
4 Proibir alguém de vender seu rim sob o argumento de que o vendedor não sabe o que está 
fazendo é menosprezar a compreensão das pessoas sobre os custos e benefícios de tal 
ação.
5 Com um amplo mercado de rins operando legalmente, não seria nada difícil encon-
trar tal comprador.
40 SOB A LUPA DO ECONOMISTA
nessa transação, a família teria condições de comprar o rim de uma ter-
ceira pessoa, compatível com as características do indivíduo X (ou seja, 
alguém que possua sangue do tipo A ou AB).
Esse exemplo simples ilustra a perda de bem-estar associada à proibi-
ção do comércio de rins, principalmente para os pacientes que necessitam 
de transplantes. No caso esboçado, dois transplantes deixariam de ser rea-
lizados por conta da ilegalidade da operação. Ressalte-se que as alterna-
tivas para o paciente, quando essa troca é proibida, não são muito alen-
tadoras: sofrer com a longa e dolorosa espera por um doador póstumo 
ou recorrer ao arriscado mercado negro. Em particular, a alternativa do 
mercado negro é bastante complicada por dois motivos. Primeiro porque 
bons médicos raramente se dispõem a arriscar suas reputações realizando 
cirurgias ilegais. Segundo porque o paciente terá enormes difi culdades 
para recorrer à Justiça caso o rim comprado seja de má qualidade ouocorra erro ou negligência médica na operação, uma vez que tudo se 
passa na ilegalidade.
Apesar dos argumentos levantados, a maioria das pessoas – e nós não 
somos exceções – vê a possibilidade de comprar ou vender órgãos em 
transações monetárias como algo repugnante e até mesmo antiético. Rins 
não são bens como carros ou bananas, convenhamos. Cremos que essa 
aversão ao comércio monetário de órgãos não deve ser desconsiderada 
em nome da efi ciência associada à existência de tal mercado. Se acredi-
tarmos que as leis de um país refl etem de alguma forma as opiniões de 
seus cidadãos, a proibição ao comércio de rins indica que a sociedade 
prefere pagar o custo do sofrimento de pacientes que necessitam de trans-
plantes, a ter que conviver com o horror de colocar preços monetários em 
órgãos humanos.6
Não é possível, portanto, passar julgamento de valor a respeito da proi-
bição, e a nós, economistas, cabe apenas indicar que a proibição tem tam-
bém custos importantes.
Entretanto, as trocas, principal fator gerador de ganhos de bem-estar 
socioeconômico, nem sempre precisam ser realizadas via pagamentos 
6 Outros bens e serviços – por exemplo, drogas, serviços sexuais e jogos de azar – so-
frem proibições semelhantes à sua comercialização. Para uma discussão sobre o im-
pacto da repugnância sobre o funcionamento dos mercados, ver Roth, A.E. (2007). 
“Repugnance as a Constraint on Markets”. Journal of Economic Perspectives 21: 37-58.
Rins à venda 41
monetários diretos. De fato, no caso dos transplantes, há uma alternativa 
interessante que recentemente vem ganhando popularidade, pois permi-
te que se troquem rins sem que para isso sejam necessários desembolsos 
monetários. A ideia consiste em impulsionar os transplantes por meio de 
um mecanismo de trocas diretas de rins, intermediadas por uma institui-
ção central em que são cadastrados pacientes e potenciais doadores. A 
lógica é que, para participar, uma pessoa com doença renal crônica não 
precisa trazer dinheiro, mas sim alguém disposto a doar um rim.7
Para facilitar a exposição do funcionamento desse mercado não mone-
tário, voltemos ao nosso exemplo com o paciente X (com sangue do tipo 
A) e o potencial doador, seu familiar ou amigo Y (de tipo sanguíneo B).
Basicamente, o que a central de cadastro faz é buscar, dentro de seu 
vasto banco de dados, outro par “paciente-doador” compatível com o pri-
meiro, permitindo assim a ocorrência de dois transplantes de órgãos: uma 
verdadeira troca de rim por rim. Por exemplo, encontra-se um paciente 
W, com tipo sanguíneo B, cujo doador, seu primo Z, possui tipo sanguí-
neo A. Apesar de cada par – X e Y; W e Z – ser composto por indivíduos 
incompatíveis entre si, o sistema garante que haja compatibilidade entre 
pares, possibilitando a realização de dois transplantes: Z doará seu rim 
para o desconhecido X, enquanto Y doará seu rim para o desconhecido 
W.8 Quanto maior o número de participantes no banco de dados, melho-
res as chances desse arranjo funcionar.9
O esquema ainda requer que ambos os transplantes sejam realizados 
ao mesmo tempo para minimizar o risco de que o primeiro a receber o 
rim não cumpra sua parte na troca. Por exemplo, se o paciente X rece-
besse o transplante primeiro, o indivíduo Y poderia posteriormente se 
7 Note que o par é, necessariamente, de pessoas incompatíveis. Caso contrário, elas 
fariam o transplante entre si e não precisariam, assim, participar desse esquema.
8 Os indivíduos devem ser compatíveis com relação a tipo sanguíneo e tecidos. Para 
simplifi car o argumento, estamos supondo que apenas a compatibilidade no tipo san-
guíneo é relevante para determinar a possibilidade de um transplante de rim.
9 Nos Estados Unidos, diversas associações se desenvolveram nos últimos anos 
para organizar esquemas do tipo. Para mais detalhes, veja <http://www.paireddo-
nation.org> e <http://www.paireddonationnetwork.org>. O trabalho conjunto de 
médicos e economistas foi instrumental para o estabelecimento do grupo da re-
gião norte-americana de New England. Ver <http://www.nepke.org>. Para a lite-
ratura na área de Economia, veja <http://kuznets.fas.harvard.edu/~aroth/alroth.
html#KidneyExchange>.
42 SOB A LUPA DO ECONOMISTA
recusar a doar seu rim para o paciente W. Dessa forma, o par X-Y sairia 
ganhando, pois X conseguiria um rim saudável sem que Y precisasse se 
sujeitar a uma cirurgia. Essa possibilidade de trapaça pode afetar adversa-
mente os incentivos das pessoas a participarem do esquema, colocando-o 
em risco. A simultaneidade das cirurgias impede que isso ocorra.
Note que, nesse novo modelo, há troca de órgãos entre pessoas que 
não possuem necessariamente uma relação familiar ou afetiva, da mesma 
forma que ocorreria no caso do mercado monetário de rins.10 A diferença 
fundamental é que não há contrapartida de dinheiro, o que torna a tran-
sação socialmente aceitável. Colhem-se os ganhos das trocas de mercado 
sem se ferir a ética.
No momento em que este texto foi fi nalizado, esse arranjo ainda não 
havia chegado ao Brasil. O que estamos esperando?
10 A vantagem das trocas impessoais é que elas permitem uma expansão da escala do 
mercado – afi nal de contas, há muito mais pessoas no mundo do que nosso círculo 
de amizades.
90 SOB A LUPA DO ECONOMISTA
Racionalidade individual e 
irracionalidade coletiva
O exemplo vem do Prêmio Nobel Thomas Schelling, mas a cena é conhecida: o trânsito começa a parar e as pessoas a pôr as ca-beças para fora da janela. Alguns metros à frente, um acidente 
bloqueia a pista da mão contrária, mas o engarrafamento na pista “livre” 
é tão grande quanto o da pista bloqueada. Isso porque quase todo mundo 
diminui a velocidade para olhar de perto o carro capotado a poucos me-
tros. O interessante é que cada curioso bisbilhota a visão do automóvel 
acidentado por meros 5 segundos, mas por conta dessa atitude, cada um 
na fi la se atrasa cerca de 30 minutos.
Trinta minutos perdidos no trânsito é tempo demais, mesmo para os 
muito curiosos. Assim, seria claramente melhor para todos se menos gen-
te parasse para olhar. Mas ponha-se no lugar de quem está exatamente 
ao lado do carro capotado e já esperou na fi la por mais de 29 minutos. 
Para ele, reduzir a velocidade agora custa apenas 5 segundos de atraso 
– os minutos perdidos não podem ser recuperados. Por que então não 
saciar a curiosidade mórbida, dado que o custo dessa ação refl ete-se em 
quem está atrás na fi la, um desconhecido qualquer?
Sob o ponto de vista individual, parar para bisbilhotar é a decisão ra-
cional e egoísta de quem já chegou à cena do acidente. Todavia, com 
todos pensando assim, o resultado fi nal é um atraso de 30 minutos para 
cada um. Ou seja, a consequência da racionalidade individual é algo que 
podemos chamar de irracionalidade coletiva. Todos perdem e, ainda as-
sim, é impossível evitar o resultado indesejado. Nesse caso, o “livre mer-
Racionalidade individual e irracionalidade coletiva 91
cado” (pessoas escolhendo o que é melhor para elas) não é sufi ciente para 
equacionar a questão.
Uma maneira fácil de resolver o imbróglio é estabelecer uma multa 
para os curiosos de plantão: por exemplo, reduziu a velocidade e atrapa-
lhou a vida dos outros, R$50 de infração. Com esse arranjo, a sociedade 
estaria melhor porque, agora, atrasar a vida de quem vem depois tem 
custos bem concretos.
Veja que é possível que, ainda assim, algumas pessoas continuassem 
parando para tirar uma foto do acidente, pagando, para isso, R$50 de 
multa. Mas isso não seria algo ruim ou uma falha da solução via multa. 
Por que não? Porque reduzir a velocidade para ver o acidente vale mais 
que R$50 para um dado cidadão, então é de fato efi ciente que esse curio-
so insaciável atrase um pouquinho o trânsito dos que vêm atrás. Afi nal 
de contas, o bem-estar do curioso também deve ser levado em conta no 
cômputo do bem-estar da sociedade. Além disso, ele está pagando pela 
inconveniênciagerada.
O fato é que sem a lei que multa quem desacelera, atrapalhar os ou-
tros tem custo zero. A custo zero, ser curioso é muito fácil, gerando uma 
enormidade de curiosos.
Das ruas para os lares, por que a conta de água nos apartamentos é, em 
geral, mais alta que nas casas? Pelo mesmo fenômeno de irracionalidade 
coletiva descrito anteriormente. Que incentivos tem um morador de um 
prédio, onde a água está incluída no valor do condomínio, a reduzir o 
tempo de seu prazeroso banho quente se, assim procedendo, ele não se 
apropria plenamente de sua economia?
De fato, ao consumir menos água, o morador do prédio faz um favor 
a todos. Contudo, ele mesmo ganha pouco com isso. O motivo é simples: 
sua economia, que vem ao custo de algum sacrifício pessoal, é repartida 
– em termos de conta de água coletiva menor – entre todos os outros mo-
radores. Claramente, essa partilha de benefícios afeta adversamente seus 
incentivos a fazer sacrifícios, coisa que não ocorre nas casas, onde a conta 
refl ete tão somente seus próprios hábitos.
O pior é que mesmo que todos os outros moradores do prédio estejam 
tomando banhos curtos, o melhor sob o ponto de vista individual conti-
nua a ser banhar-se à vontade, pois a conta mais gorda não recai sobre 
quem a gera exclusivamente; ela é dividida entre todos os condôminos. 
Com todos raciocinando assim, o desperdício no chuveiro torna-se praxe 
92 SOB A LUPA DO ECONOMISTA
difundida e uma bela conta de água bate à porta de todos no fi nal do mês. 
Os poucos que, por altruísmo ou consciência, se sacrifi caram em nome do 
bem comum, fi carão provavelmente tão revoltados com a fatura que, no 
próximo mês, passarão a escovar os dentes com a torneira aberta.
Há, felizmente, uma solução fácil para o problema do consumo ex-
cessivo de água nos prédios: basta individualizar as contas, tornando os 
prédios similares às casas nesse quesito.
Já sabe agora o leitor por que a conta do bar nas reuniões dos amigos 
da faculdade no fi m de ano é sempre tão salgada? Nesses eventos, nin-
guém tem incentivos a conter suas demandas de uísque e camarão, visto 
que os custos são repartidos sempre entre todos. O triste é que essa racio-
nalidade individual leva, no fi m da noite, ao desespero coletivo e até mes-
mo a eventuais celeumas. Melhor então é evitar problemas, agendando o 
encontro do próximo ano em um bar com comandas individualizadas.

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