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Resenha Coração das trevas

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE 
FACULDADE DE DIREITO 
ANTROPOLOGIA 
BRUNNO ALVES NEVES – 1E 
 
Ciência negra 
 
Coração das trevas de Joseph Conrad é uma história dentro da história, isso porque 
o romance retrata o cenário que se passava no continente africano durante o 
século XIX. O neocolonialismo foi um processo de ocupação territorial, exploração 
econômica e domínio político do continente africano por potências europeias como 
as nações da França e Reino Unido, embora também participasse do conflito a 
Itália, Bélgica, Alemanha, Portugal, Espanha e, em menor intensidade, Estados 
Unidos que é demonstrado nessa passagem - “... numa das extremidades um grande 
mapa lustroso exibindo todas as cores do arco-íris. Havia uma vasta extensão de 
vermelho, um bocado de azul, um pouco de verde, pequenas manchas de laranja, e, na 
Costa Oriental, uma extensão comprida de púrpura... A minha meta era o amarelo. 
Bem no centro.” (19) Essas “cores do arco-íris” a que se refere representavam o país 
a quem pertenciam às colônias. “O amarelo” citado como meta, na realidade se 
trata do Congo, lugar em que se discorrem as situações presente no livro. 
Com o argumento de levar progresso à África, os “brancos” sentiram-se na 
liberdade de fazer o que bem entendessem, ao invés de transformar “cada posto em 
um farol, um centro de comércio, claro, mas também de humanização, de progresso, 
de instrução” (54) eles transformaram as aldeias espalhadas pela selva em “cidades 
fantasmas”, dizimando diversas aldeias e etnias africanas. “Eles se apoderavam de 
tudo o que podiam, sempre que tinham a oportunidade. Era simples roubo, assalto à 
mão armada, latrocínio numa escala grandiosa” (14) 
Esses argumentos na realidade representava a visão da sociedade ocidental. 
Sociedade essa que vivia um momento impar em sua historia, com conquistas nos 
campos da ciência, social, econômico e cultural. Transformações essas que levaram 
a sociedade ocidental a buscar respostas para velhas perguntas, essa “curiosidade” 
ganhou status de ciência e resultou em diversas teorias. Com ideias de Malthus e, 
especialmente, de Darwin, os filósofos e pesquisadores da época desenvolveram 
teorias para classificar as sociedades humanas em atrasadas e avançadas, 
primitivas e modernas, bárbaras e civilizadas. Para a ciência da época as 
diversidades culturais seriam fundamentadas na unidade humana, estudada em 
etapas de um único processo evolutivo, que culminaria com o homem branco. A 
inferioridade cultural é descrita nas seguintes passagens: “Eles ainda pertenciam 
aos primórdios do tempo – ainda não tinham uma experiência herdada que lhes 
ensinasse e “Os brancos, em função do grau de desenvolvimento a que chegamos, 
devemos necessariamente ser vistos por eles [os selvagens] como seres sobrenaturais” 
(80). 
 “Seis homens negros avançavam em fila, esforçando-se para prosseguir na subida. 
Caminhavam eretos e lentos, equilibrando na cabeça cestos cheios de terra, e aquele 
tilintar acompanhava o ritmo dos seus passos. Traziam farrapos negros enrolados 
em torno dos quadris, e as pontas curtas do tecido balançavam como caudas abaixo 
das suas costas. Eu dia distinguir todas as suas costelas, as juntas dos seus membros 
lembravam nós numa corda, cada um trazia uma coleira de ferro no pescoço e todas 
estavam unidas por uma corrente cujos grandes elos oscilavam entre os homens, 
chacoalhando ritmicamente.” (28) 
Algo parecido com essas atrocidades foram as cometidas durante o século XVI, 
quando negro eram retirados de suas aldeias no continente africano para servirem 
de mão de obra em países como o Brasil. 
Numa cena que pode se assemelhar ao realismo-naturalista brasileiro, onde o 
homem selvagem negro ganha a forma de um animal, um bicho de rua – “Havia 
formas negras acocoradas, deitadas, sentadas entre as árvores, apoiadas nos 
troncos.” (30) 
Mas deve-se salientar que havia diferenças entre o neocolonialismo e o 
colonialismo, esse último tinha por objetivo a Evangelização e a busca por novas 
terras enquanto o neocolonialismo era consumado em nome da Civilização e do 
Progresso. 
O livro evidencia também a visão eurocêntrica da época, onde o mundo ocidental 
poderia ditar os rumos da humanidade. 
Há ainda uma narração descritiva do continente africano, numa demonstração de 
informar o leitor das características físicas do ambiente, esse por sua vez, era 
considerado exótico e aterrorizante pelos ocidentais. Esse processo antropológico 
descritivo se assemelha ao feito pelo Pero Vaz de Caminha, na sua carta ao Rei D. 
Manuel, onde registrou suas impressões sobre a terra recém-descoberta, o que 
hoje se conhece por Brasil. 
Outro tema abordado no livro é a mudança que a tensão no continente africano 
provoca em um indivíduo como Kurtz, tido por todos como civilizado e de muita 
instrução. Aquele ambiente brutal, desumano provoca a demência de Kurtz, que 
possuía um “método inadequado” – cortava a cabeça dos nativos e empalhava. 
Aplicando essas técnicas ele conseguia números impressionantes na obtenção de 
marfim. 
Entretanto, Coração das trevas não pode ser considerado um livro que faz alusão 
ao neocolonialismo, pelo contrário o livro pode ser considerado um 
anticolonialista em virtude das inúmeras passagens onde Conrad demonstra 
insatisfação com as cenas presenciadas, como por exemplo, nesta passagem – “A 
conquista da terra, que antes de mais nada significa tomá-la dos que têm a pele de 
outra cor ou nariz um pouco mais chato que o nosso, nunca é uma coisa bonita 
quando a examinamos bem de perto.” (14)- mas vale salientar que ele não presenciou 
todas as atrocidades descritas por Marlow, narrador principal da história. 
Esse episódio juntamente com os genocídios ocorridos durante o século XX 
mostrou para a humanidade que essa busca pela raça pura, um individuo superior 
em relação a outro, não é uma busca viável, é uma busca acima de tudo ilícita. Em 
primeiro lugar, porque não existem comprovações cientificas de que há uma raça 
superior à outra, seja no aspecto intelectual seja no aspecto cultural, os indivíduos 
são apenas diferentes, como evidenciou Franz Boas, com a teoria do Relativismo 
Cultural, onde qualquer forma de se viver é válida e licita; em segundo lugar pode-
se incluir o respeito aos Direitos Humanos, em que todas as pessoas devem ser 
respeitadas independentemente de sua raça, religião, opção sexual e qualificação 
física. 
Mais de cem anos após sua publicação, Coração das trevas ainda interpela os 
leitores não apenas pela sua beleza literária, mas também por despertar o 
sentimento de respeito ao próximo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Referências bibliográficas: 
Coração das trevas/ Joseph Conrad; tradução Sergio Flaksman. – São Paulo: 
Companhia das Letras, 2008.

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