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AS EXCLUDENTES DA ILICITUDE – ART. 23 DO CÓDIGO PENAL “Ilícito – O que é proibido por lei, o que contraria o Direito e a justiça, os bons costumes, a moral social ou a ordem pública e suscetível de pena. Pode dar-se por omissão ou ação” (Guimarães, 2012). No seu sentido mais direto, a ilicitude, significa a discordância entre a conduta humana e a norma jurídica. Segundo Capez (2004) “O ilícito consiste na contrariedade entre o fato e a lei [...] O ilícito, portanto, não tem grau: ou contraria a lei ou a ela se ajusta”. A doutrina distingue, ainda, a ilicitude como formal, material, subjetiva e/ou objetiva. Na ilicitude formal ocorre contrariedade do fato ao ordenamento jurídico, não levando em consideração se a conduta provocou um efetivo mal à sociedade. A ilicitude material seria o antagonismo da conduta em relação ao que se entende por correto e justo no meio social, ou seja, seria a transgressão de interesses vitais da sociedade. A ilicitude subjetiva significa que o agente deve ter consciência de que sua conduta é criminosa, neste sentido Capez (2004) afirma que para esta teoria o inimputável não comete fato ilícito, pois não tem o mínimo discernimento para tal averiguação. Já na ilicitude objetiva a conduta do agente independe da sua capacidade de análise, ou seja, para que se obtenha a ilicitude basta que a conduta esteja descrita como crime, não sendo necessário que o autor tenha conhecimento do seu caráter ilícito. Ressalta-se, porém, que se faz desnecessário a divisão dos conceitos, formal e material, pois, se o bem está protegido juridicamente qualquer conduta que o afronte irá causar uma lesão ou expô-lo a perigo. Neste sentido há de prevalecer um entendimento unitário a respeito da ilicitude. Nucci (2008) diz que a ilicitude “Trata-se de um prisma que leva em consideração o aspecto formal da antijuridicidade (contrariedade da conduta com o Direito), bem como o seu lado material (causando lesão a um bem jurídico tutelado)”. Deve-se, porém, observar que no código penal há condições que excluem do fato típico o seu caráter ilícito, ou seja, a conduta do agente, ainda que tipificada legalmente, receberá uma condição permissiva para que se torne lícita. “Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa; III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.” Há também que se observar que o referido artigo traz em seu parágrafo único um texto acerca do excesso por parte do agente, mais especificamente a norma diz que “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo responderá pelo excesso doloso ou culposo”, isso significa que o autor, tutelado pela excludente de ilicitude, não deve transpor os limites do necessário para a defesa do bem jurídico ameaçado. Se houver excesso, o autor será responsável pelos atos praticados. Dentre os aspectos excludentes da ilicitude há a legítima defesa, o artigo 25 do código penal traz o seguinte texto: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meio necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. O artigo é composto de diversos elementos, fazendo com que seu significado necessite de um juízo de valor por parte do operador do direito, para que este tenha êxito na interpretação do caso concreto. A legítima defesa apresenta duas espécies, a real e a putativa. A legítima defesa real se dá no momento em que a injusta agressão está ocorrendo. Já a legítima defesa putativa é aquela em que o agente imagina que está sofrendo uma agressão ou, caso haja uma determinada agressão, esta não se mostra injusta. Assim, o agente, pensando que está se defendendo, acaba por praticar um ataque injusto. Há também se observar a questão da agressão de inimputáveis. Neste caso a análise deverá ser feita de forma objetiva, ou seja, se há uma agressão injusta ou não, independente da capacidade do agente agressor. Sendo assim o inimputável poderá sofre repulsa, e esta estará amparada pela excludente. O primeiro elemento da legítima defesa é a agressão injusta, onde uma conduta humana ataca um bem jurídico protegido, contudo, este ataque, necessariamente, deve ser injusto, ou seja, não pode ser amparado pela lei. Segundo Capez (2004) a agressão só pode ser executada por pessoas humana. Agressão atual ou iminente é outro elemento constitutivo da legítima defesa. A agressão atual é aquela que está ocorrendo naquele exato momento. A agressão iminente é aquela que ainda não ocorreu, mas sua execução se dará quase que imediatamente. A agressão futura e a passada não são acobertadas pela legítima defesa. O uso moderado dos meios necessários são aqueles empregados a repulsa da agressão. Os meios de defesa devem ser eficazes e suficientes, segundo Greco (2014) “Se o agente tiver à sua disposição vários meios aptos a ocasionar a repulsa à agressão, deverá sempre optar pelo meio menos gravoso”. Deve-se empregar um limite razoável para a repulsa da agressão, sendo assim, se houver excesso desnecessário na ação, o agente, antes tutelado pela excludente, responderá pelo resultado ao ofendido. Existe ainda a defesa de direito próprio ou de terceiro, que permite a legítima defesa para si e para outrem, sempre nos termos da lei. Segundo Capez (2004) “Qualquer direito, isto é, bem tutelado pelo ordenamento jurídico, admite a legítima defesa, desde que, é claro, haja proporcionalidade entre a lesão e a repulsa”. O excesso na legítima defesa pode ser doloso ou culposo. O excesso doloso é aquele em que a vítima, mesmo após fazer cessar a agressão, continua o ataque porque quer causar mais lesões, ou até mesmo a morte do agressor. Já o excesso culposo é aquele em que o agente acredita, numa avaliação errônea, que a agressão ainda está ocorrendo ou poderá vir a acontecer novamente, e em decorrência disso, dá sequência a repulsa. Neste caso a conduta será avaliada sob a luz do artigo 20, §1º, do CP., em seu texto há a seguinte definição: “§1º. É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”. Outra excludente de ilicitude é o Estado de necessidade. O artigo 24, caput, do código penal apresenta o seguinte texto: “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir- se”. Capez (2004) indaga que “no estado de necessidade existem dois ou mais bens jurídicos postos em perigo, de modo que a preservação de um depende da destruição dos demais”. Nosso código penal adotou a teoria unitária, onde a situação deve se revestir de razoabilidade, caso contrário não será considerada excludente de ilicitude. Nesta teoria o agente não necessita calcular o valor de cada interesse em conflito, basta que aja de acordo com o senso comum daquilo que é razoável. Para esta teoria, todo estado de necessidade é justificante, e não exculpante. O primeiro aspecto desta excludente é o fato do perigo ser atual, isso significa que a ameaça deve estar presente no momento em que o bem jurídico é extinto. Diferente da legítima defesa o estado de necessidade insere a atualidade e iminência no quesito atualidade, pois entendem que o perigo atual, por si só, equivale a um dano iminente. O perigo deve ameaçar direito próprio ou alheio/terceiro. Isto é o que indica o segundo critérioconstituinte do estado de necessidade. O direito aqui sugerido é todo bem tutelado pelo ordenamento jurídico. O auxílio a terceiros também deve respeitar o fato de que a proteção exercida deve recair sob um bem indisponível (vida, liberdade, etc.), pois se o bem for disponível, é necessário que haja o consentimento do titular do bem defendido para efetiva ação. O perigo não pode ter sido provocado por vontade do agente. Há na doutrina uma divergência quanto ao sentido do que se entende por “vontade”. No primeiro entendimento sustenta-se que apenas o perigo causado de forma dolosa é que impede a alegação de estado de necessidade. No segundo conceito entende-se que, tanto a conduta dolosa quanto a culposa impede que seja invocado o estado de necessidade. Grande parte da doutrina adota a conduta dolosa como único impedimento para a invocação do estado de necessidade. O dever legal de enfrentar o perigo é aquele imposto por força de lei, em outras palavras, é aquele inerente a algumas profissões, como é o caso da polícia, do bombeiro e do salva vida. O agente deve buscar a proteção do bem ameaçado sem que haja a destruição de nenhum outro. Porém, é ponderado que o agente se recuse a agir diante de uma situação onde é evidente que o salvamento é impossível, pois nessas circunstâncias dois ou mais bens jurídicos serão sacrificados sem que haja o efetivo resultado pretendido. Segundo Capez (2004) a evitabilidade do dano pode ocorrer de duas maneiras: “a) o agente tinha como evitar o dano, deixando de praticar a conduta. b) entre duas opções danosas, o agente podia ter escolhido a menos gravosa para a vítima”. Então se for possível afastar-se do perigo ou de alguma forma evitar a lesão é compelido ao autor que o faça. A razoabilidade versa sobre a ponderação entre o valor dos bens a serem sacrificados. Então a razoabilidade do sacrifício é aquela em que a ação do agente se baseia num entendimento daquilo que é correto, razoável e certo dentro do senso comum. Caso o bem sacrificado seja de valor maior que o defendido não há que se falar em estado de necessidade, passando assim, a análise de inexigibilidade de conduta diversa, esta poderá, se comprovada, excluir a culpabilidade, caso contrário o agente poderá ter sua pena reduzida de 1/3 a 2/3. Dentro da excludente de estado de necessidade há definições quanto ao seu modo agressivo e defensivo. Na necessidade agressiva o agente pratica uma conduta que sacrifica um bem jurídico de um terceiro inocente, ou seja, de alguém que não provocou a situação de perigo. Já a necessidade defensiva é aquela praticada contra o produtor do perigo, a fim de extingui-la. O estado de necessidade também exige que, além dos elementos objetivos, a subjetividade seja reconhecida. Isso significa que o agente deve ter pleno conhecimento de que sua conduta está acobertada pela excludente de ilicitude. Capez (2004) ainda observa o estado de necessidade quanto ao seu sentido putativo, ou seja, é aquela situação em que o agente tem uma visão distorcida dos fatos, é o erro em relação à existência de um estado de perigo. Se ficar comprovado que a conduta do agente se deu numa situação errônea deverá esta ser analisada sob dois aspectos, o erro escusável e o erro inescusável. O erro escusável é aquele que isenta o agente de pena, já o erro inescusável o agente responderá por crime culposo. Semelhante ao excesso culposo na legítima defesa, o estado de necessidade putativo será visto sob á luz do artigo 20, § 1º, do CP. O que diferencia estas duas excludentes, de modo simples, é o fato de que na legítima defesa há uma conduta lícita perante uma conduta ilícita. Já no estado de necessidade ambos os interesses são legítimos. A legítima defesa se faz necessária quando ocorre uma ameaça ou agressão por pessoa imputável ou inimputável, a um bem jurídico, este, inclusive, pode ser de terceiro. Trata-se, portanto, da repulsa de uma ilegítima agressão humana e que possui destinatário certo. Tem como aspecto subjetivo o conhecimento da situação de fato justificante e como critérios objetivos a proteção de direito próprio ou alheio, uso moderado dos meios necessários, que seja injusta a agressão e que ela esteja ocorrendo ou prestes a ocorrer. No estado de necessidade há conflito entre diversos bens jurídicos diante de um momento de perigo, que não pode ser antecipado ou previsto, em que o perigo decorra de comportamento humano, animal ou ainda por eventos naturais. Deste modo, o perigo não tem destinatário certo e os interesses em debate são legítimos. Na legítima defesa ocorre uma reação, um bem tutelado juridicamente é atacado, é exposto a uma agressão, a repulsa é voltada contra o agressor, há relação entre indivíduos e só existe em face de ação humana. Já no estado de necessidade há uma ação, não existe agressão injusta, essa agressão pode advir por força da natureza ou de um animal, há relação entre o agente e o Estado e o bem jurídico é exposto a perigo. Então, entende-se que, na legítima defesa há uma conduta defensiva com aspectos agressivos, enquanto que no estado de necessidade a conduta é agressiva com objetivo defensivo. REFERÊNCIAS TUPY, I.B. Estado de necessidade: breves considerações. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4711/estado-de-necessidade> Acesso em: 23 mar 2014. LEITÃO JUNIOR, J. O que se entende por antijuridicidade objetiva e subjetiva e qual a linha distintiva entre ambas?. Disponível em: <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2015067/o-que- se-entende-por-antijuridicidade-objetiva-e-subjetiva-e-qual-a-linha-distintiva-entre-ambas- joaquim-leitao-junior> Acesso em: 22 mar 2014. BACHUR, P. Antijuridicidade ou ilicitude. Disponível em: <http://www.juridicohightech.com.br/2013/02/antijuridicidade-ou-ilicitude.html> Acesso em: 22 mar 2014. Ilicitude. Disponível em: <http://www.jurisprudenciaeconcursos.com.br/arquivos/1351112146.pdf> Acesso em: 22 mar 2014. GRECO, R. Curso de direito penal – Parte geral – Vol. I. 16 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. 809 p. CAPEZ, F. Curso de direito penal – Parte geral – Vol. I. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 559 p. NUCCI, G. S. Manual de direito penal – Parte geral – Parte especial – 4 ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2008. 1072 p. GUIMARÃES, D. T. Dicionário compacto jurídico. 16 ed. São Paulo: Rideel, 2012. 296 p. BRASIL. Vade Mecum. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 1724 p.
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