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Aspectos sociais da canção de grande circulação, de Paulo Marcondes F Soares

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ASPECTOS SOCIAIS DA CANÇÃO DE GRANDE CIRCULAÇÃO PRIVATE �
Paulo Marcondes F. Soares
Resumo
Este artigo procura enfatizar certos aspectos relativos ao estudo social da canção de grande circulação, privilegiando o debate crítico a propósito do que se pode considerar como duas tendências distintas no tratamento dado pela literatura sociológica àquele fenômeno de investigação. Por um lado, temos a já clássica discussão, pela crítica negativa de Adorno, a apresentar a canção de consumo como fetichismo da mercadoria e o processo regressivo da audição; por outro, temos o caminho a apresentar o fenômeno da canção não apenas pela importância de suas funções econômicas, mas, inclusive, pela necessidade de se considerar as suas funções sócio-culturais e, consequentemente, o seu caráter multidimensional: que considera desde a sua própria dinâmica interna à relação de fronteira com outras formas de linguagens artístico-culturais e suas configurações sociais.
Palavras-Chave: Canção de consumo; indústria do disco; mercado; bens culturais; massa.
1. Esteticamente falando, a canção se encontra associada a propriedades físicas de sonoridade, que atuam fisiologicamente sobre o corpo. Particularmente, por exemplo, com relação ao rock, esta talvez seja a principal chave para o seu entendimento enquanto modalidade musical. Pela ênfase em sua materialidade sonora, o rock deveria ser entendido como estilo que atinge mais o campo das sensações corpóreas e emocionais, do que a esfera da racionalidade. Uma crítica musical efetiva seguiria o entendimento desta correspondência entre a música e o movimento corpóreo, e toda a dimensão de suas sensações.
2. Em seus "Prolegômenos a uma estética do rock", Baugh (1994) identifica a existência de uma especificidade estética da linguagem do rock cuja orientação difere opositivamente ao que se configura como uma estética tradicional da música. Assim, enquanto a estética tradicional se vê voltada às questões relativas à composição e à forma; o rock, para o autor, se voltaria basicamente para a matéria. Sem querer adotar o princípio da estética tradicional da separação entre forma e matéria (conteúdo), Baugh vai usar o termo matéria no sentido de como as propriedades sonoras atingem o ouvinte e, consequentemente, como ele a sente.
A materialidade do tom, ou mais precisamente, da performance dos tons, é apenas um dos elementos materiais importantes no rock. Os dois outros são altura e ritmo. Mas, quando se trata de rock, os dois são mais sentidos pelo corpo do que julgados pela mente, e o uso adequado de ambos é crucial para o sucesso de uma performance de rock, um sucesso que é julgado pelas sensações que a música produz no corpo do ouvinte. O fato de que o rock procure despertar e expressar sensações transforma-se freqüentemente em acusação dirigida contra ele, como se provocar a sensação fosse algo ‘baixo’ ou indigno de verdadeira beleza musical. Mas a alternativa é olhar para as propriedades materiais do rock, ou para aquelas propriedades relacionadas às sensações corporais que ele provoca, como a chave para os próprios critérios de excelência musical do rock (Baugh, 1994, p.16).
3. A confrontação feita por Baugh dos dois níveis da expressão estético-musical é reveladora de uma matriz importante para uma compreensão despreconceituosa da canção rock. Por outro lado, seu valor se encontra no fato de identificar os postulados teóricos de que partem os críticos da estética clássica. Referindo-se a Kant e ao kantismo, o autor vai demonstrar como ficou dicotomizado, nessa orientação estética da música, a representação do "belo" em relação à sensação do apenas "agradável". O primeiro se dá como "objeto de um juízo capaz de requerer validade universal" (p.17); ao passo que ao segundo não se reconhece o mesmo tipo de propriedade, ficando, pois, excluído de qualquer consideração substancial. O autor fala, ainda, que tais considerações da forma e da composição na estética clássica encontram-se presentes não só nos clássicos, como também na crítica mais contemporânea que vai de um Adorno até os jornais de hoje. Aliás, Adorno chega a ser acusado de submeter à forma até mesmo as propriedades materiais da música.
4. A rigor, tomar este itinerário crítico para a análise do rock significa, no mínimo, adotar preconceitos que se hão de erigir como barreira intransponível ao entendimento daquela matéria musical. Isto porque
uma estética do rock julga a beleza musical por seus efeitos sobre o corpo, e desse modo encontra-se essencialmente voltada para a ‘matéria’ da música. Isso faz com que a beleza na música do rock seja em certa medida uma questão pessoal e subjetiva; na medida em que você avalia uma peça baseado na maneira pela qual ela lhe afeta, você não pode exigir que outros que são afetados de modo diferente concordem com sua afirmativa. Mas isso não significa que os padrões do rock são pura e simplesmente uma questão de gosto individual. Há certas qualidades que uma peça de rock deve ter para ser boa, embora ouvintes informados possam discordar quanto ao fato de uma determinada peça de música possuir tais qualidades. Em todo caso, essas qualidades são mais materiais do que formais, e estão baseadas em padrões de avaliação da performance, mais do que na composição (p.20).
5. O ritmo seria uma das qualidades de performance de mais fácil identificação no rock; e, ainda que ele se encontre na estética clássica, goza de um caráter de formalização tal que não atinge a mesma visceralidade e o mesmo somatismo contidos no rock. Seu ritmo não pode ser medido por um "tempo correto" e a batida ou ritmo dependem de seus efeitos sobre o corpo. Por outro lado, mudanças ocorridas em seu processo, fizeram ressaltar outros elementos de performance do rock: por exemplo, a voz (que é menos um fenômeno de virtuosismo e mais de performance interpretativa) e instrumentos como a guitarra (assumindo modos de expressão inicialmente vinculados à voz). Outro elemento da performance, dos mais criticados, é o do volume ou altura, mas que pode ser importante veículo de expressão, atuando por todo o corpo e não apenas no ouvido.
Ritmo, a própria expressividade das notas, a altura: esses são três elementos materiais, corporais do rock que poderiam, como espero, constituir sua essência e formar a base de uma genuína estética do rock", [que] "requer uma emancipação do corpo, uma emancipação da heteronomia. Tal emancipação também é requerida pelas muitas formas de música centradas na voz e na dança, mais do que na composição e no livre julgamento pela mente da beleza formal. De fato, a preocupação com a beleza formal é adequada apenas a um fragmento muito pequeno da música do mundo (p.23).
6. Ainda que o autor não dedique atenção à problemática da letra de música, suas considerações estéticas são muito importantes no sentido de delinear um quadro geral dos elementos presentes em qualquer crítica substancial do rock. Isto não retira da letra de música sua qualidade de performance no rock e na canção em geral. Apenas o autor procura as questões de materialidade sonora, referindo-se, de passagem, à complexidade da articulação letra-música no rock. Sobre esta questão se voltará adiante.
7. Ademais, outro importante aspecto, o qual, junto ao dos elementos estéticos do rock, não se vai propriamente tratar aqui, deve ser considerado: diz respeito a uma necessidade de melhor se situar a problemática da relação rock e juventude - entre outras coisas, a forma arrebatadora da materialidade sonora, talvez seja o elemento principal da persistência do rock (em suas múltiplas variações de som, ritmo e discurso), como modalidade musical da cultura juvenil.
8. Aliás, esta vizinhança mantida entre a cultura juvenil e o rock, como produto comercial que é, nos obrigaria a refletir não apenas os elementos últimos de uma sociologia da juventude, mas, também, de uma sociologia do rock: que deveria se manter em estreita relação com a primeira. Por certo, não se vai traçar aqui o programa de uma sociologia dorock, que é matéria de interesse para um outro momento.
9. No que se refere ao debate geral sobre a canção comercial, pode-se presenciar ainda uma significativa discordância a que chegaram muitas análises sociologicamente aplicadas ao estudo daquela modalidade musical, no que pese aos efeitos sociais por ela causados. Nesse sentido, vamos encontrar uma visão profundamente pessimista do fenômeno, que vê no processo de fetichização da canção a existência de um círculo vicioso que se fecha numa devastadora regressão da audição e conseqüente conformismo e passividade por parte do ouvinte - essa idéia tem a sua mais ardorosa defesa na crítica que Adorno faz ao que ele próprio denomina de "a música ligeira", referindo-se ao alto grau de produção, circulação e consumo por que passa essa canção, o que não lhe permite qualquer inovação senão aquela de ordem funcional ao próprio mercado de sua circulação (in Benjamin et al., op. cit., p.165-91).
10. Por outro lado, entretanto, vê-se surgir uma perspectiva menos elitista de abordagem, e que tenta ver que não é suficiente reduzir toda a explicação dos mecanismos relativos à canção de consumo (e, de resto, de grande parte dos produtos da indústria cultural) ao puro critério das relações industriais e comerciais - sendo necessário tentar ir além dessa colocação, pelo exame das suas funções não apenas econômicas, mas também sócio-culturais: deixando os problemas de caráter estético para uma outra ordem de abordagem, aquela que ambiciona um maior entendimento da própria economia interna da organização musical (Luthe, 1971).
11. Reportando-se àquela primeira tendência, de orientação pessimista quanto à interpretação dos vários aspectos da canção de consumo, veja-se o que pensa Adorno a esse respeito, quando analisa a "moda sem tempo" do fenômeno do jazz. Tomando por base a perspectiva da comercialização, verifica que sob o jogo da profissionalização, as bandas do jazz representam nada mais que a suavização de toda rebeldia oriunda daquele movimento original, suavização essa caracterizada pela repetição das fórmulas que, na melhor das hipóteses, leva o público ouvinte ao conformismo de aceitação de formas utilizadas e repetidas que, embora assumindo a aparência da "irrupção de uma natureza primitiva e sem freios", sucumbe ante às exigências de "obediência" às regras do jogo da canção comercial que visa indubitavelmente o sucesso. Com efeito, a nota crítica do que se observa neste momento, não é puramente a da existência de uma radicalidade original que se padroniza no jazz, num processo harmonizador, pela ação mercantil das empresas da indústria cultural; indo além, Adorno mostra-se intrigado com o próprio fato de que o jazz parece se esforçar para não perder o seu "caráter de moda" (Adorno, 1969).
12. Sendo que, em sua abordagem, o autor tende não apenas a abraçar uma perspectiva de análise que se faz valer do repertório da psicopatologia: quando, ao afirmar que "ao gesto da rebelião se associou sempre no jazz a disposição a uma cega obediência", o faz comparando-a ao "tipo sadomasoquista, que se subleva contra a figura paterna, mas continua a adorá-la secretamente, quer imitá-lo e desfrutar, ainda que em última instância a odiada submissão" (p.50); como também, não deixa de chamar atenção para o fato de que no jazz, pelo aspecto facilitador da comercialização, opera-se uma rígida limitação estética em sua modalidade musical: quando assinala que "do mesmo modo que nenhuma peça de jazz conhece história (no sentido musical), do mesmo modo que seus elementos são por assim dizer desmontáveis, sem que a nenhum compasso se siga uma lógica de desenvolvimento, assim também essa moda sem tempo converte-se em símbolo de uma sociedade congelada segundo um plano" (p.53) - limitação essa, segundo pensa, presenciada no próprio sentido estandardizado da "improvisação espontânea" que só reflete, na realidade, o grau em que tal esforço vem escamotear o verdadeiro sentido de algo que foi estudado e preparado com o cuidado mecânico da precisão.
13. Contudo, o ponto central a que Adorno se liga na interpretação da canção de consumo é, em última instância, o da esfera das relações mercantis processada no seu bojo. O da fetichização a que o produto artístico, pela sua fixação e adaptação permanente ao já conhecido e corriqueiro do mundo cotidiano, deixa de sê-lo, submetendo-se à condição mercadológica do sistema de troca do mercado, perdendo assim qualquer característica autônoma possível que a estética, por suas leis próprias, parece relativamente propiciar como categoria essencial imanente à toda expressão artística. "O monopólio do jazz se apoia na exclusividade da oferta e na prepotência econômica que há por trás desta" (in Benjamin et al., op. cit., p.59).
14. Ao que parece, Adorno se fixa no campo apenas da percepção do processo de produção industrial capitalista dos produtos culturais: visto que isto será o único ponto a partir do qual ele vai orientar toda a sua análise dos efeitos da comunicação em circuito comercial. Nesse sentido, o autor tende a uma perspectiva intransigente que soa bem mais uma posição unilateral e mecânica daquele processo e, portanto, pouco dialética, em nome da qual fala. Trata-se, por certo, da figuração de todo um legado da estética musical clássica de que falava Baugh. É, neste âmbito, que se pode entender a posição do autor, quando toma este exemplo do jazz. Particularmente em relação ao elemento da improvisação, que não passaria de uma simulação do improviso, já que seguiria regras - honestamente, não se pode atribuir grande incoerência em se ter certas regras e convenções a partir das quais se improvise: aliás, todo improviso não está absolutamente isento de regras e convenções.
15. E embora a canção de massa seja produzida no âmbito do que o autor chama de indústria cultural, o que deve nos levar a uma reflexão sobre a indústria do disco (e da canção) e a toda série de condicionamentos daí advindos, é necessário lembrar que a canção em si precede em muito ao próprio processo industrial da sociedade, como também, à própria sociedade capitalista. Com efeito, isto deve nos obrigar a pensar a existência dos outros elementos constitutivos da estrutura da canção ou que, pelo menos, a ela se liga. Assim, segundo Edgar Morin, haveria um caráter multidimensional na canção, indo da sua própria dimensão interna (a quase indissociabilidade da música e da letra; o que a diferencia da música "pura"), até às suas relações quase sem fronteiras com outras linguagens de expressão artística (como a dança e a representação teatral), inclusive no caso das canções que entram no circuito industrial-comercial, voltadas ao consumo massivo (Morin, 1973). Contudo, o que se tenta demonstrar é que, pela análise pura e simples dos processos industriais da canção não se pode ter uma compreensão mais que parcial do fenômeno, negligenciando-se desta forma outros aspectos que lhe são característicos, e que leva a se estudar essa forma musical não apenas pela óptica de sua imbricação com a sociedade de consumo; mas, indo além, pela constatação de que determinadas manifestações musicais operam um certo movimento que tende a vinculá-las a um tipo mais ou menos específico de público, ampliando a complexidade de suas análises, pela urgência de um estudo que remeta, entre outras coisas, a uma sociologia dos grupos (diferenciados de forma plural por diversas categorias interpretativas): este seria, entre outros, o caso da canção rock.
16. Neste ponto, deve-se chamar atenção para o fato de que não se pode estudar uma determinada modalidade musical, sem que se leve em conta o universo material e sócio-cultural do seu público, ainda que não se possa estabelecer uma demarcação rigorosa deste; sendo assim, no que pese às considerações sobre o mecanismo da produção e circulação da canção pela indústria do disco, é de fundamental importância deter alguma atenção sobre o comportamento do público em relação a um tipo ou modalidade musical dado, por mais que este comportamentoesteja condicionado pelas investidas promocionais que as empresas da indústria do disco assumam. Com isto, quer-se afirmar que não é o suficiente o investimento promocional para que se obtenha necessariamente uma resposta favorável do público indiscriminadamente, embora não se tenha a intenção de negar a força efetiva que a publicidade exerce sobre o seu público.
17. Caso alguém estivesse interessado em especular, mesmo sem realizar uma pesquisa mais cuidadosa, poderia afirmar que a música "brega" (música popularesca, surgida como diluição da jovem guarda - conforme encarte "Guia do Rock" da revista Bizz) tende a atingir mais freqüentemente o público de baixa renda das camadas periféricas urbanas, que parece constituir o seu principal mercado. Em todo caso, só para sairmos de afirmações fortuitas e pouco acertadas, poderíamos lembrar que estudos sociológicos sobre o fenômeno musical do rock, atestam que o seu público dominante é configurado, principalmente, por grupos de jovens, notadamente aqueles que vivem no espaço urbano das grandes cidades (Frith, 1978).
18. Diante deste quadro, para além do mecanismo da produção, circulação e consumo que a indústria do disco (e da canção) engendra, torna-se necessário um estudo das condições sociais que um determinado público apresenta em face do tipo específico de produto musical predominantemente consumido por ele. Quer seja, entre outros, com base em categorias que reflitam as condições de ocupação do espaço; quer seja com base na configuração das classes sociais; quer seja pelo estudo atento do comportamento de grupos etários. Podendo haver ainda, é claro, o que muitas vezes ocorre, a combinação de mais de uma dessas categorias.
19. Isto posto, viu-se que trabalhar os problemas relativos à canção de consumo não implica, unicamente, em se levar em consideração uma sociologia da indústria do disco e sua configuração na sociedade de consumo; é igualmente necessário estudar as formas que suas relações econômicas e sócio-culturais assumem no interior de uma dada sociedade. Ou seja, na fronteira de uma "sociologia do disco", deve-se assinalar os conhecimentos produzidos pelas demais sociologias aplicadas; isto é, conhecimentos elaborados no âmbito da sociologia urbana, da juventude, da família; como, por exemplo, é, mais uma vez, o caso do rock.
20. Significativamente, tais considerações parecem fazer parte das preocupações centrais da segunda vertente de abordagem dos fenômenos da canção de massa, a que se aludiu anteriormente. Qual seja, a de considerar a importância das funções não apenas econômicas mas, inclusive, sócio-culturais do tipo de canção que se quer aqui enfatizar.
21. Assim, convém ter como referência, ao menos alguns pontos concernentes a uma "sociologia" da canção de consumo ou, como quer Luthe, que pelo menos leve à "investigação social empírica" desse fenômeno (Luthe, op. cit., p.161).
22. E é esse autor, aliás, quem traz alguma contribuição a um estudo da canção e da indústria do disco. Partindo da necessidade de situar essa problemática no contexto da comunicação de massa, e sua indústria cultural, Luthe chega a traçar algumas das principais características fundamentais distintivas do disco; que tanto aproxima, quanto distancia este produto de outros fenômenos de expressão daquela indústria, a saber: primeiramente, pode-se falar que o disco não traz um condicionamento maior quanto a um lugar específico à recepção do seu conteúdo, ponto que o aproxima relativamente ao rádio e à TV, mas não ao cinema; em segundo lugar, não parece haver por parte do disco, nenhuma imposição de tempo para o seu ouvinte, o que o distancia do rádio, da TV e do cinema, embora o aproxime da leitura; uma terceira característica do disco, é a que possibilita a sua audição por várias vezes sucessivas, podendo acontecer o mesmo com o livro, em mais de um momento assumindo características analógicas ao disco; por fim, uma quarta característica apresentada pelo estudo de Luthe, a propósito da música gravada, é a que diz respeito às necessidades exteriores que se impõem à audição do disco, contrariamente ao que acontece com outras linguagens dos meios de comunicação, que é a sua dependência mantida tanto em relação ao rádio e a TV, quanto aos aparelhos de som estereofônicos e o próprio desenvolvimento da indústria eletrônica (fundamentais à institucionalização do disco enquanto meio de comunicação de massa) (p.161-3).
23. Em todo caso, as mesmas características hora apresentadas sobre o disco, parecem incidir sobre a realidade da fita cassete gravada. Por fim também não se encontram muito distanciadas desta situação, as características constituintes da fita de videocassete.
Consignemos, a este respecto, que para definir en su conjunto los medios de comunicación de masas también podemos utilizar um criterio basado en sus elementos comunes: producción masiva, difusión masiva y caráter masivo - pero no necesariamente sincronizado - del consumo. No obstante, el estudio de las características fundamentales del disco podría suscitar un replanteo de la discusión terminológica sobre el concepto de comunicación de massas o de grandes medios de información (p.162).
24. Um outro aspecto que não se pode deixar de ressaltar, é que um estudo da indústria do disco não pesa apenas sobre a análise das condições do consumo do disco exclusivamente; devendo-se considerar as relações que este mantém com as outras esferas do consumo, bem como, com os caracteres essenciais envolvidos na produção. Com efeito, não são as qualidades unicamente subjetivas que um autor imprime a uma canção, que vai per se garantir o seu sucesso; antes, no âmbito da indústria do disco, são os mecanismos de produção e de tecnização da canção, aliados ao seu processo de difusão, que vão condicionar muito do gosto público e da sua assimilação daquele produto transformado em hit (canção de grande difusão nas paradas) - e, ainda que não se possa cair no reducionismo de se conceber todo esse aparato industrial-comercial como sendo a única e absoluta forma de garantia do sucesso da canção, como já se chamou anteriormente a atenção, não resta dúvida que a sua estruturação vai, em última instância, configurar em muito a "fabricação do sucesso".
25. A fabricação de um disco não implica num custo exorbitante, se se tem em mente os lucros que o seu consumo possibilitará; isso para não falar de que basta a gravação original de apenas uma fita, para que se tenha gerada as condições de sua alta reprodução técnica no disco. Por outro lado, a indústria do disco sofre o mesmo processo de qualquer outra empresa capitalista, fora os elementos de sua peculiaridade. Assim, tanto deve ter uma equipe técnica altamente especializada para sua especialidade (como produtor executivo, diretor artístico, engenheiros de som e mixagem e outros), como ter contratos exclusivos com artistas de sucesso, sendo esses dois aspectos os que talvez mais encareçam a produção.
26. Não obstante isso, a indústria do disco mantém estreita relação, para além de sua mera produção-comercialização discográfica, com os ramos da indústria eletrônica e da moda principalmente (ela mesma se caracterizando como indústria da moda), em suas diversas áreas da atividade industrial (Corrêa, 1989): é o caso da indústria e do mercado de roupas, para se ficar apenas com um exemplo; uma vez que o cantor de sucesso também assume uma função publicitária ante o grande público. Por sua vez, os astros dos hits tendem a assumir formas de representação, cuja dimensão cênica só enfatiza e assume a força da interpretação a que a canção é submetida. Veja-se, com efeito, o que diz Michael Busilmeier analisando o problema da "indústria da consciência" na Alemanha (de resto, não muito distante das manifestações existentes no conjunto das sociedades ditas ocidentais):
os stars apresentados são, em geral, puras cópias de um tipo padronizado, sem identidade. Até a linha da cintura, são principalmente os jovens, príncipes de conto de fadas, com olhos parados,românticos; abaixo da linha dos quadris eles oferecem - agitando-se mecanicamente - o sexo trivial. A aparência sexual e a excitação jovem são colocados agressivamente a serviço da exploração do capital. O incitado prazer de assistir, cuja real satisfação pelo MCM fica frustrada, torna o espectador sedento ao invés de satisfeito e obriga-o à compra e ao consumo sempre renovados da aparência sexual na forma de mercadorias. De forma estrutural impulsiva reforça-se através disso um voyeurismo geral. Os textos das canções encobrem parcialmente, com uma interioridade estereotipadas, a lascividade da sexualidade objetificada e exposta (Busilmeier in Marcondes Fo, 1985, p.60).
27. Duvidando da possibilidade de levantar questionamentos sobre a diferença de conteúdos dos diversos produtos dos meios de comunicação de massa, Bulsilmeier prefere ver que os hits aí produzidos tendem a assumir a representação de um excelente "meio ideológico de repressão". Onde até mesmo as forças de negação da sociedade de consumo servem apenas para fortalecer o próprio consumo, provavelmente o consumo dos discos que contrapõem um discurso anti-consumista a essa sociedade - servindo apenas para explorar e usar aquele que se designa como público consumidor desse produto. Com isso o autor tende a se aproximar bastante do pessimismo adorniano: que vê em todo produto da indústria cultural, mesmo aquele que alimenta um discurso de negação da sociedade de consumo, o puro mecanismo de reificação que fetichiza tudo (até mesmo o protesto) em mercadoria, fechando o círculo (da produção-circulação-consumo) apaziguador a que se referia o autor.
28. Em todo caso, a menos que se queira cair numa abordagem unilateral do problema, atribuindo-lhe uma dimensão meta-social (o que seria um "erro" teórico reificador), é necessário levantar algumas considerações sobre o fenômeno da negação e crítica da sociedade de consumo e seus possíveis desdobramentos. Assim, pode-se considerar que no que a indústria cultural produz a padronização nas expressões artísticas, necessita, pelo seu alto mecanismo de comercialização, de estabelecer um mercado diversificado e plural. Abrindo-se, desta forma, a toda dinâmica das manifestações culturais que, embora "adaptadas" ao seu sistema padrão, podem estabelecer a crítica do próprio mecanismo da alienação reificadora da mercadoria e assumir, também, uma função "emancipadora" sobre determinados processos e valores sociais. Pois estará provocando um distanciamento crítico do cotidiano (Lefebvre, 1991), de suas antigas relações de produção (simbólica) de valores e comportamentos, tornando presente a consciência de "desejos e utopias" e, neste caso, criando novas condições de produção de valores e comportamentos. Evidentemente, tais condições têm um caráter apenas parcial e potencial, até porque freqüentemente inacabadas (Prokop, 1986).
29. Por fim, uma coisa é pensar a estruturação lógica do valor de troca da mercadoria, que absorve as formas mais radicais de contestação, transformando-as em mercadorias; a outra é reconhecer que, ainda que tais manifestações virem produtos apaziguados do consumo, seria redutor acusar seus "criadores", quando assumem uma função dessacralizadora ou contestadora de valores da sociedade de consumo, de simples adeptos daquela lógica, embora convivam de dentro desta questão.
30. Se o capitalismo absorve muito das formas de oposição contra ele surgido, absorvendo principalmente as manifestações que dependem de difusão ou expressão pelos meios mercantis de comunicação, isso não nega que, apesar do processo de fetichização aí sofrido, deva-se reconhecer a sua potencialidade contestadora e mesmo emancipadora original, ainda que não permanecendo imune ao processo - pois que, embora assuma o estatuto de mercadoria, harmonizadora e padronizada, não se elimina de todo o seu caráter diferenciador, crítico-emancipador, porque problematizador da técnica, das convenções, dos valores (como se poderá ver a seguir com Becker): não fosse isso, as superestruturas sociais nem manifestariam reação ante determinadas ações que parecem acentuar no imaginário do público fruidor uma certa tendência à "desobediência civil". (A título de exemplo, o fim da censura no Brasil não se deveu aos empresários da cultura nem ao Estado, mas à pressão da sociedade civil pela redemocratização; e as artes tiveram muita importância nisto.) 
31. Sem desconhecer o caráter reificador das mercadorias simbólicas da indústria cultural, estabelecido segundo a lógica dos valores de troca, Prokop (1986, p.83-4) parece acenar para uma outra ordem de problemas, existentes no interior do processo da comunicação de massa (como se viu anteriormente) - tendendo assim a abrir o círculo novamente: entendendo que a representação é um dos fundamentos essenciais dos meios de comunicação de massa, sem a qual não se consegue manter relação com o público (e isso é tanto mais válido para o cantor de massa), o autor não se limita, contudo, a essa pura e simples constatação.
32. Indo além, e querendo acentuar o grau de superficialidade e técnica daquelas representações, que se fundamentam segundo a lógica da oferta de bens (culturais) consumíveis pelo grande público, Prokop afirma que só pelo desenvolvimento das contradições presentes no interior da própria mercadoria, pela sua diferenciação entre o "existir natural" e o "valor de troca", é que se pode trazer à baila o caráter das ideologias sociais (de dominação) - sendo que isso se processaria no interior do próprio meio de comunicação de massa, conforme ele desenvolve no seu texto sobre o "perfeito cantor de sucesso".
33. Assim, o perfeito cantor de sucesso "não se apresenta como beleza natural", única forma para que "crie relação com o telespectador". Nesse caso, toda a sua "capacidade de sentir" sofre um processo diluidor, transformando-se em aspectos puramente formais de representação de "papéis" (pelo domínio de todo jogo cênico interpretativo - do engraçado ao agressivo e patético). Assim, o perfeito cantor de sucesso "constrói a imagem de sensibilidade na cabeça dos telespectadores, fascinados pela combinação desses elementos" (p.83).
34. No entanto, ao perfeito cantor de sucesso impõe-se o exato domínio de suas técnicas, pelas quais se relaciona com o público. Servindo a sua voz mais de recursos de representação, que de domínio do telespectador. E acrescenta o autor:
ele ocupa-se com seu efeito concentradamente. O Star constrói a sensibilidade por meio do trabalho intensivo com aquele objeto, com o corpo perfeito da mercadoria, cuja imagem ele precisa fazer aparecer na cabeça do telespectador. (...) O trabalho do Star consiste em, por meio de uma corporalidade desfeita, conduzir os telespectadores ao prazer nos valores de troca, passando por todos os altos e baixos da identificação (p.84).
35. Com efeito, pode-se assinalar que a crítica desenvolvida por Prokop traz uma problematização que traduz um deslocamento complexo na análise dos elementos constitutivos da indústria do disco: a mudança de foco de abordagem desse objeto, não centrando as suas preocupações diretamente na interpretação de aspectos relativos à canção de consumo, preferindo encontrar os pontos formadores da estrutura do "superstar", por ele caracterizado como o cantor (perfeito) de sucesso.
36. Nesse sentido, o autor entende que o trabalho intensivo das técnicas de representação, pelo perfeito cantor de sucesso, representa a sua "alternativa" mais essencial. Mais ainda que a própria canção, pois tal alternativa "consiste no desenvolvimento de meios de produção para a arte"; o Star, por seus recursos técnicos e estéticos, antagoniza a diferenciação puramente da mercadoria, conforme se apresenta acima, pela tematização do "caráter do valor de troca dos Leitmotiv". E é assim que, como o quer demonstrar Prokop, ele pode "ultrapassar as puras representações (do cantar, da dança, dos papéis e temas), deixar seu papel e caracterizá-lo como algo montado, que possa interpretar utopias e tornar claras asracionalizações". Ou ainda:
a montagem da sensibilidade e da expressão, contrastada com aquilo que é falsamente afirmado, é um meio para tornar a ideologia social perceptível e visualizável ao espectador, que exerce um acompanhamento competente, e para tornar conscientes desejos e utopias; para refleti-las. O perfeito cantor de sucessos pratica um meio emancipador (p.84).
37. Por fim, deve-se considerar ainda um outro fator, relacionado ao campo da produção artística. Seguindo os passos de Becker, na sua configuração dos "mundos artísticos" e seus "tipos sociais", é-se levado a acatar a idéia de que há mundos da arte e que são constituídos por um "conjunto de pessoas e organizações que produzem os acontecimentos e objetos definidos por esse mesmo mundo como arte" (Becker, 1977).
38. Em linhas gerais, Becker assinala o fato de que o entendimento da arte resultante da ação coletiva implica na consideração de uma cooperação como ação coordenada para a realização do trabalho: que impõe um roteiro de pesquisa que deve estabelecer todo o conjunto possível de relações dos "tipos de pessoas cuja ação contribui para o resultado obtido" (Idem, p.11). Tais tipos vão desde os que concebem o trabalho, passando pelos que o executam, fornecem materiais, recursos e equipamentos necessários, até chegar ao público e à crítica. Com efeito, isto sugere a consideração tanto de um conjunto convencional de concepções da prática do grupo, quanto da existência de vários mundos coexistindo em conflito ou em cooperação.
39. Por referência aos tipos de artistas concebidos pelo autor, pode-se, apenas de passagem, aqui apresentar duas das três categorias por ele elaboradas: são a dos "Profissionais Integrados" e a dos "Inconformistas". Em geral, o profissional integrado pode ser caracterizado como o artista "canônico", seguidor de todas as convenções dominantes em seu mundo, onde tudo está previamente definido e esperado, sem que haja quase violação das expectativas tanto dos produtores quanto do público.
40. Em contrapartida, os inconformistas podem ser caracterizados como artistas que, embora "formados" a partir das convenções dominantes dos mundos artísticos, seguindo mesmo algumas dessas convenções, podem ser considerados "desviantes" no que se refere a uma série dessas mesmas convenções. Sendo assim, ainda que possam ser integrados ao mundo artístico canônico num momento posterior, são capazes de violar muitas das expectativas existentes naquele mundo: devendo sua possível futura integração se processar, também, a partir das mudanças ocorridas nas convenções do mundo artístico (Idem, p.15).
41. Isto posto, e reafirmando-se o aspecto anteriormente proposto, qual seja, o da análise da canção de consumo não apenas pelo caráter industrial-comercial da indústria do disco, mas, também, e substancialmente, pelas condições sócio-culturais que apresenta e pelas modalidades que expressa; vai-se encontrar, além de uma grande diversidade na abordagem do fenômeno em questão, uma não menor variedade de categorias a serem estudadas. Pelo que ficou visto, pode-se adotar uma ou mais categorias para análise de um único objeto em apreço. Tome-se por base a análise das características econômicas da canção de consumo (objeto de que se está falando); ou, ainda, num sentido amplo, o fundamento do comportamento social dos grupos (ou de determinado grupo específico). Não bastasse isso, é perfeitamente possível querer abraçar uma categoria especial; bem como, optar pela análise da canção stricto sensu, ou dos mecanismos da produção discográfica, para não falar da investigação exclusiva do "perfil" do público ouvinte ou da "posição" social assumida pelo intérprete (ou grupo de intérpretes); por fim, um estudo pode incorporar e correlacionar algumas dessas categorias em interação. 
42. Aliás, a análise social de diversas modalidades da canção de consumo tem exigido que se interrelacionem outras categorias sociais importantes ao seu entendimento sociológico. Por se tratar, a canção de consumo (pensada aqui sem outras considerações sobre aspectos distintos de estilo, público ou de qualquer outra ordem), de um fenômeno musical que se encontra intimamente ligado aos processos urbanos das sociedades capitalistas já a várias décadas e por estar, por outro lado, irremediavelmente associado a grupos sociais diversos (em sua maioria dispersos e difusos, mas, por vezes, mais claramente identificáveis) - relação mais facilmente identificável é a da música rock e com o público jovem; por exemplo, não se pode falar de Rock (muito menos de uma Sociologia de Rock), sem se levar em conta problemas concernentes ao estudo da juventude e da urbanidade.
43. Por enquanto, apenas uma caracterização rápida do rock em geral seria necessário para justificar o presente interesse pela matéria: a da configuração, nele entranhada, de uma cada vez mais acentuada presença de "figuras" do cotidiano urbano das metrópoles. Assim, ainda que a música rock se tenha manifestado, quase sempre em sua própria história, como um dos canais de expressão de rebeldia da juventude dos centros urbano-industriais é, no final dos anos 70, com o movimento punk, que isto parece se acentuar.
44. Se nos anos 60 a tônica era, no rock e na contracultura, o chamamento ao campo, à evasão da sociedade tecnoburocrática e, em conseqüência, principalmente na virada da década, a busca de uma música sofisticada, progressiva e instrumental, ainda baseada no psicodelismo hippie; com os punks, na segunda metade da década de 70, pode-se encontrar um violento despertar do velho "ideal", um acordar para a brutalidade das cidades, para as sutis e declaradas ameaças que sobre elas existem, sem que se queira delas fugir, ao contrário, impregnando-se de sua realidade de metrópole:
a música rock será simplesmente a música do presente, uma música moderna, a música do mundo das máquinas, dos computadores. Os instrumentos eletrônicos não servirão mais para projetar o ouvinte numa grande viagem cósmica no futuro: eles manifestam, ao contrário, barulhentamente sua presença obsedante, opressiva, quebrando as melodias, deformando a voz humana ou, mesmo, sintetizando-a, desenvolvendo os ritmos mecânicos, lancinantes, frios (Maurice, 1978),
elementos esses conjugadores de uma narrativa da vida cotidiana dos centros urbanos, hoje, e de sua juventude nas sociedades de massa.
45. Por fim, tomando a questão anteriormente citada da complexa relação letra-música no estudo da canção, pode-se fazer menção ao que alguns estudiosos da matéria têm posto em relevância. Diversos estudos têm apontado para a necessidade de se estabelecer uma relação íntima entre melodia, letra e ruído sonoro. Em tais estudos, essa tríade se mostra como algo fundamental para que se tenha maior compreensão de cada uma das partes, bem como do todo da canção. A exigência de um estudo com essas características é tal que Perrone (1988) se refere à letra de música como literatura de performance. Diz o autor: "seja qual for o enfoque - artístico, musical, antropológico ou literário - será necessário que se leve em conta as características musicais de uma canção juntamente com os significados verbais ou funções culturais para que se possa verificar a ação complementar que há entre a música e o texto" (Idem,p.11).
46. Entretanto, isto não invalidada um tipo de estudo que apenas se volte para a análise da letra de música, sem dedicar igual atenção aos demais componentes da canção, visto que frente às dificuldades de real domínio da linguagem e semiótica propriamente musicais, restaria o trabalho sobre o discurso literário.
47. Escreve Perrone:
Uma letra pode ser um belo poema mesmo tendo sido destinada a ser cantada. Mas é, em primeiro lugar, um texto integrado a uma composição musical, e os julgamentos básicos devem ser calcados na audição para incluir a dimensão sonora no âmbito da análise. Mas se, independentemente da música, o texto de uma canção é literalmente rico, não há nenhuma razão para não se considerar seus méritosliterários. A leitura da letra de uma canção pode provocar impressões diferentes das que provoca sua audição, mas tal leitura é válida se claramente definida como uma leitura. O que deve ser evitado é reduzir uma canção a um texto impresso e, a partir dele, emitir julgamentos literários negativos (Idem, p.14).
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