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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Exatas e da Terra Departamento de Física Teórica e Experimental FIS0311 – Mecânica Clássica Prof. Matthieu Castro Cinemática da partícula Movimento em duas e três dimensões Vários movimentos da natureza não são unidimensionais. O movimento de uma bola de futebol chutada, de um avião no ar, ou de um carro de fórmula 1 em um circuito, são movimentos bidimensionais. Para descrever esses movimentos, é necessário estender a descrição do movimento estudada no capítulo anterior para duas e três dimensões. As grandezas vetoriais posição, velocidade e aceleração têm então duas ou três componentes não nulas. Nesse capítulo, vamos também considerar o movimento de uma partícula descrita por observadores que possuem movimentos relativos entre si e introduzir o conceito de velocidade relativa. 1. Posição e deslocamento A posição de uma partícula no espaço em um ponto P em um dado instante é dada pelo vetor posição r que vai da origem do sistema de coordenadas até o ponto P: As coordenadas cartesianas x, y e z do ponto P são as componentes de x, y e z do vetor r que podemos escrever em termos dos vetores unitários: r⃗=x i⃗ + y j⃗+ z k⃗ Quando a partícula se movimenta no espaço, a sua posição varia, e então o vetor r varia, ligando sempre a origem do sistema à partícula nas suas posições sucessivas. Durante um intervalo de tempo Δt, a partícula se move de um ponto P1, onde o vetor posição é r1, até um ponto P2, onde o x y z P x y z rk i jO vetor posição é r2. O deslocamento durante esse intervalo de tempo é: Δ r⃗=r⃗ 2−r⃗1=(x2−x1) i⃗ +( y2− y1) j⃗+(z2− z1) k⃗ Exemplo: Sejam r⃗1=5 i⃗−3 j⃗+2 k⃗ e r⃗2=8 i⃗ +9 j⃗+2 k⃗ duas posições sucessivas de uma partícula durante seu movimento no espaço. Qual é o deslocamento Δr em termos dos vetores unitários? 2. Velocidade Definimos a velocidade média ⃗̄v do mesmo modo que para o movimento retilíneo: o deslocamento dividido pelo intervalo de tempo: ⃗̄v= r⃗2−r⃗1 t 2−t 1 =Δ r⃗ Δ t Podemos escrever ⃗̄v em termos dos vetores unitários: ⃗̄v=Δ x Δt i⃗ +Δ y Δ t j⃗+Δ z Δ t k⃗ A velocidade instantânea v é definido como o limite da velocidade média quando o intervalo de tempo tende a zero. Ela é a taxa de variação do vetor posição com o tempo: v⃗= lim Δ t→0 Δ r⃗ Δ t =d r⃗ dt Em termos dos vetores unitários, escrevemos: v⃗= d dt (x i⃗+ y j⃗+z k⃗ )=dx dt i⃗ + dy dt j⃗+ dz dt k⃗ v⃗=vx i⃗ +v y j⃗+vz k⃗ com v x= dx dt ;v y= dy dt ;v z= dz dt as componentes do vetor v. x y z P1 r1 O P2 r2 Δr v = Δr/Δt O módulo do vetor v em qualquer instante é a velocidade escalar v da partícula no referido instante. Em termos das componentes, a velocidade escalar se escreve: v=√vx2+v y2+v z2 O vetor v é sempre tangente à trajetória em cada um de seus pontos. A figura seguinte mostra a situação para uma partícula se movendo no plano xy. Nesse caso, z e vz são nulos. Então, a velocidade escalar é: v=√vx2+v y2 e a direção do vetor velocidade (instantânea) v é dada pelo ângulo α com o eixo dos x tal que: tanα= v y vx 3. Aceleração A aceleração de uma partícula indica como a sua velocidade em movimento está variando. Como a velocidade é um vetor, a aceleração descreve variações do módulo da velocidade (ou seja, da velocidade escalar) e variações da direção da velocidade (ou seja, da direção e do sentido do movimento). Uma partícula se move de um ponto P1 no instante t1 com uma velocidade v1 até um ponto P2 no instante t2 com uma velocidade v2. Definimos a aceleração média ⃗̄a da partícula durante o intervalo de tempo Δt = t2 - t1: ⃗̄a= v⃗2− v⃗1 t2−t 1 =Δ v⃗ Δ t Como no capítulo anterior, a aceleração instantânea a é o limite da aceleração média quando Δt tende a zero. Ela é a taxa de variação da velocidade instantânea com o tempo: a⃗= lim Δ t→0 Δ v⃗ Δ t =d v⃗ dt Quando uma partícula se move ao longo de uma trajetória curvada, sua velocidade muda v vx vy x y O α P constantemente de direção, por isso, sua aceleração é sempre diferente de zero, mesmo quando sua velocidade escalar for constante. Em termos de vetores unitários, podemos escrever: a⃗= d dt (vx i⃗+v y j⃗+vz k⃗ )= d vx dt i⃗ + d v y dt j⃗+ d vz dt k⃗ a⃗=ax i⃗ +ay j⃗+az k⃗ com ax= d vx dt ; ay= d v y dt ; az= d vz dt as componentes do vetor a⃗ A componente da aceleração paralela à trajetória de uma partícula, ou seja, paralela ao vetor velocidade, informa sobre as variações na velocidade escalar da partícula, enquanto a componente da aceleração perpendicular à trajetória, ou seja, paralela ao vetor velocidade, informa sobre as variações na direção do movimento da partícula. Exemplos: 1. A trajetória de um corpo num plano xy é definido por: x = -0,31t² + 7,2t +28 y = 0,22t² – 9,1t +30 com x e y em metros e t em segundos. a ax ay x y O P a a║ a┴ x y O P v a. Quais são o módulo e a orientação do vetor posição r em t = 15 s? b. Mesma pergunta em t = 0, 5, 10, 20 e 25 s. c. Quais são o módulo e a orientação do vetor velocidade v em t = 15 s? d. Quais são o módulo e a orientação do vetor aceleração a em t = 15 s? 2. Uma partícula tem uma velocidade inicial v0 = -2,0 i + 4,0 j em t = 0 sob a aceleração constante a, de módulo a = 3,0 m.s-2, fazendo um ângulo γ = 130º com o semi-eixo positivo dos x. Qual é a velocidade v em t = 2,0 s? 4. Movimento de projéteis Um projétil é qualquer corpo lançado com uma velocidade inicial e que segue uma trajetória determinada exclusivamente pela aceleração gravitacional e, caso considerada, pela resistência do ar. Começamos com um modelo idealizado, representado o projétil como uma partícula com aceleração (devida à gravidade) constante em módulo, direção e sentido. Desprezamos os efeitos da resistência do ar e a curvatura e rotação da Terra. O projétil executa então um movimento bidimensional no plano vertical determinado pela direção da velocidade inicial, com a aceleração gravitacional sempre vertical apontando para baixo. Podemos analisar o movimento de projétil tratando as coordenadas x e y separadamente. Tanto o movimento horizontal quanto o movimento vertical são independentes um do outro. Na direção horizontal, a componente x da aceleração é igual a zero, e na direção vertical a componente y é constante igual a -g. Podemos então considerar o movimento de um projétil como a combinação de um movimento horizontal com velocidade constante e um movimento vertical com aceleração constante. O problema bidimensional torna-se dois problemas unidimensionais. Temos: v⃗0=v0x i⃗+v0y j⃗ com v0x=v 0cosα0 v0y=v0 senα0 , e. a⃗=−g j⃗ Uma vez que as componentes x e y da aceleração são constantes podemos usar as equações de movimento com aceleração constante do capítulo anterior em ambas as direções. Suponhamos que no instante t = 0 a partícula esteja em repouso no ponto (x0,y0) e recebe uma velocidade inicial com componentes v0x e v0y.As componentes da aceleração são ax = 0 e ay = -g. Movimento horizontal: ax = 0, v x=v0x=v0 cosα0 vx permanece constante durante o movimento, x−x0=v0x t=(v0 cosα0)t O y x v0 a trajetória α0 Movimento vertical: ay = -g, v y=v0y−g t=(v0 senα0)−g t y− y0=v0y t− 1 2 g t2=(v 0 senα0) t− 1 2 g t 2 v y 2=v0y 2 −2g ( y− y0)=v0 2 sen2α0−2g ( y− y0) A figura seguinte mostra a trajetória de um projétil que começa na origem (x0 = y0 = 0) em dado instante t = 0. As componentes da posição da velocidade e da aceleração são indicados para intervalos de tempo iguais. A componente x da aceleração é nula, portanto vx éconstante. A componente y da aceleração é constante e não nula, de modo que vy varia linearmente com o tempo diminuindo no sentido positivo de v0y até zero quando o projétil atinge o ponto mais elevado da sua trajetória, e em seguida aumentando no sentido negativo quando o projétil termina a trajetória até o chão. A partir da equação do movimento horizontal podemos exprimir o tempo: t= x−x0 v0 cosα0 Substituindo na segunda equação do movimento vertical: y− y0=(x−x0) senα0 cosα0 −1 2 g( x−x0v0cosα0 ) 2 Considerando x0 = y0 = 0, obtemos a equação da trajetória: y=(tanα0)x−( g2 (v0 cosα0)2 ) x2 Trata-se da equação de uma parábola. O alcance horizontal R é definido como a distância horizontal percorrida pelo projétil, desde o ponto inicial até retornar a esta mesma altura inicial. Podemos então escrever: x−x0=R e y− y0=0 O y x v0 a α0 v1 v2 v3 v4 v0y v0x v1x v1y v2 v3x v3y v4x v4y Utilizando a equação do movimento vertical, temos: 0=v0 senα0 t− 1 2 g t 2 ou seja, t= 2 v0 senα0 g . Substituindo na equação do movimento horizontal: R=v0 cosα0t ou seja, R= 2v0 2 g senα0 cosα0 R= vo 2 g sen 2α0 R atinge o valor máximo quando sen 2α0 = 1, ou seja α0 = 45º. Exemplo: Um homem-bala é projetado desde um canhão, 3 m acima do solo, com uma velocidade inicial v0 = 26,5 m.s-1 fazendo um ângulo α0 = 53º com a horizontal, por cima de três obstáculos de 18 m de altura e cai em uma rede de recepção, a 3 m de altura, a uma distância R do ponto inicial. O primeiro obstáculo fica a 23 m do canhão e o terceiro obstáculo fica a 23 m do primeiro. a. Qual é a altura que o homem passa acima do primeiro obstáculo? b. Qual é a altura que o homem passa acima do segundo obstáculo, sendo a altura máxima atingida? c. Qual é o tempo de voo? d. Qual é o alcance R? 5. Movimento circular uniforme Quando uma partícula se move ao longo de uma trajetória curva, a direção de sua velocidade varia em cada instante. Isso significa que a partícula possui uma componente de aceleração perpendicular à trajetória, mesmo quando a velocidade escalar for constante. Uma partícula está em movimento circular uniforme quando ela se move ao longo de uma circunferência ou arco de circunferência com velocidade escalar constante. O módulo da velocidade não varia, portanto não existe nenhuma componente paralela (tangente) à trajetória. O vetor aceleração é então perpendicular (normal) à trajetória e produz variação da direção da velocidade. A figura seguinte mostra a trajetória de uma partícula que se move com velocidade constante ao longo de uma circunferência de raio R com centro em O. A partícula se move do ponto P ao ponto Q, simétricos em relação a Oy, em um intervalo de tempo Δt. Como a velocidade escalar é constante durante o movimento, temos: vP = vQ = v Assim, as componentes de vP e vQ são: vPx=+v cosα v Py=+v senα e vQx=+vcosα vQy=−v senα . De P até Q, a distância percorrida é 2αR durante o intervalo de tempo Δt com a velocidade v: Δ t=2αR v As componentes da aceleração média durante a trajetória de P para Q são então: āx= vQx−vPx Δ t = vcosα−v cosαΔ =0 , ā y= vQy−v Pyx Δ t =−v senα−v senαΔ = −2 v2 senα 2αR =−( v2R ) ( senαα ) , ⃗̄a y aponta para baixo. Para determinar a aceleração instantânea, fazemos tender Δt a zero, ou seja α → 0. A partícula encontra-se então no ponto S. A direção da aceleração instantânea a⃗ aponta para o centro O e a componente em y é dada por: a y=lim α→0 −( v2R )( senαα )=− v 2 R A componente ax sendo igual a zero, temos: a= v 2 R Em todo ponto da trajetória, essa aceleração é perpendicular a v e aponta para o centro O. Ela e é chamada de aceleração centrípeta. Podemos expressar o módulo da aceleração em um movimento circular uniforme em termos do período T do movimento, o tempo que a partícula leva para percorrer uma volta completa, ou seja um comprimento 2πR. Sua velocidade escalar é então: O y x P Q α α vP vPx vPy vQ vQx vQyR R S v=2π R T Substituindo na expressão a aceleração centrípeta, obtemos: a=4π 2 R T2 Exemplo: Um satélite está em órbita circular em torno da Terra, a uma altitude h = 200 km. Nessa altitude, g = 9,20 m.s-2. a. Qual é a velocidade escalar v do satélite? b. Qual é o período da órbita? 6. Movimento relativo Quando dois observadores medem a velocidade de um objeto em movimento, eles obtêm resultados diferentes se um observador se move em relação ao outro. A velocidade medida por um dos observadores é relativa ao observador considerado. Inicialmente, estudamos a velocidade relativa para um movimento em linha reta e depois generalizamos para a velocidade relativa no espaço. a. Velocidade relativa em uma dimensão A velocidade de uma partícula depende do referencial ou sistema de referência do observador. Um sistema de referência é um sistema de coordenadas acrescido de uma escala de tempo. Consideramos na rua um observador A parado no acostamento e um observador em movimento na estrada, ambos medindo a velocidade de um carro P no instante t: No instante t, a posição de P medida com relação a A é igual à posição de P medida com relação a B mais a posição de B medida com relação a A: xP /A=xP /B+xB /A Derivando essa expressão, obtemos: d dt (xP / A)= d dt (xP /B)+ d dt (xB /A) ou seja, A B P xP/A xP/B xB/A y y x x v P /Ax=v P /Bx+v B /Ax A velocidade de P medida com relação a A é igual à velocidade de P medida com relação a B mais a velocidade de B medida com relação a A. Os referenciais que se movem, um em relação ao outro, com velocidade constante, são chamados de referenciais inerciais. Assim, se vB/Ax é constante, derivando a expressão das velocidades relativas, obtemos: aP /Ax=aP /Bx Dois observadores em referenciais inerciais diferentes medem a mesma aceleração para o movimento da partícula P. Exemplo: Consideramos uma rua, com um observador A parado no acostamento, um observador B que se move com velocidade com relação a A vB/A = 52 km/h para a direita, e uma partícula P que se desloca para a esquerda: a. Se a velocidade escalar de P medida com relação a A é vP/A = 78 km/h, qual é a velocidade escalar de P medida com relação a B vP/B? b. A vê P frear, parando em 10 s. Que aceleração mediu? c. Que aceleração mediu B? b. Velocidade relativa em duas e três dimensões Podemos generalizar o caso unidimensional para o movimento relativo. Sejam dois referenciais A e B se movendo um com relação ao outro no espaço, e medindo o movimento de uma partícula P: Se vB/A for um vetor constante, os dois referenciais A e B são inerciais. Assim, os eixos Ax e Bx de uma parte, e Ay e By de outra parte, se mantém sempre paralelos entre si. Podemos escrever: A B PO x A B P rP/A rB/A rP/B vB/A r⃗ P /A= r⃗ P /B+ r⃗ B / A e derivando em relação ao tempo: v⃗P /A= v⃗P /B+ v⃗B / A Derivando de novo: a⃗P /A= a⃗P /B Exemplos: 1. Um morcego detecta um insecto enquanto os dois estão voando com velocidades vM/S e vI/S em relação ao solo, na maneira seguinte: com vI/S = 5,0 m.s-1, αI/S = 50º, vM/S = 4,0 m.s-1 e αM/S = 30º Qual é a velocidade vI/M do insecto em relação ao morcego, em termos dos vetores unitários? 2. A bússola de um avião indica que ele está alinhado com o leste. O medidor de velocidade do ar (ou seja a velocidade do avião com relação ao ar) indica uma velocidade de 215 km/h. Vento constante de 65,0 km/h com relação ao solo, sopra na direção Norte. a. Qual é a velocidade do avião com relação ao solo? b.O piloto deseja voar para o leste. Qual deverá ser a orientação do avião? I y x αI/S vI/S M y x αM/S vM/S
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