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CONDIÇÃO DE INELEBILIDADE - ANALFABETO

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Condição negativa de elegibilidade: é possível a ampliação do conceito de
analfabeto?
Sidney Sá das Neves
 
Palavras­chave: Lei Complementar nº 135. Analfabeto. Direito ao voto. Tiririca.
Sumário: 1 Introdução – 2 O analfabeto e suas limitações para o exercício da cidadania
plena – 3 Cidadania do analfabeto: direito ao voto – 4 O conceito de analfabeto frente à
norma – 5 Conclusão – Referências
 
1 Introdução
As eleições de 2010 reacenderam alguns temas polêmicos que já vêm de algum tempo
incomodando os atores do processo eleitoral e a sociedade em geral. A Lei Complementar nº 135,
também denominada “Lei da Ficha Limpa”, assim como candidaturas de celebridades artísticas,
esportivas, entre outras, encampando a figura dos puxadores de voto, bem como a eleição do
deputado Francisco Everardo, o palhaço Tiririca, trouxe à baila a fragilidade do nosso sistema
democrático.
Renovaram­se discussões, com aspecto de velhas, porém efêmeras, acerca da necessária reforma
política a fim de que se aperfeiçoe nosso sistema eleitoral, conseguindo aproximá­lo da real
vontade da sociedade brasileira, que muitas vezes torna­se distorcida quando do sufrágio nas
urnas, em função de seus resultados muitas vezes não desejados.
O ativismo judicial foi reforçado pela possível busca de um protagonismo durante o processo
eleitoral pelo Poder Judiciário, momento em que se potencializou a vontade de, acertando ou
errando, fortalecer o sistema democrático, sob a ótica de um restrito grupo de magistrados,
vislumbrando, com interpretações do arcabouço legal existente, frise­se incompleto, alcançar um
cenário mais apropriado.
Fala­se, em crítica às vezes ácida, em judicialização exacerbada da política, decorrência desse
ativismo, tendo em vista que, mais das vezes, se inova onde o legislador não inovou.
Recentemente, dando a ideia de resposta a esse ativismo, começou­se a ser desenhada uma nova
crise entre poderes.
Tudo isso em decorrência da apresentação de uma proposta de emenda à Constituição — a PEC nº
311 —, em que se pretende o acréscimo ao inciso V do artigo 49 da Constituição Federal da
possibilidade de o Congresso Nacional “sustar os atos normativos dos outros poderes que
exorbitem do poder regulamentar”, ou seja, o texto atual, que é restrito ao Poder Executivo,
poderá ser alterado para alcançar atos que tenham forma e força de normativos emanados do
Poder Judiciário. Essa alteração, segundo afirmativa da justificativa, garantiria “de modo mais
completo a independência e harmonia dos Poderes”.
De certo modo, poderíamos afirmar que há a invasão de competência por parte do Poder Judiciário
em alguns momentos. São casos históricos, como do estabelecimento do número de vereadores
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nas câmaras municipais por meio de interpretação jurisdicional, verticalização de coligações
majoritárias, fidelidade partidária, alteração do número de candidaturas possíveis frente ao que a
legislação determina.
Mais recentemente, a introdução da discussão sobre a aplicabilidade das normas eleitorais
restritivas quando criadas em período menor que o prazo de um ano, como determina a
Constituição Federal, a exigência de um único documento com fotografia para que o cidadão esteja
apto a votar, a interpretação acerca de direito do suplente do partido ou da coligação em assumir
vaga deixada no parlamento por titular que se licencia, enfim, toda uma gama de normatização por
meio de decisões judiciais, que na verdade clamam por uma única intervenção: a do legislador.
Isso, justamente, para que assim seja cumprido o seu papel constitucional, produzindo normas
políticas mais sistêmicas e completas que atendam aos anseios da sociedade como um todo, em
seus mais variados fóruns de debate na sociedade civil organizada, e não apenas objetive os
interesses daqueles que, sob o temor de perder seu lugar nas esferas de poder, relutam em não
aceitar a urgente necessidade de uma reforma política.
Assim, matérias como o fim das coligações proporcionais e do sistema de voto proporcional direto
no candidato e não no partido — que estimula o fratricídio político —, fim das suplências no senado
da República, são exemplos de avanços esperados.
Demais disso, tem­se a expectativa de que haja a introdução de instrumentos que visem o
fortalecimento dos partidos políticos, afastando de vez as figuras dos partidos de aluguel,
geralmente nanicos, sem expressividade, criados apenas para abrigar vontades pessoais e/ou
oligárquicas.
Várias das temáticas aqui aventadas foram discutidas à exaustão também em outros tempos, tendo
por combustível a eleição de puxadores de voto, como os falecidos deputados Enéas Carneiro e
Clodovil Hernandes, que quando surgem criam uma espécie de indignação coletiva. Agora mais
recentemente, as candidaturas de figuras como Romário, Popó, os irmãos Kiko e Leandro do grupo
KLB, Mulher Pêra, o próprio Tiririca, entre outros.
Não que sejam tais figuras perniciosas ao sistema político ou que se queira negar que tenham
direito de se candidatarem para representarem sua categoria ou seus eleitores. Todo direito do
mundo a eles, nesse aspecto.
Mas é que as situações possibilitadas pelo sistema normativo vigente atraem para essas
candidaturas a pecha de aventureiros políticos, isto é, daqueles que sem qualquer vivência
orgânica e ideológica no âmbito da agremiação a que se filiou — fato ocorrido geralmente no prazo
legal de um ano antes para filiação partidária —, com o fim único de viabilizar um emprego público
para sua manutenção, resolvendo um problema pessoal e familiar, ou até mesmo para possibilitar
quociente eleitoral para políticos que não possuem potencial de voto para se elegerem, atraindo
essas figuras sem expressão política alguma.
Ocorre que a irresignação com esses casos quase sempre é efê­mera, como dito anteriormente.
Oxalá possam as casas legislativas, nesse momento tão propício, encetar tais mudanças.
Noutro giro, um assunto também recorrente, emerge mais uma vez por conta da candidatura do
polêmico Tiririca: o analfabetismo.
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Para o bem da verdade, a questão aventada no caso concreto do Tiririca é a de que houve uma
possível fraude por conta da apresentação de declaração de próprio punho que supostamente fora
produzida por terceiro em benefício do candidato.
A partir disso é que surgiu um membro do Ministério Público com a sanha de tentar corrigir, ou,
como dito por alguns, de autopromover­se, por meio de uma perseguição implacável o que a
legislação atual permitiu, ou seja, uma candidatura com interesses eminentemente pessoais, bem
como descontextualizada, associada a interesses de dirigentes partidários em um puxador de
votos.
Os bordões do tipo “Pior do que está não fica” e “Você sabe o que faz um deputado? Nem eu!”,
entre tantos outros propalados na propaganda eleitoral, atraíram a fúria daqueles que enxergam a
política como coisa séria, mas que, infelizmente, não se deram conta de que há regras para o jogo
eleitoral e que tais regras permitem essa manifestação fruto da democracia.
O Tiririca está inserido nessas regras, portanto para ele não se poderia direcionar tratamento
diferenciado, sob pena de ferirmos princípios mais comezinhos do nosso Estado Democrático de
Direito.
Demais disso, foi da vontade soberana de mais de 1,3 milhão de eleitores que ele estivesse no
Congresso Nacional ocupando uma vaga de deputado. Essa vontade deve ser respeitada.
A novela em torno desse caso foi encerrada quando o Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São
Paulo constatou que o candidato havia lido e escrito satisfatoriamente um texto,para fins
eleitorais, afastando a hipótese de crime eleitoral.
É nessa perspectiva de identificação do que seria analfabeto que se baseia o presente artigo. Não
estariam alguns órgãos do Poder Judiciário Eleitoral trabalhado em uma perspectiva do conceito de
analfabetismo em dissonância com a legislação? Seria possível ampliar, em interpretação
extensiva, o conceito de analfabeto?
 
2 O analfabeto e suas limitações para o exercício da cidadania plena
Ao longo da história, as legislações que abordaram a questão dos direitos políticos e da cidadania
do analfabeto sempre trouxeram a negativa plena do jus civitatis, tanto no seu aspecto ativo como
no passivo. Ou seja, por questões que iremos abordar doravante no presente texto, ao analfabeto
foi negado o direito de ser cidadão em sua plenitude, seja no direito de votar como no direito de
ser votado.
Essa negativa sempre encontrou justificativa ora em aspectos (pré)conceituais, ora em razões mais
plausíveis, submetidas às peculiaridade do nosso sistema democrático, adotado em uma sociedade
a caminho de uma evolução tão esperada.
O tema cidadania gera naturalmente inúmeras polêmicas ao ser proferido, haja vista a carga de
passional ismo que traz em seu cerne, naturalmente. Quando falamos de cidadania,
necessariamente remetemos o tema para o campo da política e da ideologia, que é o combustível
que alimenta o motor da política.
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Todavia, não obstante essa carga emotiva e apaixonante, que potencializa a discussão em torno
dessa temática, para o direito, o assunto deve ser tratado não somente sob o olhar frio da norma,
mas principalmente em um enfoque da razoabilidade, vez que não se consegue, ao menos nesse
ponto, cientificamente, analisar a questão de uma ótica lógico­matemática, totalmente desprovida
de nuanças interdisciplinares.
A definição de cidadania, como centro das discussões em torno do direito de votar (jus sufragi) e da
ausência do direito de ser votado (jus honorum) do analfabeto, é um tanto polêmica se levarmos
em consideração os aspectos passionais destacados. Bertoni (2003, p. 89) levanta alguns
questionamentos que vão nessa linha, vejamos:
 
O que é ser cidadão no Brasil, hoje? É ter o direito de eleger e ser eleito em uma
democracia eleitoral? Ou seria, também, ter direito ao trabalho, à educação, à saúde... e
a tantos outros bens sociais, conforme reza a Constituição Brasileira de 1988, chamada
de Constituição Cidadã? Ser cidadão seria, ainda, ter direitos iguais e usufruir de
igualdade perante a Lei? Mas, como se falar em igualdade, um dos princípios da
cidadania, em um país que se postula democrático, mas que impede, a seus cidadãos, o
usufruto dos direitos? Sabe­se que a cidadania do século XXI incluirá, também, o acesso
às informações do mundo globalizado através da Internet. Mas, quem são os indivíduos
que têm, realmente, acesso a tudo isso nos dias de hoje? Quem estaria incluído na “lista
de membros” da cidadania? Em tempos de globalização, de mudança de paradigmas
econômicos e políticos e, ao mesmo tempo, de revisão de crenças e princípios sob os
quais as sociedades se estabelecem, é difícil conceituar cidadania, uma vez que esta se
constrói e reconstrói historicamente.
 
A cidadania em tempos de antanho era vista, melhor, era medida sob o aspecto censitário ou de
estirpe. Quando era aplicada por esta linha, apenas se consideravam cidadãos aqueles que tinham
um nome de família ou uma linhagem nobre. Esses eram considerados cidadãos.
Por outro lado, se consideravam cidadãos também aqueles que mantinham uma dada fortuna. Ou
seja, aqueles que pagavam censo, ou que adquiriam certos direitos pela compra. Isso prevaleceu
durante muito tempo em nosso país.
Todavia, para esse estudo, faz­se necessário que nos atenhamos aos aspectos menos carregados
nas tintas da ideologia, vez que se nos inserirmos nesse campo, acabaremos por fugir do aspecto
mais objetivo do direito, foco da nossa abordagem. Como nos diz Costa (2006, p. 33):
 
Nada obstante, é preciso não desbordar, na definição do signo  cidadania, para aspectos
demasiados largos, de coloração eminentemente política (...) No contexto da
Constituição brasileira, deve­se entender os termos cidadania e soberania popular como
sinônimos, como vínculo jurídico­político do cidadão com o Estado, pelo qual exsurge o
direito à participação política (direito de votar e ser votado), bem como deveres políticos
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para com o Estado (fidelidade à Pátria, prestação do serviço militar, obrigatoriedade do
voto, etc.).
 
Quando se fala dessa necessidade de se evitar esse desvio, não se está falando de afastar
raciocínios ideológicos, mas sim de trazer ao máximo a discussão para um campo mais neutro. Pois
que isso é possível, porém, impossível se tornaria a tentativa de se afastar de toda e qualquer
concepção ideológica.
Colocando fim a essa discussão para adentrarmos no tema a que nos propusemos tratar,
necessário trazer algumas impressões de juristas acerca da denominação cidadania.
Rocha (1997, p. 131) afirma que:
 
Nessa Lei Fundamental de 1988, a cidadania significa o status constitucionalmente
assegurado ao indivíduo de ser titular do direito à participação ativa na formação da
vontade nacional, na concretização dessa vontade transformada em Direito definidor,
tanto na institucionalização do Poder quanto na limitação das liberdades públicas, e no
controle das ações do poder.
 
Bonavides (1994, p. 77) assim define:
 
O status civitatis ou estado de cidadania define basicamente a capacidade pública do
indivíduo, a soma dos direitos políticos e deveres que ele tem perante o Estado (...) Da
cidadania, que é uma esfera de capacidade, derivam direitos, quais o direito de votar e
de ser votado (status activae civitatis) ou deveres, como os de fidelidade à Pátria,
prestação de serviço militar e observância das leis do Estado.
 
Pois bem, visto isso, passemos à análise das limitações a esse estado de cidadania que sempre fora
imposto aos analfabetos.
 
3 Cidadania do analfabeto: direito ao voto
Como pressuposto para o direito de ser votado encontra­se o direito ao voto. Ao longo de anos, o
analfabeto esteve fora do mundo político, pois a ele sempre foi negado o direito ao voto.
Ou seja, se enveredarmos para a linha de discurso eminentemente político­ideológico, poderemos
chegar à conclusão de que sempre existiram cidadãos e não cidadãos.
Ao longo das constituições e das legislações infraconstitucionais, verificou­se a negativa do direito
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ao voto para o analfabeto, criando­se uma espécie de elite alfabetizada de cidadãos.
Nos três séculos da Colônia, não se negou ao analfabeto, como tal, o direito do voto. A Constituição
Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824, manteve essa tradição, pois não havia
previsão negativa tampouco autorizativa do voto do analfabeto, porém, como se sabe, naquela
oportunidade estava em vigor o voto censitário e por conta disso, limitado a condições dispostas
nos artigos abaixo, se permitia o voto do analfabeto. Observemos o texto:
 
Das Eleições.
Art. 90. As nomeações dos Deputados, e Senadores para a Assembléa Geral, e dos
Membros dos Conselhos Geraes das Provincias, serão feitas por Eleições indirectas,
elegendo a massa dos Cidadãos activos em Assembléas Parochiaes os Eleitores de
Provincia, e estes os Representantes da Nação, e Provincia.Art. 91. Têm voto nestas Eleições primarias
I. Os Cidadãos Brazileiros, que estão no gozo de seus direitos politicos.
II. Os Estrangeiros naturalisados.
Art. 92. São excluidos de votar nas Assembléas Parochiaes.
I. Os menores de vinte e cinco annos, nos quaes se não comprehendem os casados, e
Officiaes Militares, que forem maiores de vinte e um annos, os Bachares Formados, e
Clerigos de Ordens Sacras.
II. Os filhos familias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem
Officios publicos.
III. Os criados de servir, em cuja classe não entram os Guardalivros, e primeiros
caixeiros das casas de commercio, os Criados da Casa Imperial, que não forem de galão
branco, e os administradores das fazendas ruraes, e fabricas.
IV. Os Religiosos, e quaesquer, que vivam em Communidade claustral.
V. Os que não tiverem de renda liquida annual cem mil réis por bens de raiz, industria,
commercio, ou Empregos.
Art. 93. Os que não podem votar nas Assembléas Primarias de Parochia, não podem ser
Membros, nem votar na nomeação de alguma Autoridade electiva Nacional, ou local.
Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros
dos Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléa Parochial.
Exceptuam­se
I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz,
industria, commercio, ou emprego.
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II. Os Libertos.
III. Os criminosos pronunciados em queréla, ou devassa.
Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados.
Exceptuam­se
I. Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda liquida, na fórma dos Arts. 92 e
94.
II. Os Estrangeiros naturalisados.
III. Os que não professarem a Religião do Estado.
Art. 96. Os Cidadãos Brazileiros em qualquer parte, que existam, são elegiveis em cada
Districto Eleitoral para Deputados, ou Senadores, ainda quando ahi não sejam nascidos,
residentes ou domiciliados.
Art. 97. Uma Lei regulamentar marcará o modo pratico das Eleições, e o numero dos
Deputados relativamente á população do Imperio.
 
Porém Ramayana (2008, p. 09) afirma que naquela época “o analfabeto podia votar, mas ‘em
aberto’, ou seja, não existia sigilo do voto para a classe social dos analfabetos, o que permitia a
fraude sobre a vontade do povo”.
Perceba que se tratavam de analfabetos, porém, detentores de uma renda ou patrimônio que lhes
dava a prerrogativa, juntamente com outras de poderem votar.
Após essa, as demais constituições trouxeram a vedação expressa sobre a possibilidade do voto dos
analfabetos. A tradição outrora vista na época da Colônia e do Império brasileiro somente foi
interrompida com a República.
 
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 24 DE
FEVEREIRO DE 1891)
Art. 70 – São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei.
§1º – Não podem alistar­se eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados:
1º) os mendigos;
2º) os analfabetos;
3º) as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior;
4º) os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de
qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a
renúncia da liberdade Individual.
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§2º – São inelegíveis os cidadãos não alistáveis.
 
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 16 DE JULHO
DE 1934)1
 
CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 10 DE NOVEMBRO DE 1937)
Art. 117 – São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de dezoito anos,
que se alistarem na forma da lei.
Parágrafo único – Não podem alistar­se eleitores:
a) os analfabetos;
b) os militares em serviço ativo;
c) os mendigos;
d) os que estiverem privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos.
 
CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 18 DE SETEMBRO DE 1946)
Art. 132 – Não podem alistar­se eleitores:
I – os analfabetos;
II – os que não saibam exprimir­se na língua nacional;
III – os que estejam privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos.
Parágrafo único – Também não podem alistar­se eleitores as praças de pré, salvo os
aspirantes a oficial, os suboficiais, os subtenentes, os sargentos e os alunos das escolas
militares de ensino superior.
 
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967
Art. 142 – São eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos, alistados na forma da
lei.
§1º – o alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos,
salvo as exceções previstas em lei.
§2.º – Os militares são alistáveis desde que oficiais, aspirantes­a­oficiais, guardas­
marinha, subtenentes, ou suboficiais, sargentos ou alunos das escolas militares de
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ensino superior para formação de oficiais.
§3º – Não podem alistar­se eleitores:
a) os analfabetos;
b) os que não saibam exprimir­se na língua nacional;
c) os que estejam privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos.
 
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1, DE 17 DE OUTUBRO DE 1969 (CONSTITUIÇÃO DE
1969):
Art. 147. São eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos, alistados na forma da lei.
§1º O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo
as exceções previstas em lei.
§2º Os militares serão alistáveis, desde que oficiais, aspirantes a oficiais, guardas­
marinha, subtenentes ou suboficiais, sargentos ou alunos das escolas militares de
ensino superior para formação de oficiais.
§3º Não poderão alistar­se eleitores:
a) os analfabetos;
b) os que não saibam exprimir­se na língua nacional; e
c) os que estiverem privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos.
 
A defesa efusiva do direito de voto para os que não sabiam ler nem escrever baseava­se no
argumento de que, na sociedade moderna, o critério da escolha eleitoral não se funda no saber
sofisticado e intelectual, mas na informação, cuja transmissão pelos meios de comunicação de
massa, independe de leitura. A recusa ao voto do analfabeto corresponderia assim a uma forma
disfarçada e indireta de voto censitário e do enaltecimento de uma elite alfabetizada.
Afirma Aleixo (1981, p. 141) que foi instalada uma comissão interpartidária para estudar as
mudanças na legislação eleitoral:
 
Dentre as modificações propostas, algumas tímidas, destaque­se o direito de voto ao
analfabeto, questão que sempre é fruto de intensa polêmica entre políticos e juristas.
Pela proposta da comissão interpartidária, o analfabeto, além de votar, poderá
candidatar­se à Câmara Municipal, enquanto cabos e soldados das polícias militares
também terão direito a voto.
De todos os casos previstos em nossa atual legislação, o mais discutido caso de
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inalistáveis é o dos analfabetos. votavam no Império (onde o critério de alistamento
eleitoral era econômico) e foram excluídos pela legislação eleitoral da República.
Os defensores da manutenção da vedação do alistamento dos analfabetos sustentam
que a pessoa que não sabe ler e escrever não está apta a escolher seus dirigentes,
constituindo­se em frágil “massa” a ser manobradapelos mais letrados. Assinalam,
ainda, que permitir o direito de votar seria um estímulo ao analfabetismo.
O ex­ministro Carlos Maximiliano sintetizava a posição dos defensores do voto somente
à elite alfabetizada, afirmando que faltava ao analfabeto ‘o meio de acompanhar
atentamente a marcha dos negócios públicos e até o de verificar a exatidão da cédula
fornecida por outra pessoa e por ele deposta na urna eleitoral’. O eminente jurista
indicava o caminho a ser trilhado pelos analfabetos: ‘Procure ele os mestres, freqüente
escolas gratuitas e terá adquirido a plenitude dos direitos do cidadão’. (Comentários à
CF de 1946, pág. 22).
Como Carlos Maximiliano, o ex­presidente do TSE, Edgard Costa, também defende a
exclusão dos analfabetos do processo eleitoral, lembrando que este preceito ‘não
contraria o do sufrágio universal (...) porque esta expressão não deve ser traduzida ao
pé da letra, mas entendida como excludente de condições relativas à fortuna, profissão,
sexo, posição ou classe social’. (A Legislação Eleitoral Brasileira, pág. 301).
Contrapondo­se a essa visão elitista, que apregoa uma democracia dos preparados,
conceituados juristas têm ao longo dos anos contestado largamente o atual veto ao
alistamento do analfabeto.
Gomes Neto classifica a exclusão dos analfabetos do quadro de eleitores como ‘absurda
e aberrantemente injustificável’. (Teoria e Prática do Código Eleitoral Vigente, pág. 37).
O deputado e professor de Direito Constitucional Ulysses Guimarães, em 1975,
apresentou notável contribuição aos defensores do voto do analfabeto em sua proposta
‘Reforma com Democracia’, onde defendeu a instituição do que chamou de ‘voto igual’.
‘Voto igual para todos, expulsos os privilégios. Igual para o homem e a mulher, para o
brasileiro nato e o naturalizado, para o empregador e o empregado, para o branco,
amarelo e o preto, para o religioso e o agnóstico. Igual inclusive para o alfabetizado e o
analfabeto.’
O eminente jurista de formação conservadora, prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
também defende o direito ao alistamento de todos dizendo que ‘o analfabetismo é antes
de mais nada fruto de uma situação social e econômica contra a qual a vontade do
indivíduo isolado não pode muito’. Acrescenta o renomado professor que a difusão do
rádio e da televisão puseram a informação ao alcance do analfabeto. (Comentários. A
Constituição Brasileira, pág. 557/558).
Parece­nos que a matriz do pensamento dos que advogam a permanência da exclusão
do analfabeto do processo eleitoral é a de acreditar­se que o Pais deva ser governado
por uma elite, preparada e culta, a qual estaria à frente da gestão dos negócios
públicos.
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A proposta da comissão interpartidária constituiu­se em notável avanço que terminará
com a exclusão de milhões de brasileiros do processo político e será um marco no
processo de democratização do País.
Ainda que seja restrita, pois mantém alguns vetos ao analfabeto, a medida proposta
pela comissão de congressistas é — provavelmente — a maior contribuição que a Nova
República dá para o avanço democrático da sociedade brasileira.
 
Assim, tal qual em 1964, quando o Congresso apreciou a mensagem presidencial com dispositivo
propondo o voto facultativo do analfabeto nos pleitos municipais2 e aprovou o texto, porém de
forma inócua, pois não foi por maioria absoluta (2/3), em 1985, houve a aprovação da Emenda
Constitucional nº 25, que permitiu o voto do analfabeto, alterando a realidade:
 
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1, DE 17 DE OUTUBRO DE 1969 (CONSTITUIÇÃO DE
1969) – COM A APROVAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 25, DE 1985:
 
Art. 147. São eleitores os brasileiros que, à data da eleição, contém dezoito anos ou
mais, alistados na forma da Lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 25, de
1985)
§1º O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo
as exceções previstas em lei.
§2º Os militares serão alistáveis, desde que oficiais, aspirantes a oficiais, guardas­
marinha, subtenentes ou suboficiais, sargentos ou alunos das escolas militares de
ensino superior para formação de oficiais.
§3º Não poderão alistar­se eleitores: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 25,
de 1985)
a) os que no saibam exprimir­se na língua nacional; e (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 25, de 1985)
b) os que estiverem privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985)
§4º A Lei disporá sobre a forma pela qual possam os analfabetos alistar­se eleitores e
exercer o direito de voto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985).
 
A partir disso, foi aprovada a Lei nº 7.332, de 1º de julho de 1985, que estabeleceu normas para a
realização de eleições em 1985, dispondo sobre o alistamento eleitoral e o voto do analfabeto e
dava outras providências.
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Após isso, com o surgimento da nossa atual Constituição Federal de 1988, um texto constitucional,
em sede de poder constituinte originário trouxe a previsão expressa da possibilidade do voto
facultativo do analfabeto:
 
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(...)
§1º – O alistamento eleitoral e o voto são:
I – obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II – facultativos para:
a) os analfabetos;.
 
Assim, tivemos fim à impossibilidade do voto aos analfabetos. Dessa forma houve o alcance do jus
sufragi, porém, a mesma Constituição impôs a limitação ao jus honorum do analfabeto, vedando a
possibilidade de o mesmo vir a ser candidato. Impôs assim uma condição negativa de elegibilidade
ou inelegibilidade inata.
Um fato curioso. Recentemente, o Partido Social Cristão (PSC) ajuizou uma ação direta de
inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (ADI nº 4.097), da relatoria do Min. Cezar
Peluzo, restando assim relatada: “Partido Social Cristão postula pronúncia da inconstitucionalidade
da parte final do §4º do art. 14 da Constituição Federal (‘§4º – são inelegíveis os inalistáveis e os
analfabetos’), sustentando que tal dispositivo afronta o art. 5º da própria Constituição. Alega, em
suma, que a previsão impugnada impõe discriminação contra os analfabetos, ‘por uma exigência
inconstitucional, descabida e inoportuna, que estabelece regra incompatível com os princípios
naturais e os critérios isonômicos, gerais e coletivos da lei de um estado democrático’ (fls. 04­05).
Afirma, ainda, que o preceito amplia ‘a contradição estabelecida no caput do artigo 14, dizendo que
‘a soberania nacional será exercida pelo sufrágio universal... com igual valor para todos’ (fls. 04).
Requer a concessão de medida liminar, ‘para que os analfabetos possam ser votados nas eleições
municipais deste ano’ (fls. 11­12)”.
Pois bem, por limitação constitucional, o c. STF entendeu, como ementado a seguir, não ser
possível o controle de constitucionalidade de norma da própria Constituição, em sede de produção
pelo legislador originário. O que comungamos. Verbis:
 
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. ADI. Inadmissibilidade. Art. 14, §4º, da
CF. Norma constitucional originária. Objeto nomológico insuscetível de controle de
constitucionalidade. Princípio da unidade hierárquico­normativa e caráter rígido da
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Constituição brasileira. Doutrina. Precedentes. Carência da ação. Inépcia reconhecida.
Indeferimento da petição inicial. Agravo improvido. Não se admite controle concentrado
ou difuso de constitucionalidade de normas produzidas pelo poder constituinte
originário.
 
4 O conceito de analfabeto frente à norma
Como dito, a Constituição de 1988 inseriu no ordenamento a vedação de capacidade eleitoral
passiva — direito de ser votado — a analfabeto, bem como a inelegibilidade disposta no §4º do art.
14 da CF/88, qual seja:
 
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(...)
§4º São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.
 
Também a norma complementar repetiu a Constituição:
 
LEI COMPLEMENTAR Nº 64, DE 18 DE MAIO DE 1990
Art. 1º São inelegíveis:
I – para qualquer cargo:
a) os inalistáveis e os analfabetos;
 
Sabe­se que para comprovar a alfabetização as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, ao longo
das eleições vêm exigindo que o candidato apresente comprovante de escolaridade e no caso de
“ausência do comprovante de escolaridade a que se refere o inciso IV do caput poderá ser suprida
por declaração de próprio punho, podendo a exigência de alfabetização do candidato ser aferida por
outros meios, desde que individual e reservadamente” (art. 26, §9º, Resolução nº 23.221/2010).
Assim, vê­se que primeiro prevalece o documento oficial que comprove a escolaridade e caso não
seja possível, valerá uma declaração de próprio punho. Todavia, caso o juiz eleitoral não se
convença da alfabetização do candidato, poderá aferir por outros meios.
Está­se falando dos famosos “testes de alfabetização”, onde os juízes eleitorais aplicam aos
candidatos que não apresentam comprovante de escolaridade digno de respaldo ou declaração de
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próprio punho que não encontram confiabilidade também no âmbito do procedimento de registro
de candidatura.
A jurisprudência do TSE vem se manifestando cabalmente sobre a legalidade e possibilidade de
elaboração dos aludidos testes. A possibilidade de realização ou não destes está inserida na
liberdade que tem o magistrado de formar o seu livre convencimento.
Outro balizamento que a jurisprudência impõe é o fato de se realizar o teste em situação que não
exponha o candidato ao ridículo, ou seja, o teste deverá ser aplicado com as reservas necessárias
para se evitar constrangimento ao candidato. Vejamos:
 
Registro. Indeferimento. Candidatura. Vereador. Analfabetismo. Aferição. Teste.
Aplicação. Juiz eleitoral. Art. 28, VII E §4º, Res.­TSE Nº 21.608, DE 5.2.2004. 1. O
candidato instruirá o pedido de registro de candidatura com comprovante de
escolaridade, o qual poderá ser suprido por declaração de próprio punho, podendo o
juiz, diante de dúvida quanto à sua condição de alfabetizado, determinar a aferição por
outros meios (art. 28, VII e §4º, da Res.­TSE nº 21.608). 2. O teste de alfabetização,
aplicado pela Justiça Eleitoral, visa à verificação da não­incidência da inelegibilidade, a
que se refere o art. 14, §4º, da Carta Magna, constituindo­se em instrumento legítimo.
Vedada, entretanto, a submissão de candidatos a exames coletivos para comprovação da
aludida condição de elegibi l idade, uma vez que tal metodologia lhes impõe
constrangimento, agredindo­lhes a dignidade humana. Precedente: Acórdão nº 21.707,
de 17.8.2004, relator Ministro Humberto Gomes de Barros. 3. “O exercício de cargo
eletivo não é circunstância suficiente para, em recurso especial, determinar­se a
reforma de decisão mediante a qual o candidato foi considerado analfabeto.” Esse o teor
da Súmula­TSE nº 15, publicada no DJ de 28, 29 e 30.10.96. Precedente: Acórdão nº
21.705, de 10.8.2004, relator Ministro Luiz Carlos Lopes Madeira. 4. Contrariedade às
conclusões das instâncias ordinárias, que consideraram o candidato não alfabetizado,
exigiria o reexame de prova, insuscetível em sede de recurso especial, conforme
Súmula nº 279 do egrégio Supremo Tribunal Federal. (TSE, Processo: RESPE nº
21.920, rel. Min. Caputo Bastos, publicado em sessão no dia 31.08.2004)
 
Registro de candidato. Analfabetismo. Ausência de comprovante de escolaridade e de
declaração de próprio punho. Proibição de teste de alfabetização público e coletivo.
Reexame de prova. Na ausência do comprovante de escolaridade, deve o juiz exigir
declaração de próprio punho do candidato antes de buscar a aferição por outros meios.
Res.­TSE no 21.608, art. 28, VII, §4º. Não tendo o juiz exigido tal declaração, é lhe
permitido aplicar teste de alfabetização, desde que seja reservado, sem trazer
constrangimento ao candidato (art. 1º, III, da Constituição Federal). Precedentes.
Reexame de provas inviável em sede de recurso especial (Súmula­STF no 279). Recurso
a que se nega provimento. (TSE – Acórdão nº 21.762 – Recurso Especial Eleitoral nº
21.762 – Petrolina de Goiás – GO – Ministro Gilmar Mendes, relator. Publicado em
sessão, em 31.8.2004)
 
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O problema está no resultado do teste aplicado ao candidato, pois é a partir daí que surge a
conceituação de analfabeto frente ao que dispõe a norma.
Como se pode perceber, nem a Constituição Federal, tampouco a Lei Complementar nº 64/1990 se
dispuseram a explicar conceitualmente o termo “analfabeto”, para que os juízes eleitorais
pudessem tomar como balizamento.
Daí é que advém uma série de problemas de ordem subjetiva, pois não resta dúvida de que para se
averiguar se um indivíduo é ou não alfabetizado, devem­se observar critérios objetivos e não
subjetivos. A análise deve estar em conformidade com critérios estabelecidos pela jurisprudência
no conceito de analfabetismo, malgrado a lei não tenha estipulado.
Aliás, com relação a esse ponto, mister afirmar que ao direito não é dado o direito, assim mesmo,
de forma tautológica, de lançar mão de definições próprias sobre o tema.
A terminologia “analfabetismo” ou “analfabeto” deve ser explicada pela ciência da educação e do
ensino, que é a pedagogia, porém de forma sintética e direta, absorvendo­se daí o conceito de
analfabeto para fins eleitorais.
O analfabeto, segundo o Dicionário Aurélio (1999), é:
 
Analfabeto
[Do gr.  analphábetos, ‘aquele que não conhece nem o alfa nem o beta’, pelo lat.
analphabetu.]
Adj.
1. Que não conhece o alfabeto.
2. Que não sabe ler e escrever: “E que fez Rousseau? Quase analfabeto até aos trinta
anos, começa a escrever aos trinta e cinco.” (Graça Aranha, A Estética da Vida, p. 194.)
3. Absolutamente ou muito ignorante.
4. Que desconhece determinado assunto ou matéria: É analfabeto em geografia.
S. m.
5. Indivíduo analfabeto (1 e 2).
6. Indivíduo ignorante, sem nenhuma instrução.
[F. red. (Bras.) (nessas 2 acepç.): analfa.]. (original sem grifos)
 
A partir dessa concepção é que surgem alguns elementos preconceituosos no âmbito da
subjetividade. Aduz o dicionário que analfabeto é equiparado a ignorante, sem nenhuma instrução,
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entre outros. Mas seria possível dizer que todo analfabeto é ignorante?
O analfabetismo é uma das formas de analisar a falta de instrução e a oportunidade que várias
pessoas não tiveram no Brasil. O analfabeto é aquela pessoa que não sabe nem assinar o nome,
não tema compreensão mínima dos textos escritos. A ignorância, por outro lado, é inerente às
pessoas mal­educadas, que não sabem tratar com os outros no âmbito das relações humanas. Às
vezes esses conceitos se encontram em uma mesma pessoa, mas nem sempre.
Portanto, situa­se a qualidade de alfabetizado, objetivamente, na capacidade de articular palavras
com potencialidade de serem lidas e entendidas e não só aquele que aplica de forma correta a
gramática normativa brasileira.
Não vemos aqui espaço para se discutir analfabetismo funcional ou status de linguagem culta, isso
se encontra em outro patamar. A norma não deu amplitude para se abrir ao hermeneuta outras
possibilidades que não a disposta no próprio termo.
Erros de grafia não induzem a concluir que uma pessoa é ou não analfabeta. Indignações na linha
de entender por equivocada a interpretação do TSE sobre o tema são argumentos meramente
preconceituosos, que desejam ampliar o entendimento do termo com vistas a excluir alguns
cidadãos do processo eleitoral.
Ninguém poderá exigir que os candidatos ao pleito eleitoral se equiparem àqueles que buscam, v.
g., uma vaga de servidor público em concurso público de provas, ou de provas e títulos.
Assim, nesta ótica, basta que o candidato demonstre que conhece o alfabeto e que sabe ler e
escrever, para que seja considerado apto para o exercício da vida pública, no âmbito da
representação democrática. Ainda que não atenda à norma culta das regras gramaticais da língua
portuguesa.
O que se deve observar é o fato de que vivemos em uma democracia representativa e os eleitores
têm a opção de escolher os seus candidatos. Poderá escolher entre um doutor ou um peão com
poucas letras.
Uma coisa é a gramática normativa, que dita regras de escrita tal qual as normas cultas existentes
pela Nomenclatura Gramatical Brasileira.
Outra coisa é a gramática gerativa, ou seja, aquela que nossas crianças estão acostumadas a
aplicar logo que são alfabetizadas, isto é, compreendendo foneticamente as palavras, sua
sonoridade, e sabendo dizer e articular, minimamente, as letras do alfabeto de forma a gerarem
palavras.
Ocorre que, volta e meia, os atores processuais no âmbito do direito eleitoral, sejam eles
promotores, procuradores, magistrados em geral, além dos próprios candidatos, por intermédio de
seus advogados, buscam, sem considerar critérios objetivos, elastecer o conceito de analfabeto
para além dos limites do razoável, fugindo daquilo que seria analfabeto para fins eleitorais.
Sob o título de exemplo, no parecer exarado pelo Promotor de Justiça em Goiás, Dr. Reginaldo
Melo Junior, 3 nos autos do Processo nº 1680662004 (Recurso Eleitoral contra decisão do Juiz
Eleitoral da 97.ª Zona Eleitoral – Cachoeira Alta/GO), houve inflexão no sentido de ampliar esse
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tipo de conceituação.
A construção lançada no trecho transcrito a seguir é bastante interessante e repleta de lógica,
porém afasta­se do conceito de analfabeto para fins eleitorais, vejamos:
O conceito de alfabetização não é jurídico e nem legal, como também não o é, por exemplo, o
conceito de propaganda. É no âmbito da ciência da educação e do ensino, denominada de
pedagogia, que o intérprete da lei deve buscar e tomar emprestado o conceito de alfabetização.
 
No período de 29/03/2004 a 02/04/2004, o Salto para o Futuro veiculou uma série de
cinco programas, denominada Alfabetização, leitura e escrita, na qual a questão foi
devidamente tratada. Anexo a esse parecer o roteiro integral de três dos programas
veiculados.
No roteiro do terceiro programa da série, intitulado “O que é ser alfabetizado e
letrado?”, a Prof.ª Maria das Graças Costa Val assim conceitua alfabetização e
letramento:
“A apropriação da escrita é um processo complexo e multifacetado, que envolve tanto o
domínio do sistema alfabético­ortográfico quanto a compreensão e o uso efetivo e
autônomo da língua escrita em práticas sociais diversificadas. A partir da compreensão
dessa complexidade é que se tem falado em alfabetização e letramento como fenômenos
diferentes e complementares.
De início, pode­se definir alfabetização como o processo específico e indispensável de
apropriação do sistema de escrita, a conquista dos princípios alfabético e ortográfico que
possibilitam ao aluno ler e escrever com autonomia. Noutras palavras, alfabetização diz
respeito à compreensão e ao domínio do chamado “código” escrito, que se organiza em
torno de relações entre a pauta sonora da fala e as letras (e outras convenções) usadas
para representá­la na escrita.
Já letramento pode ser definido como o processo de inserção e participação na cultura
escrita. Trata­se de um processo que tem início quando a criança começa a conviver
com as diferentes manifestações da escrita na sociedade (placas, rótulos, embalagens
comerciais, revistas, etc.) e se prolonga por toda a vida, com a crescente possibilidade
de participação nas práticas sociais que envolvem a língua escrita (leitura e redação de
contratos, de livros científicos, de obras literárias, por exemplo).
O termo letramento foi criado, portanto, quando se passou a entender que, nas
sociedades contemporâneas, é insuficiente o mero aprendizado das “primeiras letras”, e
que integrar­se socialmente, hoje, envolve também “saber utilizar a língua escrita nas
situações em que esta é necessária, lendo e produzindo textos”. Essa nova palavra veio
para designar “essa nova dimensão da entrada no mundo da escrita”, que se constitui
de um “conjunto de conhecimentos, atitudes e capacidades necessários para usar a
língua em práticas sociais” (cf. Batista, 2003).
É possível encontrar pessoas que passaram pela escola, aprenderam técnicas de
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decifração do código escrito e são capazes de ler palavras e textos simples, curtos, mas
não são capazes de se valer da língua escrita em situações sociais que requerem
habilidades mais complexas. Essas pessoas são alfabetizadas, mas não são letradas.
Essa condição é particularmente dolorosa e indesejável, embora freqüente, dentro da
própria escola, porque acarreta dificuldades para o aprendizado dos diferentes
conteúdos curriculares, ou mesmo inviabiliza esse aprendizado.
Por isso é que se tem afirmado que alfabetização e letramento são processos diferentes,
cada um com suas especificidades, mas complementares, inseparáveis e ambos
indispensáveis. O desafio que se coloca hoje para os professores é o de conciliar esses
dois processos, de modo a assegurar aos alunos a apropriação do sistema alfabético­
ortográfico e a plena condição de uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita.”
Contudo, é igualmente correto afirmar que um alfabetizado não letrado é, na verdade,
um analfabeto funcional.
De fato, no passado podia­se dizer, em síntese, que a “alfabetização, em seu sentido
estrito, designa, na leitura, a capacidade de decodif icar os sinais gráficos,
transformando­os em sons, e, na escrita, a capacidade de codificar os sons da língua,
transformando­os em sinais gráficos.”
Porém, ao longo do último século, “esse conceito de alfabetização foi sendo
progressivamente ampliado, em razão de necessidades sociais e políticas, a ponto de já
não se considerar alfabetizado aquele que apenas domina as habilidades de codificação
e de decodificação, ´mas aquele que sabe usar a leitura e a escrita para exercer uma
prática social em que a escrita é necessária”
Magda Soares ensina que:
(...) até os anos 40 do século passado, os questionários do Censo indagavam,
simplesmente, se a pessoa sabia ler e escrever, servindo, como comprovação da
respostaafirmativa ou negativa, a capacidade de assinatura do próprio nome. A partir
dos anos 50 e até o último Censo (2000), os questionários passaram a indagar se a
pessoa era capaz de “ler e escrever um bilhete simples”, o que já evidencia uma
ampliação do conceito de alfabetização: já não se considera alfabetizado aquele que
apenas declara saber ler e escrever, genericamente, mas aquele que sabe usar a leitura
e a escrita para exercer uma prática social em que a escrita é necessária.
Essa ampliação do conceito revela­se mais claramente em estudos censitários
desenvolvidos a partir da última década, em que são definidos índices de alfabetizados
funcionais (e a adoção dessa terminologia já indica um novo conceito que se acrescenta
ao de alfabetizado, simplesmente), tomando como critério o nível de escolaridade
atingido ou a conclusão de um determinado número de anos de estudo ou de uma
determinada série (em geral, a 4ª série do Ensino Fundamental), o que traz, implícita, a
idéia de que o acesso ao mundo da escrita exige habilidades para além do apenas
aprender a ler e a escrever. Ou seja: a definição de índices de alfabetismo funcional
utilizando­se, como critério, anos de escolaridade, evidencia o reconhecimento dos
limites de uma avaliação censitária baseada apenas no conceito de alfabetização como
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“saber ler e escrever “ ou “saber ler um bilhete simples “, e a emergência de um novo
conceito, que incorpora habilidades de uso da leitura e da escrita desenvolvidas durante
alguns anos de escolarização.
A ampliação do conceito de alfabetização se manifesta também na escola. Até muito
recentemente, considerava­se que a entrada da criança no mundo da escrita se fazia
apenas pela a l fabet ização, pelo aprendizado das “pr imeiras  letras”,  pelo
desenvolvimento das habilidades de codificação e de decodificação. O uso da língua
escrita, em práticas sociais de leitura e produção de textos, seria uma etapa posterior à
alfabetização, devendo ser desenvolvido nas séries seguintes.
Desde meados dos anos 80, porém, concepções psicológicas,  l ingüísticas e
psicolingüísticas de leitura e escrita vêm mostrando que, se o aprendizado das relações
entre as “letras “ e os sons da língua é uma condição do uso da língua escrita, esse uso
também é uma condição da alfabetização ou do aprendizado das relações entre as
“letras “e os sons da língua.
(...)
Assim, alfabetizar não se reduziria ao domínio das “primeiras letras”. Envolveria
também saber utilizar a língua escrita nas situações em que esta é necessária, lendo e
produzindo textos. É para essa nova dimensão da entrada no mundo da escrita que se
cunhou uma nova palavra: letramento. Ela serve para designar o conjunto de
conhecimentos, de atitudes e de capacidades necessários para usar a língua em práticas
sociais.
Por meio desse conceito, a escola ampliou, assim, o seu conceito de alfabetização. O que
boa parte dos dados do SAEB mostra é que muitas crianças, embora alfabetizadas, não
são letradas (ou manifestam diferentes graus de analfabetismo funcional, já que os dois
conceitos tendem a se sobrepor). Em outras palavras, não são capazes de utilizar a
língua escrita em práticas sociais, particularmente naquelas que se dão na própria
escola, no ensino e no aprendizado de diferentes conteúdos e habilidades.
Assim: as dificuldades que enfrentamos, hoje, na alfabetização, são agravadas tanto
pelo passado (a herança do analfabetismo e das desigualdades sociais), quanto pelo
presente (a ampliação do conceito de alfabetização e das expectativas da sociedade em
relação a seus resultados).”
Dos ensinamentos pedagógicos acima transcritos, conclui­se que, na atualidade, não
basta saber ler e escrever para que o indivíduo seja considerado alfabetizado. É
necessário que saiba, também, fazer uso da escrita na leitura e na produção de textos
na vida cotidiana ou na escola, para satisfazer às exigências do aprendizado.
Mais do que ler e escrever mecanicamente, o alfabetizado funcional deve compreender o
que leu e saber redigir um texto autônomo (uma carta, um bilhete etc.) ou, em outras
palavras, conseguir usar a escrita, tirar proveito dela, valer­se da linguagem escrita
para atividades sociais do cotidiano.
 
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Não obstante todo o esforço do citado membro do Ministério Público em demonstrar que o
analfabetismo pode ser visto de outras formas, a regra para o analfabeto para fins eleitorais é mais
restrita.
Interpretação do termo “analfabeto” disposto no texto constitucional deve ser feita de forma
restritiva. Não cabe ampliação de interpretação de norma constitucional restritiva de direitos.
A jurisprudência do colendo Tribunal Superior Eleitoral já está sedimentada para compreender e
diferenciar o alfabetizado do analfabeto. E nessa lógica, não cabe a tentativa de ampliar o conceito
de forma a abarcar o “analfabetismo funcional” ou, quiçá, os “letrados”.
Não cabe um elastecimento ao conceito de “analfabeto”, sob pena de impormos a reserva dos
cargos apenas às elites letradas e intelectualizadas. Com isso, perderíamos a nossa identidade
cultural e excluiríamos das disputas eleitorais aqueles que, sabendo ler e escrever, ainda que de
forma rudimentar, não dominam com propriedade a arte das letras.
Como exemplo da jurisprudência que não pode ser tensionada, citamos trecho do acórdão lavrado
no REsp nº 13.180, Rel. Min. Ilmar Galvão:
 
7. Com efeito, a jurisprudência majoritária dessa Colenda Corte Superior Eleitoral é no
sentido de que, para a configuração de quem pode ser considerado alfabetizado, mister
que o candidato saiba ao menos ler e escrever, ainda que de forma incorreta, não
bastando, em absoluto, que apenas consiga assinar o seu nome (...).
 
Vejamos também o trecho do voto condutor no Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº
30.682/AL, da lavra do eminente Min. Joaquim Barbosa:
 
Ora, para fins eleitorais, o que o juiz busca saber é se o candidato consegue ler e
escrever, e não se ele possui alto grau de escolaridade.
A Constituição Federal é clara ao impedir os analfabetos de serem eleitos, e não aqueles
que possuem pouca instrução. Repito: o candidato deve provar apenas que sabe ler e
escrever. É essa a única condição constitucional.
 
Esse também é o entendimento de boa parte da doutrina, a exemplo de Costa (2006, p. 162­163):
 
É alfabetizado quem sabe ler e escrever, razoavelmente. Escrever com sentido e
concatenação das idéias, ainda que com embaraços de gramática. Ler com compreensão
do texto, do seu sentido, ainda que de modo obnubilado e turvo. E analfabeto, ao revés,
aquele que não sabe ler ou escrever com um mínimo de sentido, ou com total
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impossibilidade de externar seus pensamentos.
Há na aplicação do signo, em casos concretos, a necessidade de ponderações e de
temperanças, com vistas à finalidade da sua exigência: a obtenção do direito de ser
votado. Por isso, necessário levar em consideração alguns aspectos importantes: (a)
toda análise dos eleitores, quanto ao seu grau de alfabetização, deve ser feita
individualmente, caso por caso. (b) o grau de alfabetização exigido é mínimo, apenas o
necessário para que se afaste a hipótese de analfabetismo total, porquanto é inelegível
o analfabeto, não o semi­analfabeto; (c) deve­se dar atenção à leitura, mais do que à
escrita, pois mais importa a compreensão do texto já escrito, do que escrevê­lo (até porque outros poderão escrever para ele, ao passo que a leitura feita por outros acarreta
maiores dificuldades e perigos).
Tais observações são estribadas em máximas de experiência, sendo certo que não existe
— nem existirá — um critério seguro e definitivo de decidibilidade da aplicação do signo
analfabetismo. Na aplicação da norma, deverá o Juiz Eleitoral basear­se em critério de
eqüidade, atuando discricionariamente, nada obstante com respaldo em provas,
ministrada por profissionais qualificados em pedagogia, as quais trarão um indicativo
para a decisão judicial. Nunca é ocioso repetir, até mesmo pela recalcitrância vesga de
alguns, que a discricionaridade judicial é fato ineliminável da atividade jurisdicional,
sindicável por instâncias superiores e limitadas pelos critérios e fins legais.
(...)
Um vereador de cultura apoucada, semi­analfabeto, beirando ao analfabetismo
completo, poderá ser importante líder político em sua comunidade de imensa maioria de
semi­analfabetos, tão encontradiças nos grotões deste Brasil. Sem embargo, o mesmo
não ocorrerá quando o candidato pleitear um cargo de Governador do Estado ou de
Presidente da República, ou de Senador. O Juiz Eleitoral deverá ter a justa compreensão
da realidade social de sua comunidade, de modo a aplicar o preceito constitucional
dentro da zona de penumbra do conceito de alfabetismo e analfabetismo, com vistas a
adequação da norma à comunidade concreta, com suas necessidades e mazelas. Assim,
a um só tempo fará justiça e contribuirá para a democracia de seu País.
 
5 Conclusão
As ponderações aqui trazidas não têm a pretensão de se tornarem verdades irrefutáveis, tampouco
de se assenhorear da verdade. Apenas trazemos à discussão um tema que afeta frontalmente a
cidadania plena de boa parte da população. Para o bem da verdade, melhor seria que tivéssemos
índices de analfabetismo zerados, tampouco pessoas tratadas como “analfabetos funcionais”.
O ideal seria que vivêssemos em uma sociedade onde todos tivessem a oportunidade de serem
letrados e de poderem vivenciar a democracia sem quaisquer barreiras de desigualdades. Porém,
sabemos ser esse um pensamento utópico.
De outra banda, pior seria se impedíssemos, em interpretações ampliadas, os chamados
“analfabetos funcionais” de experimentarem a participação política, pois, como disse o poeta
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Bertolt Brecht, em seu texto “O analfabeto político”:
 
O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos
acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe,
da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O
analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a
política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor
abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto
e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.
 
Portanto, a conclusão é a mesma do relator do Acórdão nº 27.762 (Recurso Eleitoral nº 2.214,
Fênix/PR, de 04.08.2004), Des. Manoel Caetano Ferreira Filho, do Tribunal Regional Eleitoral do
Paraná, que diz: “Analfabeto é quem não conhece o alfabeto. Para efeito de inelegibilidade este
conceito não pode ser ampliado”.
 
Referências
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Grande, v. 2, p. 13, 1994.
1 Segundo Rodrigues (1965, p. 237), no texto da Constituição de 1934 não identificamos vedação
expressa ao voto do analfabeto, porém, vimos que tal limitação se manteve no âmbito da
legislação infraconstitucional.
2 Segundo Rodrigues (1965, p. 237): “No primeiro turno do dia 16 votaram a favor 214 deputados
e 37 senadores, e contra 99 deputados e 10 senadores. No segundo turno, do dia 22, votaram a
favor 201 deputados e 37 senadores, e contra, 127 deputados e 14 senadores”.
3 Texto também encontrado, de forma idêntica, no parecer do Procurador Regional Eleitoral do
Estado do Maranhão, Dr. Antônio Cavalcante de Oliveira Júnior, no Processo nº 2.825 – Classe 25
(Recurso Eleitoral contra a decisão do Juiz Eleitoral da 81ª Zona Eleitoral – Matões/MA), onde cita
que o parecer fora exarado pelo Procurador Regional Eleitoral de Goiás, Dr. Hélio Telho Filho.
Como citar este artigo na versão digital:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto
científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
NEVES, Sidney Sá das. Condição negativa de elegibilidade: é possível a ampliação do conceito de
analfabeto?. Revista Brasileira de Direito Eleitoral –  RBDE, Belo Horizonte, ano 3, n. 4, jan./jun.
2011. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=73152>. Acesso
em: 8 ago. 2013.
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Como citar este artigo na versão impressa:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto
científico publicado em periódico impresso deve ser citado da seguinte forma:
NEVES, Sidney Sá das. Condição negativa de elegibilidade: é possívela ampliação do conceito de
analfabeto?. Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 3, n. 4, p. 137­160,
jan./jun. 2011.
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