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Artigo Franklin Cascaes

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IV Entre o Discurso e a Espada: Conflitos, Traumas e Memórias. De 01 a 04 de outubro de 2013. FAED-UDESC, Florianópolis, 
SC 
 
Alan Cristhian Michelmann 
Cristiane Gonçalves1 
 
Resumo: O presente artigo visa discorrer sobre os processos de coleta e pesquisa do 
Historiador e mitólogo Franklin Cascaes, falecido em 1983 e que deixou um legado 
histórico e cultural para a Desterro de que tanto devotava carinho e atenção. Aspectos 
sobre o desenvolvimento da capital catarinense e o processo de coleta de relatos orais de 
moradores sobre os usos, costumes, crenças. O lado fantástico também será abordado, 
além do processo de produção de material com base nos materiais coletados na capital 
catarinense e região, bem como pesquisas nas Ilhas dos Açores, ainda nos anos 1970. O 
artigo pretende dar linhas gerais para que se reflita sobre o trabalho de quase 40 anos de 
pesquisas, coletas e produção de Franklin Cascaes. 
Palavras-chave: Relato oral, coleta, produção, fantástico, religiosidade. 
 
 
FRANKLIN CASCAES: O FANTÁSTICO, O RELIGIOSO E A COLETA DE 
RELATOS ORAIS. 
 
 
Introdução 
 
“Minha arte é recriação do que vi, do que eu vejo. Muitas das pessoas com as 
quais convivi, meus professores populares.” 
(Franklin Cascaes)2 
 
A história de um povo, de um lugar, também pode ser contada pelos relatos 
falados de geração em geração, de fatos reais ou imaginários, de lendas, por 
representações pictóricas, imagens ou, simplesmente, através do olhar atento de quem 
vê esse ou aquele povo. 
 A Ilha de Santa Catarina, que acolhe a capital do estado catarinense, hoje 
conhecida como Florianópolis, antes chamada de Nossa Senhora do Desterro3, também 
tem suas representações e construções históricas, suas lendas, um passado que muitas 
vezes não se encontra aos olhos da atualidade. 
Os costumes de um povo que outrora aportou em terras brasileiras e, em sua 
grande parte, desembarcou na Ilha de Santa Catarina entre 1748 e 1756 foi, trezentos 
 
1 Alan Cristhian Michelmann é graduando na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, pelo curso de 
Bacharelado e Licenciatura em História. É professor do ensino fundamental II e ensino médio no Colégio Elcana, 
Palhoça-SC. E-mail: <alancristhian@gmail.com>. Cristiane Gonçalves é graduanda na Universidade Federal de 
Santa Catarina – UFSC, pelo curso de Bacharelado e Licenciatura em História. É secretária executiva do escritório 
regional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos - DIEESE/SC. E-mail 
<cristianeg1988@gmail.com>. 
2 CARUSO, Raimundo. Franklin Cascaes: Vida e Arte, e a Colonização Açoriana. Florianópolis. Ed. Da UFSC, 1ª 
ed. 1981. p.49. 
3 Nesse trabalho, ao fazermos referência à cidade de Florianópolis, utilizaremos os termos que Cascaes utilizava: 
“Desterro”, “Capital” ou “Ilha de Santa Catarina”. 
IV Entre o Discurso e a Espada: Conflitos, Traumas e Memórias. De 01 a 04 de outubro de 2013. FAED-UDESC, Florianópolis, 
SC 
anos após, recolhido, esculpido e desenhado por uma figura que amou o lugar em que 
viveu e registrou muito daquilo que, de geração em geração, foi contado e retratado. 
Toda a vasta produção de Franklin Cascaes está sob responsabilidade da 
Universidade Federal de Santa Catarina e, atualmente, encontra-se armazenada na 
reserva técnica do Museu Universitário Osvaldo Rodrigues Cabral. Segundo Adalice 
Maria de Araújo4 são “925 trabalhos bidimensionais, sendo 504 esquisses (esboços) e 
421 composições, constituídas de desenhos a bico-de-pena e a lápis. As propostas 
tridimensionais, que somam cerca de 2.700 peças, são formadas de argila crua e gesso 
calcinado” (ARAÚJO, 2008, p.35). Era desejo de Franklin entregar esse acervo para que 
fosse exposto, estudado, visto e admirado por todos aqueles que se interessassem pela 
cultura popular5, apesar de sua vasta obra atualmente não estar aberta para exposição em 
função das obras do museu. A importância do trabalho feito por Franklin Cascaes 
reflete-se na grande quantidade de artigos, teses, livros, atividades das mais variadas 
que surgem ano a ano. Antes mesmo da morte de Cascaes, em 1983, era reconhecida a 
importância de todo o vasto e minucioso trabalho feito pelo professor. Livros foram 
publicados, exposições montadas, além de peças de teatro,6 fora as ofertas de compra do 
acervo, inclusive do exterior.7 Fiel a sua Desterro, optou pela permanência de tudo isso 
para a cultura e história catarinense na cidade que tanto amou e que com sensibilidade 
descreveu o povo, os costumes, a religiosidade e o imaginário8. 
O presente texto busca expor uma pequena apresentação introdutória da intensa 
produção, coleta de relatos, registro de histórias e costumes de um povo, feitos pelo 
professor, artista, mitólogo, historiador e, acima de tudo, um apaixonado pela “Nossa 
Senhora do Desterro” 9 Franklin Joaquim Cascaes10, analisando a questão do fantástico 
 
4Adalice Maria de Araújo é paranaense e pesquisadora na área de arte visual desde os anos 1960. Publicou em 2008 
um estudo sobre a criação visual de Franklin Cascaes que pode ser vista a referência bibliográfica ao fim deste 
trabalho. 
5 CARUSO. Op.cit. p. 43. 
6 Segundo Adalice Maria de Araújo, na obra Franklin Cascaes, o mito vivo da Ilha, no ano de 1977, Gelcy José 
Coelho, mais conhecido como “Peninha”, trabalhou com o Profº Franklin Cascaes, entre 1973 a 1980 e montou a 
peça Ataque Bruxólico, que contou com a participação do próprio Cascaes. 
7 CARUSO, Op.cit. p.27. 
8 CARUSO. Idem. 
9 Franklin Cascaes, em depoimento publicado no livro de Raimundo Caruso “Franklin Cascaes: Vida e Arte, e a 
Colonização Açoriana”, explica o porquê de usar o antigo nome de Florianópolis quando se refere a capital da Ilha de 
Santa Catarina: “Nessa degola que foi feita aqui na terra por Floriano Peixoto entraram três parentes meus e minha vó 
falava muito, não gostava que ninguém tocasse naquele nome, até mesmo no de Hercílio Luz.(...)Por isso nunca 
simpatizamos com este nome “Florianópolis”. Nos meus escritos sempre escrevo Desterro ou “Capital” de Santa 
Catarina”.p.21. 
10 Seu nome de batismo. Nascido em 16/10/1908, na localidade de Itaguaçú, à época pertencente ao município de São 
José, atualmente compõe o território do município de Florianópolis. 
IV Entre o Discurso e a Espada: Conflitos, Traumas e Memórias. De 01 a 04 de outubro de 2013. FAED-UDESC, Florianópolis, 
SC 
e do elemento religioso, assim como as apropriações e usos que atualmente vemos de 
sua obra. 
 
A Coleta 
 
Eu sempre achei todas as histórias que recolhi pelo interior da Ilha muito 
fabulosas. O modo de contar das pessoas, que contam como se estivessem 
assustadas. 
(Franklin Cascaes)11 
 
O processo de coleta das mais variadas histórias contadas pelo litoral 
catarinense, em especial na Ilha de Santa Catarina, vem antes mesmo de aperfeiçoar sua 
técnica criativa na produção imagética da cultura e costumes locais. Já quando jovem, 
Cascaes ouvia dos jornaleiros12 e dos pescadores dos arredores do Itaguaçú as histórias 
passadas de geração em geração (as manifestações culturais, religiosas, as festas, a 
presença das bruxas, etc.)13, além do mais, o jovem Cascaes já produzia esculturas nas 
areias da Praia de Itaguaçú14. O interesse pelas pessoas de sua terra vem desde cedo. Os 
primeiros relatos descritos por Franklin remontam a essa memória dos tempos de 
juventude. 
Em depoimento a Raimundo Caruso, em 1980, Cascaes conta que, já como 
professor, fez muito do trabalho de coleta de informações e histórias pela Ilha utilizando 
uma canoa (deixou de fazê-lo dessa forma apenas na década de 1960, quando adquiriu 
uma Kombi),e assim deslocava-se, por vezes, a regiões mais distantes da Ilha, com a 
importante contribuição de sua esposa, Elizabete Pavan Cascaes, que o ajudava com as 
reservas financeiras da casa, acompanhado de sua inseparável bolsa de couro, lápis, 
cadernos e folhas de papel15. Normalmente uma visita às comunidades durava de três 
dias a uma semana, ouvindo pessoas, analisando costumes, registrando tudo nos papéis 
e cadernos, anotando nomes, datas, descrições minuciosas daquilo que ouvia e 
observava. Todas as informações eram organizadas e as histórias montadas, já que 
muitas dessas descrições eram fornecidas por mais de uma pessoa e informações novas 
surgiam. Por vezes, principalmente a partir dos anos 1960, Cascaes utilizava de seu dom 
 
11 CARUSO. Op.cit. p.25. 
12 Esse termo era utilizado para os trabalhadores rurais contratados por jornada de trabalho. 
13 HELOÍSA ESPADA. Na Cauda do Boitatá: Estudo do Processo de Criação nos desenhos de Franklin Cascaes. 
Florianópolis. Ed. Letras Contemporâneas. 1997. 2ª ed. revista. p.13. 
14 CARUSO. Op.cit p.22. 
15 CARUSO. Op.cit. 
IV Entre o Discurso e a Espada: Conflitos, Traumas e Memórias. De 01 a 04 de outubro de 2013. FAED-UDESC, Florianópolis, 
SC 
criativo para complementar essas histórias, principalmente as que tratavam do elemento 
mágico, das bruxas e dos seres fantásticos, recriando-os16. 
Com o passar dos anos e com suas andanças acabou por criar uma grande rede 
de “informantes”, pessoas que sempre poderia contar em fornecer informações sobre os 
mais variados aspectos e indicar outras pessoas que poderiam ajudá-lo no impetuoso 
processo de montagem escrita, desenhada e esculpida do imaginário e sabedoria dos 
ilhéus17. 
O próprio Cascaes exemplificou como ocorria o processo de coleta e montagem 
das histórias: 
 
Eu não encontrei na Ilha pessoas que tivessem cultura vasta, mas sim pessoas 
muito simples que contavam essas histórias. Elas contavam em pedacinhos, 
coisas truncadas. Eu anotava no caderno: fulano contava assim, assim e 
depois vinha pra casa e (...) fazia a montagem. Por exemplo: no Ribeirão 
tinha um preto que era feiticeiro, todo o mundo chamava ele de Tio 
Adão.(...)Era um curandeiro. Então eu voltava lá do Ribeirão até a praia da 
Tapera, até chegar a uma determinada casa, a uma determinada pedra, aí eu 
consultava de novo as pessoas, e conferia os animais, as canoas, sempre 
anotando tudo. 
(Cascaes, apud. CARUSO, 1981:23) 
 
Esse processo de coleta através da história oral não se restringiu a Ilha de Santa 
Catarina, Cascaes circulou pelo litoral catarinense e em meados dos anos 1970 foi às 
Ilhas dos Açores e da Madeira onde teve contato com o povo que veio a colonizar a Ilha 
que tanto devotou seu carinho e preocupação18. Nessa viagem (tirei o termo 
“professor”) Cascaes pode perceber vários elementos que se repetiam em Desterro, 
como a crença nas benzedeiras, a cautela para com as bruxas, os meios de sustento dos 
habitantes, as festas religiosas e outras evidências que ainda se faziam presentes na 
capital catarinense, bem como outras tantas que estavam por desaparecer e que Cascaes, 
ciente disso, passou mais de trinta anos de sua vida a andar por todos os cantos da Ilha 
de Santa Catarina e conversar com as pessoas simples que viviam nas localidades que 
 
16 CARUSO. Op.cit. 
17 José Rafael Mamigonian, um dos produtores do curta-metragem Franklin Cascaes (2009), expôs essa curiosidade 
sobre o processo de coleta de Franklin Cascaes durante a 9ª Semana de Museus: Museu e Memória, dentro do Ciclo 
de Cinema: Museu, Memória e Patrimônio, ocorrido entre 16 a 20 de maio de 2011, no auditório do Museu 
Universitário Oswaldo Rodrigues Cabral, UFSC. 
18 CARUSO. Op.cit. p.25 
IV Entre o Discurso e a Espada: Conflitos, Traumas e Memórias. De 01 a 04 de outubro de 2013. FAED-UDESC, Florianópolis, 
SC 
visitava, registrando de forma visionária uma história que, a dita “história oficial”, não 
dava o devido valor ou simplesmente ignorava. 
Muito do que Cascaes coletou hoje só podemos ter contato através desses ricos 
registros, pois aquilo que ele percebeu em seu tempo veio a ocorrer nos dias atuais, sua 
preocupação se mostrou certeira, o que ainda não desapareceu está por sumir 
completamente do cotidiano da Ilha. 
 
Produção 
 
Fui convidado para ir ao seu museu. Se tratava de um pequeno quarto com 
um janela, uma tosca escrivaninha (...) duas paredes cobertas com prateleiras 
de tábuas largas, repletas de esculturas, estudos, livros, papéis (...) desenhos 
(...) um verdadeiro gabinete de curiosidades. 
(Gelcy José Coelho – Peninha)19 
 
Em sua obra, Franklin, para descrever aquilo que ouvia e anotava, o fazia por 
meio de desenhos a lápis ou a nanquim, esculturas em argila ou gesso calcinado, além 
de intensa produção textual. Podemos afirmar que a obra de Cascaes opera com muitos 
de nossos sentidos, completando um ciclo para aguçar a curiosidade da pessoa que 
apreciará sua obra. 
Grande parte dos desenhos feitos por Cascaes remontam ao aspecto fantástico ou 
religioso, contudo temos representações cotidianas daqueles moradores que 
gradativamente estão desaparecendo da Ilha de Santa Catarina, aqueles com fortes 
traços e costumes dos que saíram das Ilhas dos Açores e Madeira. O homem açoriano, a 
mulher açoriana, o negro que aqui como escravo vivia, em suma, sempre foram 
representados como sujeitos de proporções baixas e atarracados, “pelo trabalho duro e 
difícil” que tinham em seu dia-a-dia. Essa forma atarracada fica mais evidente nas 
esculturas em argila, onde era bem nítida a visão de Cascaes do ser ilhéu, da pessoa 
comum, do povo da Ilha de Santa Catarina. Seus estudos aprimoraram esse estereótipo 
do “nativo”, as mais de 2.500 mil peças produzidas ao longo de sua carreira apontam 
para isso, sejam nas representações da lida diária, da pesca, da produção de rendas, do 
uso do tear, das festas e manifestações religiosas. O povo ilhéu sempre era descrito 
 
19 ARAÚJO, Adalice Maria de. Franklin Cascaes, o mito vivo da Ilha. Florianópolis. Ed. da UFSC. 2008. p.23. 
IV Entre o Discurso e a Espada: Conflitos, Traumas e Memórias. De 01 a 04 de outubro de 2013. FAED-UDESC, Florianópolis, 
SC 
como aquele ser humilde, sofrido, mas trabalhador, amador das coisas e da sua terra, do 
mar de onde tira o seu sustento, das pessoas que convive no mesmo chão. 
Nas histórias coletadas e condensadas em diversas descrições vê-se o desterrense 
comum em evidência, como ator principal dos acontecimentos, assim como a Desterro 
era o cenário principal para a ocorrência do fantástico que interferia na vida dura das 
pessoas comuns dos quatro cantos da Ilha20. A magia e a realidade andavam de mãos 
dadas, e era a fé do morador da Ilha que ajudava a quebrar esse elo com as emissárias 
do diabo, as bruxas e seres fantásticos. Religiosidade, essa também muito bem descrita 
por Cascaes, seja na crença oficial, seja na crença popular com as benzedeiras e 
curandeiros. Tudo isso consta na produção incessante de Franklin Cascaes montando 
um mosaico completo daqueles tempos que não voltarão a Ilha de Santa Catarina, mas, 
que contribuem para montar o aspecto social de nossa atualidade. O professor Cascaes 
(a ideia é destacar que Franklin Cascaes, além de mitólogo, era professor, no livro de 
Rainundo Caruso ele enfatiza o amor pelo ensino) deu forma e vida àquilo que havia 
morrido ou estava em vias de desaparecer. 
 
Elemento Religioso 
 
 “Além da profunda tradição religiosa familiar, Cascaes começa a cultuar as 
grandes festas religiosas locais, das quais era umhabitual frequentador.” 
(Adalice Maria de Araújo)21 
 
A colonização açoriana na Ilha de Santa Catarina trouxe consigo o elemento 
religioso, mais precisamente a tradição católica. Além do mais, os ritos, festas, 
procissões estavam na bagagem desses que aportaram entre 1748 a 1756, em sua grande 
maioria, na Ilha. 
Cascaes descreveu com enorme riqueza de detalhes esse elemento religioso, 
além do mais era um católico praticante e, tendo esmorecido apenas com o Concílio 
Vaticano II22, desde cedo se interessou pelo vertente religiosa, sua primeira escultura, 
 
20 Em 1976 é lançada a primeira edição da coletânea de contos coletados por Franklin Cascaes, intitulado “O 
Fantástico na Ilha de Santa Catarina”. Em 96 páginas foram condensados 13 histórias, das muitas que Franklin trouxe 
à luz do conhecimento geral em suas pesquisas. Esta obra ganhou outras reimpressões e edições desde então e, no ano 
de 2012 a Editora da UFSC, através da Coleção Repertório, que tem relançado obras de autores catarinenses, 
relançou a supracitada obra, com a adição de 10 contos durante a Feira de Livros da Editora da UFSC, no mês de 
outubro, com a presença de Gelci José Coelho, o “Peninha”, ex-aluno e um dos organizadores de toda a obra deixada 
pelo professor, mitólogo, desenhista e escultor Franklin Cascaes. 
21 ARAÚJO. Op.cit. p.112. 
22 Gelcy José Coelho apud. ARAÚJO. 1998. p.11. 
IV Entre o Discurso e a Espada: Conflitos, Traumas e Memórias. De 01 a 04 de outubro de 2013. FAED-UDESC, Florianópolis, 
SC 
ainda jovem, foi um Santo Antonio23. Já consagrado pelo seu trabalho, entre as décadas 
de 1960 e 1970, Cascaes focava no religioso as suas instalações, os presépios montados 
na Catedral Metropolitana24 e sob a figueira da Praça XV de Novembro25 na Capital são 
bons exemplos. 
O interessante nas representações montadas por Franklin, além da minúcia e pela 
riqueza de detalhes, é que todas as representações, sejam as festas ou as procissões, 
sempre remetiam a algo ocorrido, ou seja, Cascaes transformava em escultura uma 
procissão que vira ou que lhe contavam com detalhes, os personagens não eram 
fictícios, isso pode ser confirmado nos diversos cadernos de apontamentos onde tudo 
era registrado para as posteriores montagens26. 
Nessas representações da religiosidade do povo da Ilha de Santa Catarina 
podemos identificar os diversos componentes da sociedade desterrense, tais como as 
mulheres, os trabalhadores dos campos e no mar, os negros, os religiosos, enfim, 
aqueles que dedicavam alguns momentos de suas vidas a fé. 
 As mulheres, por exemplo, surgem na representação do religioso com seus 
terços e velas acompanhando as procissões, ou, mesmo pelo viés do sincretismo, por 
conta da figura das benzedeiras que Cascaes descreve com muito detalhismo, 
pesquisando a fundo e coletando várias histórias onde registrou também um bom 
número de simpatias e “rezas” utilizadas por essas mulheres27, podemos arriscar que a 
mulher na obra de Franklin Cascaes é a ligação entre o real e o fantástico, já que o bem 
e o mal se encontram na figura feminina, e que a bruxa, figura presente no imaginário 
do povo ilhéu, é exclusivamente feminina, não há bruxos em suas descrições, ou seja, o 
“impossível”, seja pela magia ou pela oração, centra-se na figura feminina. É a mulher 
que opera essas forças, a figura feminina possui esse papel de protagonista no 
imaginário coletado por toda Ilha e pelo litoral catarinense. 
Dentro do cotidiano açoriano na Ilha de Santa Catarina, compondo a contingente 
da população, mas não sendo de fato um açoriano, aparece a figura do negro28, como em 
todo o Brasil a escravidão fez parte do cotidiano da Desterro e a figura do negro aparece 
nas representações religiosas, apesar de figurar como coadjuvante, como na figura dos 
 
23 ARAÚJO. Op.cit. p.112. 
24 Gelcy José Coelho apud. ARAÚJO. 1998. p.8. 
25 Anamaria Beck apud. CARUSO. 1981. p.14-15. 
26 José Rafael Mamigonian. Idem. 
27 ARAÚJO. Op.cit. p. 45-54. 
28 FREITAS. Patrícia de. A Presença do Negro nas esculturas de Franklin Cascaes. Florianópolis. IPHAN/SC-
MINC e Fundação Franklin Cascaes. 1996. 
IV Entre o Discurso e a Espada: Conflitos, Traumas e Memórias. De 01 a 04 de outubro de 2013. FAED-UDESC, Florianópolis, 
SC 
carregadores de imagens, dos pálios que protegiam o Arcebispo, nas danças em 
reverência a Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, os santos protetores dos 
negros em Desterro29 ou mesmo através do sincretismo onde elementos da cultura 
africana se misturavam com a religião católica predominante na Ilha. O negro assimilou 
o catolicismo, mas sem se deslocar daquilo que trouxeram da África, e Cascaes 
representou isso através das esculturas e na descrição textual30. 
As montagens e as descrições de Cascaes nos mostram eventos religiosos de 
diversas épocas, sejam as mais remotas, sejam contemporâneas dos olhos do 
artista/mitólogo/professor/historiador que devotou muito de sua produção a registrar 
essa página da história da Ilha, a cultura religiosa é um elemento forte na tradição dos 
moradores de Desterro e, também, na Florianópolis, nome que Cascaes repudiava com 
energia ao longo de sua vida. 
 
O Fantástico 
 
“O homem fantasia a natureza. Isso é uma coisa extraordinária.” 
(Franklin Cascaes)31 
 
O que mais é visado pela apropriação de sua obra e, consequentemente, mais 
conhecido do público em geral, são as histórias em torno do “fantástico”, as centenas de 
representações pictóricas em papel cartão e em argila descrevem muito do que foi 
coletado por Cascaes ao longo de suas andanças e pesquisas, bem como a criação de 
outras representações sobre as histórias coletadas em diversos depoimentos e trocas de 
informações32. 
A criação, recriação ou a adaptação de determinadas histórias o próprio Cascaes 
justificou com propriedade, já que o que ouvia, por ser história, por vezes passada de 
geração em geração, consequentemente, algumas delas, eram adaptadas ao sabor 
daquele que contava, sem perder a essência do fato fantástico em si, o que 
proporcionava a oportunidade do surgimento de outros seres fantásticos. Um exemplo é 
o ser mítico do Boitatá (Mboy-tatã – cobra de fogo - entre os índios tupis33), um ser que 
em uma das descrições aparece em forma de touro, com um grande olho na testa, 
 
29 FREITAS. Op.cit. p 
30 FREITAS. Op.cit. 
31 CARUSO. Op.cit. p.25. 
32 CARUSO. Op.cit. p.51. 
33 ARAÚJO. Op.cit. p.77. 
IV Entre o Discurso e a Espada: Conflitos, Traumas e Memórias. De 01 a 04 de outubro de 2013. FAED-UDESC, Florianópolis, 
SC 
acompanhado de um facho de fogo. Contudo, várias são as formas em que é descrito34, 
por outro lado, a essência deste ser não se alterava, baseando-se nesse e em outros 
vários exemplos do imaginário fantástico Cascaes “criou” outras figuras míticas, como a 
Vacatatá (a companheira do boitatá)35 e a Bitatá (o boitatá em forma de cabra)36. 
Cascaes em suas pesquisas de coleta com os informantes espalhados pela Ilha 
registrou um amplo rol de seres fantásticos e de histórias envolvendo esse elemento 
mágico. A Ilha de Santa Catarina sempre como pano de fundo e os personagens, 
invariavelmente, as pessoas do cotidiano. Minuciosamente foram retratadas inúmeras 
representações desses seres, com estudos a lápis e produções, principalmente, em 
nanquim sobre papel cartão, seguidas pelas respectivas histórias coletadas e/ou 
adaptadas, o “panteão fantástico” da Ilha de Santa Catarina (na Ilha dos Açores grande 
parte dessas representações aparecem no imaginário daquele lugar) é vasto e 
diversificado, sendo seres que, de certa forma,preocupam-se com algum aspecto 
peculiar, ainda pegando o exemplo do Boitatá, este sobrevoa os cantões da cidade, 
analisando a ação humana e a natureza sendo devastada. 
A bruxa é outro elemento muito comum nos relatos coletados. Claramente, a 
bruxa aparece apenas na forma feminina, normalmente são mulheres que durante o dia 
estão em sua forma humana, vivendo nas comunidades e, à noite “metamorfoseam-se” e 
aparecendo de várias formas, como galinha-choca37, por exemplo. As bruxas são 
divididas em duas categorias: as terráqueas e as espirituais, sendo estas últimas, 
predestinadas pelo próprio Demônio a tal missão38. O foco principal das bruxas são os 
seres humanos, apesar de atacarem os animais. 
Vale ressaltar que o elemento fantástico não é o principal foco da vasta obra de 
Franklin Cascaes. O fator religioso e os aspectos culturais e do trabalho ficam mais 
evidentes, contudo, o elemento fantástico foi utilizado como meio de apropriação para a 
criação da figura imagética da “Ilha da Magia”, muito difundida nos anos 1980, o que 
centrou as atenções do público em geral para o lado “mágico” da obra de Franklin 
Cascaes. 
 
 
 
34 CARUSO. Op.cit. p.50. 
35 HELOÍSA ESPADA. Op.cit. p.34. 
36 ARAÚJO. Op.cit. p.81. 
37 ARAÚJO. Op.cit. p.54-57. 
38 ARAÚJO. Op.cit. 
IV Entre o Discurso e a Espada: Conflitos, Traumas e Memórias. De 01 a 04 de outubro de 2013. FAED-UDESC, Florianópolis, 
SC 
Conclusão 
 
“Ah! Isso dão muitos livros, filmes e teatros.” 
(Franklin Cascaes)39 
 
Pelo fato deste trabalho ser introdutório não foi minuciosamente estudado todos 
os aspectos da importante obra de Franklin Cascaes, isso daria, como ele mesmo disse, 
“muitos livros”. Mas, a partir do que foi abordado podemos perceber o carinho e a 
atenção com que Franklin Cascaes (aqui cabe o nome completo) descrevia e recriava a 
história cotidiana do seu povo dando forma e valorizando a cultura “original” da Ilha de 
Santa Catarina. 
Além do talento insuperável e de transmitir a história da Ilha de uma forma 
singular, ou seja, com inúmeros detalhes, com consideração, seja pelo Religioso ou pelo 
Fantástico, seja sobre a figura da mulher ou o negro. Acontece na escrita e na arte de 
Cascaes uma “magia” que nos envolve e faz-nos retornar àquela época. 
Há uma preocupação com a ação humana sobre a natureza. Franklin quando fala 
do Fantástico e o reflexo, negativo, deste sobre o homem (sentido geral) ele está 
querendo passar a ideia, principalmente através dos desenhos e das histórias, de que o 
homem destrói e desconstrói seu próprio ambiente, a si mesmo, sua própria natureza (no 
sentido ambiente natural) e sua própria cultura, que refletiria (de fato reflete) nos anos à 
frente. 
O mestre Franklin Cascaes se preocupava muito, além de outras coisas, com a 
preservação da identidade da Desterro e da “memória popular”. Com tantas 
ideias/culturas influenciadoras vindas de fora, a memória popular parecia ser sufocada 
juntamente com a cultura não só da Ilha como de toda Santa Catarina, e ele citava, 
inclusive, o Brasil. 
Portanto, Franklin Cascaes (é a conclusão, cabe o nome completo) foi muito 
mais que um artista folclorista, como alguns o reconheciam (ele mesmo reprovava essa 
titulação, de folclorista), Franklin deu forma e vida àquilo que havia morrido ou estava 
em vias de desaparecer, a história de preservação à identidade e memória popular da 
Ilha de Santa Catarina. 
 
 
 
39 Gelcy José Coelho apud. ARAÚJO. 1998. p.22. 
IV Entre o Discurso e a Espada: Conflitos, Traumas e Memórias. De 01 a 04 de outubro de 2013. FAED-UDESC, Florianópolis, 
SC 
 
Bibliografia utilizada: 
 
ARAÚJO, Adalice Maria de. Franklin Cascaes, o mito vivo da ilha. Mito e magia na arte 
catarinense. Florianópolis. Ed. UFSC, 2008. 
 
CARUSO, Raimundo C. Franklin Cascaes: vida e arte, e a colonização açoriana. 
Florianópolis. Ed. UFSC, 1989. 
 
CASCAES, Franklin. O fantástico na ilha de Santa Catarina. Florianópolis. Imprensa 
Universitária UFSC, 1979. 
 
DE FREITAS, Patrícia. A presença do negro nas esculturas de Franklin Cascaes. 
Florianópolis. Fundação Franklin Cascaes/MINC/IPHAN, 1996. 
 
ESPADA, Heloísa. Na cauda do Boi Tatá. Estado do processo de criação nos desenhos de 
Franklin Cascaes. Florianópolis. Ed: Letras Contemporâneas, 1997. 
 
MEIRA, Denise de Araújo. Artigo: O Mestre e o Artista: algumas notas sobre a escrita 
biográfica e sobre Franklin Cascaes. Florianópolis. S.d.

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