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( Direito) - Antunes Varela - Direito Da Familia

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DIREITO DA FAMÍLIA
Por Prof. Antunes Varela
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
SECÇão I
Noções Gerais
1. Direito da família, como sector do direito civil. 
Relações intrinsecamente familiares e relações acessoriamente familiares. 
A expressão direito da família, tal como as designações paralelas de direito das obrigações, direito das coisas e direito das sucessões, é correntemente usada pelos tratadistas numa dupla acepção: umas vezes, como conjunto de normas reguladoras de determinadas relações da vida privada dos indivíduos outras vezes, como capítulo da ciência jurídica que tem por objecto o estudo metódico das soluções decorrentes das normas integradoras desse conjunto.
Como ramo (diferenciado) do direito civil, o direito da família tem hoje o seu principal assento rio Livro (IV) do Código Civil, que se estende desde o artigo 1576 até ao artigo 2020.
Relativamente ao objecto que autonomiza o direito da família em face dos restantes sectores do direito civil, segundo a classificação pandectista das relações do direito privado, esclarece o artigo 1576 do Código Civil que são fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção. o direito da família é assim constituído pelo conjunto das normas jurídicas reguladoras das relações entre pessoas ligadas pelos laços biológicos da procriação ou pelo vínculo legal do casamento, da afinidade ou da adopção .
As relações jurídicas destacadas na definição caracterizam-se por duas notas fundamentais: primeiro, por todas elas se integrarem no 	grupo social que é a - família segundo, pela natureza intrínseca especial que todas elas revestem.
Trata-se, com efeito, de relações de carácter eminentemente pessoal, que não se confundem com as relações de natureza patrimonial, compreendidas nos direitos reais e na generalidade dos direitos de crédito, mesmo quando têm por objecto prestações de carácter pecuniário.
São, além disso, relações cujo objecto imediato se não reduz, como nas relações de crédito, a unia simples prestação. O casamento e o parentesco, por exemplo, geram situações duradouras muito complexas, que envolvem sentimentos, instintos, relações físicas, laços afectivos, atitudes de conteúdo moral, formas exteriores e interiores de comportamento, inibições, ligadas às camadas mais fundas da personalidade.
Não há, no que respeita à estrutura da relação, ponto de confronto entre o direito ao pagamento do preço ou o dever de entrega da coisa vendida, por exemplo, e o direito à "plena comunhão de vida", a que tende a celebração do casamento (art. 1577), os "deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência", a que os cônjuges se encontram reciprocamente vinculados (art. 1672), o dever que recai sobre os pais de velarem pela segurança e saúde dos filhos e de dirigirem a sua educação (art. 1878) e o dever de obediência aos pais que a ordem jurídica impÕe aos filhos (art. 1878).
E, embora alguns dos direitos nascidos das relações familiares, sem perderem o seu carácter de direitos relativos, gozem de eficácia absoluta, como sucede com o poder paternal e a tutela, também não há identidade entre eles e os direitos reais ou os direitos de personalidade, que valem de igual modo erga omnes.
No poder paternal, o filho não constitui objecto da relação, como a coisa representa o objecto do direito de propriedade ou do usufruto. O poder paternal, ao invés da propriedade ou do usufruto, não sacrifica o filho às necessidades do titular do direito, porque funciona altruisticamente em beneficio do próprio filho. O seu fim essencial consiste no desenvolvimento físico e na formação moral do filho (art. 1885), mediante o exercício de uma função altruísta dos titulares do direito ("de acordo com as suas possibilidades").
"Ninguém, escreve GERNHUBER, pode ser convertido através do direito da família num objecto jurídico, sujeito limitada ou integralmente à soberania de uma outra pessoa". O filho tem por isso de ser retratado, na estruturação do poder paternal, como um sujeito de direito, e não como um simples objecto de direito, embora atribuindo a cada um dos sujeitos o papel específico que lhe cabe dentro da relação.
Das relações jurídicas fundadas no casamento, parentesco, afinidade e adopção brotam assim direitos e deveres com uma estrutura peculiar, a que correspondem formas próprias de tutela, inteiramente distintas das que caracterizam a defesa dos direitos de crédito, dos direitos reais e dos próprios direitos de personalidade.
A circunstância de a tutela das relações familiares como o casamento, a filiação, a adopção ou o parentesco ter, na sua composição ou arranjo global, uma feição muito especial não impede que os instrumentos dessa tutela, isoladamente considerados, se identifiquem, com os poderes.. ónus, deveres e demais situações típicas que integram a disciplina do comum das relações jurídicas.
Quer isto dizer que, não obstante o carácter singular das relações familiares, há dentro delas, não só verdadeiros direitos subjectivos, de estrutura mais ou menos complexa, mas também, por exemplo, direitos potestativos, em qualquer das variantes que estes direitos comportam.
São verdadeiros direitos potestativos, na verdade, o direito de anulação do casamento, o direito de perfilhação, o direito de impugnação da paternidade, o direito de requerer o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, o direito de revogação da adopção (arts. 2002 B e 2002 C), etc.
Como estes direitos interessam, porém, ao estado das pessoas e assentam em regra sobre pressupostos rígidos, cuja existência importa controlar em nome dos interesses públicos subjacentes, quase sempre o seu exercício requer, além da declaração de vontade do titular do direito, o acto judicial destinado a assegurar a real verificação dos seus pressupostos.
Ao lado das relações com uma natureza substancial própria, a que podemos chamar relações intrinsecamente familiares, os autores têm tradicionalmente incluído no âmbito do direito da família algumas outras relações cuja estrutura as não distingue dos direitos de crédito e dos direitos reais.
Todas essas relações são efectivamente incluídas pela lei civil portuguesa, atento o carácter funcional de alguns aspectos do seu regime, no livro que trata da família: a obrigação de alimentos, nos artigos 2003 e seguintes; os poderes de disposição e de administração e as dívidas dos cônjuges, nos artigos 1678 e seguintes; o direito dos pais sobre os bens dos filhos, nos artigos 1895 e seguintes.
Duas razÕes justificam a inclusão dessas relações de carácter patrimonial, a que se tem chamado relações acessoriamente familiares, no ramo do direito da família.
São relações que, tal como as intrinsecamente familiares, se estabelecem entre pessoas ligadas por vínculos de natureza familiar. Apesar do seu carácter patrimonial, são, hoc sensu, relações familiares, por se constituírem no seio da família.
Além disso, a disciplina delas sofre a influência da sua origem pessoal. O seu regime difere, em pontos capitais, da disciplina aplicável ao comum das relações da mesma natureza patrimonial; e tais desvios resultam da inserção delas no seio da família, são ditados pela tutela especial devida à organização da célula social em que se instauram.
A determinação da pessoa obrigada a prestar alimentos, por exemplo depende dos laços de parentesco ou do vínculo matrimonial que a prendam à pessoa necessitada, ou da proximidade do grau de parentesco existente entre elas, quando haja mais de um parente da pessoa carecida (art. 2009). E em certas categorias de situações pode também a determinação do obrigado depender da violação dos tais deveres de carácter intrinsecamente familiar (art. 2016).
A responsabilidade dos bens dos cônjuges pelas dívidas que o marido ou a mulher contraiam, quer antes, quer depois do casamento, é fortemente condicionada pela protecção especial que reclama a sociedade familiar.
já o mesmo não acontece com as dívidas de estranhosa qualquer dos cônjuges, cujo regime não difere, em princípio, da disciplina aplicável ao comum (Ias relações de crédito. E, por essa razão, as dívidas aos cônjuges não encontram cabimento especial no direito da família.
2. Direito da família, como capítulo da ciência jurídica. Numa segunda acepção, a expressão direito da família é usada para referir, já não um conjunto de normas com um objecto próprio, mas com um capítulo especial da ciência jurídica.
Trata-se do sector desta disciplina que tem por objecto o estudo, com carácter científico, das soluções decorrentes da ordem jurídica para o sector das relações familiares.
É uma actividade que, analiticamente, se pode desdobrar em várias fases distintas: a interpretação das normas legais, sendo certo que se trata do sector do direito civil onde mais abundam as disposições de conteúdo maleável ou flexível, com apelo constante ao critério do juiz na sua aplicação às realidades concretas da vida; a integração das lacunas da lei; a coordenação e hierarquização das soluções apuradas; a formulação de conceitos jurídicos adequados e a fixação dos princípios gerais que dominam a matéria.
A interpretação da lei, ao invés do que poderia depreender-se da prática da escola exegética, não se reduz a uma simples análise lógica ou gramatical dos textos. A formulação correcta do pensamento legal obriga a unia permanente reconstituição histórico-racional do conflito de interesses (materiais, espirituais ou morais) subjacente a cada norma, à inventariação das várias soluções teoricamente possíveis desse conflito e à descoberta das razÕes determinantes da opção real ou presentivamente feita na lei. No caso especial do direito da família, há que estar particularmente atento aos aspectos individuais e supraindividuais de muitas situações e à circunstância, de os respectivos preceitos constituírem essencialmente um direito regulador do estado das pessoas.
Só através dos constante processo dialéctico que a interpretação envolve entre a lei e a vida, traçado segundo a óptica formal própria do jurista e não do sociólogo, do economista ou do historiador, se torna possível a determinação do elemento capital da interpretação, que é a chamada ratio legis. E só o conhecimento preciso da ratio legis permite concluir pela necessidade da interpretação extensiva ou restritiva da lei, bem como ajuizar da aplicabilidade analógica da norma formulada no diploma legislativo a situações diferentes das previstas pelo legislador.
A integração das lacunas da lei, fundada na diferença de dimensão que existe entre a lei, de um lado, e o Direito, do outro, envolve já um trabalho de coordenação substancial das normas afins e até de elaboração sistemática das soluções formuladas em diversos lugares da lei.
Para descobrir a norma reguladora da situação análoga ao caso omisso (art. 10, 1 e 2), o intérprete tem que aditar ao diálogo com a norma aplicável, próprio da tarefa da subsumpção, a inquirição prévia da analogia substancial da hipótese criada pela vida com o caso regulado na lei.
A analogia entre o caso omisso e o caso previsto e regulado na disposição aplicada não assenta entretanto, segundo o critério expresso na própria lei (art. 10, 2), em qualquer semelhança puramente externa, formal ou sequer institucional, nem se basta com qualquer identidade substancial. A analogia só releva quando toca a razão essencial da disciplina traçada na lei. E a determinação da razão decisiva da norma obriga a um processo selectivo da motivação do legislador nem sempre fácil de levar a bom termo, sobretudo no domínio de situações complexas como são as relações familiares.
Por outro lado, a formulação da norma preliminar que o intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema - último recurso de que lança mão o processo de
integração das lacunas da lei (art. 10, 3) - exige, por seu turno, o conhecimento preciso dos fundamentos sobre que repousa todo o complexo normativo vigente.
Na derradeira fase (Ia sua actividade, a de mais requintado cunho científico, o jurista procura reduzir as soluções caóticas, dispersas, que lhe fornecem a interpretação e a integração das lacunas da lei, a conceitos gerais, orientados de acordo com os valores subjacentes à lei e destinados a garantir a unidade do sistema, capaz de facilitar a compreensão lógico-material de toda a ordem jurídica. Utiliza para esse efeito os métodos da pura lógica formal, mas não pode deixar de atender aos fins específicos de cada sector do Direito.
Quanto às figuras que suscitam dúvidas em certos pormenores de regulamentação, o jurista procura determinar a sua natureza jurídica, fixando o lugar que rigorosamente lhes compete dentro dos quadros dogmáticos da doutrina, a fim de prevenir incoerências do sistema ou a violação de princípios fundamentais da ordem jurídica.
No direito da família podem ser apontados como produtos típicos da actividade doutrinária do jurisconsulto os conceitos de direito-dever, poderes funcionais, casamento civil, casamento religioso, casamento putativo, casamento inexistente, casamento nulo ou anulável, casamento rato e não consumado, impedimentos matrimoniais, impedimentos dirimentes e impedientes, impedimentos dispensáveis, relação matrimonial, causas do divórcio, causas peremptórias e causas relativas de dissolução da sociedade conjugal, convenção ante-nupcial, presunções de paternidade, bem como a determinação da natureza jurídica do casamento, da adopção, do reconhecimento da filiação, etc., etc.
São fórmulas doutrinárias ou conclusÕes científicas ou revestem o maior interesse, como instrumentos de trabalho, quer para o ensino do direito, quer para a própria actividade legislativa, no âmbito do direito (Ia família.
3. A família, as uniÕes livres e a filiação fora do casamento. Relações familiares e relações parafamiliares. Relativamente ao âmbito do direito da família, importa saber se, ao lado do casamento, do parentesco, da afinidade e da adopção, cabem ou não rio círculo das relações jurídicas familiares as relações de facto como o concubinato e a filiação ilegítima (à qual hoje se chama, por virtude de uma determinação constitucional exagerada - art. 36, 4 -, a filiação fora do casamento.
1) Relação de concubinato (uniÕes livres ou uniÕes de facto). Quanto ao concubinato, a duvida consiste em saber se existe ou não, para a ordem jurídica vigente, ao lado da família legítima, assente no casamento (religioso ou civil), a família ilegítima, nascida da pura união de facto, duradoura, entre duas pessoas de sexo diferente. Deverá a concubina ser tida como familiar do arrendatário, por exemplo, para o efeito do disposto, em matéria de locação, pela alínea c) do n 2 do artigo 64 do Regime do Arrendamento Urbano?.
Antes da Revolução de Abril de 1974, nenhum fundamento havia para levantar a questão, visto a lei não dispensar nenhuma tutela jurídica especial à situação de concubinato.
A convivência more uxorio era considerada como pura relação de facto, que apenas interessava, ainda como mero pressuposto de carácter heurístico, à determinação da paternidade (ilegítima) da criança concebida da unição concubinária dos pais).
Na Constituição Política de 1976, cujo sincrestimo ideológico é patente em vários preceitos que a revisão de 1982 não poude ou não quis eliminar, veio entretanto afirmar-se (art. 36, 1) "que todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade".
Abstraindo da estranha fórmula através da qual enfaticamente se proclama a unidade do sistema de impedimentos matrimoniais, o texto constitucional parece apostado em reconhecer a todos os cidadãos (Medos, divorciados, viúvos ou casados) o direito de constituírem família à margem, do casamento, nomeadamente através da relação de concubinato.
Na mesma linha ideológica de orientação se insere a tal proibição formulada no n. 4 do artigo 36.o da Constituição, que veda às repartições públicas e à própria lei o uso de quaisquerdesignações discriminatórias relativas à filiação dentro ou fora do casamento. Numa época em que tanto se exalta a autenticidade das pessoas e se subestima o valor institucional da família e do casamento, o encobrimento imperativo da filiação ilegítima, nos próprios termos gerais e abstractos em que a lei se lhe pode referir, não deixa de reflectir certa desvalorização social do casamento.
Além destas disposições constitucionais, de pura expressão programática, introduziram-se no corpo da legislação ordinária, através de algumas alterações do Código Civil, diversas medidas substantivas de tutela dai relação concubinária.
O artigo 2020, por exemplo, concede àquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivesse com ela more uxorio há mais de dois anos, o direito de exigir alimentos da herança do falecido.
Paralelamente, considera o n 2 do artigo 2196 (redacção do Dec.-Lei 496/77 como válida a disposição testamentária feita pelo testador a favor da pessoa com quem tenha cometido adultério, se o casamento já estiver dissolvido ou interrompido por separação judicial, se os cônjuges já estiverem separados de facto há mais de seis anos à data da abertura (Ia sucessão, ou se, em quaisquer circunstâncias, a disposição se limitar a assegurar alimentos ao beneficiário .
E regime análogo se tornou aplicável às próprias doações (entre vivos), por força da remissão em branco contida no artigo 953.
A primeira disposição (art 2020) constitui uma providência, inteiramente nova, de protecção material ou económica fundada na relação concubináría. E as duas últimas excepções enfraquecem visivelmente a principal arma defensiva de que a família (legítima) dispunha contra as liberalidades enraizadas no adultério, especialmente a que garante a validade do legado alimentício ao concubino ou concubina do testador ou doador adúltero.
Na mesma linha de orientação, em matéria de política legislativa, se inseria o aditamento do n 2 que a Lei n.o 46/ 85, de 20 de Setembro (nova Lei das rendas) trouxe à redacção do artigo 1111 do Código Civil e que entretanto transitou para o texto da alínea c) do n 1 do artigo 85 do R. A. U. Por força do novo preceito, o arrendamento passou também a transmitir-se por morte do arrendatário para a pessoa que com ele vivesse há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges, desde que o inquilino seja pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens.
Apesar disso, nenhuma das novas disposições converte o convívio more uxorio, a união de facto ou a pura mancebia em relação familiar.
A nova legislação não criou entre as pessoas ligadas pelo concubinato nenhuns deveres próprios da relação familiar, em geral, ou da relação conjugal, em especial.
O artigo 2020 limita-se a conceder a um dos concubinos um direito de crédilo contra o espólio do finado. Os artigos 2196, 2 e 953 mais não fazem, por seu turno, do que reconhecer, dentro de certos limites, a validade de disposições espontaneamente realizadas pelo cônjuge adúltero a favor do seu cúmplice.
E considerações análogas comportam todos os demais casos em que pode ter alguma relevância jurídica a situação de mancebia existente entre duas pessoas (de sexo diferente).
Pode uma delas ter adquirido bens com a colaboração da outra, por exemplo. E podem os tribunais atender a essa circunstância para, com o beneplácito da lei, reconhecerem a existência de uma sociedade de facto, de uma compropriedade ou um enriquecimento sem causa.
Como quer que seja, não há em nenhum caso o reconhecimento de qualquer dever de cooperação ou de assistência semelhante aos que vinculam reciprocamente os cônjuges.
"O simples facto de se ter vivido em concubinato, comenta no mesmo sentido CARBONNIER, não basta para criar uma sociedade de facto, ao passo que o simples facto de se casar cria uma comunhão conjugal".
Pode, por outro lado, entender-se que a pessoa amancebada com o locatário está compreendida entre as pessoas que com este vivem em economia comum e que, como tal, goza do direito a novo arrendamento, atribuído pelo n 1 do artigo 90 do R. A. U., na nova locação do imóvel, quando não tenha havido lugar à transmissão por morte do direito ao arrendamento para habitação nos termos da alínea e) do n 1 do artigo 85 do citado R. A. U. .
Mas também essa atribuição, assentando sobre a relação de mancebia como puro pressupostos de facto, está longe de envolver a existência de qualquer dever jurídico entre as pessoas vivendo em economia comum.
E o mesmo comentário pode ser feito, com as convenientes adaptações, a propósito do direito de indemnização a que se refere o n 3 do artigo 495, para quem entenda que a concubina pode ser uma das tais pessoas a quem o lesado prestava alimentos no cumprimento de uma obrigação natural.
Também no artigo 1871, ao considerar a relação de concubinato durante o período legal da concepção como uma presunção de paternidade, a lei parte manifestamente de unia presunção de fidelidade da concubina. Mas essa presunção de fidelidade não se confunde, de modo nenhum, no seu sentido, nem no seu alcance, com o dever recíproco de fidelidade, a que se refere o artigo 1672.
Não há assim, por conseguinte, entre as pessoas que vivam em regime de pura mancebia, nenhum dos deveres pessoais que a lei impÕe aos cônjuges, riem qualquer dos direitos ou deveres patrimoniais próprios das pessoas casadas. A união concubinária, distinguindo-se da união matrimonial precisamente por essa falta de tecido injuntivo, não constitui portanto uma forma de organização familiar.
"A família como instituto jurídico, escreve na mesma linha de pensamento TRABUCCHI, é caracterizada pelas obrigações correspondentes, não pela sua constante observância".
Por mais duradoura que seja a união de facto e por mais fundas que sejam as raízes criadas pela mancebia, qualquer dos seus membros pode romper livremente com a ligação a todo o momento. A lei, fiel ao imperativo da liberdade individual, não impÕe, por carência de fundamento, nem a um, nem a outro dos seus membros, o dever de a manter, nem o dever de indemnizar o companheiro por ruptura injustificada da situação.
No mesmo sentido remata SBIS+ a sua excelente nota de actualização do Novissimo Digesto Italiano sobre a matéria da família. "Em tudo o mais, a relevância da família como grupo com interesses e exigências peculiares é sempre subordinada à existência do matrimónio. Na falta deste, se não estiver em jogo o interesse dos filhos, o ordenamento jurídico não intervém.
II) Filiação fora do casamento. Diferente na sua estrutura da relação concubinária é a situação resultante da filiação ilegítima eu fora do casamento. Estabelecida a relação de filiação, ainda que extra matrimonial, seja pelo lado da mãe, seja pelo lado do pai, seja em relação a ambos os progenitores, imediatamente se criam, entre as pessoas ligadas pelo vínculo do parentesco, direitos e deveres recíprocos (art. 1877 e segs. - que não distinguem, em princípio, por obediência ao disposto no artigo 36, n 4, da Constituição Política, entre filhos nascidos na constância do matrimónio ou fora do casamento - e arts. 1910 e 1911).
O reconhecimento imediato desses direitos e deveres não significa que o filho concebido em tais circunstâncias ingresse necessária e imediatamente na família do progenitor.
Diz o artigo 1883, a propósito de uma das situações típicas em que pode enxertar-se a filiação extra matrimonium, que o pai ou a mãe não pode introduzir no lar conjugal o filho concebido na constância do matrimónio que não seja filho do seu cônjuge, sem o consentimento deste.
Quando tal consentimento não seja dado, o filho, apesar de reconhecido, não pode ingressar legalmente no lar conjugal, nem sociologicamente se encorpora na família do progenitor adúltero; e também não será correcto afirmar que este passa a ter, juridicamente, duas famílias.
Se a filiação fora do casamento se encontrar reconhecida em relação a ambos os progenitores,só excepcionalmente, rios termos previstos no n 3 do artigo 1911, o poder paternal será exercido conjuntamente, como se os pais constituíssem uma unidade familiar. Nos casos em que os progenitores não façam, perante o funcionário do registo civil, a declaração prevista no n. 3 do artigo 1911, o poder paternal será praticamente exercido apenas por um deles, cabendo ao outro só o direito de vigilância ou de fiscalização a que se refere o n 4 do artigo 1906. E ainda quando, convivendo maritalmente, os progenitores declarem querer ambos exercer o poder paternal, não parece muito apropriado dar a esse núcleo o nome de família, sabido que a ligação dos pais pode cessar, a todo o momento, por livre e incontrolável decisão de qualquer deles .
A relação entre progenitor e filho nascido fora do casamento será assim, não obviamente uma pura relação de facto como o concubinato, mas uma verdadeira relação Jurídica, tutelada em princípio, por força do imperativo constitucional (art. 36, n 4), nos mesmos termos da filiação proveniente do casamento.
Todavia, ela não dá lugar à constituição duma família, nem introduz em regra o filho na família do progenitor. Mesmo quando ambos os progenitores do filho extra matrimonium o tenham reconhecido e, vivendo maritalmente, declarem querer exercer em conjunto o poder paternal, a união existente na base das filiações não constitui urna sociedade familiar, visto poder ser livremente dissolvida a todo o tempo.
A filiação fora do casamento pode ser assim considerada como uma. relação familiar, no sentido de que se trata de uma relação jurídica cujo regime se assemelha ao da filiação legítima; mas essa relação familiar, tal como a adopção constituída por solteiro, viúvo ou divorciado sem filhos não basta para constituir uma família. A família constitui-se a partir do casamento e manter-se-á, após a dissolução deste, se nele houver descendentes (naturais ou adoptivos).
4. Cont. O assento de 23 de Abril de 1987 e o acórdão de 9 de julho de 1991 do Tribunal Constitucional. O problema da relevância jurídica das uniÕes de facto e da posição dos filhos naturais (fora do casamento) perante a sociedade familiar adquiriu entretanto especial interesse e ganhou novos desenvolvimentos com a publicação de duas peças jurisprudenciais de alguma importância sobre a matéria: o assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Abril de 1987, e o acórdão do Tribunal Constitucional, de 9 de Julho de 1991.
O Supremo Tribunal de Justiça foi chamado a apreciar, em plenário, a oposição registada entre dois acórdãos da Relação de Lisboa sobre a questão de saber se a transferência do direito ao arrendamento para habitação, nos termos então previstos pelo artigo 1110 do Código Civil (ns 2 a 4) - hoje em dia substituído, na parte que interessa ao tema, pelo artigo 84 do R. A. U. -, era ou não aplicável, por analogia, às uniÕes de facto das quais haja filhos menores.
Não obstante o princípio da incomunicabilidade do arrendamento para habitação (já consagrado na Lei n 2030, por ser o que melhor respeita o intuitus personae da locação habitacional e a autonomia privada dos contraentes), o artigo 1110 do Código Civil, atento às possíveis necessidades de instalação da sociedade familiar no momento crítico do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens, permitia a transmissão forçada da posição contratual do arrendatário, independentemente da vontade do senhorio (ao arrepio da regra geral do art. 424, n 1, repetida no art. 1059, n 2, do Código Civil), no caso de extinção ou de interrupção da sociedade conjugal, desde que ocorressem as circunstâncias previstas nos ns 2 ou 3 daquele artigo 1110.
O carácter eventualmente excepcional da solução não permite, no entanto, segundo o correcto entendimento do assento, a sua aplicação analógica a outras situações, que não as previstas no artigo 1110 (do Código Civil) - hoje em dia, no artigo 84 do R. A. U.
No mesmo sentido depÕe ainda, no entender dos subscritores do assento, o carácter limitado da protecção que a lei dispensa às chamadas uniÕes de facto, circunscrita aos casos contados em que a lei a concede .
E à procedência destas razÕes nada importaria, na sequência do mesmo raciocínio, "que da união de facto a que se pôs termo possa haver quaisquer filhos menores, cujo poder paternal. haja que ser regulado".
A doutrina firmada no assento foi, assim, a de que "as normas dos ns 2, 3 e 4 do artigo 1110 do Código Civil não são aplicáveis às uniÕes de facto, mesmo que destas haja filhos menores".
A solução do assento veio, porém, a ser considerada inconstitucional, com força obrigatória geral, não por se ter preterido a equiparação da união de facto à relação matrimonial, mas por "violação do princípio da não discriminação dos filhos, contido no artigo 36, n 4, da Constituição".
É, todavia, evidente que o Tribunal Constitucional, alargando indirectamente a área de tutela das uniÕes de facto, fez mais obra de legislador (constituinte) do que de intérprete fiel do texto constitucional.
O assento teria incorrido, com efeito, no feio pecado que o tribunal constitucional lhe lançou em rosto se, ao regular o destino do arrendamento celebrado pelo cônjuge que veio a divorciar-se ou a separar-se judicialmente de pessoas e bens, mandasse apenas atender, no que respeita ao interesse dos filhos, que para o efeito se considera relevante, o interesse dos filhos nascidos do casamento e não também ao interesse dos filhos nascidos fora do casamento, mas que eventualmente vivessem na companhia do seu progenitor, fosse este o cônjuge arrendatário, fosse o cônjuge não arrendatário.
Mas em tal deslize não incorreu o assento.
O Supremo Tribunal de justiça interpretou apenas - e bem - uma norma destinada a regular os efeitos da dissolução e da interrupção da sociedade conjugal sobre um contrato, como o arrendamento, destinado a satisfazer duradouramente as necessidades habitacionais da sociedade dissolvida ou interrompida.
E os sujeitos das relações jurídicas consideradas pela norma são apenas os cônjuges, o senhorio e o cônjuge arrendatário. Os filhos, sem distinção entre filhos menores e filhos maiores, ou entre filhos nascidos dentro do casamento ou fora dele, não
passam, juridicamente, de terceiros beneficiários (reflexamente) do contrato de arrendamento.
A situação que o artigo 1110 do Código Civil regulava (e que hoje é prevista no art. 84 do R. A. U.) é, por conseguinte, a da extinção ou interrupção da sociedade conjugal, quer do casamento haja ou não haja filhos.
E nenhuma identidade ou analogia existe entre essa situação, cujos efeitos jurídicos se prolongam, em determinados termos, para além da cessação da relação matrimonial, e a chamada união de facto, em que os participantes não querem criar nenhuma relação vinculativa entre si.
Aliás, como nenhuma identidade ou analogia de situações (no sentido preciso em que de analogia se pode falar no império das normas jurídicas: art. 10, n 2) existe entre o casamento e a união de facto a aplicação prática da orientação injustificadamente aceite no acórdão do Tribunal Constitucional levantaria imediatamente no espírito do julgador esta dúvida: quando é que, para o efeito da aplicação do artigo 84 do R. A. U., é lícito falar em divórcio (dissolução) ou em separação judicial de pessoas e bens (interrupção) da mera união de facto? Ao mínimo arrufo que levasse os companheiros a uma separação de facto? + averiguação comprovada da ausência de qualquer deles? Como sabe o julgador se é séria e definitiva, e a partir de quando, a declaração de rompimento definitivo feita pelos companheiros desavindos? .
5. A família como realidade sociológica. Evolução histórica da sociedade familiar, desde a família patriarcal à família nuclear da sociedade industrial contemporânea. Na base do direito da família, ou seja, da família como instituição jurídica, encontra-se a família como realidade sociológica.
A família é o núcleo social primário mais importante que integra a estruturado Estado. Como sociedade natural, correspondente a uma profunda e transcendente exigência do ser humano, a - família antecede rias suas origens o próprio Estado. Antes de se organizar politicamente através do Estado, os povos mais antigos viveram socialmente em famílias.
O elemento determinante de aglutinação das pessoas em famílias é de carácter biológico (ligado à união dos sexos e à procriação). Muito diferente do facto (político) subjacente à constituição do Estado ou do vínculo (identidade profissional) sobre o qual assenta a formação dos modernos sindicatos ou das antigas corporações medievais de artes e ofícios.
Nem sempre, porém, a família manteve os mesmo caracteres como grupo social. A história das instituições revela, pelo contrário, uma profunda transformação, ao longo dos séculos, quer na constituição, quer na estrutura da família. E ainda hoje, a despeito da acção uniformizadora exercida pelos poderosos meios de comunicação do mundo moderno e pela extraordinária facilidade de contacto entre os diferentes povos do globo, se observam diferenças profundas, de continente para continente, na constituição e no funcionamento das instituições familiares.
As alterações registadas operaram-se em regra, como na generalidade dos fenómenos sociais, incluindo os movimentos de ideias na política ou na arte, através do processos lentos de transformação, cujas fases se não instalam simultaneamente em todos os povos. Além disso, os diversos períodos de evolução duma instituição não envolvem, no geral, um rompimento completo com as estruturas anteriores, por a tal se opor o carácter imutável de muitos atributos da natureza humana.
Feita esta dupla reserva, nota-se que da lenta evolução histórica da sociedade familiar alguns tipos de organização completamente diferenciados podem ser distinguidos pelo sociólogo, num duplo aspecto: primeiro, quanto à composição do núcleo familiar; depois, quanto à estrutura da sociedade conjugal, que é a célula-mãe do tecido familiar.
No que respeita à constituição da sociedade familiar destacam-se sucessivamente, no contexto histórico jurídico que interessa examinar, a família patriarcal romana, a família comunitária medieval e a família nuclear da moderna sociedade industrial.
No segundo aspecto, olhando à estrutura da sociedade conjugal, distinguem-se, por seu turno, a família de soberania marital; a família institucional ou associativa, de cooperação diferenciada entre os cônjuges; e a família existencialista, de base igualitária e funções indiferenciadas, típica de certos extractos da sociedade contemporânea.
D. A família patriarcal romana. No direito romano, que durante muitos séculos exerceu uma influência profunda na vida dos povos peninsulares, a família constitui um núcleo social de carácter essencialmente político. 
Foi BONFANTE o romancista que destacou com maior vigor e precisão o papel da família como forma de organização social do povo romano e como instrumento de defesa dos interesses do grupo.
Em diversos aspectos, a organização familiar da população romana se afasta, efectivamente, da família contemporânea, assente no vínculo matrimonial e nos laços de sangue, e se aproxima bastante, pelo contrário, da estrutura própria do Estado soberano.
A família romana compreendia todas as pessoas que se encontravam sob a autoridade - a potestas ou a manus - do mesmo chefe, que era o pater famílias.
"Jure proprio, predicava a famosa definição de ULPIANO familim dicimus plures personas quae sunt sub unius potestate aut natura aut iure subjectae".
No agregado familiar cabiam, consequentemente, ao lado dos filhos, netos e demais descendentes (natura subjectae...) do fundador dele, a mulher (que loco filiae erat), os adoptados, as noras, os escravos (jure subjectae)..
As pessoas não pertenciam, como hoje sucede, a duas famílias: à família paterna e à materna.
Havia só uma família, que era a paterna, por virtude do carácter agnatício do parentesco.
Abaixo do pater familias havia apenas os filii famílias e os escravos. Mas na condição jurídica de filius familiaas cabiam indististintamente os filhos (a não ser que estivessem emancipados), os netos e bisnetos, a mulher, as noras e os adoptados, podendo os filhos e os netos sujeitos à patria potestas ser casados e ter filhos .
Sobre o aglomerado de pessoas que dependiam da sua potestas gozava o pater dos mais amplos poderes, incluindo o direito de dispor da sua vida (ius vitae ac necis) e de as afastar do grupo familiar.
+ morte do pater sucedia-lhe o heres, que, antes de adquirir o património do falecido, sucedia na posição autoritária de soberano familiar que ele ocupava.
Antes de ser uma successio in bona, a transmissão hereditária do pater era uma in locum successio defuncti.
Toda esta organização da família, tendo no vértice da pirâmide a pessoa do pater famílias, com poderes discricionários sobre os seus súbditos, incluindo a própria, mulher, denuncia o carácter enraizadamente individualista da sociedade romana. Concepção individualista que se reflecte na concepção do próprio casamento.
O casamento não era, todavia, um acto jurídico instantâneo, por meio do qual se criassem vínculos de natureza perpétua entre os nubentes.
Era antes uma situação jurídica de carácter duradouro, porque nascida sem prazo pré-determinado de duração, mas que apenas persistia enquanto se mantivesse a affectio maritalis. Finda esta, a sociedade conjugal tendia a extinguir-se por dissolução .
II) A família comunitária medieval. É radicalmente diferente, em vários aspectos fundamentais, da família romana - patriarcal e individualista - a família típica da época medieval.
O cristianismo, reagindo contra os costumes pagãos duma sociedade em decadência moral como a do baixo império romano, alicerçou a família no casamento. E elevou o matrimónio, pela pregação de CRISTO e dos seus discípulos, ao plano das instituições perpétuas de raiz divina.
Embora assente sobre a livre e espontânea vontade dos nubentes, o matrimónio entre baptizados era e continua a ser considerado pela Igreja um sacramento, que confere à união entre os cônjuges, como fonte permanente de graça, duas propriedades essenciais: a unidade e a perpetuidade.
A família, deixando de constituir uni organismo político, para se converter numa comunidade natural, passou a compreender apenas as pessoas ligadas entre si pelo vínculo sacramental do casamento e pelos laços biológicos da procriação. A mulher passou a ocupar na instituição familiar um lugar próprio, distinto do que competia aos filhos e aos netos. A ela incumbia especialmente o governo doméstico (que nos povos de origem germânica se chamava o poder das chaves: die Schlüsselgewalt) e a educação dos filhos.
As pessoas passaram a pertencer simultaneamente a duas famílias: a paterna e a materna.
Cada casamento, autonomizando os nubentes do seu núcleo familiar de origem, passou a constituir fonte de uma nova família.
Ao lado da forte influência espiritual do cristianismo, que através do direito canónico marcou profundamente os aspectos pessoais da organização familiar, outros factores concorreram para a caracterização da família medieval, no plano das relações patrimoniais.
Os povos germânicos que, a partir do século IV, invadiram as vastas regiÕes da Europa ocidental trouxeram consigo um espírito comunitário, vincadamente oposto ao individualismo que caracteriza o direito romano.
E também entre as populações locais, mercê da insegurança e da instabilidade criadas pelas invasÕes dos bárbaros, pelas guerras da independência dos vários Estados e pelas lutas dinásticas dentro de cada Estado, se foram acentuando cada vez mais, pela via do direito consuetudinário, os traços colectivistas da vida social e política.
Despontaram assim, a par da organização feudal da propriedade rural e da estruturação corporativa das artes e ofícios, numerosas instituições apostadas em preservar a integridade do património familiar, cerceando os poderesde disposição do chefe no interesse dos membros do seu agregado .
Entre essas instituições se destacam o retracto familiar, a reserva hereditária, o direito de troncalidade, a legítima de tradição romana e a terça de origem árabe, o dote e os bens parafernais, os vínculos, o direito de morgadio e os prazos de vidas, os pactos sucessórios e outras providências destinadas a acautelar o património da família ou de alguns dos familiares enquanto tais.
A família passou deste modo a constituir um núcleo social de importância capital na vida económica da comunidade nacional, não apenas como agregado de consumo, mas principalmente como unidade de produção.
III) A família nuclear ou celular da sociedade industrial contemporânea. Dois acontecimentos históricos muito importantes vieram destruir, a partir do final do século XVIII, o modelo comunitário da família medieval: a Revolução Francesa, no aspecto político; a revolução industrial, no plano social.
A Revolução Francesa, culminando o processo desencadeado pela reforma protestante contra o carácter sacramental do matrimónio, proclamou o princípio do casamento civil obrigatório.
Sobre essa base laica ou contratual se edificou a família burguesa.
A revolução industrial, com a concentração desordenada de grandes massas operárias nos centros urbanos em constante crescimento, com a dispersão imposta pelos densos núcleos populacionais, foi reduzindo sucessivamente o âmbito da sociedade familiar. O círculo real das relações familiares foi-se estreitando cada vez mais, por força do condicionalismo dispersivo da vida urbana, que continua atraindo a maior parte da população dos meios rurais. Os laços do parentesco colateral, que reuniam tios, sobrinhos, primos, no culto dos mesmos avós foram-se esbatendo, a ponto de o agregado familiar, nas realidades da vida contemporânea, quase se circunscrever ao marido, à mulher, e aos filhos solteiros, à chamada pequena família (Ia piccola famiglia).
O liberalismo económico, com a abolição radical dos vínculos que asfixiavam a propriedade, destruiu logo no primeiro quartel do século XIX grande parte dos instrumentos jurídicos que garantiam a estabilidade económica da grande família.
Numa fase posterior, a crescente socialização da vida privada deslocou para o Estado (os organismos oficiais) e para as empresas (privadas ou públicas) uma boa parte das atribuições tradicionalmente postas a cargo da família.
As pessoas passaram a não comer em casa, mas no refeitório da empresa ou na cantina do Estado; marido e mulher convivem mais tempo com os companheiros de trabalho na empresa ou no sindicato do que com os filhos na sede da família; os filhos não são educados no lar, mas na creche ou no infantário, ao mesmo tempo que se prolonga cada vez mais o período da escolaridade obrigatória; não é a família que socorre os parentes necessitados, acidentados ou inválidos, mas as instituições oficiais de assistência ou previdência social, os lares da terceira idade.
Além de terem perdido o seu forte esteio religioso, a família burguesa e a família proletária deixaram, assim de constituir uma unidade económica ou um centro de apoio social dos seus membros.
A família converteu-se apenas, ao fim de cada semana, num lugar de refúgio da intímidade das pessoas contra a massificação da sociedade de consumo. Ela constitui hoje um centro de restauração semanal da personalidade do indivíduo contra o anonimato da rua.
Essa é a fisionomia social típica da chamada família celular ou nuclear, ou seja, da família reduzida à sua célula fundamental, circunscrita ao seu núcleo pessoal irredutível.
Ao mesmo tempo, no entanto, que perdeu em extensão (com a redução da família patriarcal ao quadro limitado da família conjugal) e em riqueza funcional (no plano económico, social, cultural e religioso), entendem alguns autores que a família teria ganho com os novos tempos maior autenticidade na sua base e maior força de coesão entre os seus membros.
As pessoas escolhem hoje aqueles a quem se unem pelo casamento com maior liberdade, sem as peias nem as inibições criadas pelo antigo paternalismo e pela divisão de classes de uma sociedade solidamente estratificada. Aumentaria assim o número dos casamentos por amor e diminuiria correspondentemente o número dos casamentos de conveniência.
Além disso, a redução do agregado familiar real reforçaria os membros do reduto os laços de afeição que unem entre si nuclear da família (os cônjuges e os filhos ainda solteiros).
E até a facilidade de dissolução do casamento pelo divórcio teria o grande mérito de eliminar os matrimónios falidos, que só se mantinham artificialmente por força do regime legal da indissolubilidade, deixando de pé apenas aqueles que continuam realmente a alimentar-se do afecto recíproco dos cônjuges.
São muitas, rio entanto, e carregadas as sombras que obscurecem esta imagem dourada do panorama social criado pela legislação contemporânea relativa à família.
A facilidade com que hoje se casa e descasa leva os nubentes com desusada frequência às uniÕes precipitadas e aos casamentos de experiência (ao noviciado conjugal, como lhes chama PEYRARD) e o resultado prático do fenómeno é o crescente e impressionante número de divórcios, que proliferam de modo especial nos países economicamente mais desenvolvidos .
A permissividade ou lassidão da lei converte em causas de ruptura definitiva muitas desavenças que, com um pouco mais de contenção do sistema, não passariam de arrufos facilmente sanáveis pelo tempo.
Além disso, a política legislativa de desvalorização do casamento e de protecção das uniÕes de facto, aliada à crescente degradação dos costumes , tem uma grande quota de responsabilidade no decréscimo dos casamentos e no crescimento das puras relações de facto entre os jovens, bem como no aumento das situações de dupla família abertamente mantidas por muitos cônjuges.
A "pequena família", mesmo quando reforça de facto os laços de afecto que prendem os seus elementos (o que nem sempre sucede, nos tempos de dispersão sentimental que correm e nos meios fúteis dos grandes centros urbanos que instigam ao fácil relacionamento sexual dos jovens, tem, por seu turno, o grave inconveniente de já não ter sentimentos, como noutras épocas, para receber o pai ou o avô que enviuvou em precárias condições económicas ou para recolher a tia que não chega a constituir família própria .
Mas a pior marca negativa desta sociedade de pais e mães binubos está no traumatismo irreparável que a falta dum lar estável deixa para o resto da vida na formação moral e no equilíbrio psíquico dos filhos, que são as grandes vítimas - inocentes - da instabilidade familiar dos progenitores .
6. A evolução da família, no tocante à estrutura da sociedade conjugal. Além da evolução que acaba de ser descrita, relativamente à constituição ou composição da família em geral, um outro processo de transformação importa conhecer, no que respeita à estrutura da sociedade conjugal.
I) A família, assente na soberania marital. Durante muitos séculos, a mulher ocupou dentro do lar uma posição de absoluta inferioridade social.
No seio da família romana, quando não continuava presa à potestas do pater, por haver casado sine manu, a mulher passava a depender da autoridade (manus) do marido, numa posição jurídica em tudo idêntica à dos filhos e à das noras. Os filhos, tal como ela, integravam a família paterna e não a família materna.
Na família comunitária medieval, o papel social da mulher dentro da residência familiar beneficiou de uma profunda transformação: ela passou a ser a orientadora da educação dos filhos, a medianeira nos conflitos entre pais e filhos, a protectora dos pobres e necessitados, uma espécie de rainha do lar.
Todavia, rio plano jurídico da representação da família ou dos próprios assuntos individuais dos cônjuges, quer na esfera das relações pessoais, quer no domínio das relações de natureza patrimonial, o único porta-voz da sociedade conjugal erao marido.
E essa absoluta hegemonia varonil não se modificou com o advento do liberalismo. O artigo 213 do Código Civil francês, na sua primitiva traça, retrata ainda a estrutura jurídica da sociedade familiar nesta síntese de recorte patemalista:
"Le mari doit protection à sa femme, la femme obéissance à son mari".
O liberalismo, que tanto protegeu o terceiro estado, quer no domínio político, quer no plano económico, contra as tradicionais regalias da nobreza e do alto clero, não chegou a penetrar no seio da família para defender a mulher contra a eventual e frequente prepotência do marido.
A situação de inferioridade social perante o marido traduzia-se num estatuto jurídico de incapacidade da mulher casada.
Era à incapacidade da mulher que expressamente se referiam os diplomas europeus de todo o século XIX. E era no rol das pessoas incapazes que, até à publicação da lei n 4121, de 1962, figurava a mulher casada no Código Civil brasileiro, já em pleno século XX .
II) A família institucional, baseada na cooperação diferenciada dos cônjuges. Foi contra a condição de injustificada inferioridade social da mulher que reagiram as correntes feministas, a partir do movimento contestatário da Revolução Francesa.
Mas a reacção só logrou resultados práticos palpáveis, no respeitante à situação jurídica da mulher casada, a partir do segundo quartel do presente século.
Algumas das legislações modernas, tanto europeias, como americanas, implantaram então um novo tipo de sociedade conjugal.
Eliminaram a ideia obsoleta da incapacidade da mulher casada, reconhecendo-lhe legitimidade para representar e dirigir a sociedade familiar, sempre que o marido se encontrasse ausente ou impedido.
Reconheceu-se a igual dignidade social e jurídica dos cônjuges, como seres humanos e como cidadãos. Mas, atendendo à natureza específica da sociedade matrimonial, assente na diversidade e na complementaridade dos sexos, atribuíram-se funções diferenciadas, típicas, a cada um dos cônjuges.
Atribui-se à mulher, não por mandado tácito do marido, como anteriormente, mas por direito próprio, o exercício do governo doméstico, que era o encargo de carácter patrimonial mais absorvente e mais intensivo na generalidade dos casais.
E de algum modo se lhe reconheceu também um papel preponderante na direcção moral do lar, em especial mediante a preferência concedida à mulher da guarda e educação dos filhos menores, no caso de separação judicial ou de mera separação de facto.
Ao marido, impôs-se um encargo básico e reconheceram-se, duas atribuições fundamentais.
A ele incumbia prover ao sustento da mulher e dos filhos, sempre que os rendimentos do casal não bastassem para esse fim.
E a ele competia, por seu turno, a administração dos bens comuns do casal (e a dos bens próprios da mulher, quando o regime de bens vigente não fosse o da separação ou a mulher não tivesse reservado o poder de os administrar, na convenção antenupcial), bem como o poder de decidir nos assuntos de interesse comum.
O poder de decisão nos assuntos de interesse comum já se não fundava, como anteriormente, no preconceito injustificado da incapacidade da mulher casada. A única razão por que se concedia ao marido o poder de decidir em tais assuntos era a de prevenir o recurso a uma entidade estranha para decidir os conflitos insanáveis entre os cônjuges. Era a devassa da intimidade da vida familiar que se pretendia evitar; era a unidade e a autonomia da família que desse modo se procurava acautelar contra a intervenção do Estado.
III) A família existencialista, de base igualitária e funções indiferenciadas. A partir, porém, de meados da década de 60, um novo modelo de sociedade conjugal se foi introduzindo em algumas legislações mais avançadas.
Por um lado, cedendo à dissolução de costumes que o rescaldo da guerra fomentou em certas camadas da população de muitos dos países europeus, as leis alargaram de tal modo o elenco das causas de divórcio, que, tal como sucedia no antigo direito romano, o casamento se pode hoje dissolver, logo que cessa a afeição de um dos cônjuges pelo outro.
Por outro lado, a emancipação económica da mulher e o peso crescente do eleitorado feminino na vida política dos países ocidentais conduziram à proclamação do princípio, aliás justo e equitativo em certo aspecto, da igualdade de direitos entre os sexos.
A má compreensão da diferenciação de funções entre os cônjuges, dentro de uma sociedade (a sociedade conjugal) que assenta exactamente na diversidade natural dos sexos , levou à transplantação, a nível constitucional, do princípio da igualdade de direitos entre os sexos para o conteúdo da relação matrimonial, sob a fórmula da igualdade de direitos e obrigações entre marido e mulher.
O casamento passou assim a ser como que alérgico a qualquer distribuição interna de funções, ainda que só a título supletivo, entre os nubentes.
Dir-se-ia que da antiga tese machista, duramente combatida pelos movimentos feministas, se acabou por cair numa concepção do casamento como sociedade assexuada, a que só falta associar-se a Natureza, distribuindo alternadamente pela mulher... e pelo marido o encargo de conceber e dar à luz .
E no extremo final da concepção revolucionária do casamento se situam aqueles que, admitindo o enlace jurídico matrimonial entre pessoas do mesmo sexo, o definem, pura e simplesmente, como uma união duradoura e estável entre duas pessoas que, com base na afeição recíproca, tendem à constituição da família.
7. A evolução da família no direito português. As significativas transformações operadas, quer na composição global da família, quer na estrutura jurídica da sociedade conjugal, ao longo dos tempos tiveram a sua natural repercussão na comunidade portuguesa.
Durante muitos séculos, desde a fundação da nacionalidade, a família lusitana obedeceu na sua traça jurídica essencial ao modelo da família cristã comunitária do período medieval.
O primeiro embate sério da concepção tradicional do matrimónio confessional com o novo figurino do casamento burguês, implantado na Europa pela Revolução Francesa, registou-se quando, da revisão do projecto do Código Civil do Visconde de Seabra, por influência de ALEXANDRE HERCULANO, se introduziu, ao lado do casamento católico, a celebração do casamento civil.
"Os católicos, dizia o artigo 1057 do Código de 1867, na sua primitiva versão, celebrarão os casamentos pela forma estabelecida na igreja católica. Os que não professarem a religião católica celebrarão o casamento perante o oficial do registo civil, com as condições, e pela forma estabelecida na lei civil".
Mas o principal defensor da inovação, que provocou enorme celeuma nos meios mais conservadores, pensava de modo especial, com a instalação do casamento civil, nos estrangeiros com outra religião (que não a católica) residentes em território metropolitano e nas populações de outros credos que habitavam as terras do ultramar.
De facto, só após a proclamação da República, com a instituição do divórcio, a consagração do casamento civil obrigatório e a efectiva criação de serviços privativos do registo civil se implantou entre nós, legalmente, o tipo da família burguesa, de base laica ou secular .
A reacção posterior dos meios católicos contra o regime da obrigatoriedade do casamento civil levou o Governo português a celebrar com a Santa Sé a Concordata de 7 de Maio de 1940 (convertida em direito interno pelo Dec.-Lei n. 30 615, de 25-7-1940), por meio da qual se restabeleceu o antigo modelo da família cristã, assente num vínculo indissolúvel entre os cônjuges, ao lado da família burguesa, em que o casamento continuou a ser dissolúvel pelo divórcio.
O Código Civil de 1966, mantendo o regime dualista do casamento restaurado pela Concordata, rompeu definitivamente com o modelo da sociedade conjugal assente sobre a ideia obsoleta da incapacidade da mulher casada.
A nova lei civil atribuiu à mulher, por direito próprio, o exercício do poder doméstico;permitiu-lhe contrair livremente quaisquer obrigações; reconheceu-lhe a faculdade de administrar e dispor livremente de todos os seus bens, quando casada em regime de separação; garantiu-lhe a possibilidade de, mesmo em regime de comunhão, reservar para si o poder de administrar os seus bens próprios e alguns dos bens comuns; prescindiu do consentimento do marido para que ela pudesse exercer profissÕes liberais ou funções públicas, etc.
Ao marido reservou-se o direito de administração dos bens comuns e o poder de decisão nos assuntos de interesse comum.
O Código Civil de 1966 reconheceu assim a plena capacidade da mulher casada, aceitou o princípio da igual dignidade jurídica e social dos cônjuges, modelou a relação matrimonial como uma sociedade de funções típicas diferenciadas e acautelou a autonomia a e a unidade da família, como instituição, contra a intromissão do Estado.
A Reforma de 1977 (Dec.-Lei n 496/77, de 25 de Novembro) veio, entretanto, introduzir alterações significativas, quer na composição do núcleo familiar relevante para os efeitos mais importantes da disciplina da família, quer na estrutura da sociedade conjugal.
Em primeiro lugar, estreitou a ideia da família celular ou nuclear, através de duas inovações importantes no direito sucessório: limitou-se ao 4.o grau do parentesco o chamamento dos colaterais à sucessão legítima (art. 2133, 1, d); por outro lado, o cônjuge sobrevivo foi elevado à condição de herdeiro legitimãrio (art. 2157 e segs.) e foi colocado à testa dos herdeiros legítimos, em concorrência com os descendentes e ascendentes do de cuius, numa posição de vantagem sobre os próprios descendentes.
Quer isto dizer que o cônjuge sobrevivo passou a levantar a sua meação intacta; e, além disso, ainda quinhoa, independentemente da vontade do falecido, na sucessão deste, com vantagem sobre os próprios filhos do de cuius, visto que a quota do cônjuge nesta sucessão não pode ser inferior a um quarto da herança (art. 2139, 1).
Em segundo lugar, além de se ter rompido com o princípio da perpetuiadade do casamento católico, permitindo que os tribunais civis decretem a dissolução do próprio vínculo sacramental, abriu-se rasgadamente o leque das causas do divórcio, incluindo entre elas a chamada ruptura objectiva do casamento, mesmo que imputável ao requerente.
Em terceiro lugar, eliminou-se a concepção da relação matrimonial como relação funcionalmente diferenciada, proclamando-se o princípio da igualdade de direitos e deveres dos cônjuges (art. 1670, 1), abolindo-se a tradicional distribuição de "pelouros específicos" dentro da sociedade conjugal, para se impor aos nubentes o dever (que praticamente ninguém cumpre!) de acordarem sobre a orientação da vida em comum, e admitindo-se a intervenção directa do Estado nos assuntos da vida familiar, para dirimir os dissídios entre os cônjuges, a requerimento de qualquer deles.
Neste sacrifício das exigências institucionais da família à vontade de cada um dos cônjuges, em obediência à concepção interindividual do casamento, a reforma de 77 não salvou sequer o nome da família, que a generalidade das legislações trata como um símbolo da unidade do agregado .
Os cônjuges têm inteira liberdade - ambos eles - de adoptar ou não os apelidos do outro, à maneira da legislação soviética (art. 1677). E na composição do nome dos filhos gozam os pais de idêntica liberdade (art. 1875), podendo dar a uns os apelidos do pai, a outros os apelidos da mãe, e a outros ainda simultaneamente os apelidos do pai e da mãe. É o completo e o gratuito esfrangalhamento do pensamento institucional da família, numa zona entre todas nevrálgica, como é a do nome das pessoas.
Também nas relações entre pais e filhos, a Reforma de 77 esbateu bastante a concepção hieráquica da sociedade familiar.
Apesar de a dependência económica dos filhos em relação aos pais se prolongar em regra para além dos 21 anos, começou-se por antecipar, à semelhança de outras legislações europeias, o termo da menoridade dos 21 anos para os 18 anos (art. 122 e 130).
Depois, através das modificações de redacção introduzidas em vários preceitos do Código Civil, a Reforma definiu o poder paternal em termos que visam, por um lado, atenuar ou suavizar a autoridade paterna e, por outro lado, robustecer a independência dos filhos.
Diz-se, assim, no artigo 1874, que os pais e filhos se devem mutuamente respeito, auxílio e assistência, como se o dever de respeito dos filhos para com os pais e dos pais em face dos filhos constituíssem grandezas homogéneas, relações com o mesmo conteúdo.
No artigo 1878, alude-se à incumbência que recai sobre os pais de dirigirem a educação dos filhos e faz-se menção expressa do dever de obediência dos filhos. Mas como réplica a este dever de obediência imposto aos filhos, logo se ordena aos pais que tenham em conta, nos assuntos familiares importantes, a opinião dos filhos, e lhes reconheçam autonomia na organização da própria vida.
A proclamação expressa da autonomia dos filhos na organização da sua própria vida (embora de acordo com a maturidade de qualquer deles) não destrói, mas enfraquece, a concepção hierárquica tradicional do poder paternal.
8. Caracteres especiais do direito da família.
1) Predomínio das normas imperativas. Entre os quatro grandes sectores em que os pandectistas dividiram as relações do foro privado, o direito da família distingue-se dos restantes por algumas características especiais.
A primeira delas consiste no acentuado predomínio das normas de carácter imperativo, inderrogáveis pela vontade dos particulares.
O direito das obrigações, por exemplo, abarcando toda a área dos deveres de prestar, tem como pedra angular o princípio da autonomia privada, cujo principal corolário consiste na liberdade contratual, expressamente reconhecido no artigo 405 do Código Civil. Assim se explica o carácter supletivo que reveste a generalidade das normas reguladoras das questÕes básicas relativas ao modo, tempo e lugar do cumprimento da obrigação (cfr. a título de exemplo, os arts. 513; 534; 535, 539; 770, a); 772; 777; 783; 810; 837). São regras que, embora inspiradas em considerações objectivas de justiça, razoabilidade, equidade ou bom senso, só valem na falta de estipulação em contrário.
Ao invés, no campo das relações familiares, é a lei que fixa, em termos imperativos, a disciplina dos pontos fulcrais da organização familiar. São normas dessa índoles (ius cogens) as que estabelecem os requisitos essenciais para a celebração do casamento (arts. 1601 e segs.), as condições da filiação adoptiva (arts. 1973 e segs.), os termos do processo de averiguação da capacidade matrimonial (arts. 1610, 1597 e 1598), o conteúdo dos deveres conjugais (arts. 1671 e segs.) e do poder paternal (arts. 1878 e segs.), bem como os pressupostos da dissolução ou modificação da relação matrimonial (arts. 1773 e 1767 e segs.).
Trata-se de matérias de interesse e ordem pública, cuja regulamentação não pode ser entregue à livre determinação dos particulares. Por isso o papel da autonomia privada é bastante mais apagado rio direito da família do que nos demais sectores do direito privado.
Apenas no domínio das relações patrimoniais entre os cônjuges, onde avultam os interesses particulares dos nubentes, se abrem as portas ao princípio da autonomia privada, permitindo que eles adoptem, na convenção antenupcial, o regime de bens que melhor lhes aprouver (art. 1698).
Todavia, mesmo nessa zona de acentuado matiz patrimonial, não faltam as normas de natureza imperativa, destinadas a salvaguardar as exigências de ordem pública ou os interesse de terceiros que não podem ser sacrificados à livre iniciativa dos nubentes. É o caso das normas relativas à forma (art. 1710), ao registo (art. 1711) e ao conteúdo proibido das convenções antenupciais (art. 1699, 1), bem como à imutabilidade do regime de bens estabelecido (art. 1714).
O direito da família como ramo do direito público? O predomínio das normas de carácter Imperativo,fruto da natureza especial dos interesses respeitantes à família, não significa que, como alguns autores (desde SAVIGNY a CICU) infundadamente chegaram a sustentar, o direito de família constitua um ramo do direito público, ou abranja uma área fronteiriça (direito social) entre as duas grandes províncias em que tradicionalmente se divide o império do Direito .
O traço característico das relações de direito público reside rio exercício do ius imperii, por parte de um ou de ambos os sujeitos. E sempre que envolve particulares, a relação publicista reflecte, rios poderes que integram o seu conteúdo, o vínculo de subordinação que promana desse poder de soberania.
Ora, nenhum vestígio do ius imperii se encontra na disciplina das relações intrínseca ou acessoriamente familiares, quer se trate das relações (pessoais ou patrimoniais) entre os cônjuges, quer das relações entre parentes em geral, ou entre pais e filhos em especial, entre tutor e pupilo ou entre curador e assistido.
O nexo que hoje em dia preside às relações entre os cônjuges (art. 1671, 1 e 2) é de franca coordenação (e não de subordinação, como na família patriarcal ou na família burguesa), assente na igualdade de direitos e de obrigações. Nas relações entre pais e filhos, ou entre tutor e pupilo, existe sem dúvida um vínculo de relativa subordinação entre os sujeitos da relação, com tendência para gradualmente se extinguir, à medida que o melhor se aproxima da plena maturidade fisiológica. Mas esse vínculo de subordinação não se confunde, na sua essência e na sua função, com a sujeição própria do direito público; a obediência imposta ao filho ou ao pupilo e o correlativo poder de direcção confiado aos pais ou ao tutor visam o interesse do próprio filho (o bem do próprio filho - das Wohl des kindes) e não a tutela de interesses superiores da colectividade ou de interesses do titular do direito. Trata-se de um vínculo de subordinação adstrito à realização de um fim essencialmente privado e como tal tutelado pelo Direito .
Isto não impede que, à semelhança do que ocorre no relacionamento entre o direito civil e o processo civil em geral, ou entre o direito civil e o direito penal, haja muitas normas de direito público que interessam de modo especial ao direito da família.
É o que ocorre com as normas reguladoras do registo civil, com as normas definidoras dos processos de jurisdição voluntária para providências relativas aos cônjuges ou aos filhos, com a dispensa de impedimentos matrimoniais (art. 1609, 2, com a redacção que lhe deu o Dec.-Lei n. 163/95, de 13-VII), a homologação do divórcio e da separação por mútuo consentimento (art. 1775 e segs. e 1794), a concessão da adopção (art. 1974, 1), etc.
9. II) Tipicização dos principais actos jurídicos familiares. Outra nota peculiar do direito da família é a que resulta da tipicização dos principais actos familiares.
Para obterem os efeitos próprios dos vínculos familiares, as pessoas não gozam, como na zona dos direitos de crédito, de liberdade contratual. Não vigora, nesse domínio, o princípio da autonomia privada, até porque alguns dos actos familiares mais importantes se encontram necessariamente ligados ao fenómeno natural da procriação.
Os interessados têm, pelo contrário, de subordinar-se aos actos típicos nominados, que a lei lhes oferece para tal efeito.
Não será assim viável, por exemplo, o estabelecimento, por acto negocial realizado entre as partes, da relação de avô e neto, de tio e sobrinho, de irmãos.
Só a relação de filiação, na vasta área do parentesco, faz apelo em certo aspecto à vontade de um dos sujeitos da relação, irias nos termos e segundo os trâmites rigidamente fixados na lei para o negócio jurídico (misto de declaração de vontade e de declaração de ciência) da perfilhação.
E de modo análogo se processam as coisas quanto à adopção, o casamento, o divórcio, a reconciliação, etc.
Quem pretenda constituir sobre determinado menor, com a aquiescência dos pais dele, uma relação duradoura de direcção pessoal e patrimonial só o poderá fazer através do processo judicial da adopção, tendo que escolher uma das duas variantes que a adopção pode revestir e subordinando-se aos requisitos formais e substanciais de que depende a sua concessão.
Se ditas pessoas de sexo diferente quiserem estabelecer entre si deveres recíprocos de convivência pessoal duradoura, só mediante o casamento o poderão conseguir, sujeitando-se a todas as formalidades preliminares próprias do matrimónio e aceitando em bloco todos os efeitos legais do instituto, sem possibilidades sequer de lhe acrescentarem qualquer cláusula acessória, que altere o seu conteúdo (art. 1618).
Estando as pessoas casadas e desejando extinguir em vida o vínculo que as une, também só mediante o processo de divórcio, tal como a lei minuciosamente o regula,, os cônjuges lograrão alcançar o efeito que visam.
Se, encontrando-se separados judicialmente, marido e mulher pretenderem restabelecer a sua vida conjugal, só através da reconciliação (tal como vem descrita na lei: art. 1795-C) o seu novo intento se poderá realizar.
E compreende-se que assim seja, especialmente quanto aos actos que interferem com o estado das pessoas.
A determinação do estado dos indivíduos está fortemente dominado pelo princípio da verdade. E para garantir o Império da verdade há naturalmente que aceitar para cada acto a forma necessária à averiguação da existência real, efectiva, dos pressupostos desse acto.
10. III) Relevância da família, como núcleo social distinto de cada um dos indivíduos que o integram. O direito da família distingue-se ainda dos outros sectores do direito civil, como o direito das obrigações ou o direito das coisas, pela relevância especial que dentro dele assumem os interesses do grupo, como núcleo distinto de cada uma das pessoas que (individualmente) o integram.
São numerosas, sem dúvida, as normas do direito da família que visam tutelar os interesses individuais dos sujeitos da relação matrimonial ou da relação de filiação, como aquelas que permitem a um dos cônjuges requerer, em determinadas circunstâncias, a separação judicial de bens, a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio e, bem assim, aquelas que permitem ao presuntivo pai impugnar a paternidade que lhe é atribuída (arts. 1767, 1773, 1779, 1781 e 1839 e segs.). Mas existem, ao lado delas, muitas outras regras que visam directamente acautelar certos interesses (materiais, espirituais ou morais) próprios do grupo familiar, distintos dos interesses de cada um dos seus membros
Este destaque do núcleo familiar, como alvo determinante de certas normas, reflecte-se em três aspectos distintos.
Umas vezes, o interesse superior da família reforça os direitos e deveres dos sujeitos da relação. Proibia-se, por exemplo, o divórcio por mútuo consentimento aos cônjuges que não estivessem casados há mais de três anos (art. 1775, primitiva redacção), porque o interesse superior da estabilidade da família aconselhava que se procurassem evitar as decisÕes precipitadas dos cônjuges, contra a sua própria determinação.
Não se permite a revogação da adopção plena (art. 1989), "nem sequer por acordo do adoptaste e do adoptado, para defesa dos laços familiares especialmente dignos de tutela, criados pela plenitude da adopção.
Outras vezes, o interesse geral da família condiciona os poderes de decisão dos sujeitos da relação. Na fixação do domicílio conjugal, por exemplo, diz o artigo 1673 que os cônjuges devem não só atender às exigências da sua vida profissional e aos interesses dos filhos, mas procurar também salvaguardar a unidade da vida familiar.
Por último, é o mesmo factor que explica a legitimidade atribuída a certos membros da família para interferirem na constituição, modificação ou extinção de relações das quais não são sujeitos.
Falecido um dos cônjuges ou decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, o cônjuge que conserve apelidos do outro pode, diz o artigo 1677-C, ser privadodo direito de os usar, quando esse uso lese gravemente os interesses morais do outro cônjuge ou da sua família. E entre as pessoas com legitimidade para requerer a providência, enumera a lei, no caso de viuvez, os descendentes, ascendentes e irmãos do cônjuge falecido.
De igual modo, se o casamento entre duas pessoas tiver sido celebrado, não obstante a existência de algum impedimento dirimente, reconhece a lei (art. 1639, 1) legitimidade para propor ou prosseguir com a acção anulatória do acto não só aos cônjuges, sujeitos da relação matrimonial, mas também a qualquer parente deles na linha recta ou até ao quarto grau na linha colateral.
Fenómeno semelhante ocorre com a legitimidade para instaurar a acção de divórcio litigioso, quando o cônjuge ofendido se encontre interdito e o representante legal dele seja o outro cônjuge (art. 1785, 1) .
E não se diga que o interesse da família, como valor distinto do interesse de cada um dos cônjuges, se apaga logo que o casal deixe de ter filhos ou enquanto os não tiver. Se os cônjuges, ao fim de dois anos de casados, sabendo que não podiam ter filhos, quisessem divorciar-se amigavelmente, não era em nome do interesse individual de nenhum deles - mas no interesse da estabilidade das famílias em geral - que o artigo 1775, na sua redacção anterior, lhes não permitia a satisfação do intento comum.
Se o marido faltar e a mulher conservar o nome dele, mas a partir de certo momento passar a comportar-se escandalosamente, não é em nome do interesse do defunto marido, mas no interesse global da família, que os parentes do falecido podem requerer a privação judicial do uso do nome (art. 1677-C, 2).
11. A família como pessoa jurídica? A supremacia dos interesses específicos do núcleo familiar levou alguns autores a conceber a família como pessoa jurídica (autónoma), enquanto outros a consideram como uma instituição, no seio da qual se cria o direito que rege o seu funcionamento.
A verdade, porém, é que a família não constitui nenhum centro autónomo de direitos e obrigações, como sucede com as associações, fundações ou sociedades dotadas de personalidade jurídica .
Não é com semelhante intenção que os nubentes, ao casarem, fundam a sociedade natural que é a família. Cada um deles se liga intimamente ao outro, não para constituir um ente dotado de personalidade distinta da sua, mas para completar a sua própria personalidade, satisfazendo uma inclinação transcendente da natureza humana.
Por outro lado, mesmo quando prosseguem fins do grupo familiar, o marido, a mulher, o pai, o parente ou afim não agem como titulares de órgãos (gerentes, directores ou administradores) duma pessoa colectiva real, mas sim como membros individuais da família. Prosseguem fins comuns, mas agem directamente com o instrumento da sua personalidade, não em representação ou mera delegação de uma pessoa jurídica estranha.
A família como instituição social criadora do direito? Bastante mais próxima da realidade se pode considerar a tese dos autores que realçam o carácter vincadamente institucional do direito da família, para destacarem duas notas fundamentais:
a) A lei não é a única, nem porventura a principal fonte do direito regulador das relações familiares ;
b) Boa parte da disciplina das relações do foro familiar é criada no seio das próprias instituições concretas, como logo se depreende do grande número de lacunas intencionalmente abertas neste sector especial do direito civil e na inusitada frequência com que a lei aí se serve de conceitos em branco. Trata-se de fórmulas intencionalmente flexíveis, revestidas da maleabilidade necessária para se adaptarem às transformações dos costumes e à evolução das concepções sociais relativas à vida familiar.
A família constitui, efectivamente, uma instituição, no sentido vulgar e mais lato do termo, que o identifica com o grupo social, devidamente organizado, portador de interesses globais distintos dos fins próprios de cada um dos membros que o integram . E também não pode contestar-se a relativa frequência com que, no direito da família, a lei se socorre de fórmulas de sentido vago e impreciso ("Plena comunhão de vída"; "justo motivo"; "qualidades essenciais da pessoa"; "dever de respeito"; "dever de cooperação"; violação (de deveres) que "comprometa a possibilidade da vida em comum"), cujo conteúdo se destina a ser preenchido pelo intérprete de acordo com as concepções, os sentimentos e os usos reinantes em cada época na comunidade .
Em contrapartida, já não pode afirmar-se, com o mesmo rigor, que seja a instituição familiar a responsável pelo preenchimento das lacunas da lei ou pela definição do conteúdo das fórmulas nesta imprecisamente traçadas.
As famílias, desarticuladas, carecem da organização necessária para o desempenho de tal função normativa. Quem, na verdade, define em cada época o sentido dos conceitos intencionalmente vagos da lei e preenche as lacunas do sistema legislativo, são os tribunais, no exercício da missão que lhes cabe, como órgãos de interpretação, aplicação e criação do Direito, em face das realidades concretas da vida (cfr., especialmente, art. 10, 3). E ao completarem assim o pensamento da lei, dentro do espírito do sistema, os tribunais hão-de certamente inspirar-se, tanto na experiência prática da vida, na lição dos factos, como nas razÕes do espírito, nas exigências da razão e nas necessidades do progresso moral da colectividade.
Razão assiste, assim, a BEITZKE , quando a propósito da frequência com que a lei recorre na área dos direitos familiares a conceitos jurídicos indeterminados, comenta que a "regulamentação normativa oferece, por isso, uma imagem incompleta do direito da família, que só com o decisionismo pode ser concretizada".
Por outro lado, cumpre ainda assinalar o papel vincadamente activo ou reformador que as câmaras legislativas e os governos têm desempenhado com frequência, através da lei, muitas vezes contra o sentimento comum da população, em algumas das viragens mais significativas operadas na evolução do Direito da família.
A mero título de exemplo, podem referir-se a equiparação plena, decretada na generalidade das legislações logo no primeiro quartel do século, do adultério do marido ao adultério da mulher; a proclamação do casamento civil obrigatório, mesmo nos países de formação tradicionalmente católica a faculdade de o nubente varão tomar os apelidos da mulher, ao arrepio da tradição e do sentimento geral da colectividade (art. 1677, 1); a possibilidade de o juiz impor aos cônjuges, a requerimento de um deles, a residência da família (art. 1673, 3), o nome e apelidos dos filhos (art. 1875, 2) ou as medidas mais convenientes à educação destes (art. 1905, 2), etc.
12. IV) Frequente apelo às ciências exactas. Apontam ainda alguns autores, como nota característica do direito da família, o frequente apelo que nele se faz aos ensinamentos das ciências exactas .
Tratar-se-ia de um sector do direito privado que, à semelhança do direito criminal com a individualização das penas, toma muitas vezes como ponto de referência as pessoas de carne e osso, os indivíduos biologicamente considerados, e não os sujeitos abstractos que aparecem como titulares da generalidade das relações jurídicas.
Há, efectivamente, no domínio da filiação por exemplo, algumas normas que têm como pressuposto especial certos dados fornecidos pela ciência médica, a par de outras que remetem abertamente para as conclusÕes extraídas de determinados exames de carácter técnico. É o caso do artigo 1798 que, ao fixar para efeitos legais o período da concepção, manifestamente se baseia nos ensinamentos das ciências médicas, segundo os quais os prazos máximo e mínimo de gestação uterina do ser humano são, respectivamente, de trezentos e de cento e oitenta dias.
E é ainda o caso do artigo 1801, que admite expressamente como meios de prova, nas acções relativas à filiação, "os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados", .
No direito

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