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Breve Análise da Recente Dinâmica Territorial no Estado de Roraima José Henrique Vilas Boas – IBGE/BA – josehenrique@ibge.gov.br Osmar Barreto Borges – IBAMA/RR – osmar_borges@yahoo.com.br Resumo O Estado de Roraima apresenta, no seu conjunto, uma interessante conformação de regiões com diferentes dinâmicas de ocupação e uso de seu território. De um passado lento e sedimentado, passou, em tempos recentes, a um presente acelerado e mutante. Aproveitando esse excelente laboratório para o estudo da dinâmica territorial e dos modelos de desenvolvimento, vaise procurar aqui espacializar e analisar, de forma breve, os diferentes aspectos de desenvolvimento de uma região brasileira onde, basicamente, se tem uma forte presença do Estado, mas que, contudo, observa uma atuante participação de diferentes correntes da iniciativa privada. Abstract The State of Roraima presents, as a hole, an interesting set of areas with different occupation dynamics and use of its territory. Of a slow and silted up past, it passed, in recent times, to an accelerated and mutant present. Taking advantage of this excellent laboratory for the study of the territorial dynamics and of the development models, it will seek to map them here and to analyze, in a brief way, the different aspects of development of a Brazilian area where, basically, a strong presence of the State is had, but that, however, it observes an active participation of different currents of the deprived initiative. Introdução O Estado de Roraima apresenta uma peculiaridade que constitui um diferencial seu em relação aos demais estados da Amazônia brasileira; além da floresta tropical, conta com uma extensa área campestre da formação do Cerrado, na sua porção nordeste, em pleno extremo norte brasileiro. Esta característica deu razão ao desenvolvimento na região de um modelo próprio de ocupação, uso e povoamento para os moldes de Amazônia, embora, no entanto, se na Amazônia, com o aporte de suas particularidades. A principal contribuição que este trabalho pretende dar é a de definir áreas do Estado de Roraima no que elas apresentam de aspectos distintos entre si quanto ao seu desenvolvimento, formas e modelos, e mostrar seus interrelacionamentos. A dinâmica territorial verificase em todos os cantos do país e do mundo, mas, particularmente, nesse Estado, sua presença é marcante, e, como em um jogo de peças dispostas em cima de uma mesa, fácil de observar seus movimentos, reflexos e conflitos. Esta riqueza de situações, basicamente, se deve ao salto que deu a região do rio Branco, o atual Estado de Roraima, no que diz respeito ao seu desenvolvimento. Saiu de um passado de níveis de transformação muito lentos, que configuravam uma situação econômica e social muito sedimentada, passando para um presente de desenvolvimento acelerado, o que lhe confere um alto grau de mutabilidade nas relações intereconômicas e intersociais, com reflexos no espaço, na paisagem. A Economia, em poucos anos, no espaço de uma só geração, deixou de refletir uma ocupação e uso da terra baseados na pecuária extensiva, garimpo do ouro e diamante (atualmente proibido), na região dos campos, e no extrativismo vegetal, na região da floresta, e vai cedendo espaço para uma agricultura diversificada, seja de culturas temporárias, seja de culturas permanentes, e, também, para uma pecuária, agora, em padrões modernos. Com isso, trabalhase com uma realidade multivariada, em que se tem frentes pioneiras, povoações antigas abandonadas, modernas fazendas de gado, rebanhos comunais, plantações de arroz de alta tecnologia, agricultura itinerante, desmatamentos, “desintrusão”, criatórios de peixe, implantação de novas culturas de mercado, assentamentos rurais em quantidade e semi abandonados. Os mapas não conseguem acompanhar e espacializar as mudanças políticoadministrativas e sócioeconômicas observadas em um Estado, que se encontra em um intenso movimento em busca de suas vocações e de sua cara. Áreas quando ao seu desenvolvimento Apenas um breve comentário será feito para apresentar as diferentes áreas de desenvolvimento definidas aqui em uma primeira aproximação (Figura 1). Outras áreas devem ser ainda definidas e algumas dessas, ainda particularizadas em subáreas ou mesmo em outras áreas quanto ao seu modelo de desenvolvimento e quanto ao comportamento presente da dinâmica territorial. A identificação dessas áreas teve início quando do levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, da cobertura e uso da terra do Estado de Roraima, nos anos de 2004 e 2005. Tomando por base então o relatório técnico resultante desse levantamento, “Uso da Terra no Estado de Roraima” (IBGE, 2005), dáse continuidade aos estudos e pesquisas quanto ao aspecto do desenvolvimento regional e da dinâmica territorial, cujos resultados preliminares são aqui apresentados. O estudo completo dessas áreas exige comprovações fundamentadas em dados censitários e econômicos, levantamento histórico de documentos legais, mapas e bibliografia, pesquisas de campo detalhadas e análise temporal da ocupação e uso da terra por imagens de satélite e outros recursos disponíveis de Sensoriamento Remoto e até mesmo de Aerofotogrametria, se houver. Não somente regiões como áreas foram definidas e descritas, como também cidades, pelos aspectos interessantes quanto a Sinergia e Entropia que possam apresentar, ou mesmo quanto ao próprio modelo de desenvolvimento ou forma de criação, o que lhes dá a sua condição atual. E com isso, podese dar início ao estudo pela sua capital, Boa Vista, que além de suas próprias características, resume a força da posição estratégica do Estado no território nacional, como seu ponto avançado e como participação do Brasil no contexto do Caribe. Roraima é o elo de ligação de uma importante região que se forma, e que ainda se expande e se afirma, ao norte da América do Sul; região essa que, em princípio, compreende os estados brasileiros do Amazonas e de Roraima, e os países vizinhos, Venezuela, Güiana e Suriname (Figuras 2 e 3). FIGURA 1: Áreas do Estado de Roraima quanto ao seu desenvolvimento. A definição dos limites das diferentes áreas é aproximada. FIGURA 2: Linha de fronteira entre Brasil e Venezuela. A rodovia cruza a fronteira na cidade de Pacaraima, no Estado de Roraima, a dez quilômetros da cidade de Santa Elena, já na Venezuela. O asfalto da BR174 chega de Manaus e Boa Vista e vai até Caracas. FIGURA 3: Travessia de balsa no rio Tacutu. Fronteira entre o Brasil e a Güiana, onde a construção da ponte internacional encontrase paralisada. Por asfalto, chegase pela BR401 até Bonfim, que faz fronteira com Lethen, na Güiana. Futuramente, Georgetown e Paramaribo, capitais da Güiana e do Suriname, respectivamente, estarão mais próximas ainda. A Capital Boa Vista A capital é moderna, com traçado planejado, e é uma cidade que deve o seu desenvolvimento à condição de capital de estado, com o decorrente alojamento do setor públicoadministrativo, e que sente atualmente os reflexos progressistas de uma instalação integral desses serviços com a mudança de sua antiga condição de território para a de estado. Emboraseja um crescimento decorrente de uma ação estatal, o setor privado responde perfeitamente às expectativas do investimento público, principalmente no setor terciário, em que o comércio cresce vertiginosamente para atender uma clientela exigente de funcionários públicos, concursados, muitos deles com o terceiro grau de escolaridade e provenientes de todos os recantos do país. O setor industrial na capital também cresce, mas por uma razão de uma certa forma independente do incentivo estatal; cresce por uma característica física da região, que propiciou o cultivo do arroz nas grandes regiões planas dos campos de Roraima. A agroindústria do beneficiamento do arroz é moderna, e localizase em Boa Vista e sua produção atende o comércio local e o de Manaus. O turismo apresenta grandes perspectivas, principalmente para o mercado consumidor de Manaus, que vê como uma de suas poucas alternativas, conhecer Boa Vista, a capital mais próxima de Manaus, cidade urbanisticamente agradável e com fácil acesso rodoviário, por asfalto. Também é o ponto inicial do circuito internacional BrasilVenezuela. O roteiro tem início em Boa Vista, segue com a visita ao Monte Roraima, a partir de Santa Elena; passa por Ciudad Bolívar, no rio Orenoco; e finaliza em Isla Margarita. Por outro lado Boa Vista e seu comércio com produtos da indústria brasileira são um atrativo para venezuelanos e güianenses (Figura 4). Boa Vista constitui de fato um pólo regional de desenvolvimento para o seu Estado. A Sinergia é facilmente observada na cidade, que passa por um processo de revitalização desencadeado com a transformação do território em Estado. FIGURA 4: Plataforma Meremê. A Orla Taumanan, e suas plataformas sobre o rio Branco, no porto fluvial de Boa Vista, é uma das muitas áreas de lazer da cidade. Áreas Rurais de Boa Vista e Alto Alegre O desenvolvimento das áreas rurais de Boa Vista e Alto Alegre é o que melhor se vê no Estado de Roraima, em matéria de livre iniciativa, sendo mais sentido na agricultura do que na pecuária, que ainda guarda alguns resquícios dos sistemas de produção tradicionais (Figuras 5 e 6). A diversidade é grande, chegando a apresentar empreendimentos de criação de peixes de água doce, em tanques, em resposta à alta demanda pelo pescado nas regiões de Boa Vista e Manaus. FIGURA 5: Cultivo de ananás. Rodovia RR205, município de Boa Vista. FIGURA 6: Cultivo de limãoTahiti. Rodovia RR205, Município de Boa Vista. A cidade de Alto Alegre, apesar de todo o aparato de serviços públicos que ressaltam em todas as sedes municipais do Estado, tem uma forte movimentação comercial para o atendimento da sua pujante zona rural, sobressaindo nas suas ruas o aspecto privado sobre o público. A Sinergia também é observada aqui onde um desenvolvimento espontâneo do setor privado no meio rural responde às demandas da capital Boa Vista, aproveitando a sua posição geográfica de proximidade, como também, quanto à qualidade de terras livres para ocupação. A Cidade de Caracaraí Toda a economia do Estado, desde a época da colonização, circulava pelas águas do rio Branco. As grandes embarcações chegavam tão somente até Caracaraí, a jusante da Cachoeira Caracaraí. Também só até Caracaraí se dava a navegação o ano inteiro, mesmo que de forma precária durante a estação seca. Praticamente o único elo de comunicação do Estado com o restante do país, seu porto fluvial unia o sistema hidroviário a sul, na área da mata, com o sistema rodoviário a norte, na área dos campos, onde se encontrava a capital e a base da economia regional, a pecuária (Figura 7). Com a chegada da rodovia ManausCaracaraí, BR174, a navegação caiu e Caracaraí perdeu sua importância econômica e social para o Estado. A cidade conta agora com perspectivas mais modestas de desenvolvimento do que as que pretendia alcançar no passado, que se baseavam na função vital para o contexto do Estado de um nó hidrorodoviário. FIGURA 7: Porto de Caracaraí. Cais em rampa sobre o rio Branco e a estrutura inacabada do novo cais. Atualmente, Caracaraí se amolda a novas propostas de desenvolvimento, ainda voltadas para os setores do comércio e de serviços, só que a nível local, em atendimento às atividades de sua zona rural que, em contrapartida, se encontram em expansão. Não seria correto dizerse que a cidade de Caracaraí encontrase em Sinergia ou em um início de um processo de revitalização. Mais seria um período de estabilização, em que as perdas econômicas sofridas, contrabalançam com as transformações em seu meio rural e com o movimento de chegada de migrantes provenientes dos assentamentos rurais no Estado, desestimulados e em busca de novas alternativas de sobrevivência e da segurança que uma cidade do porte de Caracaraí já oferece com relação à oferta de trabalho e aos serviços sociais. Áreas de Mata de Mucajaí, Iracema e Caracaraí Novas áreas vêm sendo abertas para a pecuária e agricultura na região da floresta em Roraima. Muitos desses empreendimentos pertencem a fazendeiros expropriados de outras áreas do Estado, onde se deu a regularização das terras indígenas (Figura 8), que optaram por essa região por sua localização privilegiada e por serem terras livres para ocupação. FIGURA 8: Moderna fazenda de gado, com pastagens plantadas. Rodovia BR 174, município de Iracema. Embora os municípios de Mucajaí, Iracema e Caracaraí se encontrem na parte central do Estado, junto ao rio Branco, a exploração econômica de suas terras estava voltada para os produtos da floresta, como a castanha e a balata, por exemplo. As atividades agropecuárias, quase que exclusivamente a pecuária, davam preferência para a região dos campos, mais ao norte. A dinâmica territorial aqui se dá com a substituição de uma atividade econômica tradicional que pouco suporte deu ao Estado de Roraima, o extrativismo vegetal, por uma outra atividade, a agropecuária, que vem em termos modernos e com investimentos altos de capital, capital privado. Resta discutir os benefícios ou não para o ambiente como um todo, advindos com essa mudança radical da paisagem; se o Código Florestal está sendo observado, ou se haveria outras formas de uso racional da área da floresta. Área do Médio Rio Branco O despovoamento de ambas as margens do rio Branco, de Caracaraí a Carimaú é uma realidade. Não tendo mais os meios de comercializar a balata, base da economia local, vilas e povoados foram abandonados e rapidamente tragados pela floresta (Figura 9). Ao longo do rio, observamse muitas capoeiras de mata, a vegetação secundária que procura restabelecer a floresta e indica onde antes eram as roças das povoações ribeirinhas. FIGURA 9: Povoado abandonado no médio curso do rio Branco. Restos de acampamento no que antes era o povoado de Açailândia. Nessa área, incluise a vila de Catrimani, que, às margens do rio Branco, é quase tão antiga quanto a história de Roraima. Foi sede do município de Catrimani, que depois passou a se chamar Caracaraí, com a mudança da sede para essa cidade. Com o seu recente abandono, em pouco tempo transformouse em mato, mas ainda continua sendo uma referência geográfica para a região (Figura 10). O único regatão que comercializavacom os ribeirinhos de toda a região do rio Branco, com a idade, e sem quem continuasse à frente de seus negócios, fechou sua empresa. A população de todos esses povoados e lugarejos, sem meios de sobrevivência, abandonou suas posses e mudouse, principalmente, para Caracaraí e Boa Vista. A Entropia, que já era uma marca da região, chegou ao seu ponto máximo, causando a sua total desterritorialização. Economia frágil: ocupação e povoamento frágeis. FIGURA 10: A vila de Catrimani foi tragada pela mata. Área do Baixo Rio Branco O baixo curso do rio Branco, embora tenha sofrido o mesmo revés econômico com a extinção da empresa que comercializava a balata, não chegou ao abandono em virtude do interesse manifestado pelo Estado, que investiu na manutenção da infraestrutura de serviços, principalmente na vila de Santa Maria do Boiaçu. Área em Entropia com seu processo de desterritorialização estabilizado por intervenção do Estado, sem no entanto nenhuma perspectiva para o momento de reversão do processo, por Sinergia. Terra Indígena São Marcos A área da Terra Indígena São Marcos encontravase dividida entre fazendas de gado e comunidades indígenas, predominantemente Macuxis. Situase em região estrategicamente importante, já que é cortada pela rodovia BR174, asfaltada, que liga Boa Vista a Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, de onde a rodovia, também asfaltada, segue até Caracas. Para a regularização da situação fundiária da Terra Indígena, os fazendeiros foram indenizados pelas Centrais Elétricas do Norte, ELETRONORTE, que, em contrapartida, construiu sua linha de alta tensão pela área da Reserva, para levar energia elétrica da Venezuela para Boa Vista. A empresa aproveita sua presença na região para também desenvolver um programa comunitário junto às populações da Terra Indígena São Marcos, envolvendo a Fundação Nacional do Índio, FUNAI, e as comunidades indígenas (Figura 11). FIGURA 11: Programa São Marcos. Placa de estrada que fica na entrada do seu centro de atividades, na rodovia BR174. Na placa, lêemse os objetivos do Programa, a “Desintrusão da Terra Indígena” e o “Resgate de Dignidade”. Município de Pacaraima. Com a regularização das terras indígenas, mudou o regime de propriedade do privado para o comunitário, regime próprio observado nos povos indígenas brasileiros. A posse da terra e dos bens de produção é comunitária, bem como os bens produzidos, sua distribuição ou renda. O uso da terra mudou, e com a saída dos rebanhos de gado, as comunidades passaram a utilizar parte dos desmatamentos abertos na floresta, ao longo da rodovia que sobe a serra de Pacaraima, para se dedicar às suas roças com seus sistemas de produção característicos. A FUNAI entregou a cada comunidade indígena do Estado, não só às de São Marcos, um lote de 50 cabeças de gado, que são criadas ou pelos próprios indígenas ou por “peões” contratados, em retiros localizados nas áreas dos campos. Com isso, pretendese diversificar a dieta alimentar nas comunidades e substituir a caça que já é escassa na região, ao passo que a população indígena cresce. Porém, a principal questão que se coloca no tocante ao desenvolvimento está ligada à situação do indígena no contexto da Sociedade. A situação de impasse que vivem, quando a sua realidade já se mistura com a das sociedades envolventes, quando almejam bens de consumo e padrões sociais que não são seus, e não têm os meios de produção e renda para adquirilos. Na Terra Indígena São Marcos, muitas das comunidades foram se localizar à beira da rodovia, num claro sinal de sua busca pela inserção no restante da sociedade brasileira (Figura 12). FIGURA 12: Comunidade indígena Boca da Mata. As casas são praticamente todas elas de alvenaria, e a comunidade fica junto da rodovia BR174. Município de Pacaraima. A Cidade de Pacaraima Este é um dos melhores exemplos, onde se pode visualizar e compreender o conflito que existe em Roraima entre o Poder Público estadual e o Poder Público federal. Enquanto as esferas federais do Poder procuram deter o máximo das terras do Estado, o governo estadual procura, da mesma forma, ao máximo, estender seu poder, infiltrando seus braços administrativos por todas as brechas em que possa gerar um desenvolvimento induzido. A cidade de Pacaraima encontrase espremida contra a fronteira da Venezuela, e sua área urbana, com Prefeitura, Câmara, Fórum, escolas, hospitais e tudo mais, encontrase totalmente dentro de área indígena, a Terra Indígena São Marcos. Por ser cidade de fronteira, teve um crescimento espontâneo e desordenado, para atender caminhoneiros e turistas em trânsito, ao lado de um crescimento planejado, para lhe abrir novos espaços e dar foros de sede de município. Tratase de uma cidade em que convivem iniciativa privada e intervenção do Estado; ou melhor, em que o governo estadual marca sua presença, e o Município procura controlar a ação desordenada do setor terciário, o comércio, e administrar o crescimento populacional da cidade (Figuras 13 e 14). FIGURA 13: Cultivo de olerícolas em casas de plástico. Esse empreendimento é administrado por uma ONG, nos arredores de Pacaraima, para atender o mercado local. As nuances do desenvolvimento, da preservação do ambiente, da garantia dos direitos dos indígenas, tudo tem que ser pensado e avaliado com isenção, avaliandose o mais cuidadosamente possível seus prognósticos. Pacaraima, embora seja considerada uma invasão em território indígena, constitui, juntamente com a própria rodovia, um dos meios de inserção da população indígena no todo da sociedade brasileira. Exemplo disso, na feira de Pacaraima a comercialização de farinha grossa, banana, galinhas e peixe seco, produzidos nas comunidades indígenas, constitui uma fonte de renda para a aquisição de artigos industrializados que já fazem parte de suas necessidades de consumo (Figuras 15 e 16). Feiras e mercados municipais são um reflexo da zona rural e da economia local. FIGURA 14: Casa de Verão do Governador. A presença do Estado logo se faz sentir, aproveitando o clima ameno da serra de Pacaraima, que a mais de 1.000 m de altitude, torna Pacaraima uma opção de turismo para toda a região da Amazônia Ocidental. FIGURA 15: Venda de farinha na Feira de Pacaraima. O excedente da produção agrícola das comunidades indígenas vizinhas à cidade, basicamente farinha de mandioca e banana, é comercializado na feira local. FIGURA 16: Comercialização de galinhas na Feira de Pacaraima. A feira oferece muito poucos produtos, mas é abastecida praticamente pelas comunidades indígenas de São Marcos. A Cidade de Amajari A cidade de Amajari merece destaque, por ser um bom exemplo de intervenção do Estado e de desenvolvimento dirigido, quanto à criação de cidades em pontos estratégicos, oferecendo toda gama de serviços públicos e assistência social. Em cima de um pequeno núcleo original, formouse uma cidade de ruas largas, grandes lotes, em que se destacam as casas onde funcionam os diferentes órgãos que fazem parte do equipamento urbano, como empresa de água, de luz, etc...Com isso, mesmo que a cidade apresente muito pouco movimento, o governo estadual, estrategicamente, marca sua presença em meio a áreas indígenas, reservas do meio ambiente e assentamentos rurais da esfera federal, administrados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. A iniciativa privada é tão incipiente na cidade e os assentamentos agrícolas tão desarticulados, que o Governo sentiu necessidade de que se construísse uma granja pública, para a produção de galinhas e ovos para o abastecimento local (Figura 17). FIGURA 17: Granja municipal de Amajari. A construção de uma granja municipal é mais um elemento que se faz presente na implantação de cidades e criação de municípios, forma encontrada pelo Estado para ocupação do território e seu povoamento. Áreas Yanomamis As aldeias indígenas dos Yanomamis ocupam a parte ocidental do Estado de Roraima. Formam uma grande área contínua, e o distanciamento total dessa população tornase fundamental para a preservação física e cultural desse povo, que ainda mantém seus hábitos e costumes em harmonia com a Natureza. É justificada até a existência de uma área a mais que funcione como um cinturão de isolamento, reduzindo ao máximo o contato dessas populações com a sociedade “civilizada”. É importante e ético não só a preservação da biodiversidade, como também da sociodiversidade, no que diz respeito às etnias que compõem a sociedade brasileira. Devese manter, portanto, o seu desenvolvimento autóctone, o que leva a um desenvolvimento preservado para a região. Terra Indígena WaimiriAtroari Localizada ao sul do Estado, na fronteira com o Amazonas, a Terra Indígena WaimiriAtroari é atravessada pela rodovia BR174 que liga Manaus a Boa Vista. As populações indígenas que aí vivem, de uma maneira geral, já têm um certo grau de aproximação com o restante da sociedade brasileira. Seus valores culturais e étnicos encontramse em um nível intermediário de preservação. Embora seja possível ainda para o povo WaimiriAtroari manter um certo desenvolvimento autóctone, a sua posição geográfica leva a um contato forçoso com o restante da sociedade brasileira. Isto leva a que um desenvolvimento controlado seja pensado pelos órgãos responsáveis, devendo rever não só as condições jurídicas relacionadas às terras indígenas para resolver conflitos atuais, como também trabalhar hoje com prognósticos futuros. A inexorável absorção de uma sociedade menor pela envolvente e maior, embora deva ser retardada, quando vier, deve garantir um processo de inserção social digno, preservando a sua identidade étnica e cultural com a terra, sua integridade física e de seus valores éticos e morais. Áreas Indígenas do Extremo Noroeste do Estado A estrutura fundiária de Roraima tem passado por profundas transformações com a desocupação das terras indígenas. O extremo noroeste do Estado constitui uma área de ocupação indígena expressiva. Com a desapropriação, sedes de fazenda de gado transformamse em comunidades indígenas, passando o seu uso de privado para o coletivo. Com a entrega, pela FUNAI, do lote de 50 cabeças de gado a cada comunidade indígena, alterase também a forma de produção, perdendo esta seu caráter privado, passando para formas comunais da produção (Figuras 18 e 19). Áreas dos Assentamentos Rurais do Sudeste do Estado São muitos os assentamentos rurais do INCRA em Roraima, e, ainda, existem os de administração estadual. Verificase um alto percentual de abandono de suas glebas, principalmente, por falta de verbas para o financiamento da produção e para assistência técnica. A área aqui definida e descrita situase no Sudeste do Estado, ocupando áreas ao longo das rodovias BR174, em direção a Manaus, e BR210, a Perimetral Norte. FIGURA 18: Comunidade Novo Paraíso, antes, Fazenda Bala. Rodovia RR 202, entre Normandia e Vila Surumu. Conta inclusive com uma escola. Município de Normandia. FIGURA 19: Gado bovino nos retiros das comunidades indígenas. Rodovia RR202, entre Normandia e Vila Surumu. Cada comunidade recebeu da FUNAI 50 cabeças de gado. Município de Normandia. Além da agricultura para a própria subsistência praticada pelos assentados, a comercialização da banana constitui sua mais importante fonte de renda. A exploração da madeira se dá com a abertura das vicinais e com a cota de desmatamento permitida a cada gleba (Figura 20). FIGURA 20: Vicinal 19 do Assentamento Rural de Rorainópolis. As castanheiras mortas são um sinal de que nem sempre a legislação que estabelece a sua preservação é observada. Mesmo com os assentamentos em abandono, a estagnação do meio rural não corresponde ao movimento observado nas cidades da região, principalmente Rorainópolis, que, em sinergia, acumula outras variáveis ao seu desenvolvimento. Rorainópolis é um centro comercial; cidade pioneira, é a mais antiga cidade da região, que por sua localização na BR174, se transformou em cidade de trânsito para quem chega de Manaus, a primeira cidade quando se chega a Roraima, após a travessia da Terra Indígena WaimiriAtroari, foi cidade de negócios para quem queria mexer com terra. Embora a região como um todo pudesse estar alcançando níveis maiores de desenvolvimento, se as glebas dos assentamentos estivessem produzindo como o esperado, Rorainópolis continua crescendo, em um desenvolvimento espontâneo; encontrase em sinergia. São Luiz do Anauá, São João da Baliza e Caroebe, inicialmente simples núcleos urbanos que receberam foros de município, estão se desenvolvendo com a alta intervenção do governo estadual, que dotou essas cidades com todo os equipamentos urbanos. Todas essas quatro cidades do Sudeste de Roraima recebem a população que abandona a zona rural, em entropia. Conclusão Propositadamente, não se procurou, como seria recomendável, colocar em ordem as diferentes áreas segundo sua dinâmica territorial e forma de desenvolvimento, separando as áreas em entropia das em sinergia. Direcionouse a ordem de entrada das áreas de desenvolvimento a partir do centro, a capital do Estado, e daí, em função de relações entre elas de correspondência e de fluxos. Em decorrência dessa exposição, sobressai o sentimento de um Estado em ebulição, onde se tem diferentes tipos de troca de energia, com fluxos de diversas direções, conflitos. Resultado esperado de uma região que passou em um curto espaço de tempo, de um passado lento e sedimentado para um presente acelerado e mutante, virando de cabeça para baixo economia, sociedade, valores e a terra. O que se viu nesses últimos trinta anos foi que, para ocupar áreas de fronteira, são abertos assentamentos agrícolas ao longo das novas rodovias que se abriam na floresta, e elegemse para ocupálos excedentes populacionais de outros lugares do país, esvaziandose, de imediato, os conflitos nesses lugares existentes, e com isso chegam os maranhenses a Roraima; a mineração do ouro e do diamante assume grandes proporções e a dizimação dos yanomamis pelos garimpeiros chama a atenção dos organismos internacionais,e com isso aumenta a conscientização nacional a respeito e fechamse, por lei,os garimpos em todo o território nacional; e, ainda mais significativo, acelerase a regulamentação de terras para os indígenas, que antes tinham suas aldeias misturadas às tradicionais fazendas de gado e que depois passaram a ficar espremidas pela multiplicação de muitas outras novas fazendas; e, em decorrência disso, fazendeiros foram expropriados e passaram a abrir seus pastos em áreas da floresta, ou adquirindo os direitos de algumas glebas melhor situadas; glebas essas abandonadas pelos assentados, e de muitas outras glebas e assentamentos, tomando o rumo das cidades onde possam ter outras oportunidades de sobrevivência; concomitante a isso, e em função de tudo isso, temse o crescimento da capital com a chegada dos novos funcionários do Estado, crescimento que transformou o antigo território, o que implicou no surgimento de novas demandas, que acarretam a modernização da Economia tanto na cidade quanto na zona rural próxima, trazendo novas alternativas para exgarimpeiros, exassentados e mesmo indígenas ex aldeiados, tudo isso realimentando o seu crescimento e o seu desenvolvimento; ao passo que, ao longo do rio Branco, outrora a grande artéria líquida de comunicação da região com o restante do país, assistese, agora abandonada e relegada pelo deslocamento do eixo de desenvolvimento para a estrada que rasgou a selva e que, depois de asfaltada, garante a comunicação durante todo o ano, desde Manaus até Boa Vista, e ainda até Caracas, assistese ao fim da incipiente economia baseada no extrativismo da balata e saída dos ribeirinhos que povoavam suas margens em busca de outras oportunidades; e Boa Vista se moderniza e o Estado cresce, quer mais controle sobre sua terra e busca por mais espaços. E aí se apresenta a questão axial para o desenvolvimento regional do Estado: encontrar os meios de como lidar com a questão do domínio da terra e a da multiplicidade de suas populações. Mais do que entre fazendeiros e indígenas, o embate de forças dentro da dinâmica territorial de Roraima temse dado, sucessivamente, mandato a mandato, entre governos estaduais e os da União. Temse dois estados. Embora, normalmente, se tenha realmente dois estados, o estadual dentro do nacional, a diferença ideológica entre o nível local e o nacional leva a que se observe com mais atenção a qualidade dessa relação. Os estudos para lidar com as contradições do desenvolvimento econômico e social em relação ao meioambiente já se encontram bem avançados, no sentido de se dar a devida importância à biodiversidade. No entanto, em relação às ditas comunidades tradicionais, ou seja, comunidades indígenas, quilombolas e outras, ainda se discutiu e se avançou muito pouco em direção a como lidar com a sociodiversidade dentro da realidade do presente e diante da realidade do futuro. A questão indígena quanto ao desenvolvimento é um assunto por demais melindroso e de difícil apreensão de todos os elementos envolvidos, e até mesmo de identificálos. Embora, aparentemente, seja tratada apenas como uma questão de terra, se fosse encarada pelo prisma do Planejamento Regional e do desenvolvimento, passaria a ser uma questão de atendimento das distintas necessidades básicas de diferentes populações que cohabitam um país. Por fim, deve ser ressaltada a importância dos estudos de dinâmica territorial, para que se identifiquem as diferentes áreas quanto ao desenvolvimento e para que os escritórios de Planejamento tenham assim uma compreensão integrada de uma região e possam traçar diagnósticos e sugerir medidas corretivas no intuito de subsidiar as esferas do poder de tomada de decisão. E não se deve esquecer que este trabalho teve por base um levantamento de ocupação e uso da terra, que com isso se mostrou uma ferramenta útil para a área de estudo do Desenvolvimento Regional, principalmente se esses levantamentos privilegiam não tão somente a cobertura da Terra, como também, os sistemas e as formas de produção e a estrutura fundiária. Esperase que a presente contribuição tenha continuidade em outros trabalhos, tanto na identificação de outras áreas de desenvolvimento, quanto no aprofundamento do estudo de cada área definida, porque Roraima é um Estado rico em exemplos para o estudo do desenvolvimento e da dinâmica territorial, e mais, em tempo real. Um Estado em transformação, em busca de sua cara. Bibliografia ALMEIDA, A. W. B. de. Terras de preto, terras de santo, terras de índio – uso comum e conflito. [s.l.:s.n.], p. 163196. CPRM/SEPLANRR. Zoneamento ecológicoeconômico da região central do estado de Roraima. Boa Vista: CPRM, 2002. ESBEL, J. da S. Uso da terra nas comunidades indígenas de São Marcos. 21 out. 2004. Entrevista concedida a José Henrique Vilas Boas, da Unidade Estadual da Bahia/IBGE, 21 out. 2004. GUERRA, A. T. Aspectos geográficos do território do Rio Branco; comentários. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, Ano XVIII, n. 1, jan.mar. 1956, p. 117128. _____. 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