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Resumo_do_livro_Vigiar_e_Punir_Michel_Foucault-1.docx

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Resumo do livro “Vigiar e Punir” de Michel Foucault
Primeira parte 
Suplício
Capítulo I – O corpo dos condenados
O livro "Vigiar e Punir" já começa nos mostrando duas maneiras bastante diferentes de punir; de um lado temos o suplício, uma espécie de espetáculo, onde o corpo do indivíduo é o principal objeto, e as pessoas o veem ser torturado até a morte; do outro lado, vê-se um modelo de prisão muito organizado, com divisão bastante específica do tempo dos prisioneiros. Entre um e outro modelo há menos de um século de diferença, essa época marca justamente o período de inúmeras reformas na justiça penal, com uma nova teoria da lei e do crime, uma nova justificação moral ou política do direito de punir.
Com o decorrer do tempo viu-se desaparecer o corpo supliciado, esquartejado ou amputado, exposto vivo ou morto como um grande espetáculo; o corpo mesmo deixou de ser o principal alvo da repressão penal e aos poucos foi surgindo definição da pena como um caráter não meramente punitivo, mas corretivo.
Entre o fim do século XVIII e o começo do século XIX se viu o processo de extinção dos suplícios, de maneira gradativa. De um lado aconteceu a supressão do espetáculo punitivo, a aplicação da pena passa a ser apenas um novo ato de procedimento ou administração, a confissão pública dos crimes começou a ser proibida em vários países. A punição deixou de ser uma cena, e tudo que implicasse em um espetáculo foi visto de maneira negativa. Todo aquele cerimonial aproximava o crime e a sanção, igualando-os ou ultrapassando-o em selvageria. Também se percebia um paradoxo quanto ao fato de expor a sociedade tão fortemente àquilo que era repreendido; e por fim acarretava uma mudança de papéis, os indivíduos passavam a ver o carrasco como um criminoso, os juízes como assassinos e o criminoso supliciado como alguém digno de piedade e admiração.
Mudou-se a consciência em relação às punições, aceitando a partir de então, que era a certeza de ser punido que deveria desviar o homem do crime e não "o mais abominável teatro", e que o principal objetivo da pena não é punir, mas sim corrigir o indivíduo, reeducá-lo e até mesmo "curá-lo". De um modo geral, as práticas punitivas visavam não tocar mais no corpo, ou tocar o menos possível, o que é alcançado com a prisão. Por fim, o castigo evoluiu de uma arte das sensações insuportáveis para uma arte de direitos suspensos.
E mesmo nos casos de aplicação da pena de morte, esta deveria ser a mais rápida e menos dolorosa possível, o que se configurou com a criação da guilhotina.
Mesmo com toda essa transformação, o poder sobre o corpo não deixou de existir, ele se caracterizou com os castigos dos trabalhos forçados ou da prisão, que ainda são acrescidos de uma redução alimentar, privação sexual, expiação física e masmorra.
*
Essas mudanças se mostraram possíveis devido a mudança de objetivo, os teóricos da época explicam que a punição deixava de se dirigir ao corpo e passava a dirigir-se à alma, "à expiação que tripudia sobre o corpo deve suceder um castigo que atue, profundamente, sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições.
Aconteceu uma enorme alteração da definição das infrações e na hierarquia de sua gravidade, como por exemplo, a blasfêmia deixou de se constituir em crime. A pena se destina a controlar o indivíduo, a neutralizar sua periculosidade, a modificar suas disposições criminosas. Introduziram-se as infrações no campo dos objetos susceptíveis de conhecimento científico, e passou-se a analisar não apenas o que os indivíduos fizeram, mas o que eles são, serão ou podem ser, e isso seria julgar a alma dos criminosos. Foram introduzidos outros tipos de avaliação. A apreciação dos fatos tornou-se um trabalho mais complexo, buscando não somente saber se é ou não criminoso, mas o que realmente aquilo significa. Deixando de frisar simplesmente na busca de qual lei sanciona aquela infração, mas também de qual medida é a mais apropriada, qual o meio é o mais seguro para atingir a correção do indivíduo. 
O juiz não julga mais sozinho, ao lado dele surgiram peritos psiquiátricos ou psicólogos, magistrados de aplicação das penas, educadores, funcionários da administração penitenciária. Tudo para comprovar que o papel do juiz não é simplesmente julgar, mas “curar” o indivíduo, procurando a melhor forma para alcança este objetivo e por isso mesmo tornando-se tão necessária a presença de novos profissionais para o auxiliar nesta tarefa.
*
Rusche e Kirchheimer estabeleceram a relação estre os vários regimes punitivos e os sistemas de produção, e perceberam que; em uma economia servil, os mecanismos punitivos teriam como papel trazer uma mãe de obra suplementar; no feudalismo aconteceu um crescimento dos castigos corporais, único bem acessível; a casa de correção utilizava o trabalho obrigatório para o desenvolvimento do comércio e da economia, mas como o sistema industrial exigia mão de obra livre, o caráter punitivo concentrou-se unicamente no fim corretivo.
O que sempre se pode afirmar é que os sistemas punitivos sempre caem sobre o corpo, mesmo que não usem mais os castigos violento e sangrentos, mas apenas os métodos de trancar ou corrigir. 
Este investimento sobre o corpo está ligado à sua utilização econômica, o corpo é investido por relações de poder e dominação, mas sua constituição como força de trabalho só é possível se ele estiver preso a um sistema de sujeição; o corpo só se torna útil se é ao mesmo tempo produtivo e submisso. Surge então uma "tecnologia do corpo".
Há uma recolocação das técnicas punitivas, quer elas se apossem do corpo, quer se dirijam à alma, na história do corpo político.
*
Nos últimos tempos tem-se viso frequentemente revoltas dentro dos corpos de prisões, é uma revolta, ao nível dos corpos, contra o próprio corpo da prisão. O que está em jogo não é o quadro rude demais ou ascético demais, rudimentar demais ou aperfeiçoado demais da prisão, é sua materialidade na medida em que ele é instrumento e vetor de poder; é toda essa tecnologia do poder sobre o corpo, que a tecnologia da “alma” — a dos educadores, dos psicólogos e dos psiquiatras — não consegue mascarar nem compensar, pela boa razão de que não passa de um de seus instrumentos.
Capítulo II – A ostentação dos suplícios.
Havia uma grande variedade de penas que poderiam ser aplicadas; mesmo a pena de morte poderia ser aplicada de várias meios diferentes, desde à forca até formas mais brutais de tortura. Entretanto, os suplícios não constituíam as penas mais frequentes, acontecendo mais rotineiramente as penas de banimento e multa, mas mesmo essas penas não corporais deviam ser acompanhadas de algum suplício; o banimento muitas vezes era acompanhado da marcação com ferrete, e a multa de açoite.
Mas o que é um suplício? O suplício é uma pena corporal e dolorosa, que variará de acordo com o crime cometido, a pessoa que o cometeu e o nível das vítimas atingidas pelo delito; dessa forma, o indivíduo podia ser condenado a uma pena com grau zero de suplício, que seriam aquelas em que se teria uma morte instantânea, ou poderia ver sua morte dividida em "mil mortes", prolongando seu sofrimento por longas horas de agonia. 
O suplício faz parte de um ritual que obedece a duas exigências: a de ser marcante em relação à vítima, e ostentoso em relação à justiça que impõem, fazendo do excesso das violências cometidas sua glória, é nos excessos dos suplícios que se investe toda a economia do poder.
*
O processo condenatório seguia em sigilo para o acusado, que não tinha acesso às peças do processo, não conhecia seus denunciadores, não tinha um advogado para verificar a regularidade do processo; do outro lado, os juízes podiam receber denúncias anônimas, e para eles esse documentos sozinhos já comprovavam e só encontravam o acusado uma vez para interrogá-lo antes de dar a sentença.
Mas não é o caso de um total autoritarismo, havia todo um sistema para a interpretação e utilização das provas. As provas plenas podem acarretar qualquer condenação; as semiplenaspodiam acarretar penas físicas infames, mas nunca a morte; as imperfeitas apenas "decretavam" o suspeito para que se fizessem investigações aprofundadas sobre ele. E mesmo com todo esse emaranhado ainda havia um sistema mais complexo que permitia correlacionar provas de natureza diferentes.
Esse sistema de provas legais obedecia a regras que só os especialistas conheciam, reforçando ainda mais o princípio do segredo. Depois de formadas todas as provas, elas seriam apresentadas ao acusado, com o objetivo de que este confessa-se seu crime, e essa seria a mais forte de todas as provas. Aqui nasce um ponto ambíguo no processo penal, ao mesmo tempo em que eles buscavam a confissão, que era a mais forte prova e que por si só já poderia ser suficiente para condenar o indivíduo, esta informação ainda deveria servir como ponto de partida para encontrar mais indícios que comprovassem aquela afirmação, pois em meio ao jogo de torturas de um interrogatório, o culpado forte e resistente poderia negar todas as provas e sair inocentado, enquanto o inocente fraco poderia não resistir aos tormentos da tortura e confessar um crime que não havia cometido.
Neste sistema uma meia-prova fazia do sujeito um meio-culpado, um indício dos mais leves fazia do sujeito um pouco criminoso; mostrando que não havia uma visão dualista "verdadeiro ou falso", mas uma visão contínua; um grau atingido na demonstração já formava um grau de culpa que implicava um grau de punição. E quando se alcançava certo grau de presunção começava-se a punição de acordo com o grau alcançado, e visando ainda “extorquir” o resto da verdade que falta.
*
A utilização do corpo continua mesmo depois de formulada a prova e a sentença por meio da execução da pena. Primeiramente é exigido do culpado que ele mesmo proclame seu crime e ateste a verdade de sua culpa, seja por meio de um cartaz pendurado nas costas ou no peito durante um passeio pelas ruas, por confissão pública e etc. Em seguida, era permitido ao condenado que, no momento de subir ao cadafalso, ele poderia pedir um tempo para fazer novas revelações, como dizer o nome dos seus cúmplices ou confessar outro crime que cometera, isto porque "o verdadeiro suplício tem a função de fazer brilhar a verdade". A cerimônia devia prender o suplício no próprio crime, seja reproduzindo a pena no local onde o crime foi cometido, utilizando o mesmo instrumento que o culpado, o que seria uma forma de anular o crime com a morte do indivíduo que o produziu. Por fim o suplício ainda era visto como uma forma de o culpado remir os seus pecados, a crueldade da punição sofrida era considerada como uma dedução da pena futura; se o condenado morria logo poderia significar um prova de que Deus quis protegê-lo e acabar seu sofrimento; e era exatamente isto que levava as pessoas a assistirem aquele espetáculo, pois naquele momento se lia "crime e a inocência, o passado e o futuro, este mundo e o eterno".
*
Pode-se dizer ainda que o suplício tem uma função jurídico-política, posto que além de "vingar" a lesão sofrida por um particular, "vinga" também a "afronta" feita ao soberano, afronta que se baseia no desrespeito à suas leis. Sob esse prisma o suplício torna-se uma forma de reconstituir a soberania lesada por um instante e de exibir para todos a força invencível do rei e sua superioridade. Este superioridade que não é simplesmente a do direito, mas a da força física do soberano sobre o corpo do seu adversário, uma vez que "atacando a lei, o infrator lesa a própria pessoa do príncipe", o suplício não apenas restabelecia a justiça; reativava o poder.
E aqui podemos apontar mais um motivo para o fato do suplício ser como é, um espetáculo para que todos assistam, pois ele representa o triunfo da lei e do príncipe; de certa maneira a execução pública é mais uma manifestação da força do príncipe do que mesmo uma obra de justiça. A força do príncipe ainda se mostra mais impotente ainda pelo fato de apenas este poder conceder a remissão e liberar o condenado do seu castigo.
*
Existem vários motivos para explicar o emprego do suplício como penalidade. Ele foi inserido na prática judicial por ser considerado o revelador da verdade, pois permite que o crime seja reproduzido e voltado para o corpo do criminoso, fazendo como que o crime se manifeste e se anule nesse momento; e agente do poder, pois é sobre o corpo do supliciado que se manifesta o poder e se afirma a dissimetria das forças.
Enquanto a cerimônia deve mostrar a todos o crime em toda sua severidade deve assumir também sua atrocidade, pois de acordo com a atrocidade do crime variará o grau da afronta feita ao soberano, e, portanto variará a crueldade da pena aplicada, pois quanto mais atroz é um crime, mas atroz ainda deve ser a sua pena. A atrocidade do suplício desemprenha, portanto, um duplo papel: "sendo princípio da comunicação do crime com a pena, ela é por outro lado a exasperação do castigo em relação ao crime." Essa ligação entre o erro e a punição era o efeito de uma mecânica do poder, que entre várias coisas, "se retempera ostentando ritualmente sua realidade de superpoder”.
*
A atrocidade que era inerente ao suplício, era ao mesmo tempo elemento do seu funcionamento e causa de sua desordem. Em todos os suplícios o povo representava um importante papel, pois sua presença era necessária para a sua realização, o suplício devia ser conhecido. O papel do povo era, ao mesmo tempo, de espectador; posto que eram convocados para assistir àquele espetáculo, ouvir as confissões públicas, para que sentissem medo, e de testemunhas; para que todos soubessem que nenhum crime deixaria de ser punido. E ainda mais do que simples espectadores e testemunhas, o povo era chamado a participar do suplício, insultando os condenados, atirando-lhe lama, humilhando-o; o que era visto como um serviço à vingança do rei, e era nesse espaço de tempo concedido ao povo que poderia acontecer as manifestações de recusa do poder punitivo. 
Quando a punição era considerada injusta, seja porque para o povo o condenado era inocente, ou porque o carrasco extrapolava no sofrimento causado ao indivíduo, a população se revoltava, e até mesmo perseguia o seu executor e liberava o condenado. 
A população que parava em torno do cadafalso queria, além de assistir ao sofrimento do condenado, ouvir o que ele tinha para dizer, já que aquele era o único momento em um homem poderia falar o que quisesse sem ter medo, e em meio a todo esse terror acontecia uma inversão de papéis e os criminosos eram vistos como heróis.
A revolta crescia ainda mais quando se tratava de um crime que teria uma penalização mais leve para os que fossem bem nascidos; como também contra as penas excessivamente pesadas para os delitos considerados pouco graves. E dessa maneira a população foi revoltando-se contra aquele espetáculo de horrores e tendo piedade dos condenados.
*
Sempre era concedido ao condenado um tempo para que o próprio autenticasse seu crime e afirmasse que a punição era justa; muitas dessas confissões certamente eram verdadeiras, mas muitas mais devem ter sido falsas. A verdade é que “a justiça precisava que sua vítima autenticasse de algum modo o suplício que sofria".
Espalhavam-se folhetins tornando do conhecimento de todos os vários crimes cometidos pelo acusado, o que algumas vezes o tornava um herói para a população; se ele se mostrava arrependido e pedia perdão a Deus e aos homens era visto purificado, e se ao contrário, mostrava-se irredutível ganhava a admiração de todos pela sua força. Dessa maneira, houve condenados que depois de morto foram vistos como santos ou até mesmo heróis. Os reformadores do sistema penal logo pediram a suspensão desses folhetins.
Segunda parte 
Punição
Capítulo I – A punição generalizada.
A partir da segunda metade do século XVIII os protestos contra o suplício puderam ser vistos em toda parte e surgiu a necessidade de encontrar outro modo de punir. O suplício tornou-se intolerável, pois mostrava uma excessiva sede de vingança e a justiça não deveria vingar,mas sim punir. Essa necessidade de encontrar um novo meio de punir surgiu como um apelo pelo respeito à humanidade. Os reformadores do século XVIII propuseram "a lei fundamental de que o castigo deve ter a 'humanidade' como 'medida'".
*
O período da reforma foi marcado por dois acontecimentos: a redução da violência dos crimes, que passaram a incidir mais sobre os bens que sobre o corpo dos indivíduos, e a redução da intensidade das punições, só que agora elas também se tornaram mais frequentes, já que a justiça passou a voltar-se para infrações que antes não examinava.
Os reformadores atacaram aquela justiça tradicional, especialmente o seu excesso, mas esse excesso estava muito mais ligado a uma irregularidade do que a um abuso do poder de punir. Essa irregularidade é marcada pela venda do ofício de juiz, pela confusão dos poderes do juiz e o poder da lei, e pela presença de vários privilégios que tornam incerta a justiça.
A maior crítica dos reformadores é voltada para a má economia do poder, que dá poderes excessivos a apenas um dos lados: poder excessivo para a acusação, que tem mais meios para prosseguir; poder excessivo para os juízos, que podem se contentar com provas fúteis se são legais e tem bastante liberdade para definir a pena; e poder excessivo exercido pelo rei, que pode a qualquer momento suspender o curso da justiça.
Assim, o verdadeiro objetivo da reforma não era tanto criar um novo direito de punir, mas estabelecer uma nova economia do poder, onde este estivesse mais bem distribuído.
Os reformadores não eram a maioria entre os magistrados, mas foram eles que idearam os princípios gerais da reforma, que tinha como base fazer com que o poder de julgar não dependesse mais de "privilégios múltiplos, descontínuos e contraditórios da soberania". Vê-se formar uma nova estratégia para o exercício do poder de castigar, regularizando-a; "não punir menos, mas punir melhor; punir talvez com uma severidade atenuada, mas para punir com mais universalidade e necessidade".
*
A reforma nasce em uma conjuntura de nova política em relação às ilegalidades. Os diferentes estratos sociais tinham uma margem de ilegalidade tolerada no antigo regime, essa irregularidade estava tão profundamente enraizada que se tornava necessária à economia da sociedade. Podia ser percebia pelos privilégios concedidos aos indivíduos e comunidades, pela inobservância a certas ordenações, e pena impossibilidade efetiva de impor leis e reprimir os infratores. 
As camadas mais desfavorecidas não tinham privilégios, mas gozavam dessa margem de tolerância, e essa margem era tão importante que às vezes as levava a sublevá-las para defendê-las, da mesma forma que a nobreza, a burguesia e o clero se agitavam para impedir a redução de seus privilégios. "O jogo recíproco das ilegalidades fazia parte da vida política e econômica da sociedade”.
A partir da segunda metade do século XVIII o processo se inverte, com o aumento da riqueza e o crescimento demográfico a ilegalidade cai mais fortemente sobre os bens, o que desagradava a burguesia, que via ser ferido o seu direito de propriedade.
Surge a necessidade de fazer com que as infrações sejam bem definidas e punidas com segurança, que nessa margem de irregularidades toleradas seja definido o que é intolerável e aplicado um castigo do qual não se poderá escapar. Por fim, a ilegalidade dos bens foi separada da ilegalidade dos direitos.
Afirma-se a necessidade de se desfazer da antiga economia do poder de punir, caracterizada por castigos ostensivos, mas de aplicação incerta. Assim, a nova legislação se caracteriza por uma codificação mais nítida com suavização das penas, que é apoiada por uma profunda modificação na economia das ilegalidades.
*
O objetivo dos reformadores eram criar uma nova economia e tecnologia do poder de punir. O princípio basilar desse novo sistema estava na suposição de que todos os cidadãos haviam aceitado as leis da sociedade, incluindo as que permitiam que ele fosse punido, sendo assim, o infrator seria um inimigo comum da sociedade que merecia ser punido; dessa forma, "o direito de punir deslocou-se da vingança do soberano à defesa da sociedade".
A formulação do princípio de que a punição deve ser humana era reforçada pela natureza de todos os homens e evocava a sua sensibilidade. Além disso, era argumentado que aquelas punições horríveis deveriam ser proibidas para proteger os cidadãos inocentes de assistir a tantas atrocidades.
O objetivo do castigo deve cair sobre as consequências do crime, "a proporão entre a pena e a qualidade do delito é determinada pela influência que o pacto violado tem sobre a ordem social". Levando isso em consideração foram criadas regras a serem seguidas:
1- O castigo deve causar um mal maior que o bem que o infrator tirou dele;
2- "se o motivo do crime é a vantagem que se representa com ele, a eficácia da pena está na desvantagem que se espera dela". 
3-Os efeitos da pena devem ser mais intensos naqueles que não cometeram a falta ou mesmo naquele que a cometeu e ainda tem risco de reincidência.
4- A ligação de que um crime vem acompanhado de uma punição deve ser forte e nítida. Para tanto as leis devem ser claras, ser acessíveis à todos, e é necessário que o monarca renuncie a seu direito de misericórdia, afastando qualquer esperança de intervenção. Os processos não podem ficar secretos, e mais que isso, deve ser do conhecimento de todos as razões pelas quais o indivíduo está sendo punido.
5- Deve-se buscar a verdade integralmente, não aceitando mais meias provas que fazem meias verdades e meios culpados e que já levam à um certo grau de pena.
6- Todas as ilegalidades devem ser classificadas e qualificadas, além disso, deve ser feita a individualização das penas de acordo com as características de cada criminoso.
*
Analisando esse projeto política podem-se perceber duas linhas de objetivação; de um lado o criminoso designado como inimigo de todos, quem quebrou o pacto; de outro, a necessidade de medir os efeitos do poder punitivo, a organização de um campo de prevenção, o ajuste da pena às características de cada indivíduo. A segunda linha teve efeitos mais rápidos e decisivos que a primeira.
Essas duas linhas se cruzaram no século XVIII e foram utilizadas para criar uma nova política do corpo.
Capítulo II – A mitigação das penas
Existe dentro de cada homem uma força secreta que o empurra ao seu bem-estar, portanto, o castigo deve sempre representar uma desvantagem tão grande que desestimule o indivíduo a praticar algum crime. Para tanto é necessário que;
1- Haja uma ideia de consequência natural entre crime e castigo, assim aquele que pensa em cometer uma infração já s lembrará automaticamente da punição. "Que o castigo decorra do crime; que a lei pareça ser uma necessidade das coisas, e que o poder aja mascarando-se sob a força suave da natureza.";
2- Deve-se fazer com que "a representação da pena e de suas desvantagens seja mais viva que a do crime com seus prazeres", desencorajando o erro;
3- Toda pena deve ter um termo, para que, voltando a ser virtuoso, o indivíduo possa ser reintegrado, com exceção dos incorrigíveis. Um tempo prolongado de privações penosas afetam muito mais que um instante passageiro de dor, além de renovar aos olhos de todos que as leis são aplicadas.
4- As penas devem ser interessantes à sociedade, mais útil que matar um criminoso é fazer dele um "escravo" da sociedade, sendo utilizada para reformar estradas, por exemplo;
5- Enquanto no suplício, o terror era o suporte do exemplo, agora esse suporte será a lição, o discurso;
6- Deve-se por um fim a todas as louvações que tornam o criminoso um herói, e nos lugar disso ser propagado o discurso que incuta nas pessoas o desgosto pelo crime e o receio do castigo. Criar nos cidadãos, desde crianças, "a ideia de crime e castigo, o amor pelas leis e pela pátria, o respeito e a confiança na magistratura".
*
A princípio, as prisões eram muito criticadas e rejeitadas pelos reformadores. Para eles,ela era incapaz de responder à especificidade dos crimes - para todas as infrações era incutida a mesma penalidade, como um médico que receitasse o mesmo remédio para todas as doenças, era desprovido de efeito sobre o público, inútil e até mesmo nociva a sociedade, pois era uma medida cara. "Ela é a escuridão, a violência e a suspeita".
Muitos argumentavam que a escuridão das prisões era razão de desconfiança para a sociedade que não sabe o que se passa lá dentro e deve suspeitar que ocorressem grandes atrocidades, pois só assim se explicaria aquele sigilo.
Por todos esses motivos a prisão tinha apenas uma posição marginal no sistema de penas. Ela estava associada ao arbítrio real e aos excessos do poder soberano, e mais, eram vistas não como um meio de punir, mas apenas de garantir a presença das pessoas.
Entretanto, logo os muros altos erigidos no meio das cidades tornou-se o grande símbolo do poder de punir.
*
A explicação dada para a mudança radical que fez do encarceramento a pena mais aceita e aplicada está nos modelos de prisões que foram criados e adotados pelos principais países da Europa. As principais caraterísticas desses modelos eram a presença de oficinas de trabalho, que combatiam a ociosidade e já davam aos detentos uma profissão que poderiam exercer depois de serem libertados; o princípio de que a duração da pena deve ser de acordo com o tempo necessário para a correção do indivíduo, e já trazia o benefício de diminuir a pena daqueles que tivessem um bom comportamento; logo foi aceito como principal meio de alcançar a transformação da alma e do comportamento do delinquente.
A publicidade, que antes era um fator crucial para a realização dos castigos, agora era restrita, o público não devia intervir como testemunha, o castigo e a correção são processos que se desenrolam entre o prisioneiro e os que o vigiam. Durante todo o tempo do encarceramento os indivíduos são observados e percebidas as mudanças de comportamento, tanto para que se possa diminuir a pena dos bem comportados como para separar aqueles que já estão mudando dos que ainda resistem ao processo.
*
Entre os reformatórios e os castigos imaginados pelos reformadores há convergências e divergências; convergem quanto ao principal objetivo: prevenir que o crime aconteça novamente, e na singularização da pena. Mas divergem quanto à técnica utilizada para corrigir os indivíduos; de um lado a representação e de outro o exercício reiterado.
No fim do século XVII é possível destacar três diferentes tecnologias de poder: A do soberano, a apresentada pelos reformadores e a da instituição coercitiva. A última foi a escolhida e amplamente praticada pelos diversos sistemas penais.
Terceira parte
Disciplina
Capítulo I – Os corpos dóceis
A partir da segunda metade do século XVIII surgiu o exercício da disciplina, que tinha o objetivo de tornar os corpos dóceis, ou seja, torná-los corpos submetidos, que podem ser utilizados, transformados e aperfeiçoados. Tratava-se de um trabalho minucioso sobre o corpo, seus movimentos, gestos, atitudes, rapidez. Tinha como objeto a eficácia dos movimentos.
O momento histórico da disciplina tem como fim principal o aumento do domínio de cada um sobre o seu corpo, e ao mesmo tempo em que ele se torna mais útil, torna-se também mais obediente. Uma observação minuciosa do detalhe, e ao mesmo tempo um enfoque político nas coisas pequenas.
A arte das distribuições
A disciplina procede em primeiro lugar à distribuição dos indivíduos no espaço;
1- Às vezes exigia a cerca a um local específico e fechado em sim mesmo, protegendo a monotonia disciplinar. Essa particularidade foi utilizada em prisões, fábricas, colégios e quartéis.
2- A disciplina organiza um espaço analítico: "Cada indivíduo no seu lugar, e em cada lugar um indivíduo". De maneira que sempre se possa saber onde encontrar alguém.
3- Toda essa divisão específica do espaço contribuía para aumentar a utilidade.
4- A determinação de lugares singulares tornava possível o controle de cada um e o trabalho simultâneo de todos, além de permitir um rápido conhecimento da condição em que estava a pessoa observada em particular.
O controle da atividade
O controle sobre o tempo também desempenhou um papel importante:
1- Houve todo um processo de regularização do tempo para torná-lo integralmente útil e evitar a ociosidade, e durante todo o percurso do tempo o corpo deve ficar aplicado a seu exercício.
2- Além da divisão específica do tempo, também é feita a decomposição e o ajuste dos menores gestos, como o simples andar.
3- O bom emprego do corpo permite o bom emprego do tempo, nada ver ficar ocioso ou inútil, "um corpo disciplina é a base de um gesto eficiente".
4- A disciplina também define as relações que o corpo deve manter com o objeto que manipula.
5- É proibido perder tempo, "importa extrair do tempo sempre mais instantes disponíveis e de cada instante sempre mais forças úteis", encontrar o ponto onda há o máximo de rapidez e o máximo de eficiência.
A organização das gêneses
A disciplina, que decompõem e recompõem as atividades, deve ser também compreendida como aparelhos para adicionar e capitalizar o tempo. Para isso ela:
1- Divide a duração em segmentos, de maneira que não misture os recrutas com os veteranos e que não se passe a uma lição posterior sem ter aprendido a anterior primeiramente;
2- Organizar o aprendizado partindo do mais simples para o mais complexo;
3- Ao fim de cada lição aplicar uma prova para saber se o indivíduo aprendeu o que ensinado e qual o seu grau de conhecimento;
4- Estabelecer séries de séries de acordo com o nível, antiguidade, posto e exercício de cada um. Uma série temporal que defina especificamente que a categoria de cada um.
A composição das forças
A disciplina também é o meio para compor forças e obter um aparelho eficiente. 
1- O corpo singular torna-se um elemento que poder ser movido e articulado com os outros;
2- O tempo de um deve ser combinado com o do outro para se unir e extrai a maior quantidade de força;
3- Toda a atividade deve ser seguida de acordo com o sinal que for dado, sinal que deve ser o mais claro e breve possível; em contrapartida a resposta a esse sinal deve ser pronta e instantânea.
Capítulo II – Os recursos para o bom adestramento
O poder disciplinar é um poder que tem por função "adestrar" para retirar e se apropriar mais e melhor. Ele não reduz as forças, as aumenta para utilizá-las à seu favor: A disciplina "fabrica" os indivíduos. O sucesso da disciplina devem-se ao seu olhar hierárquico, a sanção normalizadora e o exame.
A vigilância hierárquica
Foram desenvolvidas técnicas de vigilância que permitisse que tudo fosse visto, sem que se soubesse que estava sendo. Desenvolve-se uma arquitetura que auxilie nessa tarefa. À medida que se aumenta o número de indivíduos a serem observados, sejam em colégios, hospitais, fábricas ou acampamentos militares, mais se faz necessário o controle do que acontece. “A vigilância torna-se um operador econômico decisivo, na medida em que e ao mesmo tempo uma peca interna no aparelho de produção e uma engrenagem especifica do poder disciplinar".
A sanção normalizadora
Todos os sistemas disciplinares apresentam uma maneira específica de punir, um pequeno mecanismo penal, com suas leis próprias, suas sanções e suas instâncias de julgamento.
O castigo disciplinar tem a função de reduzir os desvios, é essencialmente corretivo. A punição trabalha em um sistema duplo; oferece uma recompensa para os que se comportaram como desejado, e punir àqueles que se comportaram mal. A própria divisão em classificação é uma maneira de recompensar e/ou punir. Através das disciplinas aparece o poder da norma.
O exame
O exame é “um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir”. As relações de poder e de saber encontram no exame uma máxima nitidez. Permite comparar os indivíduos.
O exame inverte a economia da visibilidade no exercício do poder,torna invisível quem exerce o poder e chama toda a atenção para onde está sendo exercido. “Documenta todos os detalhes de cada indivíduo, e com todo esse esmiuçamento faz de cada indivíduo um caso, que” ao mesmo tempo constitui um objeto para o conhecimento e uma tomada para o poder”.
Combinando a vigilância hierárquica e a sanção normalizadora, é o exame que realiza a repartição e a classificação.
Capítulo III – O Panoptismo
Bentham desenvolveu um modelo arquitetônico que correspondia às mudanças da época: o panóptico; um espaço fechado e vigiado de tal maneira, que nenhum movimento escaparia ao seu vigia. 
"O principio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas [...] Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar." Nesse modelo, quem está na cela é sempre visto, sem nunca vê, e quem está na torre vê, sem nunca ser visto; foram colocados até mesmo biombos no lugar das portas para evitar que qualquer ruído ou passagem de luz entregassem a presença do vigia, pois de acordo com esse modelo poderiam até ficar um tempo sem vigia algum, mas os detentos não saberiam, e só o saber que podem estar sendo observados já seria suficiente para reprimir qualquer ideia contrária ao ordenamento.
É visto, mas nunca se vê, nunca se é sujeito de comunicação, e isso é o que garante a ordem; “Se os detentos são condenados não há perigo de complô, de tentativa de evasão coletiva, projeto de novos crimes para o futuro, mas influencias reciprocas; se são doentes, não ha perigo de contagio; loucos, não há risco de violências recíprocas; crianças, não ha "cola", nem barulho, nem conversa, nem dissipação. Se são operários, não ha roubos, nem conluios, nada dessas distrações que atrasam o trabalho, tornam-no menos perfeito ou provocam acidentes”.
No modelo de Bentham, o poder é visível e inverificável; visível, porque todos tem diante de si a alta silhueta da torre, e inverificável porque nunca se sabe se realmente está sendo observado, só se sabe que pode sê-lo. O panóptico permite ao seu observador ver todos os detalhes e perceber as características de cada um, notar as suas transformações. No panóptico, o objeto e o fim não são as relações de soberania, mas as relações de disciplina; ele organiza o poder para aumentar as forças sociais.
 Se inicialmente as disciplinas tinham a função de eliminar os perigos, agora tem o papel de aumentar a utilidade dos indivíduos. Houve uma ramificação dos processos disciplinares, tornando-os mais flexíveis sem perder o controle. Também teve início a estatização da disciplina, que agora é vista como um tipo de poder, com instrumentos, técnicas e níveis de aplicação próprios; pode-se falar na formação de uma sociedade disciplinar.
As disciplinas são técnicas para assegurar a ordenação das multiplicidades humanas; e mais do que isso, ela busca a realização desse objetivo da maneira menos custosa possível, mas que ainda assim seus efeitos tenham o máximo de intensidade e que ligue esse crescimento econômico do poder.
“Enquanto os sistemas jurídicos qualificam os sujeitos de direito, segundo normas universais, as disciplinas caracterizam, classificam, especializam; distribuem ao longo de uma escala, repartem em torno de uma norma, hierarquizam os indivíduos em relação uns aos outros, e, levando ao limite, desqualificam e invalidam. De qualquer modo, no espaço e durante o tempo em que exercem seu controle e fazem funcionar as assimetrias de seu poder, elas efetuam uma suspensão, nunca total, mas também nunca anulada, do direito. Por regular e institucional que seja a disciplina, em seu mecanismo, e um "contra direito”.
Por último, vale frisar que o que agora é importo à justiça penal não é mais o corpo do culpado levantado contra o corpo do rei, mas sim o indivíduo disciplinar. Enquanto no antigo regime o retalhamento infinito do corpo era a manifestação do poder, agora o é a disciplina infinita. 
Quarta parte
Prisão
Capítulo I – Instituições completas e austeras
As prisões se constituíram fora do aparelho judiciário, no processo buscava repartir os indivíduos, classificá-los e torná-los úteis. Mas ela representa o acesso da justiça penal à humanidade. Hoje se tem o conhecimento de que a prisão apresenta vários inconvenientes, mas mesmo assim ainda não foi encontrada uma solução melhor. A prisão traduz a ideia de que a infração lesou, além da vítima, a sociedade inteira.
De um lado o fundamento econômico e o do outro o disciplinar, foram eles que fizeram a prisão parecer a forma mais imediata e civilizada de todas as penas, e a concebeu uma imediata solidez. 
A prisão deve ser um aparelho disciplinar exaustivo, deve ser a disciplina incessante. Ela carrega em si vários princípios, o primeiro é o do isolamento; isolamento do mundo exterior, que motivou a infração; e dos detentos um em relação aos outros, para evitar a formação de cumplicidades e complôs.
A solidão é um instrumento para a restauração, pois na solidão o condenado reflete sobre o seu crime e passa a odiá-lo. 
O segundo princípio está relacionado ao trabalho, que junto com o isolamento, é um agente da transformação carcerária. Os condenados podiam aprender um ofício dentro das prisões e praticá-los quando em liberdade, em troca do trabalho ganhavam um salário, que servia mais como um meio de fazer despertar neles o amor ao trabalho, de fazer crescer neles a ideia de propriedade, do quê recompensar. Mas esse trabalho foi alvo de muitas críticas, posto que a sociedade os via como um mal, que tirava dos cidadão de bem o seu pão; o maior exemplo é mostrado em relação às mulheres, elas que já tinha pouco acesso ao mercado de trabalho agora perderiam de vez todas as oportunidades e teriam que se entregar a prostituição, acabariam sendo presas, trabalhariam nas prisões e tirariam o emprego de mais mulheres, formando um ciclo vicioso.
O terceiro princípio está relacionado ao tempo de duração do encarceramento. “O importante é apenas reformar o mau. Uma vez operada essa reforma, o criminoso deve voltar à sociedade". Pois se assim não for, qualquer detenção será tanto desumana quanto inútil e onerosa para o Estado.
Na prisão deve-se conhecer bem cada detento para poder saber qual o tempo necessário para sua recuperação. A avaliação desse tempo não poderá ser feita pelos legisladores ou pelos juízes, mas sim pelos diretores de prisões e por profissionais que poderão examinar o avanço de cada um.
A vigilância ganhou então um importante papel, foi nesse contexto que o modelo benthamiano passou a ser reproduzido em várias prisões. 
No mesmo ano em que se recomenda a utilização do sistema de Bentham torna-se obrigatório o sistema de conta moral, um boletim individual som observações sobre cada detento.
Por meio desse boletim se diferenciava o delinquente do infrator, e classificavam-se os diferentes graus de cada para separá-los a aplicar a cada um a medida mais eficiente.
Capítulo II – Ilegalidade e delinquência
A passagem do suplício às prisões deve ser entendida como a passagem de uma arte de punir à outra. Porém, com o passar dos anos foi visível para a sociedade o fracasso dessa nova metodologia da punição; a taxa de criminalidade não diminuía, aumentava. Logo a prisão passou a ser entendida como uma fábrica de delinquentes, ainda mais depois de se ver que a taxa de reincidência era grande.
O que acontecia era que o modelo definido para as prisões como um mecanismo de correção não estava sendo seguido; os infratores sofriam abusos dentro dos presídios e quando saiam estavam tão revoltados com a sociedade que sentiam o desejo de fazê-la “pagar” pelo que ele havia passado no cárcere.
Os pequenos infratores conviviam com grandes bandidos e aprendiam com estes a arte da delinquência, saíam das prisões mais experientes. Quanto àqueles que haviam sido corrigidos e quequeriam levar uma vida digna, ao sair da prisão não encontravam uma forma de conseguir isso, os empregadores não os davam um emprego ou se conseguissem um, o salário era tão baixo que não supriam suas necessidades mais básicas, dessa maneira se viam numa encurralados para voltar à criminalidade.
As sete máximas universais da “Boa penitenciária” foram relembradas e apontadas como a única forma de dar uma solução a este caos:
Princípio da correção: A detenção penal tem como objetivo principal a recuperação e reclassificação social do condenado.
Princípio da classificação: Os detentos devem ser isolados e repartidos de acordo com a gravidade da sua pena, sua idade, técnicas de correção aplicadas etc.
Princípio da modulação das penas: As penas devem ser modificadas segundo a individualidade dos detentos, os resultados obtidos, os progressos ou recaídas.
Princípio do trabalho como obrigação e como direito: O trabalho é uma das peças essenciais na transformação progressiva dos detentos.
Princípio da educação penitenciária: A educação do detento é uma precaução no interesse da sociedade e obrigação para com o detento.
Princípio do controle técnico da detenção: O regime da prisão deve ser controlado por pessoas moralmente especializadas em zelar pela boa formação dos detentos.
Princípio das instituições anexas: O encarceramento deve ser acompanhado de medidas de controle e assistência até a total readaptação do antigo detento.
Deve-se substituir a ideia do fracasso da prisão pela hipótese de que ela produziu a delinquência, a existência do crime manifesta uma incompreensibilidade da natureza humana, “deve-se ver nele, mais que uma fraqueza ou uma doença, uma energia que se ergue, um ‘brilhante protesto da individualidade humana’ que sem dúvida lhe dá aos olhos de todo seu estranho poder de fascínio”.
Capítulo III – O Carcerário
Na justiça penal, o processo punitivo era transformado em técnica penitenciária pela prisão. O instituto carcerário vai além e transporta essa técnica para o corpo social inteiro. Com vários efeitos:
O encarceramento funciona de acordo com um princípio de relativa continuidade. Continuidade das próprias instituições, dos critérios e mecanismos punitivos.
O carcerário permite o recrutamento dos delinquentes. Numa sociedade panóptica em que o delinquente não está fora da lei, mas sim na própria essência da lei, no meio dos mecanismos que fazem passar da disciplina à lei, do desvio à infração.
O sistema carcerário consegue tornar natural e legítimo a punição. Acha-se no contrato a teoria que fundamenta a aceitação do poder de punir, pois ele cria um sujeito jurídico que dá aos outros o poder de exercer sobre ele o poder que ele próprio detém sobre eles.
Tem-se uma nova forma de lei, a norma: misto de legalidade e natureza, de prescrição e constituição. Uma nova série de efeitos: deslocamento interno do poder judiciário, dificuldade em julgar, vergonha em condenar. 
O carcerário realiza as captações reais do corpo e a perpétua observação. Assim, sua rede e armaduras de um poder-saber tornaram historicamente possíveis as ciências humanas.
A prisão apresenta uma extrema solidez. Portanto, se há algum desafio em torno dela, não é saber se ela será não corretiva. “O problema atualmente está mais no grande avanço desses dispositivos de normalização e em toda a extensão dos efeitos de poder que eles trazem, através da colocação de novas objetividades”.
A sociedade encontra-se muito longe do espetáculo do suplício, mas também está muito longe da cidade das punições desejada pelos reformadores. O que é importante frisar é que a prisão não é filha da lei nem dos códigos ou do aparelho judiciário, como também não está subordinada a este.
“As noções de instituição de repressão, de eliminação, de exclusão, de marginalização, não são adequadas para descrever, no próprio centro da cidade carcerária, a formação das atenuações insidiosas, das maldades pouco confessáveis, das pequenas espertezas, dos procedimentos calculados, das técnicas, das "ciências" enfim que permitem a fabricação do individuo disciplinar. Nessa humanidade central e centralizada, efeito e instrumento de complexas relações de poder, corpos e forcas submetidos por múltiplos dispositivos de "encarceramento", objetos para discursos que são eles mesmos elementos dessa estratégia, temos que ouvir o ronco surdo da batalha.”.

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