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SUMÁRIO 
 
Parte I – Introdução aos princípios constitucionais penais 
Para início de conversa 
1) Limites ao poder punitivo estatal 
2) Os princípios são normas jurídicas de caráter cogente 
3) Diferenças entre princípios e regras: 
4) Colisão de princípios 
Parte II – Dos princípios constitucionais penais 
1) Princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos 
2) Princípio da intervenção mínima 
3) Princípio da materialização ou exteriorização do fato (nullum crimen sine actio) 
4) Princípio da legalidade do fato 
5) Princípio da ofensividade (do fato) 
6) Princípio da culpabilidade 
7) Princípio da responsabilidade pessoal 
8) Princípio da responsabilidade subjetiva 
9) Princípio da igualdade 
10) Princípio da legalidade da pena 
11) Princípio da proibição da pena indigna 
12) Princípio da humanidade da pena 
13) princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade ou da proibição de excesso 
Parabéns! Você chegou ao final do livro 
Quizzes sobre princípios constitucionais penais 
Referências bibliográficas 
 
 
PARTE I – INTRODUÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS 
 
 
 
PARA INÍCIO DE CONVERSA 
O tema do presente livro possui importantes reflexos na prática jurídica. Os princípios 
constitucionais penais estão na base das decisões legislativas tomadas quando do processo 
de incriminação de condutas, no processo decisório que envolve a elaboração da sentença 
penal e na fase da sua execução. Além disso, serve de guia para a interpretação que é feita 
pelos estudiosos do direito penal. 
Não obstante toda a evolução que o tema sofreu e o quanto ele encontra-se amadurecido nas 
ciências penais, observa-se que há uma diminuta aplicação de vários dos princípios penais 
consagrados constitucionalmente. Observamos duas importantes crises: 
A) Baixa legitimidade social: a própria sociedade manifesta seu inconformismo em vários 
episódios em que o sistema de justiça penal aplica os princípios constitucionais penais 
(exemplos: quando o juiz reconhece a nulidade das provas obtidas ilicitamente; quando o juiz 
manda, sem fundamentação, algemas pessoas na audiência, violando o teor da Súmula 
Vinculante 11 etc.). 
B) Falta de comprometimento de alguns operadores jurídicos com a obediência aos 
princípios constitucionais penais 
O desrespeito a princípios constitucionais penais por parte de operadores jurídicos e a baixa 
adesão da sociedade em relação à aplicação deles traz alguma consequência prática para o 
sistema de justiça penal? Sim, pois acaba por dificultar que o principal objetivo da existência 
dos princípios constitucionais penais concretize-se, que é, exatamente, servir de limite ao 
poder punitivo estatal, tema que veremos a seguir. 
Após termos discorrido acerca dos limites do poder punitivo, analisaremos a natureza jurídica 
dos princípios, a diferença entre princípios e regras, bem como as recomendações da doutrina 
penal para os casos de colisão de princípios. 
Somente após termos analisado todas essas questões é que passaremos ao estudo dos 
princípios constitucionais penais em espécie. 
 
1) LIMITES AO PODER PUNITIVO ESTATAL 
De onde devemos extrair os princípios jurídicos? Considerando-se que as leis, a Constituição 
e os Tratados internacionais contêm inúmeros preceitos que direta ou indiretamente 
conformam ou modulam o sistema punitivo brasileiro, é deles que devemos extrair as regras 
e os princípios jurídicos assim como os postulados político-criminais que demarcam o âmbito 
da aplicação do direito penal. Esse conjunto normativo limitador do castigo (ou seja: do ius 
puniendi) vale tanto quanto o conjunto de normas que incriminam várias condutas humanas. 
Como conciliar o caráter punitivista do direito penal com o sua natureza limitadora do poder 
punitivo? O direito penal, ainda que possa parecer paradoxal,1 não é somente punitivo, posto 
que também é limitativo e garantista (ou seja: está dotado de uma série de normas que 
regulam e limitam a cominação, a aplicação e a execução do castigo, procurando evitar o 
abuso ou o excesso). 
Por força da regra do império da lei, tudo deve ser observado (tanto os preceitos 
sancionatórios quanto os limitativos e garantistas). Desde que Roxin (contrapondo-se a von 
Liszt) aproximou o direito penal da política criminal (em 1970, Política criminal e sistema do 
direito penal), todos os princípios limitadores do poder punitivo são invocáveis diretamente 
nas sentenças pelos juízes (o princípio da insignificância é exemplo paradigmático disso). 
>>> Exemplificando. Nos países que aboliram a pena de morte, ela não pode ser 
restabelecida (Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 4.º, 3). A Constituição 
brasileira atual (de 1988), em virtude do princípio da proibição de regresso (ou da vedação do 
retrocesso, que também é conhecido como “efeito cliquet” – os alpinistas utilizam essa 
expressão para significar que seus instrumentos somente permitem subir, nunca retroceder), 
salvo o caso de guerra declarada, não permite a pena de morte ou qualquer pena de caráter 
perpétuo (art. 5º, XLVII, a e b). Lei ordinária nesse sentido não só violaria o art. 4º, 3, da 
Convenção Americana, como também a própria Constituição (seria inconstitucional e 
inconvencional, portanto). Propor ou estimular qualquer debate sobre a pena de morte no 
nosso país, portanto, significa só incrementar o sensacionalismo e a manipulação do estado 
emocional do povo, iludindo-o com um “produto” vedado e reconhecidamente 
discriminatório (basta lembrar que em toda história da pena de morte, decretada 
judicialmente fora dos momentos revolucionários, raríssimos foram os casos de execução de 
alguém com alto status social).2 
O que difere o direito penal do poder punitivo e do estado policialesco? O direito penal do 
Estado Democrático de Direito (conjunto de normas que definem os crimes e as penas e fixam 
os limites do poder punitivo do Estado) não se confunde com o poder punitivo estatal (que é 
o exercício do ius puniendi de acordo com as regras e os princípios estabelecidos nas leis, 
 
1 SEMER, Marcelo, Princípios penais no Estado Democrático, 2014. 
2 Sobre o tema, consultar: GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. 
Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: pacto de San José da Costa 
Rica. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2013, p. 45-46. 
 
constituição e tratados internacionais) nem muito menos com o estado policialesco (que é o 
exercício do poder punitivo fora ou além dos limites estabelecidos pelas normas do Estado 
Democrático de Direito). O poder punitivo estatal é um fato da realidade (e do direito). 
Quando exercido fora dos parâmetros fixados pelo Estado de Direito, ele se converte em atos 
policialescos, passíveis de anulação e, eventualmente, de sanção. 
É de se lamentar a distância que existe entre o que está programado pelas normas 
(limitadoras) do Estado de Direito e o que acontece na prática por força do estado policialesco 
(que significa a aplicação, ilegal inconstitucional ou desproporcional ou desarrazoada do 
direito vigente). Não existe Estado de Direito puro (Zaffaroni), é verdade. Todos são 
perturbados pelos estados policialescos (em maior ou menor grau). Isso comprova que o 
poder punitivo é inequívoca ou tendencialmente bruto, atavicamente expansivo, animalesco, 
autoritário, arbitrário ou tirânico. O estado policialesco é fonte de deslegitimação dos órgãos 
encarregados da aplicação da lei penal.3 
De se observar que o Estado de Direito e o estado policialesco são regidos por “constituições” 
completamente distintas. O Estado de Direito segue a Constituição de 1988 (foi com base nela 
que o ministroGilmar Mendes descriminalizou o porte de drogas para uso pessoal, por 
exemplo – RE 635.659-SP). O estado policialesco, por seu turno, está atavicamente ancorado 
no Malleus Maleficarum, elaborado em 1497 pelos padres Krämer e Sprenger, que é o código 
(manual) nuclear da Inquisição. A forma mentis inquisitiva nunca morreu. No exercício do 
poder punitivo estatal frequentemente se pratica abusos, excessos, desproporcionalidades 
(tudo isso reconduzível à letra e/ou ao espírito do Malleus Maleficarum). Daí a imperiosa 
necessidade de serem estudados os limites desse poder punitivo. 
O juiz como semáforo do sistema penal (Zaffaroni). O juiz funciona como o semáforo do 
sistema penal. Se não levanta o sinal vermelho para o estado policialesco, incentiva as 
violações aos direitos fundamentais. O papel de combater a criminalidade não é do juiz. Cabe-
lhe, sim, transformar em realidade a certeza do castigo de acordo com a culpabilidade de cada 
um, assim como preservar todos os direitos e garantias do Estado de Direito. Se o juiz se 
transforma num “combatente do crime” (como se fosse um membro da segurança pública) 
passa a integrar o estado policialesco (porque são inevitáveis os excessos, os abusos e as 
arbitrariedades). O juiz não pode ser um “vingador social” (Alexandre Morais da Rosa). 
 
3 Segundo a pesquisa Índice de Percepção do Cumprimento das Leis, a maioria das instituições 
analisada tem confiança de menos de 50% da população (FGV, junho de 2015). O percentual 
de pessoas que confiam nos partidos políticos caiu de 7% (2014) para 5% (2015) e, no governo 
federal, de 29% para 19%. Os que disseram confiar no Congresso Nacional permaneceram em 
15% e os que confiam no Poder Judiciário caíram de 30% para 25%. Na polícia, o índice 
aumentou de 30% para 33%; nas emissoras de TV, de 31% para 34%; nas grandes empresas, 
caiu de 38% para 37%. As instituições mais bem avaliadas foram a imprensa escrita, cujo índice 
aumentou de 42% para 45%; a Igreja Católica, de 54% para 57%, e as Forças Armadas, de 64% 
para 68%. 
 
As questões acima levantadas levam à compreensão acerca da importância de se prestar 
obediência aos princípios constitucionais penais, sob pena de não cumprimos os ditames 
respectivos, que buscam, ao final e ao cabo, formas melhores de vivermos em sociedade. 
Também importa ressaltar que os princípios não são apenas um conjunto de valores ou de 
prescrições éticas ou programáticas; eles são normas jurídicas e possuem caráter cogente. 
Assim, quando, por exemplo, o magistrado não presta obediência a um princípio, isso pode 
levar à reforma da sentença penal por ele prolatada. Da mesma forma quando se trata do 
processo de criminalização de condutas. A desconsideração dos princípios constitucionais 
penais pode acarretar a invalidade da figura delitiva criada pelo legislador (tal como foi 
reconhecido pelo voto do min. Gilmar Mendes no RE 635.659, no que diz respeito ao art. 28 
da Lei 11.343/06 – lei de drogas). É desse assunto que trataremos no próximo item. 
 
 
2) OS PRINCÍPIOS SÃO NORMAS JURÍDICAS DE CARÁTER COGENTE 
Qual o valor jurídico dos princípios? Os princípios não são apenas um conjunto de valores ou 
de prescrições éticas ou programáticas. São normas jurídicas de caráter cogente. De outro 
lado, a eficácia prática dos princípios irradia-se não só ao momento legislativo de elaboração 
da norma penal (quando o legislador cria a lei penal), senão também ao aplicativo e 
interpretativo (nem o intérprete nem o juiz podem ignorá-los), bem como no momento 
executivo (no momento da elaboração de políticas preventivas assim como quando se vai 
concretizar o comando sancionador contido na sentença condenatória, ou seja, no momento 
da execução da pena). 
Também é a partir da conformação constitucional que as reformas penais devem ser 
realizadas, principalmente por conta do longo espaço de tempo que medeia muitas 
legislações criminais (nosso Código Penal ainda prevê dispositivos criados na década de 40) e 
a Constituição (promulgada em 1988), o que leva, inexoravelmente, a uma sempre necessária 
conformação constitucional da legislação criminal. 
Desde a criação do modelo constitucionalista de direito (com especial ênfase a partir da 
Segunda Guerra Mundial, quando o surge o chamado neoconstitucionalismo – Dworkin, Alexis 
etc.), quem estuda, interpreta ou aplica o direito penal sem conhecer (ou reconhecer) a força 
normativa e cogente dos princípios constitucionais penais não é um penalista que se possa 
dizer atualizado e/ou comprometido com o atual Estado de Direito. Tampouco está atualizado 
quem, desde os anos setenta, em razão de toda construção teórica de Roxin (Política criminal 
e sistema do direito penal), que parte da constatação de que o direito penal não pode ter 
existência isolada, sem o influxo dos princípios constitucionais fundamentais, ignora a 
proximidade entre direito penal e política criminal, desconhece que os princípios 
constitucionais orientam a política-criminal a ser adotada pelo legislador e seguida pelos 
intérpretes e aplicadores da lei penal. 
Os princípios, como afirmamos, são normas jurídicas de caráter cogente e, por isso, não se 
confundem com as regras, conforme se verificará a seguir. 
 
 
3) DIFERENÇAS ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS: 
Qual a diferença entre princípios e regras? Do livro de autoria de André Estefam e Victor 
Eduardo Rios (Direito penal, p. 99) extraímos o seguinte quadro explicativo: 
 
Como se verifica no último critério diferenciador do quadro acima, havendo conflito entre 
princípios há que se aplicar o critério da ponderação de interesses, tema que será objeto de 
atenção a seguir: 
 
 
4) COLISÃO DE PRINCÍPIOS 
Os princípios que norteiam a aplicação da lei penal devem ser aplicados conjuntamente? E 
no caso de haver colisão entre eles, qual a solução? Havendo conflito entre os princípios, há 
que se aplicar o critério da ponderação de interesses, o qual determina que os princípios, 
acaso existentes mais de um no caso concreto, sejam sopesados, analisados caso a caso, 
prevalecendo o mais adequado e justo, caso seja impossível aplicar um ou mais princípios 
concomitantemente. Deverá prevalecer o interesse mais relevante em detrimento do menos 
relevante no caso concreto. 
Os princípios são fundamentais para iluminar a aplicação das regras que regem os casos 
concretos. 
Nossa Constituição legitima qual movimento de política criminal? O punitivista, o 
minimalista ou o abolicionista? Os princípios penais extraídos direta ou indiretamente de 
nossa Constituição Federal indicam a opção político-criminal (preponderante) pelo 
minimalismo penal (que vê o direito penal como conjunto de normas que limitam a liberdade 
assim como, ao mesmo tempo, o poder punitivo do Estado). Com isso fica refutado o 
abolicionismo penal (seja o moderado, seja o radical – Hulsman, Christie etc.; o abolicionismo 
radical afasta qualquer aplicação do direito penal, levando os conflitos para outras esferas de 
resolução, como a civil, administrativa etc.; o abolicionismo moderado propõe a abolição da 
pena de prisão, que seria mais nefasta que útil para o controle da delinquência). Mas entre a 
teoria e a prática há uma grande distância. Na prática se nota nitidamente uma tendência 
maximalista (uso máximo ou desproporcional do direito penal). 
Os princípios assim como os postulados político-criminais estão contemplados no texto 
constitucional e nos tratados de direitos humanos de forma expressa (princípio da legalidade, 
da igualdade, da proporcionalidade etc.) ou implícita (exclusiva proteção de bens jurídicos, 
ofensividade do fato etc.). 
Qual a posição do princípioda dignidade da pessoa humana na hierarquia dos princípios? 
De outro lado, todos os princípios jurídicos e político-criminais encontram-se ancorados no 
princípio-síntese do Estado de Direito, que é a dignidade humana (CF, art. 1º, III). Nenhuma 
ordem jurídica pode contrariá-lo. Qualquer violação a outro princípio afeta igualmente o da 
dignidade da pessoa humana. O ser humano não é uma coisa, é, antes de tudo, pessoa dotada 
de direitos, sobretudo perante o poder punitivo do Estado. Não existe liberdade onde o 
humano deixa de ser tratado como pessoa para ser enfocado como coisa (Beccaria, Kant etc.). 
É imoral conceber o ser humano como meio e não como fim; ele não pode ser 
instrumentalizado para a obtenção de nenhuma finalidade (Kant). 
O Estado Democrático de Direito possui, assim, uma dimensão antropocêntrica (porque 
fundado na dignidade da pessoa humana). Daí a impossibilidade da existência de um direito 
penal tirânico, arbitrário ou totalitário (toda pena desnecessária é tirânica, dizia Montesquieu, 
secundado por Beccaria). As formas, os meios legítimos, a dimensão, a intensidade: tudo (ou 
praticamente tudo) do poder punitivo está regrado (nas leis, na Constituição e nos tratados 
 
internacionais). Na prática, no entanto, é chocante a quantidade de afrontas emanadas do 
estado policialesco (que é o estado que pune fora das regras jurídicas do Estado de Direito) 
frente ao conjunto normativo limitador (os presídios constituem o emblemático exemplo do 
que acaba de ser afirmado). Isso ocorre, sobretudo, quando se privilegia o eficientismo em 
detrimento das regras e princípios limitadores do poder punitivo. Há uma corrente que 
afirmar que o “direito penal do neoliberalismo” (a partir dos anos 90) seria violador do sistema 
penal constitucionalizado. Na verdade, é da nossa história a persistente violação dos direitos 
fundamentais das pessoas. Basta uma rápida visita a qualquer presídio brasileiro (em qualquer 
época) para se constatar a aporia entre sua realidade e as normas jurídicas vigentes. 
São princípios estruturais (ou estruturantes) do direito penal: o da dignidade da pessoa 
humana, que também é o princípio-síntese de todo Estado Democrático de Direito (art. 1º, 
III), o da legalidade (art. 5º, XXXIX) e o da culpabilidade (art. 5º, LVII). Esses princípios são 
estruturantes porque sem eles não haveria o Estado de Direito. 
Mas esses princípios estruturantes não são os únicos do sistema penal. Ampliando um pouco 
mais a visão sobre o tema, os mais relevantes princípios podem ser agrupados da seguinte 
forma: 
Vejamos cada um dos 13 princípios acima elencados. 
 
 
Parte II – Dos princípi os constitucionais penais 
 
 
1) PRINCÍPIO DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS 
O direito penal não serve para a tutela da moralidade, de funções governamentais, de uma 
ideologia, de uma religião etc. É sua missão tutelar os bens jurídicos (Roxin), como a vida, a 
integridade física, a liberdade sexual, o meio ambiente etc. Ademais, por conta do princípio 
da intervenção mínima, conforme se verá no item 2, somente os bens jurídicos mais 
relevantes devem ser objeto de proteção do direito penal (não sendo relevante o bem jurídico, 
não se justifica uma intervenção tão drástica do Estado, como é a que acontece por meio do 
direito penal). Os bens jurídicos de menor monta podem ser objeto de proteção de outras 
esferas do direito, como o comercial ou o civil. O adultério, por exemplo, foi retirado do campo 
penal (Lei 11.106/05), por se entender que a exigência de uma relação monogâmica entre o 
casal não era matéria de relevância penal. 
É necessário que o bem jurídico tutelado pelo direito penal esteja contemplado 
expressamente na Constituição? Não. Fundamental é que o bem jurídico não conflite com o 
quadro axiológico constitucional, isto é, com os valores que a Constituição contempla. Se a CF 
assegura o direito de reunião e de associação (art. 5º, incisos XVI e XVII), nenhuma lei penal 
pode incriminar esse direito (sendo inconstitucional qualquer dispositivo em sentido contrário 
– como é o caso do art. 39 da Lei das Contravenções Penais). 
 
 
2) PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA 
Não se trata de princípio previsto expressamente na Constituição, mas é das suas regras e 
princípios (dignidade humana, Estado democrático de Direito etc.) que extraímos a vertente 
político-criminal da intervenção mínima. Nos regimes absolutistas, totalitários ou autoritários 
(assim como nas ditaduras) o direito penal aparece em primeiro plano, porque o controle 
social é feito para gerar terror. De acordo com a concepção minimalista, o direito penal é 
instrumento de ultima ratio (só deve ser usada em último caso). O uso incontido ou 
desmedido do direito penal leva inexoravelmente ao estado policialesco. O direito penal, em 
suma, quando se transforma em instrumento de prima ratio perde seu caráter essencial de 
subsidiariedade. Isso é o que vem acontecendo com o direito desde o Código Penal de 1940, 
o mais punitivista de todos. Confia-se numa estridente intervenção simbólica (nos textos 
legais) como meio para a contenção da criminalidade (deterrance). A certeza do castigo 
sempre foi um objetivo postergado. No atual quadro de expansão do populismo punitivo, o 
uso desmedido do direito penal encontra amplo apoio popular e midiático. Isso significa que 
não vivemos numa democracia pura, sim, no campo punitivo o que vigora é a oclocracia 
(governo influenciado pelas massas). Na era do espetáculo as decisões político-criminais não 
são tomadas para mudar a realidade, sim, para promover mais espetáculo (Baratta). 
O princípio da intervenção mínima possui dois aspectos relevantes: fragmentariedade (o 
direito penal não protege todos os bens jurídicos de todas as ofensas a eles dirigidas) e 
subsidiariedade (sempre que outros meios de tutela forem igualmente eficazes, o direito 
penal não pode ser utilizado). 
A fragmentariedade no direito penal possui duas dimensões: 
- somente os bens mais relevantes devem receber a tutela penal; 
- exclusivamente os ataques mais intoleráveis a esses bens jurídicos relevantes é que devem 
ser punidos penalmente. 
O Direito tem condições de oferecer aos bens uma proteção diferenciada, que pode ser civil, 
administrativa, penal etc., devendo a tutela penal ser reservada para aquilo que efetivamente 
cause lesão ou perigo a um bem jurídico-penal de reconhecida relevância. “A lei apenas deve 
estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias” (Declaração dos Direitos do Homem 
e do Cidadão, 1789). 
Ataques ínfimos, irrisórios, devem ser regidos pelo princípio da insignificância. O princípio da 
insignificância tem como fundamento a fragmentariedade do direito penal. Não é exatamente 
a mesma coisa que intervenção mínima, senão uma manifestação dela. 
Princípio da insignificância: caracteriza inequívoco afastamento da tipicidade material pela 
ausência de grave ou relevante lesão ao bem jurídico no caso concreto (é também chamado 
de princípio da bagatela). Nós sustentamos dois tipos diferentes de bagatela: 1) bagatela 
própria: o fato, apesar de formalmente típico, já nasce irrelevante pela diminuta lesão ao bem 
 
jurídico (ex.: subtração de um shampoo em supermercado); 2) bagatela imprópria: o fato 
nasce penalmente relevante, mas a pena se torna desnecessária na situação concreta, 
normalmente porque o réu já sofre uma “pena natural” (experimenta enorme e 
desproporcional sofrimento em razão do seu delito). O parentesco da bagatela imprópria com 
as situações de perdão judicial é inevitável. Considere-se o exemplo do pai que mata filho em 
acidente de trânsito - § 5º do art. 121 do CP. Expressamente o Código Penal permite o perdão 
judicial.Fora dessas situações expressas, o juiz pode reconhecer concretamente a 
desnecessidade da pena nos termos do art. 59 do CP (para isso se exige que o agente tenha 
experimentado desproporcional sofrimento pelo seu fato – por exemplo: réu que tentou 
roubar R$ 10 reais da vítima, com ameaça, não violência, desarmado, primário, dinheiro 
restituído e que ficou preso, por exemplo, seis meses em razão desse fato; ademais se 
reconciliou com a vítima, explicando que “tudo não passou de uma bebedeira”). No final pode 
ser que o juiz entenda que a pena seja desnecessária. Com fundamento no art. 59 do CP pode 
reconhecer a bagatela imprópria, extinguindo-se a punibilidade do agente. 
A jurisprudência, normalmente, não vem admitindo a insignificância nos crimes dolosos 
praticados com emprego de violência ou grave ameaça (em especial o roubo). Pensamos que, 
em situações excepcionais, pode-se reconhecer a bagatela imprópria (que foi reconhecida 
pelo TRF 4ª Região num caso de descaminho, em que o total dos tributos era pouca coisa 
acima do admitido como fato insignificante). 
Não é preciso que o crime seja de menor potencial ofensivo (punido até dois anos) para a 
adoção da insignificância. No furto simples (punido com pena de até quatro anos de reclusão) 
a jurisprudência admite a insignificância. 
Do livro de Rogério Sanches (Direito penal-PG) extraímos, resumimos e atualizamos o seguinte 
quadro sobre o panorama jurisprudencial do princípio da insignificância (p. 74): 
 
 
 
 
Adequação social: outro princípio que exprime a fragmentariedade do direito penal é o da 
adequação social (não se pune os pais que perfuram as orelhas de uma criança para a 
colocação de brincos). A evolução social costuma modificar a valoração de alguns 
comportamentos tornando o repugnante em inofensivo com o tempo. Com base na 
constatação desse descompasso, Hans Welzel idealizou o princípio da adequação social que 
teria função parecida com o princípio da insignificância, sendo seus dois principais escopos: 
1) Restringir a abrangência do tipo penal, excluindo a tipicidade nas situações em que se 
constatasse a adequação social (função concreta); 2) Orientar a função seletiva do tipo 
funcionando ora para determinar a “incidência aflitiva” (na previsão de novos crimes) ora 
como catalisador da descriminalização de condutas (função abstrata). 
Princípio da desnecessidade concreta da pena: mais uma manifestação da fragmentariedade 
do direito penal reside no princípio da desnecessidade concreta da pena (também chamado 
de irrelevância penal do fato). Quando o fato não é necessitado de pena, como é o caso do 
perdão judicial ao pai que mata o filho em acidente de carro, não pode incidir o castigo penal. 
Condutas ou resultados considerados pela sociedade como adequados ou que por ela são 
social e amplamente tolerados (sem ferir preceitos constitucionais), não devem entrar no 
âmbito do direito penal. 
Subsidiariedade do direito penal: o direito penal só tem lugar quando outros ramos do 
sistema jurídico não se mostram suficientes para a prevenção e reprovação do fato. O direito 
penal é direito de ultima ratio (TJSP, AC 113.999-3, rel. Luiz Betanho). 
>>> Caso concreto: Há firme jurisprudência no nosso país no sentido de que não se 
configura o delito de desobediência quando existe sanção administrativa para a conduta. Isso 
constitui exemplo de subsidiariedade do direito penal. Em vários julgados, quando se trata de 
descumprimento de uma medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha, tem-
se entendido que não configura o crime de desobediência, tendo em vista que há previsão 
legal referente às consequências do descumprimento: aplicação de uma medida ainda mais 
severa, podendo-se chegar à prisão preventiva (desde que os requisitos se façam presentes) 
– STJ, 6ª T., REsp 1.374.653, j. em 11/03/2014. 
Por força do princípio da intervenção mínima, o que resulta constitucionalmente proibido no 
nosso país é o chamado direito penal máximo violador, dentre outros, dos princípios da 
culpabilidade e da proporcionalidade, que consiste no abuso do direito penal para atender 
finalidades ilegítimas (atemorização pela imposição de penas exemplares, por exemplo), para 
acalmar a ira da população etc. A utilização do direito penal traz um enorme custo individual 
e social e ele somente se justifica quando se estiver diante de um bem jurídico relevante que 
tenha sido ofendido de forma grave, e desde que outros recursos (instrumentos) não possam 
ser utilizados para se proteger tal bem. 
Análise crítica. O direito penal máximo, tal qual vem sendo sustentado, é desproporcional, 
desigual, abusivo e arbitrário (até porque, instrumentaliza uma pessoa para servir de exemplo 
para a sociedade, violando um dos imperativos éticos de Kant). Os defensores do direito penal 
 
máximo que vai além do que é justo são propagadores do estado de polícia. O direito penal 
deixa de cumprir seu papel de contenção do poder punitivo abusivo (Zaffaroni) quando 
instrumentaliza o ser humano. 
 
 
3) PRINCÍPIO DA MATERIALIZAÇÃO OU EXTERIORIZAÇÃO DO FATO (nullum 
crimen sine actio) 
Ninguém pode ser punido pelo que pensa (mera cogitação) ou pelo modo de viver. Só 
responde penalmente quem realiza um fato descrito como crime ou contravenção penal 
(direito penal do fato). Está proibido punir alguém pelo seu estilo de vida, ou seja, está vedado 
o chamado direito penal de autor, que pune o sujeito não pelo que ele fez, mas sim, pelo que 
ele é. A lei penal não punir o agente pelo que ele é, sim, pelo que ele faz (o direito penal do 
fato não se coaduna com o direito penal de autor). As pessoas não podem ser punidas pelo 
que são (judeus, vagabundas, ociosas, bruxas, hereges, inimigos do povo etc.). O direito penal 
de autor conduz ao estado policialesco, que favorece as concepções autoritárias ou 
totalitárias do poder punitivo (Muñoz Conde). A exacerbação do valor da reincidência (ela é 
constitucional, disse o STF, RE 453.000) constitui outra fonte de ilegitimidade do direito penal, 
assim como a ideia de periculosidade (que é usada para a decretação de prisões preventivas). 
>>> Ilustrando: O direito penal nazista, regido doutrinariamente pela denominada 
Escola de Kiel, é exemplo histórico de direito penal de autor. O agente, na época nazista, era 
punido não pelo que fazia, senão pelo que era: judeu, prostituta, homossexual, africano, 
latino-americano, portador de deficiência, idoso etc. O art. 59 da Lei das Contravenções Penais 
(Dec.-lei 3.688/41: vadiagem) também é um exemplo de direito penal de autor e, desse modo, 
inconstitucional. O abuso da prisão preventiva contra os criminosos “estereotipados”, 
particularmente quando não praticam crimes violentos, também se insere nesse contexto de 
“direito penal ou processual de autor” (o sujeito é preso, muitas vezes, pelo que ele “é” – 
pobre, marginalizado ou diretor de uma empresa, funcionário de uma estatal etc. –, não pelo 
que fez). 
O crime omissivo configura exceção ao princípio da materialização do fato? Não, porque a 
exteriorização da conduta acontece ou por meio de uma ação (crime comissivo) ou por 
intermédio da omissão (crime omissivo). A forma omissiva (não fazer o que a lei determina) é 
maneira de exteriorização de uma conduta penalmente relevante. O princípio da 
materialização do fato não pode ser entendido só em sentido naturalístico; ele conta com 
sentido jurídico e abrange tanto a ação como a omissão. O médico que deixa de prestar 
socorro a um paciente ferido que está dentro do hospital exterioriza uma conduta omissiva 
punível. 
Ainda em virtude do princípio da materialização do fato, quando não há conduta humana 
penalmente relevante (não é penalmenterelevante, p. ex., condutas praticadas sem 
consciência em estado de sonambulismo), não há que se falar em crime. A conduta humana 
voluntária é o primeiro requisito (formal) do fato típico; sem ela, não há que se falar em crime 
(porque não existe crime sem um fato tridimensionalmente típico: formalmente típico + 
materialmente típico + dolo ou culpa). 
 
Entrosando o iter criminis e o princípio da exteriorização do fato temos: 
 
 
4) PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DO FATO 
O fundamento do princípio da legalidade é a segurança jurídica. O poder público não pode 
interferir nos direitos pessoais arbitrariamente. O juiz não tem legitimidade democrática para 
criar um crime ou uma pena. Somente o legislador pode prever ingerências na liberdade 
humana. Uma das bases do princípio da legalidade reside na (controvertida) teoria da coação 
psicológica de Feuerbach (prevenção geral negativa): se o fim da cominação penal consiste na 
intimidação de delinquentes potenciais, a determinação psíquica que se pretende só pode ser 
alcançada se antes do fato é fixada na lei, da forma mais exata possível; é fundamental saber-
se qual é a ação proibida. Pois se falta uma lei prévia ou esta é pouco clara, não se poderá 
produzir o efeito intimidatório que se pretende, porque ninguém saberá se sua conduta pode 
acarretar uma pena ou não. A origem remota do princípio reside na Magna Carta do Rei João 
Sem Terra, de 1215, art. 39. 
O direito penal só pode exercer sua dupla função de limitar a liberdade e criar liberdade 
(Jescheck) ou constituir-se na Magna Carta do delinquente (von Liszt) se se sabe, prévia e 
precisamente, o que está proibido e o que é permitido. O âmbito do proibido penalmente 
vem delineado na lei, e só um Estado de Direito, como vimos até aqui, pode garantir o 
princípio da reserva legal (que hoje é entendido como reserva legal proporcional). 
O princípio da legalidade criminal (não há crime sem lei) e penal (não há pena sem lei) 
encontra-se previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU) de 1948 (art. 11, 
II), na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades 
Fundamentais de 1950, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 (art. 15, 
I), na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 9.º). Consolidou-se no direito penal 
por obra do Iluminismo e de Beccaria (Dos delitos e das penas). Logo que a burguesia 
ascendente assumiu o poder (1789), preocupou-se em estampar o princípio da legalidade nas 
leis e constituições (como a Maryland, de 1776). Feuerbach o contemplou no Código Penal da 
Baviera de 1813.Teoricamente o princípio da legalidade foi imaginado para evitar 
irracionalidades (tais como as cometidas durante a Monarquia). 
As quatro dimensões do princípio da legalidade no direito criminal (direito penal, processo 
penal e execução penal) são: 
1) princípio da legalidade criminal: “não há crime sem lei anterior que o defina” (CP, art. 1.o) 
– nullum crimen sine lege; 
2) princípio da legalidade penal: “não há pena sem prévia cominação legal” (CP, art. 1.o) – 
nulla poena sine lege; 
Ambos os princípios acima estão constitucionalizados: Constituição Federal (art. 5º, XXXIX): 
“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. 
 
3) princípio da legalidade jurisdicional ou processual: não há processo sem lei, ou seja, 
ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (nulla 
coatio sine lege – CF, art. 5º, inc. LIV) ou nemo damnetur nisi per legale iudicium; 
4) princípio da legalidade execucional: “a jurisdição penal dos juízes ou tribunais de justiça 
ordinária, em todo o território nacional, será exercida, no processo de execução, na 
conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal” (LEP, art. 2º) – nulla executio sine lege. 
No campo penal o princípio da legalidade constitui a fonte da norma penal assim como do 
tipo penal (tipo penal é o conjunto dos requisitos que fundamentam uma determinada ofensa 
a um bem jurídico. São várias as dimensões de garantia do princípio da legalidade criminal. 
Oito delas valem também para a legalidade penal. São elas: 
1.a) lex scripta (lei escrita): nosso Direito pertence à (família da) civil law, não à common law, 
isto é, entre nós, o que vale (para fins incriminadores) é o direito escrito (publicado no diário 
oficial), não os costumes ou apenas os precedentes jurisprudenciais. Não há crime sem lei 
anterior que o defina. Isso significa, desde logo, que apenas e exclusivamente a lei é que 
define crime no nosso país. Os costumes não servem para essa finalidade. Tampouco a 
jurisprudência. Podem os costumes ser válidos para a interpretação da lei penal, 
particularmente em favor do réu, mas não criam crime ou pena. 
A jurisprudência, como se vê, não é fonte direta de incriminação no Brasil, mas como o 
legislador vem editando (cada vez mais) leis penais vagas, a margem interpretativa dos juízes 
vem se ampliando na mesma proporção. Esse é o caso do Regime Disciplinar Diferenciado 
(RDD), previsto no art. 52 e ss. da Lei de Execução Penal (que usa padrões linguísticos 
extremamente vagos). A interpretação extensiva para além da vontade do legislador está se 
tornando frequente (e isso viola a garantia da lex scripta). 
Para ter vigência a lei precisa ser aprovada, promulgada, sancionada e publicada. Só pode ter 
valor jurídico a lei publicada na imprensa oficial (Diário Oficial). E desde que publicada sem 
vícios. 
>>> Caso concreto: Na Lei 9.639/98 publicou-se um parágrafo único ao art. 11 que 
concedia anistia ampla nos crimes previdenciários. Descobriu-se depois que esse parágrafo 
não havia sido discutido no Congresso. Sendo assim, era absolutamente inconstitucional. 
Jurisprudência pacífica passou a reconhecer essa inconstitucionalidade. (TRF 3.a Região – RC 
1999.61.81.001152-6 – rel. Theotonio Costa – DJU 10.04.2001, Seção 2, p. 243). 
2.a) lex populi (lei popular, lei do Parlamento): Só pode definir crime a lei formalmente 
discutida e aprovada pelo Parlamento (TFR, ED, rel. Assis Toledo, RTFR 149, p. 277). Somente 
os representantes diretos do povo é que podem deliberar sobre o proibido (preceito primário 
da norma incriminadora) ou sobre a sancionabilidade do fato (preceito secundário da norma 
incriminadora). Nessa questão reside a fundamentação democrático-representativa do 
direito penal. 
 
Não se pode confundir o princípio da legalidade criminal com o princípio da reserva legal ou 
mesmo com o princípio da anterioridade. Vejamos: 
- princípio da legalidade: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa 
senão em virtude de lei” (CF, art. 5º, inc. II). Princípio da legalidade criminal significa que não 
há crime sem lei (CF, art. 5º, XXXIX; CP, art. 1º). Conta hoje com várias dimensões de garantia. 
Dentre elas acham-se o princípio da reserva legal e o da anterioridade. 
- princípio da reserva legal: significa que em matéria penal somente o legislador pode intervir 
para prever crimes e penas ou medida de segurança (garantia da lex populi). Reserva legal, 
em síntese, significa reserva de lei aprovada pelo Parlamento, de acordo com o procedimento 
legislativo previsto na Constituição. No direito penal, em se tratando de normas 
incriminadoras, vigora o princípio da legalidade, aliás, mais que isso, vigora o (plus) da reserva 
legal. Medida provisória, por exemplo, como veremos em seguida, não pode criar crime ou 
pena. Na atualidade a reserva legal deve ser entendida como reserva legal proporcional 
(voltaremos ao tema detalhadamente mais abaixo). 
>>> Aprofundando: em direito constitucional existe a legalidade em sentido amplo e 
a legalidade em sentido estrito. Legalidade em sentidoamplo é a prevista no inciso segundo 
do art. 5º da CF (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em 
virtude de lei”). Esse dispositivo aceita que qualquer espécie normativa limite a liberdade 
individual, até mesmo os atos normativos infralegais, como decretos e portarias. Em todas as 
demais passagens em que a Constituição demandar de forma expressa a exigência de lei para 
regular determinado assunto estaremos na presença da legalidade em sentido estrito e aqui 
teremos então a exigência de lei em sentido estrito, ou seja, lei editada pelo Parlamento (leis 
ordinárias, leis complementares etc.), não podendo estes temas ser regulados de forma 
autônoma por atos infralegais. É fácil reconhecer tais hipóteses, basta que o dispositivo 
constitucional tenha em sua redação os dizeres “conforme a lei”, “em virtude da lei”, “de 
acordo com a lei” etc. É justamente isso que verificamos na legalidade penal quando o art. 5º 
inciso XXXIX, afirma que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia 
cominação legal”. Para que o Estado edite previsões com comportamento que considere 
criminoso ele só poderá fazê-lo através de lei em sentido estrito. A legalidade penal, portanto, 
é legalidade em sentido estrito (ou seja: há aqui uma reserva legal). Mais: é cláusula pétrea. 
- Por força do princípio da anterioridade a lei penal nova deve entrar em vigor antes e só vale 
para fatos posteriores à vigência (veremos o tema mais detalhadamente abaixo). 
Constituição Federal: a punição dos fatos ou agentes concretos depende de uma lei penal, não 
da Constituição. O poder punitivo nasce da lei. Não existe um direito fundamental da vítima 
de obter a condenação penal do agente que violou direitos constitucionais. Não há a 
legalidade invertida. A Constituição nunca pode ser fonte direta da incriminação. Sem lei 
aprovada pelo parlamento não existe o ius puniendi. 
>>> Aprofundando: legalidade sob o ponto de vista formal significa submissão ao 
processo legislativo correto. Significa que o ato estatal que tem por consequência a privação 
 
da liberdade do indivíduo deve se formar pelo rito que a Constituição estabelece como sendo 
o rito de formação da lei (iniciativa, discussão e votação, promulgação e publicação – devido 
processo legislativo). O princípio da legalidade em sentido amplo abrange todas as espécies 
normativas do art. 59 da CF. Já a reserva legal toma a expressão lei no sentido estrito, 
conforme distinção originária do direito constitucional acima destacada. E o que seria lei em 
sentido estrito? Seria, segundo a doutrina, lei editada pelo parlamento conforme o processo 
legislativo respectivo. Dissecando as espécies legislativas do artigo 59 da CF quais seriam as 
aptas a prever crime e cominar pena? Vejamos: 
- Emendas constitucionais – Não existe previsão de crime e pena na CF, logo não poderia haver 
uma Emenda para prever crime ou pena. O que existe na CF são os chamados mandados 
criminalizantes (ou penalizantes), que são matérias em que o legislador infraconstitucional 
tem a obrigação de criminalizar (ou penalizar), como por exemplo: racismo (art. 5º, XLII), 
tortura (art. 5º, XLIII), condutas lesivas ao meio ambiente (225). Ou seja, na verdade a lei que 
irá tratar do assunto é infraconstitucional e na CF consta apenas o comando para que o 
legislador atue na matéria. Existe mandado criminalizante (ou de criminalização) não 
cumprido pelo legislador infraconstitucional? Sim, o inciso XLIV do artigo 5º da CF (o legislador 
não criminalizou a “ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional 
e o Estado democrático; o terrorismo ainda não foi criminalizado de forma adequada (o art. 
20 da lei 7170/83 é extremamente vago e viola o princípio da taxatividade). 
- Leis complementares – é lei em sentido estrito. Existe crime em lei complementar? Sim. Art. 
25 da LC 64/90 (Art. 25. Constitui crime eleitoral a arguição de inelegibilidade, ou a 
impugnação de registro de candidato feito por interferência do poder econômico, desvio ou 
abuso do poder de autoridade, deduzida de forma temerária ou de manifesta má-fé: Pena: 
detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) vezes o valor 
do Bônus do Tesouro Nacional (BTN) e, no caso de sua extinção, de título público que o 
substitua.) 
- Leis ordinárias – é lei em sentido estrito. Normalmente as previsões de crime estão em leis 
ordinárias, excepcionalmente em complementares. 
- Medidas Provisórias – Não é lei em sentido estrito por ser editada pelo Executivo (vide abaixo 
o tópico específico sobre medida provisória). 
- Leis Delegadas – Art. 68, §1º, II da CF/88 veda que a lei delegada discipline sobre direitos 
individuais. 
- Decretos Legislativos – é editado pelo parlamento, no entanto tem um rol de matérias 
específico na CF e nele não consta a previsão para atuação em seara penal. 
- Resoluções - é editado pelo parlamento, no entanto tem um rol de matérias específico na CF 
e nele não consta a previsão para atuação em seara penal. Em síntese: apenas leis ordinárias 
e complementares podem criar crimes e penas. 
 
Medidas provisórias: não podem, consequentemente, descrever crime ou pena ou mesmo 
cuidar diretamente de qualquer aspecto punitivo penal (CF, art. 62, § 1.o, I, b). O direito penal, 
pelas suas implicações na esfera dos direitos fundamentais da pessoa, não pode emanar só 
do Executivo. A lei primeiro é aprovada pelo Parlamento. Depois é sancionada pelo Executivo. 
E se a medida provisória for convertida em lei? Nesse caso sua validade se dá a partir da lei, 
como expressão da vontade do Parlamento, e não da data da medida provisória. Podem tais 
medidas, entretanto, beneficiar o réu, autorizando, por exemplo, uma determinada conduta 
descrita formalmente em lei penal. 
>>> Caso concreto: Foi o que aconteceu com a Medida Provisória 1.710, que criou um 
programa antipoluição, permitindo que as empresas possam poluir até determinados níveis e 
gradativamente reduzindo esses níveis. A conduta autorizada por uma norma (sendo 
favorável ao réu) não pode estar no âmbito da proibição de outra (teoria da tipicidade 
conglobante de Zaffaroni, que estudaremos dentro da tipicidade material). No entanto, há 
entendimento jurisprudencial no sentido de que medida provisória não pode beneficiar o 
agente (Nesse sentido, STJ, REsp 270.163, rel. Gilson Dipp, j. 06.06.2002, DJU 05.08.2002, p. 
373, que refutou a aplicabilidade da MP 1.571, nos crimes previdenciários). Posição do STF: O 
STF, no RE 254.818-PR, rel. Sepúlveda Pertence, discutindo os efeitos benéficos introduzidos 
no nosso ordenamento jurídico pela Medida Provisória 1.571/97 (6ª e 7ª edições – essas 
edições permitiram o parcelamento de débitos tributários e previdenciários, com efeito 
extintivo da punibilidade) proclamou a sua validade. Para o STF as medidas provisórias podem 
beneficiar o réu. Nossa posição: Concordamos com o posicionamento do STF. Em favor do réu 
cabe inclusive analogia. Até mesmo os costumes podem beneficiá-lo. Nesse contexto, não há 
como afastar a possibilidade de as medidas provisórias beneficiarem o agente. O princípio da 
legalidade estrita em direito penal impede a medida provisória contra o réu, não em seu favor. 
A MP 1.571/97, tendo sido convalidada pela Lei 9.639/98, que suspendeu validamente a 
aplicabilidade da norma contida no art. 95, d, da Lei 8.212/91, tinha que ser aplicada em favor 
do réu. A questão das fontes do direito penal deve ser bem compreendida. Uma coisa é a adoção 
de medidas que restringem a liberdade; outra bem diferente é a solução quando a medida 
amplia o direito à liberdade e diminui o espaço do ius puniendi. Ninguém discute a validade 
de causas supralegaisde exclusão do delito (consentimento da vítima, inexigibilidade de 
conduta diversa, etc.). Se até causas supralegais são admitidas para excluir o delito, com mais 
razão devemos acolher a medida provisória que beneficie o réu (pro reo). 
No quadro abaixo podemos visualizar o tema de forma esquemática: 
 
Decreto-lei: muitas leis penais no nosso país foram instituídas por decreto-lei (o próprio 
Código Penal, por exemplo). Outro exemplo: Dec.-lei 3.688/41, que instituiu a Lei das 
Contravenções Penais. São reputadas válidas porque quando editadas o ordenamento 
constitucional assim permitia (STJ, RHC 5.416, rel. Adhemar Maciel, DJU de 26.08.1996, p. 
29.725). 
Tratados internacionais: Coube ao STF, no HC 96.007/SP, Primeira Turma, rel. Min. Marco 
Aurélio, j. 12/06/12, DJe-027, divulgação 07/02/13, publicação 08/02/13, corrigir o grande 
equívoco do STJ, que admitia a possibilidade de tratado internacional (Tratado de Palermo, 
concretamente) definir crime no âmbito do direito penal interno. O STF, não admitindo o 
Tratado de Palermo como fonte normativa válida para o direito interno, respeitou a garantia 
da lex populi. A existência de um tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. A Lei 
9.034/95 não definia o que se entende por crime organizado (ou organização criminosa), o 
que somente aconteceu com a Lei 12.850/13. Diante dessa lacuna (até o advento da Lei 
12.850/13), pretendeu-se supri-la com a utilização do Tratado de Palermo, que cuida da 
criminalidade organizada transnacional. Era uma maneira de tentar burlar a garantia do 
princípio da legalidade. Afirmava-se que o referido tratado passou a vigorar no Brasil por meio 
do Decreto 5.015/2004, logo, assim estaria atendido o princípio da legalidade. Por vários 
motivos a tese não foi aceita (veja HC 96.007): (a) porque só se pode criar crime e pena por 
meio de uma lei formal (aprovada pelo Parlamento, consoante o procedimento legislativo 
constitucional); (b) o decreto viola a garantia da lex populi, ou seja, lei aprovada pelo 
parlamento (decreto não é lei); (c) quando o Congresso aprova um Tratado ele o ratifica, 
porém, ratificar não é aprovar uma lei; (d) mesmo que o tratado tivesse validade para o efeito 
de criar no Brasil o crime organizado, mesmo assim, ele não contempla nenhum tipo de pena 
(argumento do ministro Marco Aurélio) e, sem ameaça de pena não existe crime; (e) o tratado 
foi feito para o crime organizado transnacional, logo, só poderia ser aplicado para crimes 
internos por meio de analogia, contra o réu, que é proibida. 
3.a) lex certa (lei certa): a lei penal deve ser indiscutível em seus termos, isto é, taxativa 
(princípio da taxatividade). Não pode descrever o crime de forma vaga, aberta ou lacunosa. A 
segurança jurídica do cidadão exige precisão no texto legal, a fim de que possa ser 
compreendido. São contrárias à garantia da legalidade material as leis que descrevem os 
delitos ou restrições de direitos fundamentais de forma vaga e imprecisa, deixando nas mãos 
dos juízes a definição do delito (ou a definição do campo das restrições de direitos). A 
disciplina jurídica do RDD (regime disciplinar diferenciado), no art. 52 e ss. da Lei de Execução 
 
Penal, constitui exemplo paradigmático da violação do princípio da taxatividade das normas 
penas restritivas de direitos. Por força do estado policialesco, nunca o princípio da legalidade 
deixou de experimentar um certo tipo de esvaziamento (em sua função de garantia). 
Tal imposição, no entanto, não impede que o legislador se utilize, vez ou outra, após uma 
enumeração casuística, uma formulação genérica que deve ser interpretada de acordo com 
os casos anteriormente elencados. Ex.: CP, art. 121, § 2º, IV: “Matar alguém... à traição, de 
emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a 
defesa do ofendido”. Cabe ao juiz em cada caso concreto verificar a existência desse outro 
recurso que dificulte a defesa do ofendido. Por exemplo: a surpresa. Trata-se de um caso de 
interpretação analógica (que é admitida no direito penal). Não se confunde com a analogia, 
que somente é admitida quando for favorável do réu (analogia in bonam partem). 
A lei penal em branco (lei em que o preceito primário da norma penal só descreve uma parte 
do delito, deixando seu complemento para outra fonte normativa – exemplo: todas as leis que 
punem o tráfico de drogas) não é inconstitucional se o legislador cuidou do conteúdo proibido, 
deixando para outra fonte normativa apenas o complemento. Ela é inconstitucional quando 
o legislador deixa o conteúdo proibido por conta da norma complementar. Voltaremos ao 
tema da lei penal em branco quando do estudo do art. 3º do CP (que cuida das leis penais 
excepcionais e temporárias). 
4.a) lex clara (lei clara): lei clara é a lei inteligível, compreensível. O legislador deve utilizar 
expressões que possam ser entendidas pela população (cuida-se de velha reivindicação de 
Beccaria). De outro lado, o melhor seria que todas as leis penais fossem inseridas num só 
código (reserva de código), pois, desta forma, estariam todas elas organizadas sistêmica e 
racionalmente, resultando, por consequência, numa melhor apreensão pela sociedade do 
âmbito do que é proibido. Quanto mais esparsas as leis, menos inteligíveis são. Isso conduz, 
em alguns casos, ao reconhecimento do erro de proibição. 
5.a) lex determinata (lei determinada): a lei penal deve descrever fatos empiricamente 
comprováveis, isto é, passíveis de demonstração em juízo. Uma lei penal que previsse crime 
ambiental relacionado com a água de outro planeta seria inválida (diante da impossibilidade 
de comprovação desse fato). A legalidade estrita deve descrever condutas que sejam 
verificáveis, ou seja, empiricamente demonstráveis (Ferrajoli). 
6.ª) lex rationabilis: nos dias atuais, se a justiça é o valor-meta do Estado Democrático de 
Direito é absolutamente inatendível o velho brocardo que diz: Lex quanvis irrationabilis, 
dummodo sit clara (a lei, ainda que irracional, sendo clara, tem de ser aplicada). O que deve 
imperar (no vigente Estado de Direito) é exatamente o contrário: a lei irracional não deve ser 
aplicada,4 porque inconstitucional. Nesse caso, aplica-se a Lei Maior, para negar validade à 
inválida lei ordinária. O STJ (no HC 239.363) declarou a inconstitucionalidade do preceito 
 
4 Sobre a irracionalidade da criminalização da arma de brinquedo cf. GOMES, Luiz Flávio. 
Estudos de direito penal e processo penal. São Paulo: RT, 1998, p. 133 e ss. É certo que esse 
delito desapareceu com o novo Estatuto do Desarmamento. 
 
secundário do artigo 273, parágrafo 1º-B, inciso V, do Código Penal (por se tratar de pena sem 
razoabilidade). A pena do delito de venda de produto destinado a fins terapêuticos ou 
medicinais de procedência ignorada é de reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. 
Trata-se de pena totalmente irracional (quase o dobro do homicídio, no patamar mínimo). No 
caso, após o esvaziamento do preceito secundário do delito, o STJ determinou que a 
reprimenda cabível seria a do art. 33 da lei 11.343/06 (5 a 15 anos). 
No voto proferido no RE 635.659-SP (20/8/15) o min. Gilmar Mendes, admitindo a 
inconstitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas (que pune com sanções penais quem porta 
drogas para uso pessoal), com base na doutrina e na jurisprudência da Alemanha, bem 
sintetizou as atuais exigências emanadas do princípio da proporcionalidade. Seu voto faz 
contraponto com o RE 430.105 (rel. min. Sepúlveda Pertence, 24/4/07), que admitiu apenas 
a despenalização (infração com caráter penal, sem pena de prisão) do porte de drogas para 
uso pessoal, sem chegar na descriminalização.>>> Aprofundando. Do voto do min. Gilmar Mendes extraímos o seguinte: 1) o 
controle de constitucionalidade das normais penais tem como eixo a proteção dos direitos 
fundamentais; 2) o Estado tem o dever de proteger os bens jurídicos mais relevantes, mas 
conta com limites; 3) muitos são os mandados de criminalização contidos na CF de 1988 (um 
dos catálogos mais amplos em termos de direito comparado); 4) o Estado se obriga “não 
apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face do Poder Público, como, também, 
a garantir os direitos fundamentais contra agressão de terceiros”; 5) os direitos fundamentais 
não são apenas proibições de intervenção do Estado; são também postulados de proteção; 
não são apenas proibição de excesso, senão também proibição de proteção insuficiente 
(Claus-Wilhelm Canaris); 6) a ordem constitucional fundada nos direitos fundamentais irradia 
sua força para a ordem legal; 7) o Estado deve intervir para protegê-los; 8) a tutela penal, no 
entanto, pertence à “discrição legislativa”, porém, sempre subordinada ao princípio da 
proporcionalidade, que envolve a apreciação da necessidade e adequação da providência 
adotada; 9) essa orientação “permitiu converter o princípio da reserva legal no princípio da 
reserva legal proporcional”, o que “pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e 
dos fins perseguidos, como, igualmente, a adequação dos meios para a consecução dos 
objetivos pretendidos e a necessidade de sua utilização”; 10) de um lado, “exigências de que 
as medidas interventivas se mostrem adequadas ao cumprimento dos objetivos pretendidos. 
De outra parte, o pressuposto de que nenhum meio menos gravoso revelar-se-ia igualmente 
eficaz para a consecução dos objetivos almejados. Em outros termos, o meio não será 
necessário se o objetivo pretendido puder ser alcançado com adoção de medida que se revele, 
a um só tempo, adequada e menos onerosa”; 11) ao juiz compete fazer o controle de 
constitucionalidades das normas penais, de acordo com os parâmetros assinalados. 
Socorrendo-se da doutrina jurisprudencial alemã (Corte Constitucional - caso 
Mitbestimmungsgesetz, 1978 BVerfGE 50, 290), o min. Gilmar Mendes discorreu sobre os três 
níveis de controle de intervenção ou restrição a direitos fundamentais: a) controle de 
evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle); e c) 
controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle). Por força do primeiro 
 
examina-se a idoneidade da medida para a proteção dos direitos fundamentais; “a norma 
somente poderá ser declarada inconstitucional quando as medidas adotadas pelo legislador 
se mostrarem claramente inidôneas para a efetiva proteção do bem jurídico fundamental”; 
não são parâmetros abstratos que justificam esse controle. No segundo nível, “o controle de 
justificabilidade está orientado a verificar se a decisão legislativa foi tomada após uma 
apreciação objetiva e justificável de todas as fontes de conhecimento então disponíveis”; cabe 
verificar “se o legislador levantou e considerou, diligente e suficientemente, todas as 
informações disponíveis, e se realizou prognósticos sobre as consequências da aplicação da 
norma. Enfim, se o legislador se valeu de sua margem de ação de maneira sustentável”. No 
terceiro nível poderia o juiz desconsiderar as valorações feitas pelo legislador na etapa 
anterior (esse terceiro nível está praticamente descartado em razão da dificuldade de se 
valorar a intensidade das análises do legislador feitas no segundo momento). 
No voto citado se lê que o enfoque penal em relação ao usuário é uma medida totalmente 
inadequada (inidônea) para se alcançar a política de prevenção ao uso de drogas, porque gera 
estigmatização e afeta a personalidade dos jovens (que são a maioria das pessoas 
selecionadas pelo sistema – cerca de 75% segundo pesquisas invocadas no citado voto). 
Ademais, não se distinguiu objetivamente o “usuário” do “traficante”. Há incongruência entre 
a criminalização e os objetivos fixados pelo legislador. No que diz respeito ao controle de 
justificabilidade “não existem estudos suficientes ou incontroversos que revelem ser a 
repressão ao consumo o instrumento mais eficiente para o combate ao tráfico de drogas. Pelo 
contrário, apesar da denominada “guerra às drogas”, é notório o aumento do tráfico nas 
últimas décadas”. Os estudos (citados no voto) mostram que a descriminalização não 
significou aumento no número de usuários de drogas. A criminalização da posse de drogas 
“para consumo pessoal”, ademais, “afeta o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, 
em suas diversas manifestações”. 
 7.a) lex stricta (lei estrita): a lei penal restritiva de direitos fundamentais deve ser interpretada 
estritamente (restritivamente). O juiz não pode criar crimes, nem sequer por meio da analgia. 
Sendo assim, está proibida a analogia contra o réu (leia-se: in malam partem). Admite-se, 
contudo, a analogia em benefício do acusado (in bonam partem). Analogia significa aplicar a 
um caso não regulado pelo direito uma lei que foi prevista para outra situação. Onde se pune 
o furto “para si ou para outrem” (CP, art. 155) não se pode criminalizar, por analogia contra o 
réu, a “subtração de uso” (uso momentâneo e restituição imediata da coisa). O art. 128, II, do 
CP, contempla uma norma permissiva do aborto, realizado por médico, quando a gravidez 
resulta de estupro. Se um terceiro fizer esse aborto, preenchidos todos os requisitos legais, 
pode-se aplicar a norma permissiva em favor desse terceiro (aqui teríamos uma analogia in 
bonam partem). 
8.a) lex praevia (lei prévia): a garantia da lei prévia exprime o princípio da anterioridade que 
significa que a lei penal deve entrar em vigor antes e só vale para fatos que ocorram a partir 
dela (CP, art. 1.o). A lei penal nova incriminadora não retroage, isto é, não alcança fatos 
passados. A lei dos crimes hediondos que entrou em vigor em 1990 não pôde ser aplicada 
 
para fatos anteriores. A Lei 12.850/13, que definiu o crime organizado, não pode aplicar para 
fatos anteriores. Lei nova mais favorável retroage em favor do agente (CF, art. 5º, inc. XL). 
9.a) nulla lex sine iniuria (a lei deve descrever uma forma de ofensa ao bem jurídico): a lei 
penal deve utilizar sempre verbos que retratem uma ofensa ao bem jurídico: “matar”, 
“subtrair”, “constranger” etc. Deve descrever com clareza a forma de ataque a esse bem. Essa 
garantia emana do princípio da ofensividade (não há crime sem lesão ou perigo concreto de 
lesão ao bem jurídico tutelado). O princípio da ofensividade (que alguns autores chamam de 
lesividade), por sua vez, faz parte da tipicidade material, que tem pertinência dentro da 
concepção tridimensional da tipicidade que seguimos (tipicidade formal + material + dolo ou 
culpa). 
Validade das garantias. Todas essas dimensões de garantia emanadas da legalidade criminal 
valem inclusive para as medidas de segurança (aplicáveis aos condenados que sofrem de 
doença mental, por exemplo), que estão sujeitas também ao princípio da anterioridade (lex 
praevia). Valem ainda (ipsis litteris) para as contravenções penais (Decreto Lei 3.688/41), que 
são espécies de infração penal. 
 
 
5) PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE (do fato) 
O fato cometido formalmente típico (adequado à letra da lei), para se transformar em crime 
deve também afetar o bem jurídico protegido pela norma penal; a norma penal não é apenas 
impositiva (determinativa); antes de tudo ela é valorativa (existe para proteger um bem 
jurídico que foi valorado positivamente); se a norma protege um valor que se transforma (no 
direito penal) em bem jurídico, não há crime sem lesão ou perigo de lesão ao bemjurídico 
tutelado – nullum crimen sine iniuria. Alguns autores preferem a denominação princípio da 
lesividade5. Na práxis, as duas palavras são usadas indistintamente. 
A ideia é simples: ninguém pode ser punido por mera atitude interna (mera intenção), posto 
que o fato deve ser exteriorizado (princípio da materialização do fato) e, mais que isso, esse 
mesmo fato deve afetar de forma significativa o bem jurídico protegido pela norma. Se o velho 
conceito de culpabilidade impede a responsabilidade penal sem um ato de vontade do agente 
(está proibido o direito penal do ânimo ou da intenção; o crime impossível, por força do art. 
17 do CP, não tem nenhuma sanção), o novo princípio da ofensividade exige que dessa 
vontade exteriorizada nasça uma ofensa ao bem jurídico protegido (lesão ou perigo de lesão). 
A provecta concepção da culpabilidade é o limite subjetivo da responsabilidade penal. A 
ofensividade é o patamar mínimo para que isso aconteça. 
Se o fato for formalmente típico (adequado à letra da lei), mas não efetivamente ofensivo ao 
bem jurídico (lesão ou perigo de lesão), não haverá crime (TACRIM-SP, AC 1.031.723-5, rel. 
Márcio Bártoli). Ex.: O falso só é crime quando potencialmente lesivo ao bem jurídico; assim, 
uma falsificação grosseira afasta o delito (STJ, RHC 5.298, rel. Vicente Cernicchiaro, DJU 
16.12.96, p. 50.953). Essa ofensa ao bem jurídico, ademais, deve ser significativa. Quando não 
se trata de uma ofensa significativa, aplica-se o princípio da insignificância (ou da bagatela), 
excluindo a tipicidade (material) do fato (STF, HC 84.412-SP). Tudo isso hoje pertente ao 
campo da tipicidade material. 
Em virtude do princípio da ofensividade está proibido no direito penal o perigo abstrato 
presumido (o perigo é presumido quando se dispensa a prova de sua existência, bastando a 
periculosidade definida pelo legislador em critérios abstratos e genéricos). No perigo abstrato 
presumido o legislador passa a cumprir papel processual, dispensando a acusação de provar 
a perigosidade (ou lesividade) real da conduta do agente. O legislador sai do campo da 
delimitação do âmbito do proibido para interferir na esfera probatória. Trata-se de uma 
atividade imprópria e inconstitucional, por violação ao princípio da presunção de inocência 
(que somente pode ser derrubada quando há prova da culpabilidade do agente). 
>>> Aprofundando. O limite máximo de atendimento do princípio da ofensividade é o 
perigo abstrato de perigosidade real (no delito de embriaguez ao volante, previsto no art. 306 
 
5 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula 
Zomer; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 4. ed. São Paulo: RT, 
2014, p. 239-333; ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. 
Derecho penal: parte general. Buenos Aires: Ediar, 2001. 
 
do Código de Trânsito brasileiro, não basta que o condutor tenha ingerido bebida alcoólica ou 
outra substância, é indispensável que conduza o veículo “sob a influência” dessa substância, 
com alteração da capacidade psicomotora; essa influência assim como essa alteração 
somente pode ser comprovada com uma “direção anormal” (zigue-zague, passar no 
vermelho, entrar na contramão etc.). Esse é o perigo abstrato de perigosidade real, que 
distingue o delito de embriaguez ao volante da infração administrativa idêntica, prevista no 
art. 165 do CTB). 
Acolhendo-se o princípio da ofensividade (ou lesividade) tornam-se inconstitucionais (por 
violação aos princípios da presunção de inocência, proporcionalidade etc.) os crimes de perigo 
abstrato presumido. Vamos comparar a redação original do crime de embriaguez ao volante 
(art. 306 do CTB) com a redação atual (ou mesmo com a de 2008): 
>>> Aprofundando. Pela redação original não bastava que o motorista estivesse sob 
efeito do álcool, pois era necessário demonstrar que ele dirigia expondo a perigo os demais 
motoristas e eventuais transeuntes, ou mesmo o patrimônio alheio a dano, ainda que em 
caráter potencial. A partir de 2008 se estabeleceu uma presunção absoluta de que o motorista 
expunha a todos a risco pelo simples fato de dirigir tendo antes ingerido álcool (ainda que 
nada de anormal ficasse demonstrado quanto à sua forma de guiar o veículo). Na redação 
atual exige-se (a) não apenas a ingestão de álcool ou outra substância psicoativa que 
determine dependência, senão também (b) que o motorista esteja sob a “influência” dessa 
substância e (c) que esteja dirigindo com sua “capacidade psicomotora alterada”. Como se 
provam esses dois últimos requisitos: demonstrando-se no processo uma condução anormal 
(ziguezague, subir calçada, entrar na contramão, bater em um poste etc.). É isso que se chama 
“perigosidade real”. Sua comprovação derruba a presunção de inocência. Logo, o perigo 
abstrato de perigosidade real é o limite máximo permitido pelo princípio da ofensividade (que 
conflita totalmente com o perigo abstrato presumido). Contra o réu imputável nada pode ser 
presumido no direito penal. 
 
>>> Outro caso concreto: Para quem desconsidera o princípio da ofensividade, há 
crime no porte de arma de fogo quebrada ou desmuniciada (ou seja: não apta a funcionar). 
Essa concepção, entretanto, é inconstitucional, pois não se pode restringir direitos 
fundamentais básicos como a liberdade ou o patrimônio sem que seja para tutelar concretas 
ofensas a outros direitos fundamentais de igual importância. Entendendo que o porte de arma 
desmuniciada não constitui crime: STF, HC 81.057. Se a arma não está apta para uso, não 
coloca os bens jurídicos primariamente protegidos pela lei que incrimina o porte de arma 
ilegal. Em sentido contrário: STF, HC 117.206/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 
05.11.2013, DJe-228, divulg 19.11.2013, public 20.11.2013. Consta na ementa: “[...] 2. Porte 
ilegal de arma de fogo de uso permitido é crime de mera conduta e de perigo abstrato. O 
objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, mas a segurança pública e a paz social, 
sendo irrelevante estar a arma de fogo desmuniciada. 3. Ordem denegada”; STJ, AgRg no 
AREsp 367860/MG, 6ª Turma, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 11.11.2014, DJe 01.12.2014. 
Consta na ementa: “É pacífico, no âmbito desta Corte Superior, como bem ressaltado pela 
Terceira Seção, nos autos do AgRg nos EAREsp n. 260.556/SC, o entendimento de que, para a 
configuração do tipo penal de porte ilegal de arma de fogo, é irrelevante o fato de a arma 
estar desmuniciada, visto se tratar de delito de mera conduta ou de perigo abstrato, cujo 
objeto jurídico imediato é a segurança jurídica.” A jurisprudência não está fazendo a distinção 
entre perigo abstrato presumido e perigo abstrato de perigosidade real, que é o patamar 
mínimo para o reconhecimento da constitucionalidade da norma penal. 
O princípio da ofensividade está atrelado à concepção dualista da norma penal, isto é, ela é 
(a) valorativa (existe para a proteção de um valor, que se transforma no bem jurídico 
protegido) e (b) imperativa (impõe uma determinada pauta de conduta a todos). Ela vale, 
ademais, frente a todas as pessoas (norma primária), assim como diante do juiz, que deve 
aplicar o castigo previsto quando o agente infringe o aspecto imperativo da norma penal. A 
norma penal primária, por seu turno, conta com duas dimensões: (a) preceito primário 
(âmbito do proibido) e (b) preceito secundário (âmbito da ameaça da pena). 
A norma penal existe para tutelar um bem jurídico relevante e sem ofensa a esse bem não há 
delito (tem-se aqui o que modernamente é denominado de tipicidade material). Daí se conclui 
que o crime exige, sempre: 
- desvalor da ação: a realização deuma conduta valorada negativamente e geradora de um 
risco proibido; 
- desvalor do resultado: afetação do bem jurídico que a norma pretende tutelar. 
Sem ambos os desvalores não há crime. É inconciliável com o direito penal da ofensividade a 
concepção do crime como mera desobediência à norma ou como mera violação de um dever. 
Impõe-se o devido ajuste do direito penal à Constituição. Posição do STF sobre o assunto: HC 
81.057-SP (posse de arma sem munição não configura nenhum crime). No perigo abstrato 
presumido só existe o desvalor da ação (de periculosidade presumida pelo legislador). Falta-
lhe o desvalor do resultado (e não existe crime sem o desvalor do resultado, que é a ofensa 
 
ao bem jurídico protegido). Admitir em direito penal o perigo abstrato presumido significa 
conceber o delito como mera desobediência da norma, tal como fizera o nazismo de Hitler, 
consoante a Escola de Kiel, chefiada por Dahn e Schaffestein. 
>>> Aprofundando. Sobre os crimes de perigo abstrato (como é o caso da posse de 
drogas para uso pessoal) o ministro Gilmar Mendes, no RE 635.659-SP, ponderou o seguinte: 
neles o legislador formula uma presunção (que muitos supões seja absoluta) de 
periculosidade de uma determinada conduta frente ao bem jurídico que se pretende 
proteger. O perigo, nesse sentido, “não é concreto, mas apenas abstrato. Não é necessário, 
portanto, que, no caso concreto, a lesão ou o perigo de lesão venham a se efetivar. O delito 
estará consumado com a mera conduta descrita na lei penal”. Concluiu o ministro que isso 
está autorizado pelo legislador, mas que sobre esses crimes os juízes devem promover 
criteriosos controles de constitucionalidade. O escapou ao ministro foi o seguinte: hoje 
distinguimos os crimes de perigo abstrato presumido dos crimes de perigo abstrato de 
perigosidade real (quando então deve-se comprovar a perigosidade efetiva da conduta, sem 
necessidade de apresentar uma vítima concreta; essa seria a interpretação correta do art. 306 
do Código de Trânsito Brasileiro, que prevê o crime de embriaguez ao volante; a conduta 
anormal – ziguezague, violação do sinal vermelho etc. – configura a perigosidade real exigida). 
Os delitos de perigo abstrato de perigosidade real seria o limite máximo do direito penal. Com 
isso refutamos o perigo abstrato presumido (pelo legislador). A atividade legislativa de 
produção de tipos de perigo abstrato deve, por isso, “ser objeto de rígida fiscalização a 
respeito de sua constitucionalidade”. O ministro Gilmar Mendes menciona em seu voto dois 
precedentes do STF: (a) o RE 583.523, com repercussão geral, de sua relatoria (j. 13.10.2013, 
Tribunal Pleno), em que declarada, por unanimidade, a inconstitucionalidade da 
criminalização da posse não justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto 
(artigo 25, do Decreto-Lei n. 3.688/1941); (b) a ADI 3112/DF, de relatoria do Ministro Ricardo 
Lewandowski (j. 2.5.2007, Tribunal Pleno), na qual se alegou a inconstitucionalidade de 
diversos dispositivos do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2013), restou assentado, 
após juízo de ponderação com base no princípio da proporcionalidade, que a proibição de 
fiança para os delitos de "porte ilegal de arma de fogo de uso permitido" e de "disparo de 
arma de fogo" mostrava-se desarrazoada, por se tratar de crimes de mera conduta, que não 
se equiparam aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade”. 
 
 
6) PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE 
Não há pena sem culpabilidade (nulla poena sine culpa). O princípio da culpabilidade, em suas 
origens, reunia em torno de si muitas ideias: (a) de que a responsabilidade penal é pessoal 
(não familiar, societária etc.); (b) de que ninguém pode ser responsabilizado pelo fato de 
outrem; (c) de que a responsabilidade penal é subjetiva (não objetiva); (d) de que ninguém 
pode ser responsabilizado salvo por uma conduta voluntária etc. Na atualidade, todas essas 
dimensões antigas (mas garantistas) da culpabilidade foram ganhando autonomia (como 
veremos nos itens seguintes). Da velha concepção da culpabilidade como limite da 
responsabilidade penal nasceram os princípios da responsabilidade pessoal e subjetiva. Seu 
conteúdo não foi desprezado. Novas roupagens para garantias antigas. 
Prepondera hoje (na ciência penal) não o conceito clássico de culpabilidade, sim, o dogmático, 
que a vê como fundamento da pena (não há pena sem culpabilidade) e puro juízo de 
reprovação do agente, que podia se motivar de acordo com a norma e comportar-se de forma 
distinta, conforme o direito. O poder de se motivar de acordo com a norma e agir de modo 
diverso, conforme o direito, constituem a essência atual do princípio da culpabilidade, que, 
por seu turno, expressa o fundamento e o limite da pena. Em suma, quando se fala no 
princípio da culpabilidade temos que prestar atenção nas suas duas dimensões: a clássica 
(antiga), que cataloga as primeiras ideias de limitação do poder punitivo estatal, e a nova 
(dogmática). 
Do ponto de vista dogmático, a velha concepção psicológica ou psicológico-normativa da 
culpabilidade (vínculo do agente com seu fato), que inseria o dolo ou a culpa em seu seio, foi 
abandonada. Dolo e culpa, a partir da teoria da ação finalista de Welzel, foram deslocados 
para o campo da tipicidade. Com isso esvaziou-se todo o conteúdo subjetivo da culpabilidade, 
que se transformou num conceito puramente normativo (juízo de valor ou de reprovação do 
agente do fato). 
Não pode ser penalmente responsabilizado quem: 
- não tinha capacidade de entender, em tese, o sentido das proibições (não tinha capacidade 
de se motivar de acordo com a norma); 
- não tinha capacidade de querer (inimputáveis); 
- não tinha acesso ao sentido da ilicitude concreta; 
- não podia comportar-se de forma distinta (conforme as circunstâncias de cada caso 
concreto). 
São requisitos (normativos) da culpabilidade: (a) imputabilidade; (b) a potencial consciência 
da ilicitude e (c) a exigibilidade de conduta diversa (conforme o direito). Cabe ao juiz examinar 
em cada caso concreto as oportunidades efetivas do agente de conhecer a norma proibida 
assim como de se comportar de forma diversa (conforme o direito). A pena deve ser dosada 
 
de acordo com a condições objetivas de cada um, seu grau de instrução, seus conhecimentos 
etc. Quanto mais vulnerável a pessoa, em tese, menos reprovável é sua conduta ligada a essa 
vulnerabilidade (Zaffaroni). 
O princípio da culpabilidade, em suma, dogmaticamente falando, significa: (a) que não há 
pena sem culpabilidade; e (b) que está proibida a responsabilidade penal de quem não podia 
se motivar de acordo com a norma e agir de modo diverso (inimputabilidade, erro de 
proibição etc.). Trata-se de princípio não expresso na Constituição, mas que encontra 
fundamento na dignidade humana. 
Todas as causas de exclusão da culpabilidade (inimputabilidade por loucura, erro de proibição, 
coação moral irresistível etc.), chamadas de eximentes ou dirimentes, afetam a possibilidade 
de se motivar de acordo com a norma ou de agir de modo diverso, conforme o Direito. 
Se a culpabilidade é juízo de reprovação realizado sobre o agente do fato, verifica-se que ela 
consiste na ligação entre a teoria do delito (crime) e a teoria da pena, ou seja, a culpabilidade 
é fundamento para aplicação de pena ao agente. Ela não pertence ao conceito de crime (de 
acordo com a corrente de pensamento que seguimos). Sua posição topográfica é a de fazer o 
elo entre o crime e a pena. Sem culpabilidade não existe pena. Ela se distingue da 
periculosidade, que é o fundamento da medida de segurança. Ao louco inimputável não se 
aplica pena por falta de culpabilidade. Ele, no entanto, sofre

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