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Uma missionária da educação (André Petry)

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Veja - SP
29/04/2013 - 14:39
Uma missionária da educação
Wendy Kopp nunca deu aula nem estudou pedagogia, mas lidera uma revolução nas
escolas que começou há mais de duas décadas nos EUA e está agora em outros 25
países
André Petry
Quando estava no último ano da Universidade Princeton, Wendy Kopp teve uma ideia que a
todos pareceu maluca. Ela se propôs a recrutar alguns dos mais brilhantes universitários recém-
formados e colocá-Ias para dar aula nas escolas mais miseráveis dos Estados Unidos.
Apostou-se que ela conseguiria convencer algumas dezenas. Wendy queria 500. Conseguiu
2500. Assim começou o Teach for America, que hoje tem 10400 professores lecionando para
750000 crianças americanas. Com o nome de Ensina!, o programa chegou a outros 25 países,
entre os quais Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru. No Brasil, ele emperrou. Na sala
onde deu entrevista a VEJA, há uma mensagem na parede: "Acredite nas suas ideias malucas".
A senhora já disse que, se tivesse experiência em educação, não teria criado o Teach for
America. Por quê? Quando estava me formando em Princeton, no fim dos anos 80, sentia uma
urgência em criar algo como o Teach for America. Acho que esse sentimento era nutrido pela
minha ingenuidade e inexperiência. Eu não sabia o que era impossível, e toquei em frente. Se
soubesse, talvez não tivesse feito o que fiz.
Os universitários que aderem ao programa também são movidos por certa ingenuidade?
Sempre digo que precisamos deles agora, já, quando ainda são capazes de fazer, entre aspas,
perguntas malucas, quando ainda são capazes de perseguir aquilo que outros julgam
impossível. É ilusão achar que eles podem pegar o diploma, fazer carreira e depois voltar para
dar aula aos pobres. Não é assim que funciona.
De onde veio o modelo de recrutar os melhores formandos e despachá-Ios para as escolas
pobres por dois anos? Na minha época de faculdade, o pessoal de Wall Street batia à porta dos
universitários mais brilhantes para convencê-Ias a trabalhar por dois anos no mercado
financeiro. Eram agressivos no recrutamento. Talvez por isso nossa geração era chamada de
"geração eu", porque, aparentemente, só estávamos preocupados em enriquecer. Eu percebia
que essa caracterização era equivocada. O clima nas universidades era outro, as pessoas
estavam em busca de algo significativo, transformador. Então, pensei em recrutar os melhores,
exatamente como Wall Street, e convidá-Ias a passar os primeiros dois anos fora da
universidade dando aula nas comunidades mais pobres do país. Muitos imaginavam que
ninguém se interessaria. Deuse o contrário. Na verdade, o interesse também é imenso em
outros países.
Inclusive no Brasil? Sim. O Ensina! começou no Rio de Janeiro com a ideia de selecionar trinta
jovens. Apareceram 2400 candidatos, número retumbante. Conversei com os selecionados.
São jovens incríveis, bem formados e talentosas, à altura dos melhores universitários
americanos que recrutamos.
Por que o Ensina! foi interrompido? Logo no começo do trabalho, as circunstâncias mudaram. A
prefeitura do Rio não conseguiu garantir que nossos professores dessem aula no horário
regular da escola. Então, eles passaram a lecionar depois do horário normal, como se fosse um
reforço escolar. Mas esse não é o nosso modelo. Nos Estados Unidos e nos outros 25 países
onde atuamos, nossos professores estão na sala de aula regular, assumindo integral
responsabilidade pelo sucesso de seus alunos. Por isso, depois de dois anos, o trabalho foi
suspenso. Agora o Ensina! está em busca de novas parcerias com estados e prefeituras. Tenho
certeza de que o Ensina! será um sucesso no Brasil. É só uma questão de acertar os ponteiros.
Os professores tradicionais ficam incomodados com a chegada de gente sem formação
pedagógica para dar aula? Cada país tem suas peculiaridades. Nos Estados Unidos, quando
começamos, em 1989, o primeiro passo foi colocar professores do Teach for America em
escolas onde havia falta de professores tradicionais, Agora, temos gente em todos os tipos de
escola, Em geral, nossos professores são recrutados através de um processo altamente
seletivo, passam cinco semanas em treinamento intensivo e são então colocados nas escolas,
contratados pelos governos, São professores assim como os demais.
Entre os recrutados, há formandos em pedagogia? Qualquer um pode se candidatar, mas não
gastamos nossa energia procurando formandos em pedagogia, De todos os nossos
professores, cerca de 3% se formaram em pedagogia.
Por que tão poucos? É evidente que há estudantes fantásticos de pedagogia, mas, na média,
eles não representam os universitários academicamente mais promissores, Nosso processo é
muito seletivo, Procuramos jovens capazes de exercer liderança excepcional dentro da sala de
aula, não importa a faculdade que tenham cursado. Nem sempre esses critérios nos levam ao
pessoal da pedagogia. Além disso, o problema é que muitos dos estudantes de pedagogia não
querem dar aula nas comunidades pobres, que são o nosso alvo.
A senhora acha que o Congresso americano deveria acabar, ou ser mais flexível, com a
obrigatoriedade de certificação de professores? É uma questão delicada, Por um lado, devemos
nos preocupar em aumentar a qualidade dos professores. Por outro, não há correlação entre a
exigência de certificação e a qualidade dos professores. Ou seja: gastamos bilhões de dólares
em um sistema ineficiente, que exclui muita gente boa da sala de aula, Se estivéssemos
criando nosso sistema agora, acho que não optaríamos pelo modelo atual. Deveríamos, em vez
de pedir a certificação, apenas exigir que os professores fossem inteiramente responsáveis pelo
sucesso dos alunos. Ponto.
Um bom professor nasce ou é criado? É criado. Procuramos selecionar universitários com
certas características, Escolhemos aqueles que acreditam no potencial de todas as crianças,
que são incansáveis na busca dos objetivos, que perseveram diante dos desafios, que são
capazes de influenciar e motivar os alunos. Mas, além dessas qualidades, eles precisam
aprender a trabalhar com crianças e adquirir habilidades e conhecimentos para virar
professores mais eficazes, mais decisivos. E tudo isso é ensinado.
O que define um bom professor? No contexto em que trabalhamos, de escolas em comunidades
desfavorecidas, o bom professor é o bom líder. Em nossa rede no Paquistão, há o caso
exemplar da professora Anam Palla. Ela recebeu uma turma de sessenta meninas que estavam
estudando na cidade para depois voltar para sua comunidade, casar e ter filhos. As garotas
cursavam o 10 ano do ensino médio, mas tinham um atraso acadêmico de quatro a cinco anos.
Estavam no caminho do fracasso. Anam Palla definiu que seu objetivo seria preparar todas elas
para entrar nas melhores universidades, se quisessem. Ela foi incansável. Encontrou-se com os
pais das meninas, estabeleceu um regime de trabalho duro. Algumas meninas voltaram para
sua comunidade para casar e ter filhos, mas se tornaram defensoras da educação,
convencendo outras farrulias a mandar as filhas à escola. Outras acabaram nas melhores
universidades. O que fez a diferença? Só tenho uma resposta: Anam Palla é uma grande líder.
Qual é a melhor estratégia pedagógica? Vi tantas que deram certo e tantas que deram errado
que hoje acredito no seguinte: é preciso oferecer meios para que professores e diretores
assumam responsabilidade integral pelo sucesso acadêmico dos alunos. Eles precisam ter
poder, flexibilidade para definir o currículo, decidir como o dinheiro será gasto. Numa situação
precária, faz sentido impor um currículo, mas tudo depende de como ele é implementado.
O que acontece com os professores depois de dois anos dando aula? A experiência de ensinar
em comunidades de baixa renda não tem impacto apenas nas crianças, mas também nos
professores. Depois dos dois anos regulares, entre 60% e 70% dos professores estabeleceram-
se na área da educação como professores, diretores de escola, formuladores de políticasde
educação. Na Índia, ninguém acreditava que os universitários se interessariam pelo programa.
Tivemos 11 000 candidatos no primeiro ano, em 2008, e 70% seguiram na área da educação.
Nos Estados Unidos, em pouco mais de vinte anos, 37000 deram aula e 80% têm hoje
empregos relacionados à educação. Lembre-se: a quase totalidade desses jovens brilhantes
não era da área de educação.
A taxa de retenção também é alta no meio rural? É menor, mas significativa. Há pouco, visitei o
Delta do Mississippi, onde atuamos há duas décadas. Helena, uma comunidade muito pobre no
Arkansas, além da tradicional escola de ensino médio que sempre teve, hoje conta com mais
quatro escolas, todas dirigidas por ex-membros do Teach for America. Antes, 5% das crianças
de Helena iam para a universidade. Hoje, todas estão no caminho do ensino superior.
Perguntei à comunidade o que havia mudado nesses vinte anos. As pessoas disseram: a
expectativa em relação às crianças. Um jovem contou que, em 1994, eram raros os estudantes
que faziam o teste para a universidade e, quando tiravam 17, 18 ou 19, era uma festa. Agora, o
sobrinho dele, que ainda está no 2° ano do ensino médio, fez o teste, tirou 24 e eles querem
saber como fazer para que ele chegue a 28 e possa entrar em qualquer universidade. Seis
crianças de Helena entraram na Universidade Vanderbilt neste ano.
Onde a presença do Teach for America fez mais diferença? Por muitos anos, Nova Orleans foi
considerada a cidade mais complicada do país. Nada parecia funcionar. Depois do furacão
Katrina, veio à tona a dramática realidade das escolas. Crianças do 8° ano tinham o mesmo
nível das do 2° ano. Um desastre. Em cinco anos, o porcentual de crianças que atingem o
padrão exigido pelo estado mais do que dobrou. Cerca . de 40% dos diretores de escola são
exmembros do Teach for America. O atual secretário de Educação de Louisiana também
pertenceu ao nosso programa.
Já é possível avaliar o impacto do programa em outros países? Estamos há dez anos na
Inglaterra. O sucesso é enorme. Cerca de 60% dos recrutados ficam na área da educação.
Estive há pouco em Londres e visitei a King Solomon Academy, que faz um trabalho
extraordinário. Lá, as crianças do 5° ano estão no nível das do 7° ano das escolas na
vizinhança. Sou otimista quanto ao futuro. Os problemas da educação são muito parecidos em
todos os países, o que significa que as soluções podem ser compartilhadas.
Se fosse possível copiar o sistema educacional de algum país, qual deveria ser o escolhido?
Todo mundo está infeliz com seu sistema educacional. Na Coreia do Sul, quem diria, o nível de
insatisfação é abissal. Falei com empreendedores sociais, estudantes, empresários,
autoridades do governo. Todos dizem que o sistema está falido.
Mas, nas provas internacionais, os coreanos não estão entre os melhores? Os pais pagam para
os filhos irem a academias privadas, que ensinam o que a escola regular não ensina. Os alunos
entram às 3 da tarde e saem às 11 da noite. O dado relevante na Coreia é o poder de uma
cultura que valoriza a educação. Se as crianças não estão aprendendo na escola, em algum
outro lugar elas terão de aprender.
A senhora teve um professor favorito? Tive dois. Ambos me mostraram que meu potencial era
maior do que eu imaginava. Por coincidência, os dois trabalhavam com a escrita. Sei escrever
por causa deles. E escrever direito me serviu tanto na vida...
É verdade que a senhora coloca o despertador para 3 ou 4 da manhã? É verdade. Meu ideal é
deitar às 9 da noite, e gosto de ter algumas horas para mim antes que as crianças acordem.
(Wendy tem filhos de 13, 11, 9 e 5 anos.)
A senhora conhece os professores dos seus filhos? Lógico, conheço todos.
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