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LITERATURA 
BRASILEIRA III 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LITERATURA BRASILEIRA III 
 
ANA CLÁUDIA FÉLIX GUALBERTO 
 
 
Caros estudantes, boas vindas a todos vocês! 
 
 
A disciplina Literatura Brasileira III foi dividida em duas Unidades, para que você possa 
assimilar da melhor maneira possível as discussões aqui sugeridas. Aspectos relevantes deste 
período e importantes conceitos analíticos, teóricos e críticos foram distribuídos, ressaltando-
se aspectos como contextualização histórica, principais produções literárias, autores 
representativos de maneiras do fazer literário, fragmentos de suas principais obras, alguns 
comentários críticos e, principalmente, possíveis leituras destes textos. 
Na primeira Unidade, iremos tratar de um dos maiores nomes da Literatura Brasileira, 
Machado de Assis. Neste momento, transitaremos pelos contos e romances machadianos a 
fim de desvendar algumas das particularidades de sua escrita e, assim, conhecer um pouco 
mais os múltiplos Machados. Nesse tópico, leremos algumas narrativas de Machado e 
estabeleceremos um diálogo com outras produções literárias. O objetivo principal dessa 
Unidade é você conhecer a diversidade da obra de Machado de Assis e a sua importância para 
a maturidade da prosa brasileira. 
Na segunda Unidade, estabeleceremos interfaces da literatura realista e naturalista 
com uma temática bastante em voga na contemporaneidade: a questão da raça. Aqui você irá 
trabalhar com algumas narrativas que abordaram este tema, além de textos teóricos para 
subsidiar o debate. Ao finalizar esta Unidade, há indicações para o estudo da poesia deste 
período, que será explorado, exclusivamente, no Ambiente Virtual de Aprendizagem. 
É interessante ressaltar que, sempre que possível, será feita uma relação entre a 
leitura e a prática docente, para que você possa (re)pensar sua experiência em sala de aula. 
Esperamos que você aproveite estas semanas para pesquisar, ler e compartilhar suas 
experiências. 
Aproveite as leituras e participe das discussões sugeridas! 
UNIDADE I 
O MÚLTIPLO MACHADO DE ASSIS 
 
Ilustração sobre Machado de Assis, 
para a revista Entre Livros, publicada 
pela Editora Duetto, ano 2006. 
 
Apresentação 
 
 
Nesta primeira Unidade iremos nos deter em um dos escritores de maior destaque da 
Literatura Brasileira: Machado de Assis. A obra de Machado de Assis, de acordo com a 
historiografia literária, está inserida no Realismo. Você poderá perguntar: quais foram os 
critérios utilizados para esta classificação? A resposta para este questionamento está centrada 
no processo de canonização literário. 
A fim de buscar uma possível resposta para o questionamento inicial 
crítica literária a classificar esse autor como 
linguagem é utilizada em seus textos e quais são as temáticas, geralmente, abordadas por 
Machado. 
O nosso percurso analítico terá início com a trajetória e a obra em prosa de Machado de 
Assis. Aproveite, agora, para m
como cenário o Rio de Janeiro.
 
Machado de Assis: os vários
 
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no morro do Livramento, no Rio de Janeiro, a 
21 de junho de 1839. Seu pai, o mulato forro F
escravos, pintor e dourador de profissão, sabia ler e escrever, o que não era comum entre os 
de sua classe social. A mãe era portuguesa, Maria Leolpodina Machado da Câmara nascera na 
ilha de São Miguel, nos Açores. A família de Machado de Assis vivia como agregada à imensa 
chácara de Maria José de Mendonça Barroso Pereira. Machado viveu na chácara do 
Livramento até os 15 anos de idade.
 
Machado afasta
onde aprendera as primeiras lições sobre os contrastes dos destinos 
humanos e as desigualdades sociais. Ali, sentira o despertar de desejos de 
ascensão social, o inconformismo com a pobreza, a sedução pelo mundo dos 
ricos e dos po
 
1
 MACHADO, Ubiratan. O enigma do Cosme Velho
1998. p. 18. 
Caso você esteja esquecido do conceito 
Cânon 
na Biblioteca Virtual desta disciplina. 
REIS, Roberto. Cânon. In: JOBIM, J. Luís (Org.). 
e conceitos no estudo da literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992. 
Agora é 
com 
você
A fim de buscar uma possível resposta para o questionamento inicial 
crítica literária a classificar esse autor como realista? – observaremos de que modo a 
linguagem é utilizada em seus textos e quais são as temáticas, geralmente, abordadas por 
O nosso percurso analítico terá início com a trajetória e a obra em prosa de Machado de 
Assis. Aproveite, agora, para mergulhar na vida literária do Brasil do final do Século XIX tendo 
como cenário o Rio de Janeiro. 
Machado de Assis: os vários 
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no morro do Livramento, no Rio de Janeiro, a 
21 de junho de 1839. Seu pai, o mulato forro Francisco José de Assis, carioca da gema, neto de 
escravos, pintor e dourador de profissão, sabia ler e escrever, o que não era comum entre os 
de sua classe social. A mãe era portuguesa, Maria Leolpodina Machado da Câmara nascera na 
Açores. A família de Machado de Assis vivia como agregada à imensa 
chácara de Maria José de Mendonça Barroso Pereira. Machado viveu na chácara do 
Livramento até os 15 anos de idade.1 Conforme Ubiratan Machado: 
Machado afasta-se da chácara, mas nunca se libertaria de seu ambiente, 
onde aprendera as primeiras lições sobre os contrastes dos destinos 
humanos e as desigualdades sociais. Ali, sentira o despertar de desejos de 
ascensão social, o inconformismo com a pobreza, a sedução pelo mundo dos 
ricos e dos poderosos, dos quais procurou se acercar durante toda a vida. A 
 
enigma do Cosme Velho. In: Machado de Assis: uma revisão. Rio de Janeiro: In
Caso você esteja esquecido do conceito cânone para a Literatura, leia o texto 
Cânon de Roberto Reis que aborda esta temática, que se encontra disponível 
na Biblioteca Virtual desta disciplina. 
REIS, Roberto. Cânon. In: JOBIM, J. Luís (Org.). Palavras da crítica:
e conceitos no estudo da literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992. 
 
A fim de buscar uma possível resposta para o questionamento inicial – O que levou a 
observaremos de que modo a 
linguagem é utilizada em seus textos e quais são as temáticas, geralmente, abordadas por 
O nosso percurso analítico terá início com a trajetória e a obra em prosa de Machado de 
ergulhar na vida literária do Brasil do final do Século XIX tendo 
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no morro do Livramento, no Rio de Janeiro, a 
rancisco José de Assis, carioca da gema, neto de 
escravos, pintor e dourador de profissão, sabia ler e escrever, o que não era comum entre os 
de sua classe social. A mãe era portuguesa, Maria Leolpodina Machado da Câmara nascera na 
Açores. A família de Machado de Assis vivia como agregada à imensa 
chácara de Maria José de Mendonça Barroso Pereira. Machado viveu na chácara do 
bertaria de seu ambiente, 
onde aprendera as primeiras lições sobre os contrastes dos destinos 
humanos e as desigualdades sociais. Ali, sentira o despertar de desejos de 
ascensão social, o inconformismo com a pobreza, a sedução pelo mundo dos 
derosos, dos quais procurou se acercar durante toda a vida. A 
: uma revisão. Rio de Janeiro: In-Fólio, 
para a Literatura, leia o texto 
de Roberto Reis que aborda esta temática, que se encontra disponível 
Palavras da crítica: tendências 
e conceitos no estudo da literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992. 
chácara do Livramento se incorporara ao seu espírito e seria recriada, 40 
anos depois, em forma de ficção, na novela Casa velha.
2
 
 
Machado demonstra sua vocação para as letras quando ingressa na imprensa. Nesta 
ocasião, publicara mais de 50 trabalhos, a maioria poemas de um romancista piegas, sem 
qualquer originalidade. No entanto, a prática jornalística diária exerceu uma influência sensível 
sobre a sua escrita literária. Obrigou-o a escrever com simplicidade e graça,a evitar “os 
colarinhos do estilo grave”. Como cronista, se habituaria a flertar com o leitor, a instigá-lo, a 
dialogar com ele, o que se tornaria uma marca de seus romances da maturidade.3 
Mas o que seria esta “maturidade” em relação à obra machadiana? No que diz 
respeito à produção literária, é comum a crítica dividir a vida de Machado de Assis nitidamente 
em duas partes: até 1879, a preparação, e depois, a realização. Entre estas duas fases, ocorre 
uma enfermidade passada em Nova Friburgo, em um isolamento a dois: ele e sua esposa, 
Carolina Augusta de Novaes. Machado publicou nove romances ao todo: quatro no período de 
preparação ou “crescimento”, Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874) e Helena (1876); três 
no da maturidade, Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891) e Dom 
Casmurro (1899); e dois na fase de “dissecação” ou de recuo, Esaú e Jacó (1904) e Memorial de 
Aires (1908).4 
Conforme alguns críticos e historiadores literários, o laboratório operoso do artesão 
Machado de Assis é percebido nos contos. É o que afirma em primeira mão José Veríssimo: 
 
Do conto foi ele, se não o iniciador, um dos primeiros cultores e porventura 
o primacial escritor na língua portuguesa. Efetivamente ninguém jamais 
nesta contou com tão leve graça, tão fino espírito, tamanha naturalidade, 
tão fértil e graciosa imaginação, psicologia tão arguta, maneira tão 
interessante e expressão tão cabal, historietas, casos, anedotas de pura 
fantasia ou de perfeita verossimilhança, tudo recoberto e realçado de 
emoção muito particular, que varia entre amarga e prazenteira, mas 
infalivelmente discreta. Histórias de amor, estados d’alma, rasgos de 
costumes, tipos, ficções da história ou da vida, casos de consciência, 
caracteres, gente e hábitos de toda a casta, feições do nosso viver, nossos 
mais íntimos sentimentos e mais peculiares idiossincrasias, acha-se tudo 
superior e excelentemente representado, por um milagre de transposição 
 
2
 Id., p. 19. 
3
 Id., p. 21. 
4
 PICCHIO, Luciana Stegagno. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997. p. 273-
293. 
artística, nos seus contos. E sem vestígio de esforço, naturalmente, 
estilo maravilhoso de vernaculidade, de precisão, de elegância.
 
 Os contos foram publicados em coletâneas que ponteiam toda a vida do escritor e 
preenchem os vazios editoriais que medeiam entre os romances: 
Histórias da meia-noite (1873), 
histórias (1896), Páginas recolhidas
S. Picchio, dos cento e setenta e oito textos publicados, os maiores êxitos nesse univ
“Cantiga de esponsais”, “O espelho”, “Missa do galo”, “O alienista”, “Uns braços”, “D. 
Benedita”, “Trio em lá menor”, “Um homem célebre”.
E você, conhece alguns dos contos ou romances citados acima? De qual você mais 
gosta? Saiba que além do romancista e do contista, restam outros Machados: o autor de 
teatro, o crítico, o epistológrafo, o poeta. 
 
 
No primeiro link você poderá encontrar, a
Assis: um mestre na periferia 
vídeo traz informações sobre a vida do autor e o contexto histórico em que ele produziu suas 
obras, incluindo também depoimentos de especialistas na obra machadiana. 
 
5
 VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasile
Departamento Nacional do Livro, 1915. Disponível em: 
<http://p.download.uol.com.br/cultvox/livros_gratis/historia_da_literatura_brasileira.pdf
11/dez./2009. 
6
 PICCHIO, op. cit., p. 288. 
Aproveite para conhecer mais a obra machadiana visitando alguns 
sites
http://machado.mec.gov.br/ (acesso realizado em 11/dez./2009). 
http://www.machadodeassis.org.br/ (acesso realizado em 
12/dez./2009).
artística, nos seus contos. E sem vestígio de esforço, naturalmente, 
estilo maravilhoso de vernaculidade, de precisão, de elegância.
Os contos foram publicados em coletâneas que ponteiam toda a vida do escritor e 
preenchem os vazios editoriais que medeiam entre os romances: Contos fluminenses 
(1873), Papéis avulsos (1882), Histórias sem data 
Páginas recolhidas (1899), Relíquias de casa velha (1906). Conforme Luciana 
S. Picchio, dos cento e setenta e oito textos publicados, os maiores êxitos nesse univ
“Cantiga de esponsais”, “O espelho”, “Missa do galo”, “O alienista”, “Uns braços”, “D. 
Benedita”, “Trio em lá menor”, “Um homem célebre”.6 
E você, conhece alguns dos contos ou romances citados acima? De qual você mais 
gosta? Saiba que além do romancista e do contista, restam outros Machados: o autor de 
teatro, o crítico, o epistológrafo, o poeta. 
No primeiro link você poderá encontrar, além da obra completa, o vídeo 
Assis: um mestre na periferia produzido pela TV Escola para a série Mestres da Literatura. 
vídeo traz informações sobre a vida do autor e o contexto histórico em que ele produziu suas 
poimentos de especialistas na obra machadiana. 
 
História da Literatura Brasileira. Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional, 
Departamento Nacional do Livro, 1915. Disponível em: 
http://p.download.uol.com.br/cultvox/livros_gratis/historia_da_literatura_brasileira.pdf>. Acesso realizado em 
Aproveite para conhecer mais a obra machadiana visitando alguns 
sites que contêm toda a produção literária deste autor: 
http://machado.mec.gov.br/ (acesso realizado em 11/dez./2009). 
http://www.machadodeassis.org.br/ (acesso realizado em 
12/dez./2009).
artística, nos seus contos. E sem vestígio de esforço, naturalmente, num 
estilo maravilhoso de vernaculidade, de precisão, de elegância.
5
 
Os contos foram publicados em coletâneas que ponteiam toda a vida do escritor e 
Contos fluminenses (1870), 
Histórias sem data (1884), Várias 
(1906). Conforme Luciana 
S. Picchio, dos cento e setenta e oito textos publicados, os maiores êxitos nesse universo são: 
“Cantiga de esponsais”, “O espelho”, “Missa do galo”, “O alienista”, “Uns braços”, “D. 
E você, conhece alguns dos contos ou romances citados acima? De qual você mais 
gosta? Saiba que além do romancista e do contista, restam outros Machados: o autor de 
 
lém da obra completa, o vídeo Machado de 
Mestres da Literatura. Este 
vídeo traz informações sobre a vida do autor e o contexto histórico em que ele produziu suas 
 
Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional, 
>. Acesso realizado em 
Aproveite para conhecer mais a obra machadiana visitando alguns 
que contêm toda a produção literária deste autor: 
http://machado.mec.gov.br/ (acesso realizado em 11/dez./2009). 
http://www.machadodeassis.org.br/ (acesso realizado em 
Após conhecer um pouco da biografia e da bibliografia em prosa de Machado, iremos 
agora nos deter na análise de três contos: “O espelho”, “Missa do Galo” e “Último capítulo”. 
Antes de continuar a leitura do
Virtual e leia estes três contos, só assim será possível acompanhar o estudo destas narrativas. 
Aproveite para ler outros contos, depois sugira no mural da disciplina os mais aprazíveis. Boa 
leitura!! 
 
 
 
2 O espelho 
Acesse os seguintes endereços eletrônicos para ver o vídeo:
Machado de Assis: um mestre na periferia parte 1 
http://www.youtube.com/watch?v=mIsVRZJocTQ&feature=related
Machado de Assis: um mestre na periferia parte 2
http://www.youtube.com/watch?v=OEsz4fxZAYA&feature=related
Machado de Assis: um mestre na periferia parte 3
http://www.youtube.com/watch?v=bmEvW6ogWh4&feature=related
Acesso realizado em 21/nov./2009.
Agora é 
com 
você
Após conhecer um pouco da biografia e da bibliografia em prosa de Machado, iremos 
agora nos deter na análise de três contos: “O espelho”, “Missa do Galo” e “Último capítulo”. 
Antes de continuar a leitura do material impresso, é necessário que você vá até a Biblioteca 
Virtual e leia estes três contos, só assim será possível acompanhar o estudo destas narrativas. 
Aproveite para leroutros contos, depois sugira no mural da disciplina os mais aprazíveis. Boa 
 
 
O espelho de um momento 
 
Ele dissipa o dia, 
Mostra aos homens as imagens desligadas da aparência,
Rouba aos homens a possibilidade de distração. 
Ele é duro como a pedra, 
A pedra informe, 
A pedra do movimento e da visão, 
E seu brilho é tal que todas as armaduras, todas as máscaras diante 
dele se desfiguram. 
O que a mão pegou desdenha de tomar a forma da mão,
O que se compreendeu não existe mais, 
A ave confundiu-se com o vento, 
Acesse os seguintes endereços eletrônicos para ver o vídeo:
Machado de Assis: um mestre na periferia parte 1 
http://www.youtube.com/watch?v=mIsVRZJocTQ&feature=related
Machado de Assis: um mestre na periferia parte 2
http://www.youtube.com/watch?v=OEsz4fxZAYA&feature=related
Machado de Assis: um mestre na periferia parte 3
http://www.youtube.com/watch?v=bmEvW6ogWh4&feature=related
Acesso realizado em 21/nov./2009.
Após conhecer um pouco da biografia e da bibliografia em prosa de Machado, iremos 
agora nos deter na análise de três contos: “O espelho”, “Missa do Galo” e “Último capítulo”. 
material impresso, é necessário que você vá até a Biblioteca 
Virtual e leia estes três contos, só assim será possível acompanhar o estudo destas narrativas. 
Aproveite para ler outros contos, depois sugira no mural da disciplina os mais aprazíveis. Boa 
aparência, 
E seu brilho é tal que todas as armaduras, todas as máscaras diante 
r a forma da mão, 
Acesse os seguintes endereços eletrônicos para ver o vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=mIsVRZJocTQ&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=OEsz4fxZAYA&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=bmEvW6ogWh4&feature=related
O céu com a sua verdade, 
O homem com sua realidade. 
Paul Éluard 
 
 
Lukács e Machado: uma teoria e um conto 
 
Georg Lukács, em A Teoria do Romance7, traça uma distinção entre a Epopéia e o 
Romance, relacionando o surgimento do romance como forma de expressão da classe social 
burguesa: 
 
O romance é a epopéia de uma era para a qual a totalidade extensiva da 
vida não é mais dada de modo evidente, para qual a imanência do sentido à 
vida tornou-se problemática, mas que ainda assim tem por intenção a 
totalidade.
8
 
 
Neste mesmo livro, Lukács cria uma tipologia da forma romanesca, na qual está 
inserido “o idealismo abstrato”, que corresponde à inadequação do indivíduo (personagem) ao 
mundo exterior, à sua situação, ao seu destino, surgindo, assim, o herói problemático do 
romance. “Essa inadequação tem grosso modo dois tipos: a alma é mais estreita ou mais ampla 
que o mundo exterior que lhe é dado como palco e substrato de seus atos.”9 
A fim de estabelecer uma relação entre esta teoria lukacsiana e a literatura brasileira, 
iremos fazer uma leitura do conto de Machado de Assis, O espelho: esboço de uma nova teoria 
da alma humana, partindo de uma análise da inadequação do protagonista, Jacobina, diante 
de sua situação social, o cargo de alferes. 
O conto, O espelho,10 trata de um debate entre quatro ou cinco cavalheiros sobre os 
problemas mais árduos do universo, numa atmosfera metafísica e filosófica. Sendo que um 
dos integrantes do grupo, o Jacobina – cujo significado é “terreno impróprio para a lavoura, 
revestido de mato baixo, comumente cerrado e espinhoso” –11 que sempre se encontra alheio 
ao debate e não discute nunca, é desafiado por um dos participantes a demonstrar que o seu 
 
7
 LUKÁCS, Georg. A Teoria do Romance: Um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. Tradução, 
posfácio e notas de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34. 2000. 
8
 Ibid., p. 55. 
9
 Ibid., p. 99. 
10
 ASSIS, Machado de. O espelho: esboço de uma nova teoria da alma humana. In: _____. Papéis Avulsos. Disponível 
em: http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn003.pdf. Acesso realizado em: 03/out./2009. 
11
 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, versão 1.0, 2001. 
argumento de que “...a discussão é a forma polida do instinto batalhador, que jaz no homem, 
como uma herança bestial (...)”12 é verdadeiro. 
Ao fazer uso da palavra, Jacobina envereda pelos caminhos da natureza da alma, tema 
este que gera uma grande e confusa discussão. Novamente a personagem é solicitada para 
opinar sobre o que se discutia, então ele começa a falar de um caso de sua vida em que 
ressalta que não há apenas uma alma, mas duas. Assim inicia-se a narrativa do episódio de 
quando ele foi nomeado alferes e a justificativa para a existência de duas almas humanas. 
 
 
Uma verdade almejada 
 
A meditação, que compõe o ambiente de O espelho, apresenta-se como itinerário 
espiritual ou intelectual de alguém à procura da verdade. O objeto de estudo da metafísica é a 
verdade eterna, circular, irredutível. Logo, as elucubrações metafísicas, que permeiam a sala 
de discussão do conto, desembocam numa busca da substancialidade do eu, de uma verdade – 
que é, na maioria das vezes, arbitrária, irrefutável no seu próprio conceito. 
Na introdução do conto não se sabe ao certo quantos integrantes compunham o 
ambiente do debate naquela noite, quatro ou cinco. Percebe-se, então, através da própria 
estrutura do texto uma incoerência sobre a verdade totalitária que a metafísica busca. A 
dúvida sobre a quantidade de participantes gera uma ambiguidade, uma não certeza, 
desconstruindo, assim, esta verdade absoluta. 
Jacobina não aceita o debate por pensar que atingiu esta verdade, considerando, 
assim, o ato de discutir irrelevante. No seu discurso, ele se assemelha aos anjos querubins e 
serafins que eram a perfeição espiritual e eterna, isto o eleva a um plano dos deuses, das 
verdades totalitárias, em que eterna é a alma. 
A verdade absoluta buscada e apreendida por Jacobina é compreendida a partir de 
uma experiência do vivido – que está inserida num mundo manipulável por uma estrutura de 
poder. Ele supõe que seu discurso é verdadeiro, portanto, independente de todo 
condicionamento psíquico ou social. No entanto, não existe saber neutro, ele sempre favorece 
ou legitima uma estrutura político social. Desta forma, “... não há mais a representação de 
uma sociedade através de um indivíduo, como acontecia na epopéia, pois cada indivíduo 
representa apenas uma das classes sociais.”13 
 
12
 ASSIS, Machado de. O espelho, op. cit., p. 80. 
13
 LUKÁCS, G. “O Romance como Epopéia Burguesa”. In: Revista Ad Hominem 1, Tomo III, Música e Literatura. São 
Paulo, Estudos e Edições Ad Hominem, 1999. 
Jacobina ao narrar sua história, em um dado momento remete, indiretamente, a esta 
lógica social “o certo é que todas essas cousas, carinhos, atenções, obséquios, fizeram em mim 
uma transformação, que o natural sentimento da mocidade ajudou e completou”.14 Porém, 
não é só a vida do Alferes que vai sofrer modificações a partir desta construção social. Na 
passagem do conto em que Jacobina fica tomando conta do sítio da tia Marcolina – tentando 
suprir todas as necessidades de sua alma exterior – há a fuga dos escravos que na noite 
anterior exageram na quantidade de elogios atribuídos ao “Nhô Alferes”. Pode-se perceber, 
então, que a representação da sociedade através de um indivíduo torna-se impossível, já que 
esta sociedade não reflete mais a totalidade, ela agora se mostra fragmentada e as 
necessidades individuais estão muito relacionadas ao interesse de cada classe social. 
 
 
A fragmentação do sujeito: uma construção social 
 
 
Jacobina, um rapaz pobre que passa por um processo de construção de uma nova 
identidade ao ser nomeado alferes da guarda nacional. Assim, ele é chamado de “meu Alferes” 
por sua mãe, sua tia, e, em seguida, todos o chamam pelo título.Observa-se, portanto, uma 
preferência à representação, à aparência social. Inclusive quando a tia Marcolina o convida 
para passar alguns dias em sua companhia no sítio, ela sugere que ele leve a farda. Porém, esta 
identidade imposta pelo social, construída de fora para dentro, chega a incomodar o 
protagonista. Neste momento, ele solicita que a tia volte a chamá-lo de Joãozinho, o que 
demonstra o conflito entre a alma interior e a alma exterior. 
Diante de toda esta problemática, percebe-se que o protagonista foi introjetando o 
papel social de alferes, pois houve toda uma construção deste papel, desde a aquisição do 
fardamento, que foi uma doação dos amigos, até a incorporação do título ao Ser, “o alferes 
eliminou o homem”. Jacobina já não consegue mais viver sem ouvir o eco do título, “Senhor 
Alferes”, que, a princípio, era considerado apenas como gracejos de sua mãe e sua tia. 
Pode-se, assim, notar que o modo de produção de vida material cria um paradigma 
(via ideologia) que regula as práticas e experiências sociais. Sendo através dele que o indivíduo 
ganha uma validade social ou adquire identidade. O que fundamenta este modo de produção 
é a lógica da mercadoria que não se dá só na forma objetiva – o indivíduo e seu objeto de 
trabalho – mas também na forma subjetiva, sua existência torna-se mercadoria. Sendo assim, 
 
14
 ASSIS, Machado de, O espelho, op. cit., p. 82. 
a reificação do indivíduo é um produto social e vai atestar um tempo em que a sociedade 
prefere a representação à realidade, a aparência ao ser. 
O Alferes apresenta-se como possibilidade de ascensão social, este título possibilita a 
Jacobina uma garantia de soberania e poder sobre os outros. Neste caso, o papel da sociedade 
é fomentar necessidades que possam assegurar e garantir a sua lógica. Ela cria, portanto, um 
sistema simbólico de etiquetas sociais que vão definir os grupos e as classes. Fora deste 
sistema a existência estilhaça-se, há apenas o vácuo, neste momento surge a inadequação do 
personagem, ou ele se sente superior ao seu destino ou inferior à sua humanidade, como 
afirma Mikhail Bakhtin. 15 
Pode-se dizer que, embora o Ser preceda o Ter, é este último quem vai efetivamente 
dominar, sobrepor-se. Encara-se, assim, o caráter problemático que tal conflito encerra no 
protagonista machadiano. A identidade é móvel e construída por aspectos psicológicos e 
sociais. No entanto, Jacobina possui uma identidade completamente obliterada pelo social. 
Pode-se observar isto na passagem do conto em que ele se encontra só; não há mais ninguém 
para ecoar sua alma exterior (sua segunda alma), ou seja, chamá-lo de Alferes – metáfora da 
identidade construída pelo social: 
 
Confesso-lhes que desde logo senti uma grande opressão, alguma cousa 
semelhante ao efeito de quatro paredes de um cárcere, subitamente 
levantadas em torno de mim. Era a alma exterior que se reduzia, estava 
agora limitada a alguns espíritos boçais. O alferes continuava a dominar em 
mim, embora a vida fosse menos intensa, e a consciência mais débil.
16
 
 
O olhar dos outros, então, seria substituído pelo espelho, onde ele se veria vestido de 
Alferes. Não mais através de uma imagem fragmentada, mas totalitária, ele passaria a sentir-se 
sujeito, “...o vidro reproduziu então a figura integral; nenhuma linha de menos, nenhum 
contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfim a alma exterior.”17 
Jacobina no seu aterro existencial aceita a máscara imposta pela sociedade. É através 
dela que ele se reconhece como indivíduo, e é assim que ele opta por viver – refletido em um 
espelho. Vestir-se de Alferes é enquadrar-se no padrão da sociedade vigente, sair dos conflitos 
internos, que o deixavam disforme perante o mundo. Abandonar, então, o que não se 
enquadrava na normalidade, o que produzia uma imagem difusa. A reificação é total, ele é um 
intelectual capaz de pensar e refletir sobre a sua situação; até de perceber que a segunda alma 
muda (ela é construída, histórica, temporal), mas, ainda assim, talvez pelo privilégio, as 
 
15
 BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo, Unesp/Hucitec, 1993. 
16
 ASSIS, Machado de, O espelho... op. cit., p. 82-83 
17
 Id., p. 85. 
prerrogativas da posição conferida a ele – o sujeito Alferes prefere não lutar, não agir. Assim, 
“...o contato entre homem e mundo tornou-se puramente periférico e o homem assim 
constituído, uma necessária figura acessória, que orna e ajuda a expandir a totalidade, mas 
que é sempre apenas peça integrante, nunca o centro.”18 
O herói em busca da sua essência, do sentido da sua existência, ingressa numa luta, 
um combate com os valores da sociedade. Mas este combate dá-se dentro do indivíduo, e não 
propriamente no cenário social. Este herói busca uma coerência para o seu eu, aspira à 
unidade. No entanto, isto é impossível em uma sociedade fragmentária, automatizada e 
dividida em classes. A totalidade é utópica, o indivíduo é o acidente dos erros desta sociedade. 
O sujeito torna-se fragmentário, embora ainda deseje a coerência, a união com o elo perdido. 
Assim, por não suportar a sua incoerência, os seus fragmentos, ele resolve tomar emprestadas 
algumas máscaras que lhe dêem a ilusão de uma existência plena: 
 
...a falta de correspondência entre alma e realidade torna-se misteriosa e, 
ao que parece totalmente irracional, pois o estreitamento demoníaco da 
alma revela-se apenas negativamente, no ter de abrir mão de tudo quanto 
conquista por nunca ser ‘aquilo’ de que precisa, por ser mais amplo, mais 
empírico e mais vivo do que aquilo de que a alma partiu em busca.
19
 
 
 Agora que você acompanhou uma leitura de O espelho de Machado, chegou o 
momento de estabelecer uma relação entre este conto e a narrativa de título homônimo do 
escritor mineiro João Guimarães Rosa. O espelho de Guimarães encontra-se disponível na 
Biblioteca Virtual desta disciplina. Aproveite para se deleitar com mais leitura! 
A seguir iremos analisar uma outra narrativa do bruxo do Cosme Velho, Missa do Galo 
sob o viés dos estudos de gênero. Para poder acompanhar a leitura sugerida é necessário ler o 
conto que se encontra disponível na Biblioteca Virtual da disciplina. 
 
18
 LUKÁCS, Georg, O romance como epopéia...op. cit. 
19
 Ibid. 
 
Missa do Galo sob uma perspectiva de gênero 
 
A figura feminina, nas mais diversas literaturas, serviu de mote para inúmeros poetas 
da antiguidade clássica aos nossos dias. As musas foram exploradas em diferentes aspectos 
(físico, emocional, intelectual); em seus diversos flancos (virgem, santa, prostituta, mãe, 
amante), sendo, talvez, em todas as culturas, alvo do olhar e do desejo masculino. 
No âmbito da Literatura Brasileira, as musas – tanto a mulher amada quanto à 
imaginária – também fomentaram a lavra poética de muitos imortais: junto a uma infinidade 
de anônimas (que inspiraram os poetas, sobretudo os românticos, a transpor para o verso suas 
fantasias eróticas) encontram-se Ana Amélia (de Gonçalves Dias), Eugênia Câmara (de Castro 
Alves), e, mais próximo de nós, Helo Pinheiro (de Vinícius de Moraes), só para ilustrar com 
algumas das mais famosas. 
Affonso Romano de Sant’Anna, em seu livro O canibalismo amoroso, percebe, através 
de análise de poemas do Romantismo, Parnasianismo e Simbolismo, “que o corpo feminino 
ocupa grande parte do discurso, enquanto o corpo masculino é silenciado. (...) essa ausência 
do corpo masculino essa abundância do corpo feminino começam a ser explicadas pelo fato de 
que o homem sempre se considerou o sujeito do discurso, reservando à mulher a categoria de 
objeto”20. 
Sobre este aspecto, Judith Butler, em seu artigoSujetos de sexo/genero/deseo, ao 
fazer uma leitura de O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, afirma que “esta associação do 
corpo com o feminino funciona sobre relações mágicas de reciprocidade mediante as quais o 
sexo feminino se restringe a seu corpo, e o corpo masculino, totalmente negado, 
paradoxalmente se converte em um instrumento incorpóreo de uma liberdade supostamente 
radical”.21 Vale salientar que a apropriação do corpo feminino sofre mudanças, dependendo da 
época, podendo ocupar o imaginário da santa, da prostituta, da virgem, da Vênus, da noiva. 
Transitando entre o celeste e o terreno, o sagrado e o profano, a concretização amorosa 
nestes textos é, geralmente, inatingível, causando muito sofrimento para o eu lírico masculino. 
Esta cena muda a partir da revolução cultural dos anos 60, a mulher idealizada começa 
“...a avaliar a extensão e as consequências da sua condição de inferioridade e ensaia as 
primeiras denúncias”. De acordo com Helena Parente Cunha, “enquanto na ficção a fala da 
mulher não se liberta da força do falo, na poesia o princípio do prazer reina descontraído, 
numa outra modalidade de desafio aos códigos falocêntricos”.22 Assim sendo, o eu lírico dos 
versos de autoria feminina deixa a libido livre para seus investimentos, despindo a figura 
masculina da idealização, da aura – invólucros comuns à imagem da mulher nos textos 
clássicos da Literatura Brasileira. 
Neste sentido, é interessante observar que na produção poética de autoria feminina, 
predominantemente, há uma líber(t)ação do corpo, ele parece estar desnudo das amarras 
psicológicas, sociais ou culturais que o aprisionavam; a mulher deixa de ocupar o lugar do 
silêncio, da ausência, e passa a ser sujeito desses textos através da enunciação, da fala, do 
discurso, da escrita, enfim. De outro modo, ela passa a valorizar e, até mesmo, a exaltar o 
corpo feminino ao mesmo tempo em que inaugura um mundo de experiências próprias que 
não aceita a ordem imposta pelo sistema patriarcal. 
 
20
 SANT’ANNA. Affonso Romano. O canibalismo amoroso: o desejo e a interdição em nossa cultura através da 
poesia. 4 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. p. 12. 
21
 BUTLER, Judith. Sujetos de sexo/genero/deseo. In: CARBONELL, Neus; TORRAS, Meri (Compilación de textos y 
bibliografía). Femininos literarios: J. Butler, T. Ebert, D. Fuss, T. De Lauretis, M. Lugones, J. W. Scott, G. Ch. Spivak, S. 
Winnett. Madri: Arco/Libros, S.L., 1999. p. 42. 
22
 CUNHA, Helena Parente. O desafio da fala feminina ao falo falocêntrico. In: RAMALHO, Cristina (Org.). Literatura e 
feminismo: propostas teóricas e reflexões críticas. Rio de Janeiro: Elo, 1999. p. 162. 
A escritura de autoria masculina que irá nos permitir demonstrar alguns dos aspectos 
explicitados acima no que diz respeito à subjetivação do corpo através da linguagem literária 
corresponde ao conto Missa do Galo23 de Machado de Assis. 
 
O pecado mora ao lado... 
 
 As personagens que compõem o conto, como você deve ter observado, são: o 
escrivão, Sr. Meneses; a segunda esposa do Sr. Meneses, D. Conceição; a mãe de D. Conceição, 
D. Inácia; duas escravas e o Sr. Nogueira, primo de uma das primeiras núpcias do Sr. Meneses 
e também narrador do conto. Já na apresentação das personagens podemos perceber a 
presença das normas patriarcais, os homens são designados pelo sobrenome, o que dá mais 
autoridade e prestígio, enquanto as mulheres são identificadas pelos nomes. 
 Missa do Galo trata-se de um diálogo entre uma mulher de 30 anos, D. Conceição, e 
um rapaz de 17 anos, Sr. Nogueira, o qual narra a história. Ele vem do interior, Mangaratiba, 
para estudar no Rio de Janeiro, na casa do Sr. Meneses, ex-marido de uma de suas primas. Na 
noite de Natal, ao aguardar a hora da missa do Galo, meia-noite, ele trava uma conversação 
com a atual esposa do seu hospedeiro, D. Conceição. 
 D. Conceição é considerada uma santa, por não apenas suportar, mas achar que era 
muito direito o seu marido possuir uma amante. Vale salientar que o fato do homem ter mais 
de uma mulher implica em prestígio e poder, inclusive o financeiro, pois fica subentendido que 
ele irá manter mais de um lar. Indo além, portanto, da questão da virilidade: 
 
Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente 
suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento 
moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No 
capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as 
aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e 
passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que 
chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava 
tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.
24
 
 
O nome Conceição pode nos remeter à Nossa Senhora da Conceição, que no 
sincretismo religioso é representada por Iemanjá, a sereia do mar – esta figura mítica que 
 
23
 ASSIS, Machado de. Missa de Galo. In: _____. Páginas recolhidas. Disponível em: 
http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn006.pdf. Acesso realizado em: 12/dez./2009. 
24
 ASSIS, Machado de, Missa do Galo..., op. cit., p. 27. 
encanta os homens através do canto, da fala. Em a Missa do Galo, a imagem da mulher-santa 
ocupa uma boa parte do conto, mas aos poucos a santa vai se transformando em mulher-
sedutora, mulher-sereia. Desta forma, D. Conceição, embora seja uma pessoa boa, vai seduzir 
e encantar o Sr. Nogueira a partir da fala, do olhar, o que nos faz transitar entre o divino e o 
profano. 
 
Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça 
reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio 
cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos 
beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; 
ficamos assim alguns segundos. Em seguida, via-a endireitar a cabeça, cruzar 
os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da 
cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos.
25
 
 
Ao ser instaurada a imagem da mulher-sedutora no conto, a personagem feminina 
deixa de ser tratada pelo narrador como a boa, a coitada, a ingênua, a santa, a inofensiva. 
Inclusive os vocábulos que acompanham o ingresso desta mulher-pecado na narrativa nos 
remetem à representação convencional do ato sexual: “enfiando os olhos por entre as 
pálpebras meio cerradas”; “passava a língua pelos beiços, para umedecê-los”. 
D. Conceição deseja transitar entre o privado e o público, ou seja, sair deste lugar em 
que se encontra a sua vida conjugal e buscar um novo envolvimento amoroso, quem sabe...: 
“De costume tinha os gestos demorados e as atitudes tranquilas; agora, porém, ergueu-se 
rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a 
porta do gabinete do marido.”26 A mulher que despertava pena por parte do adolescente de 
17 anos, agora o seduz. Seria uma forma de se vingar de seu marido? Ou quem sabe a inserção 
de mais uma representação da mulher na literatura, a mulher-esfinge que amedronta o 
homem que não consegue decifrar o enigma; imaturidade, talvez? 
Esta sedução não é unilateral o mancebo também compactua deste jogo. Ele a observa 
e é observado, demonstra-lhe desejo e é desejado, tenta “desvendar” o tecido que cobre o 
corpo daquela mulher que o paralisa. Porém, quem se movimenta durante a conversação, que 
mais parece uma relação sexual devido ao ritmo imposto pela narrativa – além da utilização de 
vocábulos que lembram a luxúria como já foi evidenciado anteriormente – é D. Conceição, ele 
fica estático, durante a maior parte do tempo, deslocando-se apenas para fugir daquela 
mulher-esfinge. 
Nos primeiros parágrafos da narrativa, o narrador vai ambientar o leitor. Depois, elefixa o olhar na D. Conceição que ainda estava vestida de santa. Quando a mulher-sereia, 
 
25
 Ib., p. 28. 
26
 Id., p. 29. 
mulher-esfinge e mulher-sedutora entram na história o compasso passa a ser outro, ele vai 
ficando sem fôlego e nós também, depois de passado o clímax, o ambiente de paz retorna, 
como se ambos tivessem concluído o ato sexual e extasiados contemplando tudo que há em 
volta, até serem acordados pelos gritos do vizinho lembrando a hora da Missa do Galo. 
 
Havia, também, umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via 
dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono 
nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas 
vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os 
tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões 
dessa noite, que me parecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, 
atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, 
ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os 
braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs 
uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia 
dizer alguma cousa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio, 
voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali 
relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas 
gravuras que pendiam da parede.
27
 
 
Os dois quadros, conforme Sr. Nogueira, representam o principal negócio do Sr 
Meneses, as mulheres. É interessante observar que D. Conceição chega aos quadros depois de 
passar pelo espelho, neste caso, o narrador parece sugerir que a esposa do escrivão se via 
refletida nas imagens daquelas duas mulheres – consideradas vulgares e dignas de enfeitarem 
uma sala de barbeiro e não uma casa de família – uma delas era Cleópatra. 
D. Conceição embora represente a figura da santa, da sedutora, da sereia, da esfinge, 
da Cleópatra, ela não consegue se desvencilhar do lugar de submissão destinado à mulher. No 
dia seguinte, retorna ao seu comportamento habitual, distante de tudo, sem demonstrar 
muito interesse pelo seu companheiro de conversa da noite passada. Ela reassume o lugar no 
pedestal criado pelo marido. 
No final do conto, o marido é punido, morre de apoplexia, enquanto D. Conceição 
casa-se com o seu escrevente juramentado. Na maioria dos textos em que há a consumação 
do adultério por parte das mulheres, elas sofrem punição, neste caso a personagem feminina 
saiu ilesa. Mais uma vez Machado surpreende o/a leitor/a. 
 Agora chegou o momento de você conhecer um outro Machado, o ácido, o pessimista, 
como bem define Ubiratan Machado: 
 
 
27
 Id., p. 30. 
O sofrimento físico e moral, a incerteza angustiosa quanto ao futuro, 
amadurecem o artista, e aguçam o pessimismo do homem em relação à 
crueldade da vida e à incerteza do destino humano. (...) Atormentado pela 
idéia do nada, a indiferença da natureza, a precariedade de tudo, parece 
deliciar-se em atirar ácido nas feridas alheias. Disseca com perversidade 
satânica, mas com a elegância de um lorde, a alma de seus personagens.
28
 
 
Para isto escolhemos o conto Último capítulo29 que se encontra disponível na Biblioteca Virtual 
da disciplina. Antes de continuar esta leitura, é fundamental que você conheça o conto em 
análise. 
 
 
 
Último Capítulo: a acidez da escrita machadiana 
 
 Analisar um conto machadiano, como você já deve ter percebido, é deveras um 
encontro com a liberdade textual devido a sua maneira muito particular de estruturar um 
texto, a qual nos possibilita mergulhar nas entrelinhas e escutar o silêncio do não dito para 
compreender a essência do que queria ser explicitado com toda a liberdade que, por questões 
sociais vivenciadas na época, era, por vezes, tolhida. Desta forma, pode-se desmembrar o 
texto de Machado sem que se percam partes, já que em cada parágrafo defende-se uma nova 
teoria, não havendo, portanto, preocupação com a estrutura textual linear, mas dando ênfase 
à narrativa circular. Por estes motivos, podemos iniciar este estudo pelo desfecho do conto, 
pois só assim o leitor poderá entender todo o processo desta análise e assim opinar sobre o 
que será explicitado. 
 
28
 MACHADO, Ubiratan, op. cit., p. 25. 
29
 ASSIS, Machado de. Último capítulo. In: _____. Histórias sem data. Disponível em: 
http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn004.pdf. Acesso realizado em: 08/out./2009. 
A morte é a personagem mais viva do conto Último Capítulo, ela permeia toda a vida 
caipora do narrador personagem, Matias Deodadato, um suicida que deixa seu testamento e 
em seguida decide escrever um resumo autobiográfico para explicar o que foi defendido neste 
documento responsável pelo destino dos seus míseros bens. As pessoas mais idosas e, às 
vezes, mais sábias afirmam que minutos antes da morte o ser humano passa por uma espécie 
de “melhora da morte”, ou seja, um momento de lucidez. Esta sabedoria popular servirá como 
alicerce para a nossa leitura, pois foi no último capítulo da vida de Matias Deodato que ele 
teve a visão de um incidente, que se transforma em o fio condutor de uma vida inteira. 
Após entender que a felicidade não existia no nível terreno e que a grande saída seria 
mergulhar nas avenidas da eternidade através da morte, ele presenciou um cidadão bem 
trajado, mas bastante maltratado pela vida, exalando felicidade ao se deslumbrar com um par 
de sapatos reluzentes que calçava os seus pés. Este homem, “o homem das botas”, parecia 
não possuir um vintém no bolso, talvez nem tivesse almoçado, embora fosse quase meio-dia, 
mas estava muito feliz. Assim, a personagem Matias descobre neste momento de lucidez “pré-
óbito” que a felicidade nada mais é que um par de botas. 
Mas, o que vem a ser um par de botas? Respondendo de forma prática, o sapato é um 
utensílio utilizado pelo ser humano a fim de proteger seus pés da agressividade dos terrenos 
arenosos, pedregosos, cortantes, escaldantes, pelos quais caminhamos diariamente. Há outra 
forma de responder esta questão, não me refiro à forma filosófica, mas àquela baseada na 
“teoria da máscara” defendida por Alfredo Bosi, já que neste conto um par de botas não é 
utilizado apenas como proteção, mas como máscara, os sapatos mascaram os pés, impedindo-
os de entrar em contato com o real, com o solo quente ou frio, arenoso, aveludado, liso ou 
pedregoso. Desta forma, os pés mais finos, mais delicados, ausentes de rachaduras são 
aqueles que quase não entram em contato com a realidade natural dos diversos tipos de solos, 
ou seja, são os pés que se envolvem numa máscara constante. Já os pés que se encontram 
repletos de rachaduras, fendas, às vezes, sangrentas demonstram, a olho nu, seu contínuo 
atrito com a terra, o qual os tornou mais ásperos, mais duros, mais secos.30 
 Ninguém melhor do que a personagem principal do conto, o caipora Matias, para 
servir como exemplo do “pé rachado”; pois aos oito anos de idade já percebeu que o seu pé 
estava descalço – ao cair de uma rede de costas e quebrar o nariz – e o mais grave era saber 
que os terrenos a serem trilhados eram longos e nada fáceis. Por começar com a avalanche de 
 
30
 Vale ressaltar que esta metáfora dos sapatos também pode ser empregada em relação à ascensão social, pois o 
fato de calçar os pés indica status, já que os subalternos, os agregados ou (ex) escravos, andavam descalços, 
demonstrando o lugar que ocupavam na sociedade. 
mortes – morre pai, morre mãe, morre padre – enrijecendo “seus pés”. Além de sua condição 
de órfão, Matias era pobree possuía personalidade fraca, pois a maioria das decisões 
importantes que tomava na vida era proveniente de opiniões sugeridas por terceiros, ele não 
conduzia os seus próprios passos, ou seja, não era sujeito de sua história. Por este motivo, 
quase sempre não sentia seus pés, já que era conduzido pelos pés dos outros, porém, mais 
tarde, começou a sentir a consequência desses passos em falso. 
 Quando começa a sofrer as reações do solo arenoso e pedregoso em que está pisando 
culpa o destino, pois se considerava um caipora por natureza. Nesta passagem, percebe-se a 
falta de consciência da personagem em relação aos empecilhos sociais aliados às fraquezas do 
ser humano (traição explícita do amigo com a noiva viúva, ou a implícita do seu melhor amigo, 
Gonçalves com sua esposa Rufina). 
 Assim, a estrada percorrida por Matias continua árdua e longa, a morte que antes 
tinha apenas se apresentado, agora fazia parte do seu convívio mais íntimo. A primeira mulher 
por quem se interessou era viúva, ela possuía a morte no nome. Casou-se com D. Rufina, uma 
mulher “morta viva”, zumbi, múmia, sem sentimentos, sonhos, sem vida, levava, pois, a morte 
na sua essência. O filho nasce morto, mas conforta-se ao saber que este filho poderia ser tão 
caipora quanto ele, pelo menos a morte o poupou. 
 Embora a morte seja a protagonista do conto, não é percebida a sua morbidez, pelo 
contrário, é por sua causa que a vida começa a pulsar no texto. Após a morte de Rufina, Matias 
vai realmente se sentir realizado sentimentalmente no casamento, acredita que a única forma 
de ser de fato feliz é mergulhando na eternidade. Quando se encontra à beira deste abismo, 
percebe que a felicidade resume-se em um par de botas reluzentes. 
 Depois de percorrer estas trilhas repletas de obstáculos, os pés nus de Matias se 
encontram petrificados, secos, áridos, rachados. Se ao menos tivesse calçado alguma coisa 
para se proteger destas pedras no meio do caminho... Talvez tivesse sido tão feliz quanto seu 
melhor amigo Gonçalves, o qual vivia tudo numa total superficialidade e sabia ser hipócrita nas 
horas devidas para que a felicidade nunca deixasse de perpetuar os seus passos. Neste 
sentido, as coisas estavam todas fora do lugar, e isto não era culpa da sua “caiporice”... 
 Após ler alguns contos de Machado, iremos concluir esta Unidade com a leitura de um 
dos romances mais extraordinários da Literatura Brasileira, Memórias Póstumas de Brás 
Cubas.31 Caso você não tenha este livro impresso, ele está disponível na Biblioteca Virtual da 
disciplina. Lembre-se: a leitura desta obra é fundamental para o acompanhamento do debate 
sobre a importância da figura do leitor na produção literária de Machado de Assis. 
 
Machado e os leitores: Memórias póstumas de Brás Cubas 
 
O que faz do meu Brás Cubas um autor particular é o que ele 
chama “rabugens de pessimismo”. Há na alma deste livro, por 
mais risonho que pareça, um sentimento amargo e áspero, 
que está longe de vir de seus modelos. É taça que pode ter 
lavores de igual escola, mas leva outro vinho. Não digo mais 
para não entrar na crítica de um defunto, que se pintou a si e a 
outros, conforme lhe pareceu melhor e mais certo. 
 
Machado de Assis, Prólogo de Memórias Póstumas de Brás 
Cubas 
 
A respeito do leitor na obra machadiana, Hélio de Seixas Guimarães afirma, em seu 
livro Os leitores de Machado de Assis,32 que: 
 
Ao definir o leitor como filho de Deus, pessoa, indivíduo, irmão, alma, 
membro e praça, Machado de Assis chama a atenção para a complexidade e 
o caráter escorregadio de uma figura que, sob a identidade nominal de 
leitor, pode referir-se a seres de naturezas e funções diversas. Em suas 
suposições estão incluídas desde noções do leitor como criação divina até 
como categoria sociológica, num movimento que compreende gênese, 
individuação e socialização. Aqui, o interesse maior está em flagrar o 
escritor às voltas com uma definição de leitor que ultrapasse a empiria e 
 
31
 ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Disponível em: 
http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/romance/marm05.pdf. Acesso realizado em: 22/out./2009. 
32
 GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no 
século 19. São Paulo: Nankin Editorial: Editora da Universidade de São Paulo, 2004. 
aponte para uma figuração complexa construída a partir de mediações entre 
seres, digamos, históricos e ficcionais. Essa procura de um status para a 
figura do leitor constitui um dos esportes favoritos do narrador machadiano, 
que se dedica a ele com assiduidade e afinco não só na crônica, mas 
também na crítica, no conto e no romance. Em versão masculina ou 
feminina, como crítico, bibliômano ou mesmo na condição de verme, ora 
pacato, ora impaciente, por vezes amigo e por outras apontado como 
adversário do narrador no jogo ficcional, o leitor é figura onipresente na 
obra de Machado de Assis.
33
 
 
 Em Memórias póstumas de Brás Cubas, você pôde observar que este diálogo com o 
leitor introduz a narrativa, aparecendo antes mesmo do primeiro capítulo. Além de estar 
presente nas diversas passagens da narrativa. Segue o prólogo ao leitor: 
 
 
 
AO LEITORAO LEITORAO LEITORAO LEITOR 
 
Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para 
cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não 
admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro 
não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem 
vinte e, quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na 
verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei 
a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei 
se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra 
de finado. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da 
melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse 
conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas 
aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não 
achará nele o seu romance usual; ei-lo aí fica privado da 
estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas 
colunas máximas da opinião. 
 
33
 Id., p. 26. 
 
Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o 
primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O 
melhor prólogo é o que contém menos coisas, ou o que as diz 
de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito 
contar o processo extraordinário que empreguei na 
composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. 
Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessário 
ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te 
agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, 
pago-te com um piparote, e adeus. 
 
 
Brás Cubas.34 
 
 De acordo com Guimarães, este prólogo aponta algumas novidades no que diz respeito 
ao tratamento do leitor como número e como opinião, além de indicar uma transformação no 
modo de elocução do narrador, “que adota um tom mais ligeiro e coloquial, produzindo uma 
significativa abreviação das unidades ficcionais.35 E você? Concorda com Hélio de Seixas 
Guimarães? Aproveite para ler o capítulo “Brás Cubas e a textualização do leitor”36 na íntegra, 
este texto está disponível na Biblioteca Virtual da disciplina. Assim você irá poder participar da 
discussão sobre este romance de Machado. Boa Leitura! 
Chegamos ao fim da primeira Unidade do material de Literatura Brasileira III, depois de 
transitar na desconcertante produção literária de Machado de Assis. Agora chegou o momento 
de você exercitar o que foi lido e discutido durante este momento do Curso, realizando a 
Atividade de Aprendizagem sugerida no AVA.34
 ASSIS, Machado de. Memórias póstumas..., op. cit., p. 02. 
35
 GUIMARÃES, op.cit., p. 180. 
36
 GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Brás Cubas e a textualização do leitor. In: _____. Os leitores de Machado de Assis: o 
romance machadiano e o público de literatura no século 19. São Paulo: Nankin Editorial: Editora da Universidade de 
São Paulo, 2004. 
REFERÊNCIAS 
 
ASSIS, Machado de. O espelho: esboço de uma nova teoria da alma humana. In: _____. Papéis Avulsos 
(1882). Disponível em: http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn003.pdf. Acesso realizado 
em: 03/out./2009. 
 
_____. Missa de Galo. In: _____. Páginas recolhidas (1899). Disponível em: 
http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn006.pdf. Acesso realizado em: 12/dez./2009. 
 
_____. Último capítulo. In: _____. Histórias sem data (1884). Disponível em: 
http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn004.pdf. Acesso realizado em: 08/out./2009. 
 
_____. Memórias póstumas de Brás Cubas (1881). Disponível em: 
http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/romance/marm05.pdf. Acesso realizado em: 22/out./2009. 
 
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo, Unesp/Hucitec, 
1993. 
 
BUTLER, Judith. Sujetos de sexo/genero/deseo. In: CARBONELL, Neus; TORRAS, Meri (Compilación de 
textos y bibliografía). Femininos literarios: J. Butler, T. Ebert, D. Fuss, T. De Lauretis, M. Lugones, J. W. 
Scott, G. Ch. Spivak, S. Winnett. Madri: Arco/Libros, S.L., 1999. p. 42. 
 
CUNHA, Helena Parente. O desafio da fala feminina ao falo falocêntrico. In: RAMALHO, Cristina (Org.). 
Literatura e feminismo: propostas teóricas e reflexões críticas. Rio de Janeiro: Elo, 1999. p. 162. 
 
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 1986. 
 
GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de 
literatura no século 19. São Paulo: Nankin Editorial: Editora da Universidade de São Paulo, 2004. 
 
HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, versão 
1.0, 2001. 
 
LUKÁCS, Georg. A Teoria do Romance: Um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. 
Tradução, posfácio e notas de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34. 2000. 
 
_____. O Romance como Epopéia Burguesa. Revista Ad Hominem 1, Tomo III, Música e Literatura. São 
Paulo, Estudos e Edições Ad Hominem, 1999. 
 
MACHADO, Ubiratan. O enigma do Cosme Velho. In: Machado de Assis: uma revisão. Rio de Janeiro: In-
Fólio, 1998. p. 18. 
 
PAES, José Paulo (org.). Transverso: coletânea de poemas traduzidos. Campinas: Editora da Unicamp, 
1988. 
 
PICCHIO, Luciana Stegagno. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1997. 
 
SANT’ANNA. Affonso Romano. O canibalismo amoroso:o desejo e a interdição em nossa cultura através 
da poesia. 4 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. p. 12. 
 
VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional, 
Departamento Nacional do Livro, 1915. Disponível em: 
<http://p.download.uol.com.br/cultvox/livros_gratis/historia_da_literatura_brasileira.pdf>. Acesso 
realizado em 11/dez./2009. 
UNIDADE II 
 
À FLOR DA PELE: QUESTÕES DE RAÇA EM ALGUNS 
CONTOS REALISTAS E NATURALISTAS 
 
 
 
Apresentação 
 
Nesta Unidade iremos discutir algumas narrativas produzidas a partir da segunda 
metade do século XIX, a fim de proporcionar o entendimento da Literatura Brasileira como 
questionamento e projeção da realidade nacional. A fim de sistematizar este segundo 
momento da disciplina, optamos por uma temática, a raça, para selecionarmos alguns textos e 
autores e assim conhecermos um pouco mais do momento sócio-político-cultural brasileiro 
deste período. 
Vale salientar que os textos que iremos discutir nesta Unidade são, na sua maioria, de 
autores canônicos, estão no livro Questão de pele37 organizado por Luiz Ruffato. A respeito da 
discussão de raça no cenário brasileiro, Ruffato afirma que: 
 
37
 RUFATTO, Luiz (Org.). Questão de pele. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009. (Coleção língua franca) 
 
Há, ainda hoje, em certos círculos intelectuais, quem defenda a existência 
de uma “democracia racial” no Brasil, tese nascida na década de 1930 e 
rapidamente assimilada como ideologia nacional pela nossa tradição de 
governos autoritários. Essa perspectiva – que relativiza a tragédia de mais 
de três séculos de escravidão – sempre impediu uma discussão seria sobre a 
questão do preconceito de cor em nosso país. Basta observar que, mesmo a 
literatura, arte que busca transcender a hipocrisia, poucas vezes ousou 
enfrentar o tema e, quando o fez, deparou-se com a incompreensão e/ou 
desprezo da crítica.
38
 
 
 Neste sentido, alguns autores afrodescendentes ficaram fora do cânone da Literatura 
Brasileira. Mas o que está por trás desta inclusão? É interessante ressaltar que a crítica que 
respalda a canonização de algumas obras ou autores se encontra escrita, institucionalizada, 
respeitando o processo de valoração ocidental. Porém, no que diz respeito aos escritores 
excluídos deste processo, estes não conseguem ultrapassar as muralhas da margem pelo fato 
de, eventualmente, receberem uma crítica não especializada e ágrafa, centrada na oralidade. 
Neste sentido, tais textos ficam no limbo da academia, já que não possuem o cartão de visitas 
para ingressar nos debates nas salas de aula dos cursos de Letras. E quando são apresentados 
em alguns cursos de Literatura, geralmente, inibem a maioria dos estudantes, pois não há uma 
fortuna crítica sobre a obra em questão, para que possam se embasar e produzir um trabalho 
acadêmico. 
Assim, a luta pela inclusão implica em compreender o fato da boa literatura produzida 
por estes grupos da margem, ainda, enfrentar tanta dificuldade para despertar o interesse do 
mercado editorial e para ingressar nos programas acadêmicos, nos suplementos literários, nas 
revistas de literatura, na produção acadêmica, nas áreas de pesquisa das pós-graduações e em 
outros espaços relacionados aos processos de canonização. O que fazer para inverter esta 
situação? Construir um cânone às avessas? Impondo leituras, buscando, assim, redirecionar o 
olhar do/a leitor/a, já viciado/a no consumo do cânone ocidental? 
Em 2005, foi lançada, através da Editora Agir, uma coletânea de narrativas e poesias de 
autores da periferia dos grandes centros urbanos – dentre os escolhidos, há, somente, uma 
mulher, proveniente da colônia de pescadores da cidade de Pelotas, do Rio Grande do Sul. Este 
livro foi organizado por Ferréz, um dos principais ativistas das reivindicações dos moradores da 
 
38
 Id., p. 11. 
favela, com o título de Literatura Marginal: talentos da escrita periférica. Segundo o 
organizador: 
 
Jogando contra a massificação que domina e aliena cada vez mais os assim 
chamados por eles de “excluídos sociais” e para nos certificar de que o povo 
da periferia/favela/gueto tenha sua colocação na história, e que não fique 
mais quinhentos anos jogado no limbo cultural de um país que tem nojo de 
sua própria cultura, a literatura marginal se faz presente para representar a 
cultura de um povo, composto de minorias, mas seu todo uma maioria. 
(...)Quem inventou o barato não separou entre literatura boa/feita com 
caneta de ouro e literatura ruim/escrita com carvão, a regra é só uma, 
mostrar as caras. Não somos o retrato, pelo contrário, mudamos o foco e 
tiramos nós mesmos a nossa foto.
39
 
 
Ruffato ratifica as palavras de Ferréz ao afirmar que há um pequeno número de autores 
afrodescendentes inscritos no cânone literário brasileiro – Machado de Assis (1839-1908), Cruz 
e Souza (1861-1898), Lima Barreto (1881-1922)– o que já evidencia o lugar destinado ao negro 
em nossa sociedade. Ele conclui: 
Sem acesso à educação e acantonados no limiar da miséria, os 
afrodescendentes não se constituíram como cidadãos; impedidos de agir 
como sujeitos da própria história, sucumbiram, pela força da opressão, a 
meros coadjuvantes da construção de uma identidade nacional. Raros são, 
até pelo menos o último quartel do século XX, os romances ou contos 
protagonizados por personagens afrodescendentes.
40
 
 
 Prepare-se para conhecer algumas narrativas que discutem esta temática e, assim, 
aprofundar seus conhecimentos a respeito da produção literária da segunda metade do século 
XIX da Literatura Brasileira a partir de alguns autores representantes do Realismo e do 
Naturalismo. 
 
 
 
 
 
39
 FERRÉZ. Terrorismo literário. In: _____. (Org.). Literatura marginal: talentos da escrita periférica. Rio de Janeiro: 
Agir, 2005. p. 09-11. 
40
 RUFATTO, op. cit., p. 12. 
Manuel de Oliveira Paiva 
 
 
 
Iniciaremos este percurso lançando um olhar mais atento na trajetória literária de 
alguns escritores do Naturalismo, dentre eles o cearense Manuel de Oliveira Paiva. Em História 
concisa da literatura brasileira41, Alfredo Bosi ao tratar do contexto sócio-político-cultural que 
influenciou o Naturalismo afirma que: 
 
Do Ceará, terra de Adolfo Caminha, também provieram outros naturalistas 
que dariam à região da seca e do cangaço uma fisionomia literária bem 
marcada e capaz de prolongamentos tenazes até o romance moderno. 
Manuel de Oliveira Paiva, Domingos Olímpio, Rodolfo Teófilo e, pouco 
depois, Antônio Sales, abeiraram-se do interior cearense num período em 
que tudo concorria para acelerar o declínio do Nordeste, desde as repetidas 
secas (a de 77, por exemplo, passou a leitmotiv da poesia oral), até a 
conjuntura econômica, que atraía para novos ímãs de riqueza, como o café 
em São Paulo e a borracha na Amazônia, boa parte da população rural. 
Fortaleza conheceu, nos primeiros anos do Realismo, uma vida literária 
ativa, fermentada por ideais abolicionistas e republicanos: é sabido que o 
Ceará foi a primeira província brasileira a libertar os escravos, em 1884. Data 
de 1872 a fundação de uma Academia Francesa e entre esta e o grupo 
militante da Padaria Espiritual, reunido em 1892, formaram-se vários 
grêmios onde se colava a moda naturalista às lutas ideológicas do tempo, 
políticos e literários, que deram abrigo a contos e ensaios.
42
 
 
41
 BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1983. 
42
 Id., p. 217-218. 
 
Manuel de Oliveira Paiva (1861-1892) cursou o ginásio no Seminário do Crato. Mudou-
se para o Rio de Janeiro onde começou a frequentar a Escola Militar, mas teve de retornar à 
terra natal em 1883, devido a problemas pulmonares. Participou ativamente na luta 
abolicionista e fez jornalismo literário ao colaborar no jornal Libertador. Destacou-se, também, 
como membro do Clube Literário. Por volta de 90, quando a sua saúde fica mais debilitada, vai 
para o interior do Ceará, onde escreve seus dois romances: Dona Guidinha do Poço (1891) e A 
Afilhada (1889). Para Lúcia Miguel-Pereira a responsável pelo prefácio da sua obra mais 
significativa Dona Guidinha do Poço, “Oliveira Paiva era prosador terso, que sabia descrever e 
narrar com mão certeira e intervir no momento azado com talhos irônicos de inteligência fina 
e crítica”.43 Vale salientar que a sua obra mais significativa só teve publicação após sua morte. 
Agora você poderá conhecer a escrita de Oliveira Paiva através do segundo capítulo de Dona 
Guidinha. 
 
 
 
Capítulo IICapítulo IICapítulo IICapítulo II 
 
Estava-se em fevereiro, e nem um pingo de água. O poço da 
Catingueira, o mais onça da ribeira de Banabuiú, que em 1825 não 
pôde esturricar, sumia-se quase na rocha, entre as enormes oiticicas, 
de um lado, e do outro o saibro do rio. Era um trabalhão para os 
pobres vaqueiros: aqui, levantar uma rês caída; ali, fazer sentinela nas 
aguadas a fim de proteger o gado amofinado contra a crueldade do 
mais forte; e, todos os dias que dava Nosso Senhor, cortar rama. E 
ainda tinham de percorrer constantemente as veredas e batidas para 
acudir prontamente à rês inanida de fome e sede, perseguir os porcos 
que algum desalmado vizinho teimava em criar, persegui-los a bala, 
porque o torpe cabeça-baixa impestava os bebedouros. 
 
43
 Id., p. 218. 
Era preciso o vaqueiro da Guidinha tornar-se ubíquo, para o que 
ocupava os seus filhos e alguns escravos do amo. O boi com a vista do 
homem parecia reanimar como se tivera consciência de que ambos 
padeciam sob a indiferença do mesmo céu. 
E estão, só ali, no espaço de três léguas, cinco fazendas. 
Ajuntem a isto as retiradas, que procedem do sertão do Canindé, do 
Quixadá, e de tantos outros, e vejam se é possível em tão pouca terra, 
com tão pouca rama e pouca água, ter o bastante para tanta boca. 
Além da sequidão, o mal, desenvolvido na bebida infeccionada 
pelos amaldiçoados paquidermes e pelo contágio doentio da rês 
viajada. Só o Major Quinquim Damião do Poço da Moita perdera, até 
ali, cinqüenta vacas amojadas, isso apesar dos vaqueiros passarem 
todo o dia a tratar do gado. Quanto mais não perdiam os outros que 
não se apuravam tanto? 
Fizeram-se todos os remédios para chover. O vigário da 
freguesia, cuja sede ficava a três léguas e um quarto, além das preces 
que a Santa Madre Igreja aconselha, consentiu que o povo, em 
procissão, mudasse a imagem de Santo Antônio da matriz para a 
capela de Nossa Senhora do Rosário, que era o melhor jeito a dar para 
Deus Nosso Senhor ensopar a terra com água do céu. Todavia, apesar 
de as seis pedrinhas de sal, da noite de Santa Luzia, 13 de dezembro, 
terem marcado inverno para fevereiro, o dito céu permanecia 
implacável. 
Entrou março, novenas de São José. 
O calor subira despropositadamente. A roupa vinha da lavadeira 
grudada do sabão. A gente bebia água de todas as cores; era antes 
uma mistura de não sei que sais ou não sei de quê. O vento era quente 
como a rocha nua dos serrotes. A paisagem tinha um aspecto de pêlo 
de leão, no confuso da galharia despida e empoeirada, a perder de 
vista sobre as ondulações ásperas de um chão negro de detritos 
vegetais tostados pela morte e pelo ardor da atmosfera. As serras 
levantavam-se abruptamente, sem as doces transições dos 
contrafortes afofados de verdura. 
Serrotas pareciam umas cabeças de negro peladas de caspa. Ao 
meio-dia a cigarra vinha aumentar a impressão ardente. Os bandos de 
periquitos e maracanãs atravessavam o ar, em busca do verde, 
espalhando uma gritaria desoladora, sem um acento de úmida 
harmonia, sem uma doce combinação melódica, no ritmo seco, árido, 
torrefeiro, de golpes de matraca. O viajante, ao caminhar por algum 
souto de angicos e paus-d'arco, sem uma folha, penetrava 
instintivamente com o olhar por entre os troncos e garranchos com 
uma sede, já não de água, mas de uma notazinha vibrada por goela de 
pássaro cantor. Lá uma rolinha, lá um quenquém apenas piando. 
O pobre emigrava como as aves, que vivem ambos do suor do 
dia. Eram pelas estradas e pelos ranchos aquelas romarias, cargas de 
meninos, um pai com o filho às costas, mães com os pequenos a 
ganirem no bico dos peitos chucados — tudo pó, tudo boca sumida e 
olhos grelados, fala tênue, e de vez em quando a cabra, a derradeira 
cabra do rebanho, puxada pela corda, a berrar pelos cabritos. 
Margarida era extremamente generosa para os retirantes que 
passavam pela sua fazenda. O que lhes pedia era que não ficassem; 
dava-lhes com que se fossem caminho fora a procurar salvação nas 
praias, que era só para onde aRainha olhava. Tinha duas escravas 
incumbidas unicamente de servi-los, já a dar leite cozido às 
criancinhas, já a passar na água alguns molambos que as pobres mães 
não tinham força para lavar, agora a armar-lhes redes no telheiro da 
casa de farinha, agora a fornecer-lhes carne-seca, farinha e rapadura. 
Mas que se fossem pelo amor de Deus! Bem sabia ela que dois 
dias depois o retirante se tornava agregado. E agregado para quê? 
Em vindo o inverno, arribavam todos para os seus sertões, e 
adeus minhas encomendas. Além disso, gente de toda a parte, até do 
Rio Grande do Norte e Paraíba, e quem sabe quantos assassinos? 
O marido levava a mal aquela prodigalidade caritativa, mas lho 
fez ver em muitos bons termos, com umas delicadezas de quem quer 
bem. 
Margarida calou-se; e continuou, na expansão natural de uma 
vontade sua. Até, pelo contrário, parecia tornar-se mais mãos abertas 
para com os famintos. Terceira admoestação do marido. Então ela 
voltou-se-lhe friamente: 
— Eu dou do que é meu. 
— E agora, Senhor Quinquim, que resp
consigo o major. Ela dá do que é seu! Dá do que é seu!
Era a primeira vez que a mulher lhe falava com menos respeito. 
Se arrependimento salvara... Mas para que a provocou? Para que a 
atacou de frente? Bem lhe conhecia a índole. Margar
palácio cuja fachada principal desse para um abismo. Só havia 
penetrar-lhe pela insídia, pelas portas travessas.
O homem quando a desposara possuía apenas alguns vinténs de 
seu. Reconhecia que para viver com a mulher precisava de ter uma 
certa habilidade, faculdade essa que lhe era porém inacessível. Amara 
à Margarida em demasia, creio, e o vigor nervudo e musculento da 
herdeira do marinheiro Reginaldo Venceslau era como um moirão a 
que o Senhor Quinquim se deixara gostosamente sujigar.
 
 Após conhecer um pouco da escrita de Oliveira Paiva, segue um trecho do conto 
ódio que aborda a temática selecionada para esta Unidade.
 
O O O O ÓDIOÓDIOÓDIOÓDIO 
 
 
 Junto à amurada engoiava
onde, como um pêndulo, sombras de velas e cordagens 
iam e vinham vagarosamente ao bel prazer da flutuação.
 Rondava dentro da jaula um gato maior que um 
cachorro grande.
Perto, quando clareava, reluzia o olhar de um negro, 
acocorado no sopé do mastro, com as mãos cruzadas 
 
44
 PAIVA, Manuel de Oliveira. Dona Guidinha do Poço.
http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/128.pdf
Caso você queira conhecer este romance de Oliveira Paiva, ela encontra
disponível no seguinte endereço eletrônico:
http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/128.pdf
Acesso realizado em: 24/out./2009.
Agora é 
com 
você
E agora, Senhor Quinquim, que responder-lhe? 
consigo o major. Ela dá do que é seu! Dá do que é seu!
Era a primeira vez que a mulher lhe falava com menos respeito. 
Se arrependimento salvara... Mas para que a provocou? Para que a 
atacou de frente? Bem lhe conhecia a índole. Margarida era como um 
palácio cuja fachada principal desse para um abismo. Só havia 
lhe pela insídia, pelas portas travessas. 
O homem quando a desposara possuía apenas alguns vinténs de 
seu. Reconhecia que para viver com a mulher precisava de ter uma 
rta habilidade, faculdade essa que lhe era porém inacessível. Amara 
à Margarida em demasia, creio, e o vigor nervudo e musculento da 
herdeira do marinheiro Reginaldo Venceslau era como um moirão a 
que o Senhor Quinquim se deixara gostosamente sujigar.
Após conhecer um pouco da escrita de Oliveira Paiva, segue um trecho do conto 
que aborda a temática selecionada para esta Unidade. 
Junto à amurada engoiava-se uma gaiola de paus, 
onde, como um pêndulo, sombras de velas e cordagens 
vinham vagarosamente ao bel prazer da flutuação.
Rondava dentro da jaula um gato maior que um 
cachorro grande. 
Perto, quando clareava, reluzia o olhar de um negro, 
acocorado no sopé do mastro, com as mãos cruzadas 
 
Dona Guidinha do Poço. Disponível em: 
http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/128.pdf. Acesso realizado em: 24/out./2009.
Caso você queira conhecer este romance de Oliveira Paiva, ela encontra
disponível no seguinte endereço eletrônico:
http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/128.pdf
Acesso realizado em: 24/out./2009.
lhe? — murmurou 
consigo o major. Ela dá do que é seu! Dá do que é seu! 
Era a primeira vez que a mulher lhe falava com menos respeito. 
Se arrependimento salvara... Mas para que a provocou? Para que a 
ida era como um 
palácio cuja fachada principal desse para um abismo. Só havia 
O homem quando a desposara possuía apenas alguns vinténs de 
seu. Reconhecia que para viver com a mulher precisava de ter uma 
rta habilidade, faculdade essa que lhe era porém inacessível. Amara 
à Margarida em demasia, creio, e o vigor nervudo e musculento da 
herdeira do marinheiro Reginaldo Venceslau era como um moirão a 
que o Senhor Quinquim se deixara gostosamente sujigar.44 
 
Após conhecer um pouco da escrita de Oliveira Paiva, segue um trecho do conto O 
se uma gaiola de paus, 
onde, como um pêndulo, sombras de velas e cordagens 
vinham vagarosamente ao bel prazer da flutuação. 
Rondava dentro da jaula um gato maior que um 
Perto, quando clareava, reluzia o olhar de um negro, 
acocorado no sopé do mastro, com as mãos cruzadas 
. Acesso realizado em: 24/out./2009. 
Caso você queira conhecer este romance de Oliveira Paiva, ela encontra-se 
http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/128.pdf
abarcando os joelhos. 
 Via-se bem o animal preso, movendo-se com pés de 
seda e garbo de mulher. 
 Passeava desdenhosamente. Amarelo fulvo, 
lindamente mouriscado com patacos pretos, como não há 
veludo. Quando alguém aproximava-se, a fera largava 
uma roncaria por entre presas, e dava botes nos paus, ex-
plodindo bufidos espantosos. 
 O comandante muitas vezes desanuviava a sua cerveja 
fazendo-se espectador da eterna aversão e tolhido 
orgulho do bicho feroz, de cujo cativeiro abusavam; 
faziam-se trejeitos, cutucavam com um bastão, davam-
lhe um pau a morder, de modos que o animal parecia 
chorar de raiva. 
 O piloto, muito chalação, desandava-lhe 
descomposturas: 
 — Anda lá marafona! Pensavas qu'isto qu'era a furna? 
Olhe que ela pega-o, comandante! 
 E daí, amabilizava com uns nomes feios — filha desta, 
filha daquela, como se fosse entre duas pessoas: 
 — Eu não lhe tenho medo, porque lá arrebentar esse 
nicho é o que ela não pilha.45 
 
 
Você poderá ler este miniconto na íntegra, além de outros que discutem a questão da 
raça, acessando a Biblioteca Virtual da disciplina. Boa leitura. 
Agora você irá conhecer um pouco mais da vida e obra de outro escritor deste período, 
Afonso Arinos. 
 
 
 
 
 
45
 PAIVA, Manuel de Oliveira. O ódio. Obra completa. Rio de Janeiro: Graphia, 1993. Disponível em: 
http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/arquivos/texto/0006-02233.html. Acesso realizado em: 21/out./2009. 
Afonso Arinos 
 
 Afonso Arinos de Melo Franco nasceu em Paracatu, Minas Gerais, em 1868. É 
considerado, por Alfredo Bosi, o primeiro escritor regionalista de real importância deste 
período. Bosi ao situar a obra de Arinos afirma que: 
Histórias e quadros sertanejos constituem o grosso de seu livro Pelo Sertão. 
Não se lhe pode negar brilho descritivo, não obstante a minudência pedante 
e não raro preciosa da linguagem. No afã de caracterizar paisagens e 
ambientes, chega a distrair a atenção do leitor, perdendo em força os 
efeitos patéticos dos finais. Nele, é evidente um compromisso entre os 
processos descritivos do Realismo e o sal vernaculizante dos parnasianos.
46
 
 
 Alexandre Lazzari, em um artigo sobre a importância da produção literária de Afonso 
Arinos para a formação de uma identidade nacional a partir do contexto histórico-político-
social, afirma que: 
 
Afonso Arinos de

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