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O surgimento de um novo vocábulo

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Copyright @ 2008, Litraria Martins Fontes Editora,
9do Paulo. pofi a prcs?nle edilao.
11 edigeo 1998
Editora UFMG
2. edigio 2008
Acompanhamento editorial
Helena Guimar Aes Bit tencourt
Preparagio do original
Solange Martins
Revis6es gr6ficas
Margaret Presser
Ana Maria Alaarcs
Produgio grdfica
Geraklo Alues
Paginaeao
Mo acir Katsumi Matsusabi
Dados Intemcionais de Catalogagao na Publicagio (CIP)
(CAmua Brasileira do Lirc, SR Bltril)
Rocha, Luiz Carlos de Assis
Estruturas morfol6gicas do portuguOs / Luiz Calos de As-
sis Rocha. 
- 
2i ed. 
- 
Sdo Paulo : Editora WMF Martins Fontes,
2008.
Bibliografia.
ISBN 978-85-7827-0414
1. Lingiiistica estrutural 2. Portuguos 
- 
Morfologia 3. Por-
tugues 
- 
Sintaxe I. Titulo.
08-05936 cDD-469.5
indices para catilogo sistemetico:
1. Estrutura mor{ossintatica : Portugues 469.5
2. Estrutura sintedca: Poduguas: Lingiiistica 469.5
3. Morfologia: Portugu€s: Lingliistica 469.5
4. Sintaxe: Portuguos: Lingiiistica 469.5
Tbdos os dbeitos desta edigdo rcseraados ii
Liaraia Martins Fontes Eilitoru Ltda.
Rua Conselheiro Ramalho,33} 01325-000 Sdo Paulo SP Brasil
TeI. (11) 3241.3677 Fax (11) 31.01.1042
e-mail: info@wmfmilrtinsfontes.com.br http://www.wmfmartinsfontes.com.br
Capitulo 4
O suncrMENTo DE uM Novo vocAeut,o
Antes de entrarmos na descriEso do itinerdrio de uma palavra, desde
a sua criaEso at6 a sua inclusio no l6xico de uma comunidade lingiiisti-
ca, vamos responder a tr€s perguntas b6sicas: Por que se formam novas
palavras? Quando se formam novas palavras? Como se formam novas pa-
lavras? Tamb6m discutiremos tr€s quest6es relacionadas com a formaEso
de novos itens lexicais: a lexicalizagdo, a fossilizagio e a dicionarizagdo.
4.1 POR QUE SE FORMAM NOVAS PAI-{VMS?
A resposta a essa pergunta estd relacionada a tr6s fatores: as exig6n-
cias do sistema lingiiistico, a infludncia do sujeito-falante e o papel das
funE6es semAnticas. Podemos, portanto, falar em tr€s funqdes na for-
maqSo de palavras (nasillo, 1987):
. funq5o de mudanqa categorial (por exig6ncia do sistema lingiifstico)
. funESo expressiva de avaliagdo (por influ€ncia do sujeito-falante)
. fung5o de rotulagSo (relacionada com o aspecto semAntico)
4.1.I FuxqAo nn MUDANqA cATEGoRTAL
A funqdo categorial decorre, como dissemos, de exig6ncias do pr6-
prio sistema lingriistico. Muitas vezes precisamos empregar um item
lexical de uma classe em outra. Como ficaria muito antiecon6mico
para a lingua criar um novo item, faz-se uma adaptaEdo morfol6gica
com o auxilio de um sufixo, por exemplo, com a conseqiiente mudan-
Ea da classe lexical. Veiam-se os seguintes exemplos:
a)A Petrobr6s precisa atingir a produgdo de 1.200.000 barris de petr6leo
por dia. Somente quando atingir essa cifra, o Pais serd auto-suficiente. Mas
esse atingimento s6 serri possivel [. . . ]
b) Todos os religiosos daquela congregaEio sao santos. Mas essa santidade
s6 foi atingida, porque [. . . ]
c) Precisamos dolarizar a nossa economia.
d) Grupo teatral. Emprego universal Teoria frasal.Esforgo congressual.
Atingimento, santidade, dolarizar, teatral, universal, frasal e con-
gressudl sao resultado de uma coerEio discursiva do sistema, que obri-
ga ) formagdo dessas palavras. O que se deu foi a necessidade de adap-
tag5o da classe lexical, tendo havido, portanto, uma mudanEa sintdtica.
4.I.2 FuNeAo sxpRnsslvA DE AVALIAQAo
Na funqdo expressiva de avaliaqdo, o papel do suieito-falante 6 pre-
ponderante na formaqdo do novo item lexical. E o q,r. se d6 com os su-
fixos afetivos, enfdticos e intensificadores. Em uma frase do tipo:
- 
Filhinho, vai para a caminha, tomar o seu leitinho,
as formag6es sufixadas surgiram em funqdo da necessidade de o falan-
te expressar a sua subjetividade.
E claro que uma fungSo poderd ser cumulativa. Na criag5o lexical
abaixo (colossalidade), Guimaries Rosa utilizou-se ao mesmo tempo
da fungdo de mudanqa categorial e da funqdo expressiva:
[...] ., ao descobrir, no meio da mata, um angelim que atira para cima
cinqtienta metros de tronco e fronde, quem n5o terd impeto de criar um
vocativo absurdo e brad6lo 
- 
6 colossalidade na direg5o da altura? (nosa,
1965c, pp. 235-6).
7B
4.1.3 FuNeAo oB Rorur"rqAo
Afungdo de rotulaqdo estd relacionada com a necessidade que tem
o homem de dar nome ds coisas, is aE6es, aos lugares, etc. Estd ligada
h pragmdtica, i cultura, ) Hist6ria, ) tecnologia, enfim, ao mundo que
nos cerca. S5o exemplos de rotulagSo: malufar, tancredar, cdrredtd,
bondeata, samb6dromo, celulSdromo, doleiro, sacoleiro, superfatura-
mento, me ga-estrela, secretdria eletr\nic a, antena p arab6lic a, etc.
4.2 QUANDO SE FORMAM NOVAS PAIAVRAS?
Novos itens lexicais s6o formados a todo momento em lingua portu-
guesa, nas suas mais diversas modalidades: coloquial, culta, literdria,
t6cnica, cientifica, de propaganda, etc. Vimos, no primeiro capitulo,
que isso se d6 com o acionamento de RFPs. Neste item vamos descre-
ver com mais detalhes o surgimento de um novo item lexical e a ma-
neira pela qual esse item passa a pertencer a uma comunidade lingtifs-
tica. Em outras palavras, vamos falar de formag6es esporddicas e de for-
mag 5 e s institu c ion aliz a d as .
4.2. I FonntaeAo ESPoRADTcA
Segundo Bauer ( I 98 3, p. 45), " tsma formaqdo esporddica (nonce-for-
mation) pode ser definida como uma palavra complexa nova, criada pelo
falante/escritor, sob o impulso do momento, para satisfazer alguma ne-
cessidade imediata". Katamba (1993, pp. 150-1), depois de apresentar
um contexto em que figuram os neologismos yuppification e deyuppi-
fication, afirma: "Sio nonce words (palavras cunhadas pela primeira
vez e aparentemente usadas apenas uma vez), que nAo sdo institucio-
nalizadas." Como vimos anteriormente, uma formagSo esporddica
(FE) 6 criada de acordo com as RFPs de uma lingua. Uma FE deixa
de ser considerada como tal, ou seja, passa a ser uma formaqdo institu-
cionalizada (FI), a partir do momento em que o item se torna familiar,
isto 6, conhecido de uma comunidade lingiiistica. Uma FE pode, por-
tanto, institucionalizar-se, ou seja, pode passar a ser familiar a uma co-
munidade lingtiistica. Vamos exemplificar o que foi dito, voltando a
exemplos dados no infcio do primeiro capitulo.
Uma crianga pisa uma formiga, que permanece im6vel alguns se-
gundos. Como a formiga volta a andar, a crianEa exclama:
- 
Pai, a formiga desmoneul
Observe-se que a palavra foi criada de acordo com a conhecida RFP
do portuguOs:
V -+ 6"r-V
Os falantes poderio acionar essa regra a qualquer momento, fazen-
do surgir formaq6es espor6dicas como: (?)desnoivar, (?)desconseguir,
(?)desenfeitar, (?)desele ger, etc.
Observe-se qrse desmorrer n5o foi institucionalizada, isto 6, trata-se
de uma palavra criada "sob o impulso do momento". O mesmo se
pode dizer com relaqdo a atingimento. Desmorrer e atingimento sio
FEs formadas com base em RFPs da lingua portuguesa.
4. 2.2 ForutAeAo INSTITUCIoNALIZ{DA
Examinemos agora o caso de imexivel, uma FE criada recentemen-
te por um ministro de Estado, diante das cAmeras de televisSo. Por cau-
sa das circunstAncias especiais em que esse item foi produzido, passou
a ser familiar d grande maioria dos falantes, tornando-se, portanto, um
vocdbulo institucionalizado. A palavra foi criada de acordo com a se-
guinte RFP:
V -+ A (adietivo)
in- -vel
Trata-se de uma formaqdo cuja RFP pode apresentar outros exem-
plos na lingua: imperdfiel (um exemplo id institucionalizado, mas que
parece ser recente na lingua), (?)insonh6,el, (?)inacolhivel, (?)indespittel,
(?)inconstrutivel, (Z) indesmentivel, elc. Em suma, imextvel6 o exemplo
tipico de uma FE que se tornou uma formaqdo institucionalizada (FI)
recentemente.
Uma FE pode, portanto, institucionalizar-se, isto 6, pode tornar-se
familiar a um grupo de individuos. O dmbito dessa familiaridade pode
80
variar muito. Hd formag6es que se restringem ao uso de uma determi-
nada familia: na residOncia do autor destas linhas, o termo codomil (co-
dorna + il 
- 
"criat6rio de codornas"; cf. com canil) 6 institucionaliza-
do,embora n5o seja um termo conhecido dos falantes. No campus da
UFMG o termo faficheiro (de FAFICH) 6 bastante empregado, embo-
ra ndo seja conhecido de toda a cidade de Belo Horizonte. Taxista €.
usado normalmente pelos habitantes da capital mineira, mas em Sal-
vador o termo consagrado 6 taxeiro. Doleiro, uma criagSo recente da
lingua, parece ser usada em todo o territ5rio nacional.
Por que algumas FEs se institucionalizam e outras n6o?
Em primeiro lugar, 6 preciso considerar o prestigio do criador da
palavra. Bauer (1983, p.4j) cita a palavra triphibian, que teria sido
usada pela primeita vez por Winston Churchill, primeiro-ministro da
Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial. Imexfyel tornou-se co-
nhecida no Brasil por ter sido cunhada por um ministro de Estado. o
mesmo se dd com escritores, letristas de mrisica popular, economistas,
jornalistas, cronistas, humoristas, apresentadores de televisdo, Persona-
gens de novelas, etc. Enfim, qualquer personalidade de prestfgio pode-
rd transformar uma FE em uma FI.
Em segundo lugar, 6 preciso considerar o poder da mtdia como um
elemento influenciador na disseminagao do vocSbulo. Imexivel nl.o
passaria de uma criaqao fortuita se tivesse sido empregada pelo minis-
tro em suas conversas particulares, mas a regta lexical foi acionada
diante das cAmeras de televisSo, o que contribuiu, 6 claro, para a sua
disseminaqdo. Dentre os vdrios meios de comunicaEejo, a televisSo 6,
sem dfvida, o mais poderoso. Ainda estS por ser avaliada a verdadeira
influ€ncia da linguagem televisiva sobre os usudrios de uma lfngua,
mas parece nao haver drivida de que algumas falas de novelas e certos
tipos de discurso publicitario podem exercer influencia sobre o desem-
penho lingiiistico das pessoas, especialmente no que se refere ao em-
prego de certos sufixos da moda (cf. o pardgrafo seguinte).
Em terceiro lugar, lembremo-nos de que muitas palavras s5o cria-
das e institucionalizadas na lingua simplesmente pelo fato de que cer-
tos processos sao, no presente momento, mais chamativos do que outros.
De fato, fica muito mais enfitico e apelativo, com mais possibilidade,
portanto, de institucionalizaEso, o uso de fum6dromo do que de sala de
fumantes. O mesmo se pode dizer com relaqdo ao emprego de caneata,
8l
no lugar de dedile de canos. uma palavra como rampeiro (individuo
que descia a rampa do Pal6cio do Planalto no governo collor) era
tamb6m extremamente enfdtica e apelativa por causa das diversas co-
notag6es que carrega: sabor de novidade, aspecto pejorativo, possivel
crftica a uma maneira de governar, etc. A palavra se torna, portanto,
canegada, para usar uma expressio de Cdmara Jr. (1953, p. 75). Sur_
gem as palavras da moda, que conferem certo status ao usudrio, ou que
demonstram estar o falante "por dentro" das riltimas novidades. Ftr-
maE6es em -dromo, como dissemos, como fum6dromo, camel6dromo,
beii6dromo, rock6dromo e celul6dromo, denunciam uma certa contem-
poraneidade ou engajamento com o mundo moderno, por parte de
quem as uiiliza. O mesmo se diga com relaqio a formaE6 es em -d.ta,
que indicam um tratamento up-to-dafe da questd o: cdneatd, bicicleata,
bondeata, tratorata, barqueata, etc. o sufixo -aqo tamblm oferece for-
mag6es modernas: assoviago, buzinaqo, panelaEo, figuraEo, etc.
Em quarto e riltimo lugar, nio se pode deixar de assinalar que muitas
palavras se instifucionalizam na lingua por necessidade, ou seja, por exi-
gOncias hist6ricas, culturais, pragmdticas, etc. E o que explica o surgi-
mento de itens como: pdra-bisa, orelhdo, aiddtico, cutista, celetista, dolei-
ro, hipermercado, superfaturamento, saldio-desemprego, attiso pr6vio, etc.
4.3 COMO SE FORMAM NOVAS PAIAVRAS?
Sabemos que o arcabouEo te6rico da morfologia gerativa se cons-
tr6i em cima de regras. fu regras morfol6gicas podem ser de dois tipos:
RAEs e RFPs. Neste trabalho, jd ressaltamos por diversas vezes a im-
portancia da fixaE5o de RFPs. A rigor, a tarefa da morfologia gerativa
deveria consistir, primordialmente, na fixagio das RFpslr lingrrr.
vale a pena ratificar as palavras de Bauer, jd citadas no item r.z.i:'A
6nica maneira realfstica de se obter uma compreensdo adequada de
como funciona a formaEio de palavras 6 ignorando-se as formas lexica-
lizadas e concentrando-se nos processos produtivos."
caracterizada uma regra, o que se verifica, por6m, 6 que ela apre-
senta uma s6rie de restrig6es quanto ) sua aplicagio. Repetimos aqui
as palavras de Matthews 
- 
citadas no item z.z.] 
-, que prefere falar em
semiprodutividade e na existOncia de um l6xico semi-organizad,o: "A
82
produtividade atstomitica 6 uma caracteristica de toda derivagao flexi-
va (qualquer forma X d5, salvo raz6es contr6rias, plural X [e]s). Sem
drivida, o que se disse n6o 6 aplicdvel )s formaE6es lexicais - na sua
maioria semiprodutivas 
-, que admitem novas bases por meio de pro-
cessos produtivos, mas de maneira esporddica."
Apesar das inrimeras restriq6es que se pode fazer d produgSo das
RFPs, acreditamos na existencia de tm l,6xico organizado e bem defini-
do, ratificando, portanto, as palavras de Basilio, jd expostas no item
2.2.7: "Abandonamos, assim, a noE5o de que o l6xico consiste mera-
mente de uma lista n5o ordenada de entradas lexicais. Ao contrdrio, em
nossa proposiqao o l6xico apresenta uma estruturagao subiacente defi-
nida, sendo organizado de acordo com padr6es de diferentes tipos 1...]"
Como resolver a questio, se o que se constata, de fato, 6 que as RFPs
nao sao 100% produtivas? Como resolver a questSo, se deparamos com
RFPs que, apesar de produtivas (por definiqao), deixam de apresentar
formaq6es inteiramente previsiveis? Por qrse taxista, floista, frentista e
pareceristasSo itens lexicais institucionalizados, ao Passo qte (?)escadis-
ta, (?)apartamentista, (?)anorista e (?)paredista ndo o s5o? Por que con-
sagramos teatral, bragal, camal, semanal, universal, e n5o (?)camal,
(?)pemal, (?)musculal, (?)planetal e tantas outras formaEdes possiveis?
4.3.1 CoNDIQOES DE PRoDUTIVIDADE
E CONDIQOES DE PRODUQAO
Para entender a questdo, faz-se necessdrio estabelecer a distinEdo
entre condigdes de produtividade e condigdes de produqdo de uma RFP.
Basflio (1990, p. 3) estabelece assim essa distingSo:
[...] uma vez estabelecida a esfera da compet6ncia lexical no conceito de
produiividade, este conceito deve ser entendido tao-somente como medida
do potencial que uma regra tem de operar sobre bases especificadas para
produzir construg6es morfologicamente possiveis [. .] As condig6es de pro-
dutividade de uma regra devem ser distintas das condig6es de produglo,
que dependem de fatores de ordem pragmdtica, discursiva e paradigm6tica.
Uma regra deve ser especificada em todas as suas caracteristicas,
quer quanto i base (categorizaq5o, subcategorizaqio, constituigdo
B3
morfol6gica, traqos semAnticos, etc.), quer quanto ao produto (idem),
como vimos no item 1.2.4.f, isso o que se entende por condiE6es de
produtividade. A base d6lar reine as condiEdes ideais de produtividade
da RFP S J S-.i.o, uma vez que apresenta tais e tais caracteristicas (que
serSo apresentadas no sexto capftulo). Por sua vez, o produto 
- 
doleiro
- 
6 concreto, ou seja, 6 uma palavra real da lingua, com tais e tais ca-
racterfsticas. o mesmo ndo acontece com a palavra euro (moeda euro-
p6ia). Como base, ela apresenta as condig6es ideais de produtividade,
com tais e tais caracteristicas, similares ad6lar. O que se constata, po-
r6,m,6. q:e (?)eurelro, embora seja um item lexical possivel, n5o 6 um
produto concreto, ou seja, n5o 6 uma palavra real da lfngua. Em resu-
mo: no caso de euro, existem as condiE6es de produtividade com rela-
Edo d RFP S e S_"r.o, mas hd restriq6es relacionadas com as condiE6es
de produgSo. Thnto as condiE6es de produtividade quanto as condi-
q6es de produqSo de uma RFP serdo estudadas com rigor no sexto ca-
pitulo deste trabalho.
4.4 LEXTCALIZAQAO
Muitas vezes, na aplicaqSo da RAE a uma formaEio cristalizada do
portugu6s, deparamos com alguma irregularidade ou desvio da regra
quanto aos aspectosfonol6gico, morfol6gico ou semantico. A essa irre-
gularidade ou idiossincrasia dd-se o nome de lexicalizaqdo. Bauer
(1983, pp. 42-6I) trata desse fendmeno, mas a sua abordagem estd
comprometida com a perspectiva hist6rica, como se constata pelas pa-
lavras: "o estdgio final vem quando, devido a alguma mudanEa no sis-
tema lingiifstico, o lexema toma uma determinada forma que nao to-
maria se tivessem sido aplicadas a esse lexema regras produtivas." Na
verdade, concordamos em parte com o conceito de Bauer. Tirando de
lado a perspectiva hist6rica e fazendo uma pequena adaptaEio, pode-
mos dizer que a lexicalizaEfro se caracteriza pelo fato de um lexema
apresentar uma determinada estrutura diferente daquela prevista pela
aplicaEso de sua respectiva RAE. Quanto ao emprego do termo lexica-
Iizaqdo e a possibilidade de se encontrarem nomenclaturas diferentes
para esse fendmeno (como petrificagdo e idiomatizaqdo, por exemplo),
consulte-se especialmente Bauer (1983, p. 48). Scalise (1984, p.ZS)
84
aborda esse problema, mas nao usa uma terminologia especifica para
caracterizar o fendmeno.
4.4. I LextcALIZAQAo cATECoRIAL
Examinemos primeiramente um caso isolado para entendermos me-
thor a quest5o. Como sabemos, em portugu6s existe a RFP V - Soo,,
que explica possiveis formag6es como: (?)apelidador, (?)inietador,
(?)conseguidor, (?)exumador, etc. Por sua vez, essa RFP corresponde a
uma RAE que pode ser aplicada a formaEdes do tipo: pescador, desco-
bridor, iogador, pesquisador, paquerador, etc. Em ambos os casos o sufi-
xo 6 acrescentado a verbos. Thl nao 6 o que acontece com a palavra Ie-
nhador, em que constatamos que a base 6 um substantivo. No l6xico
mental dos alunos da Fale-UFMG ndo existe o verbo lenhar (na verda-
de, nao importa que a palavra seia dicionarizada, como de fato o 6; cf' o
item 4.6, que trata da dicionarizaqdo). Trata-se, portanto, de uma irre-
gularidade, que se verifica tamb6m em outras palavras do portugu€s,
iomo aviador,por exemplo, cuja base 6. avido. Neste caso pode-se falar
em lexicalizagdo categorial, uma vez que se verifica irregularidade na
categoria da base.
Com a lexicalizaEso categorial de lenhador dd-se um fendmeno in-
teressante. Embora o verbo lenhar n5o exista no l6xico mental dos alu-
nos da Fale-UFMG, ele foi mais comum outrora, al6m de continuar
existindo em algumas comunidades lingiiisticas. Acrescente-se a isso o
fato de, como dissemos, estar registrado nos diciondrios. A base verbal
deixou de existir nas comunidades urbanas e o produto Passou a ser li-
gado ao substantivo lenha. Mas esse 6 um problema hist6rico, que es-
capa ) competOncia lexical dos alunos da Fale-UFMG. Podemos dizer
claramente, por uma questSo metodol6gica, que na nossa pesquisa o
voc6bulo lenhar n5o existe.
4.4.2 LzxtcALIZAeAo PRoS6DICA
A16m da lexicalizaEso categorial, pode-se falar tamb6m em lexicali-
zaqdo pros6dica. Trata-se de uma irregularidade na pros6dia, ou seia,
na pronrincia do produto, no que se refere d sua tonicidade (cf. BAUER,
1983, p. 50). Observe-se a formaqdo dos seguintes nomes deverbais:
85
estimular -+ est(mulo (em vez de (?)estimulo)
retificar -+ retifica (em vez de (?)retifica)
criticar 
-> critica (em vez de (?)critica)
duvidar -+ dfvida (em vez de (?)duvida)
incomodar -+ inc6modo (em vez de (?)incomodo)
analisar -+ andlise (em vez de (?)analise)
depositar -+ dep6sito (em vez de (?)deposito)
Nesses casos, o acento t6nico recua duas silabas em vez de uma,
como seria de esperar nas chamadas derivag6es regressivas deverbais
(ab andono, contomo, cony ers d, controle, etc.) .
Com a lexicalizaEso pros6dica, observa-se o seguinte: o portuguds
herdou do latim milhares de palavras jd prontas, cristalizadas. Acontece
que em latim as relag6es lexicais s5o diferentes das relag6es lexicais do
portugu€s. Isso 6 natural, porque se trata de duas linguas distintas. Em
latim, a relag5o entre o verbo e o nome correspondente estd organizada
de maneira diferente da do portugu6s. Sendo assim, herdamos do latim
- 
bem como de fases posteriores ao latim, e de linguas estrangeiras 
-
padr6es lexicais prontos. Se esses padr6es fossem fixados hoje, eles se-
guiriam as regras do portuguds atual. Foi o que se deu, por exemplo, com
stimulare (paroxitono) e stimulus (proparoxitono) 
- 
ambas as formas
coexistentes em latim 
-, 
andlise (do grego andlysis) e analisar,provavel-
mente uma forma tardia, e retifica (do italiano 
, rettifica) e retificar, uma
forma derivada. Observe-se, mais uma vez, que nio estamos tentando
justificar essa irregularidade nas relaq6es lexicais do portugu€s com um
fato hist6rico, o que 6 conden6vel, sob o ponto de vista metodol6gico.
Nao 6 possivel chegar a esses dados atrav6s da andlise da competOncia
lexical do falante, ou seja, esses dados ndo fazem parte da sua gram6tica
subiacente. Estamos apenas querendo dizer que a anomalia que se veri-
fica na relagSo estimularlestimulo coincide com um dado hist6rico,
mas, na verdade, n5o 6 possivel depreender do conhecimento que o fa-
lante tem do l6xico elementos que justifiquem essa irregularidade.
4.4.3 LrxtcAlrzAeAo ESTRUTU RAL
E preciso considerar tamb6m os casos de lexicalizaqdo estrutural,
em que se observa alguma anomalia na estrutura do vocdbulo, com re-
laESo i sua respectiva RAE. Sao exemplos de lexicalizaEdo estrutural:
B6
afligir -+ afliqdo (em vez de (?)afligiEao)
adotar -+ adogSo (em vez de (?)adotag5o)
agredir -+ agress5o (em vez de (?)agredigSo)
coagir -+ coaEdo (em vez de (?)coagigio)
comover -+ comogdo (em vez de (?)comoveg6o)
compreender -+ compreensSo (em vez de (?)compreendeqdo)
comprimir 
-) compressdo (em vez de (?)comprimig6o)
conceder 
-) concessio (em vez de (?)concedegio)
confessar -+ confisslo (em vez de (?)confessagio)
confundir -+ confusSo (em vez de (?)confundiqao)
decidir + decisSo (em vez de (?)decidiqao)
eleger -+ eleigSo (em vez de (?)elegegno)
editar -+ editor (em vez de (?)editador)
imprimir -> impressor (em vez de (?)imprimidor)
ler -+ leitor (em vez de (?)ledor)
escrever -+ escritor (em vez de (?)escrevedor)
agredir -+ agressor (em vez de (?)agredidor)
aspergir 
-) asPersor (em vez de (?)aspergidor)
emitir -) emissor (em vez de (?)emitidor)
milho -+ milharal (em vez de (?)milhal)
cana -> canavial (em vez de (?)canal)
guloso -+ gulodice (em vez de (?)gulosice)
medo -+ medroso (em vez de (?)medoso)
sangue -+ sangrento (em vez de (?)sanguento)
leviano -+ leviandade (em vez de (?)levianidade)
Em casos como dfliQAo, adogdo e agressdo, Por exemPlo, observa-se
que sflabas inieiras sdo suprimidas. Esse fen6meno, considerado por al-
guns estudiosos como regrd de truncamento (anONofF,1976, P. 88),
n5o pode, na verdade, ser considerado como regrd, dado o seu cardter
idiossincrdtico. De fato, por qtse o nomindl cofiesPondente a adotar 6
adoqdo e o correspondente a anotar 6. anotagdo?
Tamb6m na lexicalizaqSo estrutural, recebemos do latim, de fases an-
teriores da lingua ou de linguas estrangeiras, os Pares jd prontos. Assim,
herdamos as formag6e s afligir (de affligere) e afliqdo (de afflictione), ado-
tar (adoptare) e adoqdo (adoptione), agredir (de oaggredire) e agressdo
(de aggresione) (xescrNTES, l9r5), e assim por diante. Se aplicdssemos
87
hoje a milho a RFP, teriamos como produto (?)milhal e ndo milharal. o
que se deu, por6m, foi que, provavelmente no portuguOs arcaico, houve
a reduplicaEso do sufixo -al, surgindo dai omilhalal e, posteriormente,
por dissimilaEdo, milharal (cuNHe, rg1z). Em canavial, deu-se a in-
flu€ncia de cLnave ("cAnhamo", "vegetal parecido com a cana"). Em
sangrento houve a influoncia do espanhol sangre e em medroso dd-se a
continuaEso de medoroso, forma arcaica calcada em omedor.
E preciso deixar claro, mais uma vez, que tais observaE6es, de natu-
reza diacrdnica, escapam ) competoncia lexical do falante comum,
como jd dissemos anteriormente. Para o lingiiista comprometido com
a explicitaqdo da gramdtica subjacente do usudrio da lingua, tais expli-
caq6es s5o dispensdveis, porqu e ndo sdo fornecidas pela competOncia
lingriistica do falante.A morfologia gerativa cabe apenas constatar es-
sas idiossincrasias e atribuilas a fatores hist6ricos, sem, contudo, tentar
explicii-las. Se fizemos uma rdpida incurs5o i diacronia, foi apenas
para lembrar a "fundamental importancia de se distinguir as formas j6
feitas dos processos de formag5o" (n,tSiLIo,I9B7, p.ZS). Foi tamb6m
para ratificar o nosso ponto de vista, que vimos adotando desde o inicio
deste trabalho, expresso atrav6s destas palavras de Bauer (1983, p.Z9Z),
jd citadas anteriormente (cf. item 1.2.5): "A f nica maneira realistica de
se obter uma compreensao adequada de como funciona a formagdo de
palavras 6 ignorando-se as formas lexicalizadas e concentrando-se nos
processos produtivos."
Paralelamente ) constataEao de que uma forma lingriistica apresen-
ta lexicalizagSo estrutural, dd-se tamb6m na lingua o fendmeno da ru-
cuperaqdo morfol1gica. Tal fendmeno consiste no seguinte: considere-
mos o caso da palavra expulsdo, que sofre um truncamento sildbico ao
se aplicar a ela a RAE correspondente. Em vez de expulsaqdo, tem-se
expulsdo, como vimos neste par6grafo. E possivel, no entanto, na lin-
guagem coloquial, deparar-se com a forma expulsagdo,como no exem-
plo: "Esse col6gio estd virando uma bagunEa danada; todo dia 6 essa
expulsaqdo de aluno." como se observa, d6-se a recuperaEao morfol6-
gica da RAE [ fexpulsar] v -Eio ] s . Sob o ponto de vista semantico, o
produto, al6m de significar "ato de X", adquire tamb6m uma significa-
Edo cumulativa de "aqdo repetida". Acrescente-se a isso o fato Je a pa-
lavra expulsagdo ser usada apenas na linguagem coloquial. Seguem-se
outros exemplos de recuperagdo morfol6gica.
8B
O governo precisa parar com essaconcedegdo de medalha. (por concessdo)
O padre nlo tem sossego. Fica essa confessaqdo o dia inteiro. (por confissdo)
Houve uma discutiqdo danada, durante a noite toda! (por discussdo)
O candidato precisa parar com essa prometegdo, senio ele vai se dar mal.
(por promessa)
At6 que enfim o diretor parou com a suspendeqdo de alunos. (por suspensdo)
Voc6 precisa parar com essa viaiaqdo o m€s inteirol (por viagem)
O pfblico ledor tomou de amores pelo novo romance. (por leitor)
Ele passou a ser o recebedor das mensagens. (por receptor)
Ele 6 o cantador das melodias do sertSo. (por cantor)
F ulalro de Thl 6 o concededor de todos os favores nesta regido. (por concessor)
Como percebedor de tantas falhas, ele merece um pr€mio. (por perceptor)
4.4.4 LnxtcAlrzAeAo RIZoMORFICA
AlexicalizaEdo rizomSrfica se dA quando, ao se aplicar uma RAE a
uma forma cristalizada da lingua, observa-se uma irregularidade com
relaqSo draiz. Assim, ao se aplicar ) palavra capilar a respectiva RAE,
constata-se que o sufixo est6 anexado ) forma cdpil-, e nio a cabelo.
Cabe aqui uma pergunta: trata-se de uma variante de cabelo 
- 
ou seja,
um alomorfe 
- 
ou de uma outra raiz? Nio h6 razdes muito evidentes
que nos levem a optar por uma ou outra soluEdo. Bauer (1983, p. 54)
considera as duas formas como taizes diferentes. Cremos n5o ser essa a
melhor solug5o, porque, em termos estruturalistas, o que importa 6 a
fungSo, e ndo o material palpdvel. Trata-se, portanto, de uma (nica
raiz com variantes alom6rficas, Que devem ser registradas no l6xico.
Hd alguns autores que usam o termo doublet para se referirem a essas
formag6es. Nos doublefs de rafzes que se seguem, o segundo elemento
apresenta lexicalizaqdo rizomSrfica: cabelolcapilar, chuva/pluvial,
dedoldigital, olholocular, narizlnarigudo, boca/bucal, orelha/auricular,
e str e I a I e stel ar, nut, em I nub I ado, c 6u I c e le ste, dn or e I arb ori z ar, m do I m a-
nusear, etc.
89
4 .4 .5 LnxtcallzaeAo setdNrrca
A lingua apresenta tamb6m inrimeros casos de lexicalizagdo seman-
tica.Tomemos como exemplo acabamento. Sob o ponto de vista estru-
tural, a RAE 6 transparente:
acabar -) acabamento
O produto n5o quer dizer, por6m,"ato, resultado ou processo de
acabar", como, via de regra, significam as nominalizaq6es deverbais.
Acabamento 6 o "retoque ou toque final" que se d6 a uma obra ou tra-
balho. observe-se a n5o-aceitabilidade da palavra no contexto abaixo:
Vocos precisam acabar esta prova no hordrio. o (?)acabamento estaprevis-
to para as nove horas.
Estudante tamb6m 6 um exemplo de lexicalizaEro semantica, uma
vez que n5o significa "aquele que estuda", como em militante ("aqte-
le que milita"), atuante ("aquele que atua") or: participante ("aquele
que participa"). Estudante 6 uma formaEio lexicalizada, porque tem o
sentido especial de "aquele que freqiienta um curso". observe-se que a
frase abaixo 6 inaceitdvel:
O Prof. Fulano estuda quatro horas por dia; ele 6 um (?)estudante.
A lexicalizaEso semantica 6, portanto, uma extensdo de sentido, ou
uma idiossincrasia relacionada com o significado, que se observa ao
aplicarmos a uma palavra jd existente na lfngua a RAE corresponden-
te. os produtos, uma vez institucionalizados, sio congelados (cf. item
]-z.ll A partir dai passam a ter uma vida independente, podendo ser
lexicalizados ou n5o. H6 vdrias palavras antigas da lingua que nao sdo le-
xicalizadas e que se fossem formadas hoje seriam previsiveis sob o pon-
to de vista semantico, como descobridor, reconhecimento, baiulaqai, for-
migueiro, teatral, etc. Hd outras palavras que passam primeiramente
por um perfodo de congelamento, mas depois libertam-se da forma("f6rma") primitiva, adquirindo um sentido figurado, ligado ao sentido
original. Esse novo sentido especial acaba por suplantar o sentido tra-
90
dicional e previsivel, caracterizando-se assim o fen6meno da lexicali-
zaqeo. Al6m dos exemplos de lexicalizaE6o semAntica jri citados (aca-
bamento e estudante), observe-se o caso detratante, que existe hoje na
lingua apenas com o sentido de "individuo que n5o cumpre os seus
compromissos", tendo sido esquecido o sentido neutro de "pessoa que
faz um trato". Comparem-se os itens participante e tratante, que apre-
sentam a mesma RAE:
Lu(sa vai participar de uma corrida nistica. Alids, todos os participantes re-
ceberdo uma camisa como incentivo f . . .l
(?)Luisa tratou com os colegas de se encontrarem na Savassi. Ali6s, todos
os tratantes deverSo levar [...]
E preciso nao confundir, portanto, os casos de lexicalizaEso semAn-
tica, em que uma das formas desaparece do l6xico mental do falante
nativo, com os casos de polissemia de formas complexas, em que se d6 a
conviv€ncia das duas formas:
camisinha (camisa pequena) / camisinha (preservativo)
casinha (casa pequena) / casinha (WC)
vassourinha (vassoura pequena) / vassourinha (planta)
A polissemia de formas complexas apresenta o esquema abaixo. Ob-
serve-se que a polissemia opera sobre os produtos, ndo sobre as bases:
vassoura -+ vassourinha (derivagSo sufixal)
J (polissemia)
"vassourinha" (planta)
4.5 FOSSTLTZAQAO
E preciso n5o confun dir a lexicalizagfio com o fen6meno da fossili-
zaqdo. Como foi dito no item anterior, as formas lexicalizadas s5o irre-
gulares, mas podem ser analisadas por regras especificas (RAEs). Apesar
da anomalia, pode-se aplicar a expulsdo,por exemplo, a RAE | [ expul-
sar],r]-qao]s.
91
Veja-se como 6 diferente o caso de casebre, por exemplo. O falante
pode depreender a estrutura da palavra ( | [ casa ] 5 -ebre ] 5 ), mas ndo
se pode dizer que o falante poder6 aplicar a ela uma RAE, porque, por
definiqdo, uma regra n6o se aplica a um caso apenas. A rigor, as estru-
turas de palavras sui generis n5o s5o apreendidas atrav6s de RAEs, mas
de andlises isoladas. A esse fen6meno se dd o nome de fossilizagdo.
Citamos em seguida alguns exemplos de fossilizaqSo. Observe-se
que os sufix6ides (cf. item 5.4.8) e os prefixdides (cf. item 7.7) que fa-
zem parte das estruturas das palavras s5o formas lingiiisticas univocas,
isto 6, trata-se de formas isoladas que apresentam uma irnica interpre-
taE5o, tanto sob o ponto de vista morfol6gico quanto sob o ponto de
vista semAntico: bichano, urinol, pedestre, seffote, andarilho, sertaneio,
m dri sco, c antilena, c antarol ar, ap azi guar, supor, res guardar, descrev er,
mdnter, etc.
A fossilizaEsopode tamb6m estar relacionada com a base. Muitas
vezes temos condig6es de isolar o sufixo, mas a base 6 uma forma lin-
giiistica irrecorrente. Esse assunto ser6 estudado com rigor no item
5.4.7 .2. De qualquer forma, 6 possivel, por exemplo, reconhecer a exis-
t€ncia do sufixo -oso em morosoT embora a base s6 exista nessa palavra,
ou seja, s6 ligada ao sufixo -oso. A forma mor-, corrro veremos, 6 uma
bas6ide. S5o exemplos de fossilizaqdo da base (as bas6ides v5o subli-
nhadas): ristico, esporddico, meticuloso, j-ecoso, armdrio, eglvdrio, me-
liante , Pcdante , mercendrio , ergdor , vantagem, rdncor, banal, Pkadeiro ,
Wteiro, etc.
Algumas vezes, um dos elementos do processo de composiEao 6
umabasSide, caracterizando assim a fossilizaqSo sem6ntica. Esses ele-
mentos tamb6m s5o chamados de morfes vazios. Seguem-se exemplos
de bas6ides 
- 
ou de morfes vazios 
- 
na composigio (as bas6ides v5o su-
blinhadas) : guardanaPo, Suardayala, manipular, menoPausa, satisfa-
zer. manivela, caraPuga. etc.
4.6 DTCTONARTZAQAO
Palavras institucionalizadas podem passar a {azer parte de um dicio-
ndrio, caracterizando-se assim a dicionarizagdo de uma nova formaEso
da lingua. Neste trabalho, n5o estamos preocupados com essa questSo,
9Z
mas com a explicitagdo do l6xico mental do falante nativo, conforme
procuramos demonstrar em p6ginas anteriores. Existem vdrias diferen-
Eas entre o que estamos chamando de l6xico mental e os diciondrios.
Os diciondrios apresentam inrimeras palavras enterradas, mortas, que
ndo s5o mais usadas na lingua, al6m de deixarem de registrar inrlmeros
voc6bulos novos, mas que s5o de uso efetivo. Na verdade, os diciondrios,
tais como se apresentam, apesar de se constitufrem em um auxiliar in-
dispensiivel para os usudrios da lingua, principalmente com relaqSo )
norma culta, ndo sdo instrumentos cientificos de andlise lingiiistica,
n5o s6 por causa dos problemas relatados, como tamb6m por causa das
dificuldades inerentes ) publicaEao. Uma formaqdo rec6m-institucio-
nalizada demora a ser dicionarizada. Novas edig6es 
- 
com revis6es,
emendas e acr6scimos 
- 
deveriam ser constantemente lanEadas no
mercado, e ndo simplesmente novas impress6es ou tiragens, como
acontece freqtientemente no Brasil. Al6m disso, 6 preciso assinalar
que, apesar de prdtica, a ordem alfab6tica em que se apresentam os
verbetes 6 aleat6ria, convencional, totalmente destituida de crit6rio
t6cnico ou cientifico. Reconhecemos que os dicion6rios que se estru-
turam de maneira diferente (id6ias afins, campos lexicais, raizes ou fa-
milias de palavras) s5o pouco prdticos para o pfblico em geral. Apesar
de todas as dificuldades, 6 preciso lembrar que a lexicografia 
- 
"t6cnica
de confecqSo dos diciondrios e andlise lingiiistica dessa t6cnica" (DU-
BolS et a1.,1978: lexicografia) 
- 
6 um ramo de estudo respeitdvel, que
possui seus pr6prios instrumentos de trabalho e que vem se aperfei-
Eoando a cada dia que passa.
Um produto, para constituir uma entrada em um diciondrio, preci-
sa ser institucionalizado, como dissemos anteriormente. N5o faz senti-
do um dicion6rio registrar formag6es esporddicas de certos escritores,
como se v6 na ediqSo de 1985 do Aulete (citaremos apenas alguns
exemplos do primeiro volume):
"[ 
.] 
" 
uma colherada de sal para disfarqar o adoqo em demasia."
("adoqamento" ou "doqura") M6rio Palm6rio, Chapaddo do Bugre.
"f 
...] num carroqio de burro lotado da bugigangada delas..." ("conjunto
de bugigangas") Mdrio Palm6rio, Chapaddo do Bugre.
93
'16 Wi do Dito ndo se desfazia 1...1 cheio de amorosidades." ("qualidades
dos que s5o amorosos") Guimardes Rosa, Tutamdia.
"De v6-1a a bonalheirar, doiam-se." ("estar no borralho, n5o sair de casa")
Guimardes Rosa, Tutamdi a.
"De certo que essas tamb6m tecem a minha roupa arlequinal." ("relalivo
a arlequim") Miirio de Andrade, Poesias completas.
E evidente que a partir do momento em que um escritor cria uma
palavra (formagSo espor6dica) e ela passa a ser institucionalizada, essa pa-
lavra deve ser, em princfpio, dicionarizada. Na verdade, por6m, sao
muito raros os exemplos desse tipo em escritores modernos, razSo por
que n5o os citamos aqui.
Em resumo: somente palavras institucionalizadas devem ser dicio-
narizadas. Mas 6 preciso cuidado com a exist6ncia fugaz de alguns pro-
dutos institucionalizados. FormaE6es familiares aos falantes de hoje
poderSo desaparecer rapidamente, como : mauricinho, p atricinha, ime-
xivel, fumacA, farofeiro, sacoleiro, malufar, fum6dromo, superfaturamento,
secretdria eletrinica, etc. Parece n5o haver razlo para que formag6es
institucionalizadas desse tipo, que n5o sabemos ainda se vio permane-
cer na lingua por um tempo razofvel, sejam dicionarizadas simples-
mente por uma questSo de modismo.
4.7 RESUMO
Ap6s apresentarmos as fung6es da formaEso de palavras 
- 
funE5o de
mudanEa categorial, funESo expressiva de avaliagdo e funEdo de rotula-
Qdo -, procuramos mostrar como se formam novas palavras em uma
lingua, discutindo especialmente a maneira pela qual uma formaElo
esporddica passa a ser uma formaEdo institucionalizada. Em seguida,
apresentamos as condiE6es de formag5o dos novos itens lexicais (con-
diE6es de produtividade e condiE6es de produEdo) e expusemos alguns
problemas relacionados com a lexicalizaqio e os seus vdrios tipos (cate-
gorial, pros6dica, estrutural, rizom6rfrca e semAntica). Discutimos ainda
a questSo da fossilizaEdo e tecemos algumas consideraqOes a respeito
da dicionarizagdo.
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