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Aulas de Família e Realidade Social
FAMÍLIA
	Estamos mais uma vez reeditando este espaço semanal, denominado de DIÁRIO DE AULA, com fins de subsidiar as aulas do professor Joaquim Cesário que são ministradas na disciplina FAMÍLIA E REALIDADE SOCIAL. Evidente que tal coluna não tem a pretensão de exaurir as questões, nem muito menos substituir as leituras de livros, pesquisas, estudos e ensaios pertinentes. Pelo contrário, além de funcionar como um suporte às aulas aplicadas, trará também sugestões de bibliografia. O DIÁRIO DE AULA é, pois, uma ferramenta pedagógica e acadêmica que, conjugadamente a outras, visa aprimorar o pensamento crítico do aluno ao abordar as temáticas que hoje fazem parte de sua grade escolar, mas que amanhã farão parte de sua vida profissional e, por que não também, até pessoal.
                Toda e qualquer disciplina que tem como foco a família não é, de antemão, uma disciplina fácil, afinal quem já não tem ideias e concepções sobre assuntos como maternidade, paternidade, filiação, casamento, amor, paixão, divórcio, relação entre irmãos e família em geral? Não é a toa que Léon Tolstói escreveu que “todas famílias felizes se parecem; as famílias infelizes são infelizes cada um a sua maneira”. Todas famílias felizes se parecem porque o ideal de família feliz é compartilhado. Acontece que a família ideal não existe, ou somente existe no ideal de cada um de nós. Existem família mais felizes ou menos felizes, mais infelizes ou menos infelizes, mais estruturadas umas do que outras, mais organizadas ou menos organizadas. Apenas não há a feliz plenamente harmônica e sem conflitos, estilo “família margarina”, a não ser nos poucos segundos de uma peça publicitária, ou no imaginário idealizado de todos nós.
                Discutir temas familiares, estudar sobre os mesmos, tematizá-los e higienizá-los de certas visões romanceadas e até de certas ideias preconcebidas não é tarefa fácil, todavia reside aqui nosso desafio e nossa meta. E é por este caminho de construções e desconstruções que irá versar e seguir o DIÁRIO DE AULA. Passo a passo, aula a aula, assunto por assunto, sempre às quartas-feiras e desde logo sabendo ser inesgotável o manancial temático, pois não há algo mais humano, demasiadamente humano, do que família e tudo o que ela representa.
               A família é por muitos considerada a unidade básica da sociedade. Como grupo social primário que é a família influencia sobremaneira a formação de seus membros, ao tempo em que é igualmente influenciada por outras pessoas, instituições e momentos históricos. Como unidade social a família enfrenta uma série de tarefas desenvolvimentais e é nela que, geralmente, nasce e cresce o indivíduo. Podemos dizer que a família é o terreno onde se edifica a pessoa humana.
                Assim sendo é inteligível quando alguém afirma que a família é a base de uma sociedade e do bem estar do indivíduo. Nesta relação intrínseca entre família e sociedade observa-se uma bilateralidade, ou seja, tanto a sociedade é um reflexo da família quanto esta é um reflexo da sociedade. Quando a família de um modo geral não está bem a sociedade também não está bem, e vice versa.
         Família não é apenas um conjunto de pessoas, mas sim uma estrutura. Tal estrutura é representada pela forma como se organiza o grupo e como interagem entre si seus membros. E é neste conjunto invisível de exigências e funções que tanto se organiza as relações socioafetivas de seus membros quanto se forma a personalidade e se influencia a personalidade de cada um. A família, psicologicamente falando, é o pilaste de sustentação do sujeito humano.
         A família, pois, tem como função primordial contribuir para a saúde física e mental dos indivíduos nela habitantes, principalmente às crianças que junto ao seio familiar estão se desenvolvendo. De um modo geral a família é o primeiro grupo social da criança, razão pela qual ela (família) assume a socialização primária do infante, bem como seu fundamental papel que é o da afetividade. Um bebê, por exemplo, não necessita apenas de proteção e nutrientes, mas também de afetos e cultura. E, como veremos ao longo das aulas, a família desempenha esta essencial função psicossocial que é o de intermediar a criança e a sociedade.
	Torna-se, portanto, imprescindível, no campo da Psicologia, estudar e melhor compreender as dinâmicas familiares, objetivo tanto da disciplina universitária quanto desta coluna semanal. Este é, a partir de agora, um espaço que visa acompanhar pari passu os alunos matriculados na disciplina de Família e Realidade Social da FAFIRE, mas é também um espaço a todos interessados pelo tema, sejam eles profissionais e/ou estudantes das áreas de ciências humanas e da saúde, ou a quem interessar possa.
Em busca de uma definição de família
FAMÍLIA, em stritu sensu, é um conjunto de pessoas que possuem algum grau de parentesco entre si. Visto assim o conceito de família é bastante vago e impreciso. Com vistas a melhor operacionalizar a questão se faz necessário melhor defini-la.
Comecemos pelo começo de tudo: a própria palavra família. Vem do latimfamulus que significa “aquele que serve”, isto é, um criado doméstico, um escravo ou um servo. Originariamente o termo famulus designava um conjunto de pessoas que viviam sob um mesmo teto e estavam submetidas à autoridade do chefe da família (pater famílias). Na Roma Antiga o pater famílias era aquele que detinha o maior status familiar. Sob seu domínio (domus) e domicílio (domus) chegava até ter o poder de vida e morte sob seus dominados (pater potestas). Romanamente falando seu poder era tão absoluto que ele podia até vender seus filhos (filii famílias) como escravos.
Todavia família já existia antes mesmo do Império Romano, por uma questão fundamental: sobrevivência. O ser humano quando nasce é muito frágil e bastante vulnerável, necessitando de um outro ser humano para cuidar dele e atender as suas mínimas necessidades básicas. Devido a condição natural do ser humano de ser um dependente absoluto de alguém, e por um longo período maturacional, somente poderia existir humanidade havendo, portanto, MÃE, ou mais precisamente a função materna (cuidar, nutrir, proteger, agasalhar). Razão pela qual a primeira organização familiar (antropologicamente também chamada de “família natural”) foi a relação Mãe-Filho.
Mas onde está o pai? Aqui reside uma questão sócio-histórica interessante. Nos primórdios da história do homem o homem pré-histórico (hominídeo) viviam em pequenos grupos (clãs) e suas relações sexuais eram promiscuas, isto é, entre si sem interditos culturais. Se vários machos acasalavam a mesma fêmea, então como saber quem era o pai? Outro aspecto interessante: é bem provável que nossos ancestrais primitivos sequer soubessem associar sexo com reprodução, ou seja, não devia se saber que o macho e a relação sexual geravam filhos na fêmea. O pai, neste aspecto antropológico, embora o macho biologicamente faça parte da reprodução, foi uma construção social. Como assim? O pai é uma figura que se constrói por meio das regras do acasalamento, ao menos primitivamente falando. As regras de acasalamento (casamento), observem, está dissociada do sexo. Não necessita-se casar para se fazer sexo. O casamento surge na história do homem é para legitimar prole, isto é, para legitimar a relação com os filhos e não para legitimar a relação entre um macho e a fêmea. Remeto ao seguinte texto: “Contribuições da antropologia para o estudo da família”, de Cynthia Sarti (http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S1678-51771992000100007&script=sci_arttext).
Evidente que desde a pré-história até os tempos atuais muita coisa mudou e vem mudando na humanidade, inclusive as organizações familiares. Na Grécia Antiga, por exemplo, Aristóteles já afirmava que família “é uma comunidade de todos os dias, com a incumbência de atender as necessidades primárias e permanentes do lar”. Até meados do século XVII a predominância do patriarcado era definidor, assim como os casamentos porarranjo e a privacidade era uma coisa bastante rara, afinal se viviam em ambientes estilo galpão onde não havia delimitações, além de se viverem (ao menos a plebe que era a grande maioria da população) muitas famílias sob o mesmo teto. O advento da Modernidade trouxe grandes transformações ao homem ocidental, entre elas a “nuclearização da família”. Como foram várias as transformações e funções da família ao longo do tempo, e como espaço aqui é curto, sugiro a leitura do texto contido em http://www.abpp.com.br/abppprnorte/pdf/a07Simionato03.pdf (“Funções e transformações da família ao longo da história”, de Marlene Simionato e Raquel Gusmão Oliveira).
	
	Família Nuclear
O processo crescente de industrialização das sociedades ocidentais, bem como o aumento da concentração urbana, levaram a grandes transformações sociais que repercutiram nos contextos familiares. Surge, entre os séculos XVIII e XIX, a chamada família moderna ou família burguesa. A família burguesa (que se consolida no século XIX) é nada mais nada menos que a FAMÍLIA NUCLEAR, ou seja a unidade doméstica composta de pai, mãe e filhos convivendo em uma mesma unidade habitacional. Mas, deixemos a família nuclear para um próximo post. Foquemos agora no conceito de família.
Como diz Luiz Carlos Osório em seu livro “FAMÍLIA HOJE” (ARTMED), o conceito de família não é um conceito unívoco. Para fins didáticos vamos elencar uma definição de família, deixando desde já claro que se trata apenas de uma definição e não de um conceito definitivo.
Embora a ONU tenha, latu sensu, em 1984, definido família como “gente com quem se conta”, em termos mais estritos a própria ONU leva em consideração o espaço de domicílio  e entende que a mesma deva ser constituída por meio de relações de parentesco. Considera igualmente família nuclear casal sem filhos. A ONU, no documento  Principles and Recommendations for Population and Housing Censuses, Revision (1998), trata  a pessoa morando sozinha como um domicílio unipessoal e considera a pessoa vivendo só como uma “não-familia”. Entenda-se aqui não-família nuclear. Neste sentido não-família (nuclear) são, por exemplo, pessoas que convivem em um  domicílio multipessoal, mas que não possuem laços de parentesco, bem como domicílios unipessoais. Pelo acima exposto domicílio com família nuclear é:
Casal: (com filhos e sem filhos)
Pai com filho(s)
Mãe com filho(s)
                A família é um fenômeno universal. A maneira como as famílias se estruturam, organizam-se e se manifestam é sócio-cultural. A família surge como necessidade de cuidar de prole, inclusive por força biológica, visto que o infante humano não ter condições sozinho de sobrevivência. É por este viés inicial que edificaremos aqui nossa definição, deixando de antemão claro que ela tem uma visão pedifocal, isto é, centrada na criança.
                Sem mais delongas vamos a nossa definição:“família é um grupo de pessoas ligadas por laços de parentesco que se incumbe da criação da prole e do atendimento de certas outras necessidades humanas”. Por este ângulo e sentido, destaca-se o objetivo primordial da família que é ser responsável por criar, cuidar, proteger, educar e garantir o bom desenvolvimento de suas crianças (criança vem de CRIA, seja enquanto filhote, seja enquanto criação). Segundo Émile Durkheim (considerado um dos pais da Sociologia Moderna), a função da família é social: iniciar o processo de socialização (primária) do indivíduo. Há também outras finalidades na família, tal como a de gerar o sentimento de pertença, ou seja, sentir-se pertencendo a alguém e/ou a um grupo social. Observem que a família tem uma tripla funcionalidade: biológica, psicológica e social.
 Abaixo algumas frases sobre a ideia de família:
"A verdadeira felicidade está na própria casa, entre as alegrias da família."
Leon Tolstoi
 "Quem não tem mãe, não tem família."
Platão 
"A família é como a varíola: a gente tem quando criança e fica marcado
para o resto da vida."
Jean-Paul Sartre 
"No início, os filhos amam os pais. Depois de um certo tempo, passam a julgá-los. Raramente ou quase nunca os perdoam."
Oscar Wilde
"Observa o teu culto a família e cumpre teus deveres para com teu pai, tua mãe e todos os teus parentes. Educa as crianças e não precisarás castigar os homens."
Pitagoras
 "É fácil amar os que estão longe. Mas nem sempre é fácil amar os que vivem ao nosso lado."
Madre Teresa de Calcuta
 "Pais e filhos não foram feitos para ser amigos. Foram feitos para ser pais e filhos."
Millôr Fernandes
 "Amigos são a família que nos permitiram escolher."
William Shakespeare
	
PARENTES, PARENTELAS E PARENTESCO
Em nossa última aula (post quarta passada) elencamos uma definição de família que nos possibilitará trabalhar com a complexidade do tema familiar ao longo de toda disciplina FAMÍLIA E REALIDADE SOCIAL, da FAFIRE. Se vocês estão lembrados definimos família como “um grupo de pessoas ligadas por laços de parentesco que se incumbe da criação da prole e do atendimento de certas outras necessidades humanas”. Pois é, cabe-nos agora entender o que vem a ser laços de parentesco.
O parentesco é o vínculo que une duas ou mais pessoas em decorrência da descendência, seja entre elas ou de procederem de um ancestral comum. Colocado nestes termos o parentesco seria somente consanguíneo, isto é, uma ligação de sangue. Todavia, além do parentesco consanguíneo há também os parentesco por afinidade (proveniente do casamento) e o parentesco civil (proveniente da adoção). Observa-se, assim, que o parentesco não é um laço unicamente biológico. No nosso ordenamento jurídico os artigos 1591 a 1595 do Código Civil Brasileiro dispõem sobre o assunto.
 
                Acaso o leitor recorra ao Wikipédia lá encontrará que o parentesco é a relação que une duas ou mais pessoas por vínculos de sangue (descendência/ascendência) ou sociais (sobretudo pelo casamento). O parentesco pode ser em linha reta (quando as pessoas estão umas para com as outras na relação de ascendente e descendentes/art.1591) ou em linha colateral ou transversal (quando as pessoas provêm de um só tronco, sem descender uma da outra/ art. 1592). Os parentesco se organizam em linha e se medem por graus (grau é a distância que vai de uma geração a outra).
                São três os tipos de linhas de parentesco, a saber:
Linha reta: exemplos: bisavós, avós, pais, filhos, netos, bisnetos...
Linha colateral: exemplos: irmãos, primos, sobrinhos...
Por afinidade: exemplo: sogros, noras, genros, cunhados...
                Para se calcular o grau de parentesco vejamos o que legisla o Código Civil: “contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo numero de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar outro parente”. E aqui cabe a surpresa: não existe primo de primeiro ou segundo grau. Primos são parentes de quarto grau. É só contar.
                Vale ainda destacar que esposo e esposa não são parentes entre si, mas sim cônjuges. Os que são parentes por afinidade são os parentes de cada um cônjuge em relação ao outro. A lei brasileira só considera o parentesco colateral até o quarto grau. Depois disso não são mais parentes.
                 O conjunto geral de parentes é parentela, mas há aqueles parentes que não fazem parte de nossa vida afetiva. Uns outros, embora tenhamos vários parentes, se destacam por fazerem parte do nosso grupo de convivência afetiva. Sabe aquela tia querida que mora em Chicago e que você não vê há anos? Pois é, ela é sua parente afetiva e, provavelmente, deixou marcas em seu ser. Já há aqueles parentes que moram até perto, mas que você num nutre nenhum afeto por eles? Pra mim parentes assim só fazem parte da parentela. Todavia, cuidado, não vamos confundir afeto com somente sentimentos e emoções considerados bons, afinal raiva, ciúme e inveja, entre outros, também são afetos, mesmo que sejam pra nós negativos.
 O que nos interessa, psicologicamente, são os afetos e como eles circulam e seinteragem no seio do ambiente interpessoal familiar. Psicologia é, acima de tudo, o estudo dos afetos e dos desejos, entre outras coisas. Por isto não devemos desconsiderar o chamado “parentesco sócio afetivo”, como é o caso, por exemplo, dos “irmãos de criação” e de pessoas que nas quais temos tanta vinculação afetiva que temos elas como uma “mãe” ou como um “irmão”.
                E para concluir o post-aula de hoje, deixemos abaixo uma escala de parentesco:
      POR CONSANGUINIDADE:
- primeiro grau: pais e filhos
- segundo grau: irmãos e avós
- terceiro grau: tios, sobrinhos e bisavós
- quarto grau: primos
POR AFINIDADE:
- primeiro grau: sogro e sogra, genro e nora, padrasto e madrasta, enteados
- segundo grau: cunhados (concunhado não é parentesco jurídico)
   Uma leitura mais aprofundada sobre a temática do parentesco pode ser feita através do livro AS ESTRUTURAS ELEMENTARES DO PARENTESCO (editora Vozes ou Tempo Brasileiro) do antropólogo francês Claude Levi-Strauss. Mas de logo aviso, só pra quem quiser aprofundar, afinal o livro é um "calhamaço" de 544 páginas.
	
Família nuclear
Lembram da frase de Tolstói (“todas famílias felizes se parecem; as família infelizes são infelizes cada um a sua maneira”)? Pois é, podemos também dizer que todas ideias de família nuclear se parecem (pai/mãe/filho), já as família nucleares são nucleares cada um a sua maneira. Sim, tradicionalmente o que se convencionou chamar de família nuclear é um casal com filho(s), mas venhamos e convenhamos essa concepção não é hoje mais suficiente para dar conta de tantos novos arranjos domésticos advindos de divórcios (às vezes mais de um), recasamentos, meio-irmãos, agregados, etc. É só atentar para o fato de que as famílias monoparentais (com apenas um progenitor) estão em crescimento vertiginoso.
Em meio a tantas separações conjugais temos o aparecimento dos meio-parentes, tipo ex-tios, novas avós, por exemplo. Já criamos nomenclaturas como “família mosaico” quando os pais separados se casam novamente com outras pessoas e os filhos convivem com estes em novos arranjos de parentesco. Mas seja como for a família nuclear tradicionalmente concebida ainda permeia a idealização das pessoas e da sociedade.
Seja como for o que denominamos de família nuclear é conceituado como aquela em que duas pessoas adultas formam um casal, têm filhos e habitam sob um mesmo teto. Por isto que a família nuclear é igualmente chamada de família conjugal, ou seja, uma família formada com base na conjugalidade. Agora a questão que se faz é: um casal que não tem filhos ou não quer ter filhos é uma família nuclear? Citamos, em post anterior, que segundo a ONU, através do seu “Principles and Recommendations for Population and Housing Censuses, Revision”, considera-se família, dentro de um mesmo espaço de domicílio, desde que haja duas característica básicas, a saber:
    Mínimo de dois membros; Que haja entre os membros relações de parentesco
               Pelo acima exposto a família nuclear tanto pode ser:
                - um casal sem filho(s);
                - um casal com filho(s);
                - pai com filho(s);
                - mãe com filho(s)
      Todavia, para fins de nossa disciplina, e com base em nossa definição operacional de família como “grupo de pessoas , ligadas por laços de parentesco, que se incumbe da criação da prole e do atendimento de certas outras necessidades humanas”, focaremos na família nuclear plena e intacta, isto é, casal com filhos.
FAMÍLIA EXTENSA
A família extensa (ora às vezes chamada de família ampliada, ora família consanguínea) é uma estrutura familiar mais ampla que consiste da coabitação em um mesmo sítio doméstico da família nuclear + um ou mais parentes. Por exemplo: moram na mesma casa pais, filhos e avós; ou pais, filhos e noras/genros. Assim, a família extensa é aquela constituída por um número maior de parentesco, como tios, avós, enteados, primos...
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 25, parágrafo único, denomina a família extensa ou ampliada como “aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”. A família extensa é ainda comum em regiões rurais e menos nos grandes centros urbanos onde predomina a família nuclear e a família monoparental.
* * *
Sugestão Bibliográfica: "A Família Contemporânea em Debate", de Maria do Carmo Brant e Carvalho (org.), Editora Cortez.
CICLO DE VIDA FAMILIAR
PRIMEIRA PARTE
Ao longo do tempo a família sofre inúmeras e várias transformações. Tudo que é vivo um dia nasceu, cresceu e haverá de morrer. Considerando a família como um sistema ativo, analogamente a um organismo vivo, ela também nasce, cresce e morre. Talvez nos seja muito difícil vermos o ciclo de vida de uma família extensa ou ampliada, porém o mesmo não ocorre com a família nuclear. E é sofre o ciclo de vida da família nuclear que dedicaremos nossas próximas palavras e textos.
Um dos mais clássicos livros sobre família – daqueles que se deve ter em qualquer biblioteca de um profissional do campo da saúde mental – é o livro AS MUDANÇAS NO CICLO DE VIDA FAMILIAR, de Betty Carter e Monica McGoldrick, publicado no Brasil pela editora ARTMED. Com base nele é que desenvolvermos o assunto ora em pauta.
                Como bem destacou Erik Erikson, no tocante ao desenvolvimento pessoal, as etapas evolutivas são períodos adaptativos e, por isto mesmo, períodos de crise: crise adaptativa. Há ao longo da vida de um indivíduo crises que são normativas, visto que são crises normais, que fazem parte do desenvolvimento humano, tipo a crise da adolescência. Já há outras crises adaptativas que não são normais como, por exemplo, perda de emprego ou a perda dos pais na infância. Estas são chamadas de crises acidentais: podem acontecer ou não.
      Socialmente falando a família nuclear se inicia com a união conjugal. Lembremos que família nuclear, como aqui estamos trabalhando, é aquele fundada na conjugalidade. O casamento, ou a união conjugal, não somente forma um novo casal no pedaço, mas também representa a união entre duas famílias. Engana-se aqueles que achar que um casamento é uma coisa fácil. Casar pode até ser fácil, todavia continuar casado requer inúmeras tarefas adaptativas que o casal terá pela frente na formação e consolidação do sistema marital.
         Talvez quem nunca casou ainda possa alimentar que o ajustamento entre os cônjuges seja tarefa fácil. Um casamento requer que duas pessoas renegociem juntas uma gama de questões, grande parte delas advindas das famílias de origem de cada um (cultura familiar). Pode-se namorar anos a fio, cinco, sete, nove, dez... porém, quando se casa (morar juntos, dividir cotidiano, despesas e tarefas domésticas) alguns casais não se sustentam. Entra aquela tal de “incompatibilidade de gênios”.
                E não é somente o ajustamento entre os parceiros do casal. Existem igualmente a renegociação referente os relacionamentos com os demais da família ampliada (pais, irmãos) e até com amigos pessoais. Como escreve Carter e McGoldrick (obra citada acima): “às vezes, a incapacidade de formalizar, no casamento, um relacionamento de casal, quando as duas pessoas estão morando juntas, indica que elas ainda estão muito emaranhadas com suas próprias famílias para definirem um novo sistema”. Sabe aquela expressão popular que diz que a sogra deve ficar a uma média distância do casal, a ponto que não fique “nem tão perto que venha de chinelos, nem tão longe para que traga uma mala”.
               A próxima etapa adaptativa frequentemente é o surgimento de filhos. Agrega-se à  conjugalidade agora a progenitura. O sistema conjugal deve se ajustar para criar um espaço físico e afetivo para a chegada dos filhos. Há um novo realinhamento em questão: incluir os pais da família de origem de cada cônjuge no novo papel que é o de avós. É necessário que estes saibam passar para um papel secundárioe com isto permita aos filhos assumirem a autoridade inerentes a seus papéis paternais. Outra vez não nos iludamos: o nascimento de um filho, embora até desejado e programado, desequilibra de alguma forma a homeostase do casal que agora não é mais uma díade e sim uma tríade.
          Virar pai e/ou mãe é, sem sombra de dúvida, um momento marcante no ciclo de vida pessoal e familiar. Inúmeras alterações ocorrerão, inclusive na própria personalidade dos sujeitos envolvidos. Uma nova realidade descortina-se e eles devem fazer frete a tais mudanças. Sacrifícios e renúncias deverão ser feitas, principalmente quanto ao campo de vida social, bem como haverá de ser efetivar adequações psicológicas fundamentais. Não é raro, por exemplo, pais que se sentem como que excluídos daquela relação tão primária que é a relação mãe-filho. Faz-se, portanto, igualmente preciso encontrar um novo espaço para ele no âmbito desta nova família inicialmente a três.
                Para quem deseja aprofundar o tema oriento dá uma olhada no seguinte texto: PATERNIDADE: VIVÊNCIA DO PRIMEIRO FILHO E MUDANÇAS FAMILIARES (http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1516-36872011000100011&script=sci_arttext)
             Os filhos crescem e com eles diminuem a importância e a autoridade dos pais. Quando bem pequenos eles são dependentes absolutos do ambiente familiar. Crescidos vão ficando cada vez menos dependentes. E eis que chega a adolescência, momento crítico por excelência. Talvez a principal tarefa adaptativa seja a de modificar a relação pais e filho(a) com vistas a possibilitar ao adolescente movimentar-se paulatinamente para fora do sistema familiar (leia-se fora como maior autonomia frente à família de origem dos mesmos).
                Paralelamente a independização dos filhos, os próprios pais geralmente enfrentam a crise da meia-idade, bem como os avós estão se fragilizando com o passar dos anos. Os pais, por sua vez, começam uma nova etapa de vida que é a de começar a cuidar da geração mais velha.
                Fica aqui mais uma sugestão de leitura: FAMÍLIA E ADOLESCÊNCIA: A INFLUÊNCIA DO CONTEXTO FAMILIAR NO DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO DOS SEUS MEMBROS (http://www.scielo.br/pdf/pe/v12n2/v12n2a05.pdf).
                 E ainda quem quiser aprofundar-se mais na temática vai aí um ótimo livro sobre o assunto: 
CICLO DE VIDA FAMILIAR
ÚLTIMA PARTE
Como dizíamos antes os filhos crescem. Crescendo chegam à adolescência e depois se tornam eles mesmo adultos. Como adultos é esperado que eles também queiram fazer suas carreiras profissionais, buscarem sua independência financeira e formar sua própria família nuclear. Chamamos esta importante etapa do ciclo de vida familiar de “saída dos filhos de casa”. Carter e McGoldrick (obra citada no post anterior), por sua vez, denominam de “lançando os filhos e seguindo em frente”.
       A saída dos filhos de casa representa a célebre crise chamada de "ninho vazio". O casal encontra-se, assim, de novo a sós, tal como no início da formação familiar. Podemos, inclusive, afirmar que é uma etapa de vida caracterizada por novas descobertas, conflitos e definições ou redefinições. É como se fosse um novo casamento, só que agora fincado na elaboração do luto da “perda” dos filhos. Dentro da crise do ninho vazio temos os confrontos com a finitude da vida. Novos valores e prioridades podem surgir.
        O casal agora sem filhos coabitando é um casal que se reencontra, livre das obrigações e tarefas parentais. Sentimentos e afetos ambivalentes podem predominar, tais como liberdade e vazio da perda. Uma nova realidade se faz presente ao casal.
        Destaque há de se dar a esta etapa na maneira como os filhos afetivamente saem de casa. Sair de casa aqui não é mudar de endereço, é se desligar psicologicamente dos pais infantis. Como descreve Carter e McGoldrick, ao adulto jovem inicia-se um novo ciclo pessoal e familiar de vida “cujo encerramento da tarefa primária de chegar a um acordo com sua família de origem influencia profundamente quem, quando, como e se eles vão casar, e como executarão todos os outros estágios seguintes do ciclo de vida familiar”. Sobre isto e sua fundamental importância retornarei logo abaixo.
              Chegamos, então, a última etapa de vida do ciclo familiar que está relacionada ao estágio tardio da vida. Os pais envelheceram, os pais destes já não mais existe, aliás não há mais uma geração anterior a morrer. É momento, pois, de aceitar as mudanças nos papéis geracionais, entre eles manter os interesses próprios e/ou do casal em face ao declínio físico e as limitações da idade avançada. Os filhos precisam abrir espaços em suas vidas para apoiar à geração mais idosa. É um período de perdas (amigos, parentes, cônjuge), mais também de revisão de vida e integração de ego.
                Após a morte do último cônjuge, acaba-se aquela família nuclear que começou lá atrás na união do casal. E a vida continua, assim como as outras família nucleares e seus novos ciclos de vida familiar.
               Cabe aqui um esclarecimento. O ciclo de vida familiar compreendendo desde a formação do casal, passando pelo nascimento do(s) filho(s), crescimento dos mesmo, adolescência, saída dos filhos de casa, velhice dos cônjuges e morte do último cônjuge, representa a evolução da família nuclear do ponto de vista social. Do ponto de vista psicológico, ou mais precisamente do ponto de vista psicoafetivo, temos uma complexidade peculiar.
                Psicológica e afetivamente falando a família nuclear não se inicia com a união conjugal, mas sim com a saída dos filhos de casa. Como assim? Vejamos. A forma e maneira como os filhos vão se desapegando dos pais (lembremos que inicialmente a ligação do bebê com a mãe tem forte caráter fusional e simbiótico), isto é, vão diminuindo sua idealização dos mesmos, bem como sua dependência psicológica, muito influenciará ou até mesmo determinará os futuros apegos afetivos. A formação de um novo casal pode ter significativas marcas dessa passagem da endogamia para a exogamia. Muito do como amamos e queremos ser amados tem resquícios de nossos primeiros vínculos amorosos (pais). E é neste sentido que o lançamento dos filhos para o mundo extrafamiliar inaugura, psicologicamente, o começar da futura família nuclear que este irá criar conjugadamente a seu parceiro(a) e este(a) com ele também. Afinal, não é tão difícil assim observarmos algumas pessoas que mesmo crescidas, trabalhando, com independência financeira, casadas e até com filhos, mantendo um laço muito estreito com sua família de origem a ponto de continuarem emocionalmente dependente dos pais. Ou até pessoas que transferem sua dependência filial para os atuais cônjuges, a ponto de estes poderem chegar a dizer algo do tipo “eu não sou sua mãe”.
A fase do jovem adulto é um marco , pois requer que o jovem adulto se separe da família de origem sem romper relações ou fugir reativamente dela para uma espécie de refúgio emocional substituto.
Quanto mais satisfatoriamente se diferenciarem emocionalmente da família de origem , melhores serão as chances de enfrentarem os ciclos de vida em sua nova família de maneira autônoma. Um filho que sai de casa emocionalmente mais maduro pode melhor escolher o que levará emocionalmente de sua família de origem, o que não levará e aquilo que ele construirá sozinho com seus novos parceiros afetivos.
PAPEL SOCIAL
Centremos nossa atenção na família nuclear tradicional: casal com filho(s). Como grupo social que é, a família nuclear tem seus papéis sociais. O papel social é definido como um conjunto de normas e expectativas que condicionam o comportamento dos indivíduos pertencentes ao grupo, não tanto em conformidade com as características pessoais de cada indivíduo, mas pelo que se espera de quem ocupa determinada posição social. Sociologicamente falando o papel social é aquilo que se espera de alguém que tem um estatuto social. Neste sentido se pode dizer que o papel social tem o status do papel e o exercício ou desempenho do mesmo (função).Vejamos, pois, isto em termo de família nuclear.
       Considerando a família nuclear com base na conjugalidade e com finalidade de criação de filhos, então a mesma pode ter até quatro papéis sociais distintos, a saber:
                - papel conjugal (casal)
                - papel parental  (pais)
                - papel filial (filho)
                - papel fraterno (irmãos)
                O papel conjugal transcende ao ato de casar ou de uma pessoa se unir à outra. Duas pessoas casadas, ou que moram juntas, formam um casal enquanto status. Porém, há de se ver se funcionam como um casal. De antemão destaquemos que uma relação conjugal traz a expectativa que a parceria se estabeleça através de laços sexuais e afetivos, provenientes do desejo de compartilharem juntos a vida, independente de terem ou não filhos, bem como de ser esta união institucionalmente formalizada ou não.
              O papel conjugal pressupõe a interdependência entre seus membros e o exercício de tal interdependência envolve, por sua vez, compreensão, cooperação, compartilhamento, competição, cumplicidade e mutualidade. O papel conjugal não deve se confundir com o papel parental (cuidar de filhos), embora na esfera da conjugalidade resida a reprodução.
    Um casal quando tem um filho não deixa de ser um casal, mas um casal com filhos soma à conjugalidade um novo e outro papel, pois tornam os membros conjugais em pais. A díade (casal) torna-se agora tríade (casal + filho).
     Como dito acima, embora a reprodução esteja no âmbito da conjugalidada, os atributos, tarefas, exigências e funções inerentes pertencem ao exercício do papel parental. O nascimento de uma criança implica obrigações e prazeres, bem como dispêndio de energia ao projeto educativo parental. À guisa de melhor compreensão do papel parental, costuma-se distinguir as funções maternas e paternas. Funções materna e paternas não devem ser confundidas com pai ou mãe, homem ou mulher. Não se trata de biologia, nem questão de gênero. Estamos a destacar a funcionalidade. Uma mãe solteira, por exemplo, ao longo do crescimento de seu filho pode muito bem exercer os dois papéis em momentos distintos da vida, isto é, funcionar inicialmente como mãe e posteriormente como pai.
FUNÇÃO MATERNA
       Cabe a função materna nutrir e proteger a prole. No início da vida o bebê está exposto a medos, angústia e ansiedades frente aos quais não sabe lidar. A função materna, neste sentido, é a de ser continente das emoções existenciais do pequeno infante. A mãe (ou quem exerce o papel) auxilia a criança a "digerir" seus próprios afetos inominados através de uma postura responsivamente empática onde, como receptáculo,  além de mitigar a ansiedade dá sentido a mesma.
FUNÇÃO PATERNA
       A função paterna representa "soltar" o filho pro mundo. Soltar aqui está em aspas exatamente por não significar largar, mas sim ajudá-lo a andar com suas próprias pernas até não mais necessitar de pais para viver e/ou lidar com seus conflitos existenciais. Assim sendo, considerando que a função materna é simbolizada pelo colo, a função paterna é "tirar" do colo e ajudá-lo a prosseguir por seus próprios meios estrada à fora. Por isto que se diz que o papel paterno é dessimbiotizante, ou seja, se entrepor psicologicamente entre o filho e a mãe, dando curso ao processo de individuação da criança em crescimento. Confuso? Então, mais adiante, em outra aula, aprofundaremos o assunto.
PAPEL FILIAL
       É o papel centrado na dependência relacionada a prematuridade inicial do recém-nascido, pois este depende absolutamente de um outro para sobreviver. Quanto mais o filho cresce menos ele vai dependendo dos pais. O processo de individuação se faz assim da dependência absoluta, passando pela dependência relativa, rumo a independência.
PAPEL FRATERNO
       Havendo irmãos surge na família nuclear o papel fraterno. O mesmo é vivido na polaridade e antagonismo entre solidariedade e rivalidade. Com o tempo o termo fraterno foi sendo higienizado dos seus aspectos rivalizantes, e sendo destacado tão somente a solidariedade. Porém, ser irmão implica, também, disputas, entre elas a preferência e o amor dos pais.
Para leitura sobre o assunto sugerimos o capítulo dois do livro FAMÍLIA HOJE, de Luiz Carlos Osório, cujo título é "O que é família, afinal", bem como o texto publicado na revista Psicologia: Teoria e Pesquisa (mai-ago/2005), com o título "Compartilhar Tarefas? Papéis e Funções de Pai e Mãe na Família Contemporânea", que pode ser linkado em http://www.scielo.br/pdf/ptp/v21n2/a08v21n2.pdf. 
SOBRE O AMOR:
PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES
       Freud já no início do século XX dizia que a escolha do objeto amoroso na vida adulta parte em parte dos primeiros objetos amorosos da infância. Segundo a visão freudiana um ser humano tem originalmente dois objetos sexuais: ele mesmo e a mãe.
     Creio que não se é preciso ter minimamente qualquer conhecimento de Psicologia para se reconhecer que primeira experiência amorosa do ser humano é com os pais, mas precisamente com a mãe ou quem ocupe o lugar da função materna.
       Ninguém nasce amando. Os afetos inatos ou primários são a ansiedade, o medo e a raiva. Afetos secundários – chamados pelos americanos de “afetos sociais”, visto serem desenvolvidos através de experiências interpessoais – são ciúme, pudor, vergonha, culpa, gratidão e amor, entre outros. São emoções complexas construídas sob o contato com os outros e a cultura, e que têm como base as emoções primárias. Nossa primeira escola afetiva é a infância e é de lá que trazemos muito de nossa bagagem emocional à vida adulta.
                O ser humano nasce sem ainda conhecer o mundo que o circunda e muito menos as pessoas que nele habitam. A mente humana primariamente é solitária, isto é, vazio de pessoas. A mente rudimentar é, portanto, anobjetal e amúndica, sem qualquer noção da existência de qualquer coisa que não seja ela mesma. Sabemos que isto é uma pura ilusão da mente que originariamente continua funcionando fora do útero materno como se fetal ainda fosse. Como bem descreve Margaret Mahler, o nascimento psicológico vem depois do nascimento biológico. No início da existência humana além do útero a noção de Eu é tão somente um potencial a se realizar. E o Eu nasce, posteriormente ao nascimento biológico, através da relação com o ambiente cuidador. 
   O bebê vai gradualmente descobrindo-se dependente de alguém. É como se o psiquismo fosse aos poucos se dando conta de que não é uma solidão existencial. A mente descobre a mãe, ou mais precisamente seu primeiro objeto, seu primeiro não-eu.
    É através dos cuidados maternos, no interjogo das gratificações e frustrações, que surge o objeto externo frente aos olhos infantis. É a mãe quem o sustenta, é a mãe quem o alimenta, é a mãe quem o protege, é a mãe quem o agasalha, é a mãe quem atende suas mínimas necessidades, é a mãe...
       É com este objeto materno que o ser humano toma contato e desenvolve seus primeiros afetos secundários. Decididamente, a mãe é o primeiro objeto para onde a energia psíquica e atenção do bebê se dirige. A mãe é o objeto que satisfaz, ou frustra, nossos mais íntimos desejos de então.
         No principiar da vida é da natureza psíquica humana ser narcísica. Narcisisticamente nos “achamos” ou nos sentimos TUDO. Pensamos (e aqui o pensamento ainda não é linguístico ou simbólico, nem regido por qualquer Princípio de Realidade, mas sim pelo Princípio do Prazer, um pensar primitivo e sensório-motor) que somos AUTO SUFICIENTES, ONIPOTENTES, COMPLETOS, enfim PERFEITOS. Contudo isto não condiz com a realidade, pois na verdade um bebê humano é DEPENDENTE ABSOLUTO, IMPOTENTE e frágil frente à satisfação de suas próprias necessidades, INCOMPLETO, enfim IMPERFEITO. Eis aí nossa primeira adaptação psíquica, que conjuga-se ao se ajustar a um mundo extrauterino, nosso primeiro e fundamental conflito entre o Princípio de Prazer e o Princípio de Realidade. Caso o bebê não venha ao mundo com nenhum “defeito de fábrica” a realidadesempre vence, ao menos em grande parte.
                O descobrir-se dependente, vulnerável, incompleto e imperfeito não deve ser uma tarefa mental fácil ao psiquismo ainda em formação. Aos poucos vai se desvanecendo as ilusões narcísicas, e a realidade, o mundo, a mãe e os outros vão tomando forma e contorno no campo perceptivo e sensível do aparelho psíquico. Mas a mente ainda vai lutar para manter a ilusão narcísica de onipotência, completude e plenitude. Descoberta a mãe, e sua dependência em relação a esta, a mente que antes se “achava” TUDO cede espaço à mãe ilusoriamente fálica, isto é, se antes o psiquismo de um bebê se considerava TUDO, agora – reconhecida a existência do objeto cuidador – ele é TUDO para a mãe.   
        Mais um vez nossa mente nos engana, ilude-se. Embora possa ser a criança a coisa mais importante da vida de uma mãe, ela não é TUDO para a mãe. Saudavelmente mesmo que um filho represente a realização de muitos dos desejos maternos, o filho não é a realização de todos os desejos maternos. Estamos, pois, no âmbito da simbiose.
       Acima retratamos a capa do livro “O Nascimento Psicológico da Criança”, de Margaret Mahler. Reporto, pois, o leitor àquele livro, bem como "O Processo de Separação-Individuação", publicado no Brasil pela ARTMED, tempo em que me utilizarei um pouco de suas ideias e construtos teóricos.
                Mahler chama os anos iniciais de vida de ‘Processo de Separação-Individuação”, que são anos determinantes na estruturação psíquica do indivíduo. Vamos resumir alguns conceitos básicos de sua compreensão e que nos dão luz a esta área do estudo psicológico chamada de ENDOPSIQUISMO:
	FASE
	FAIXA ETÁRIA
	CARACTERÍSTICAS
	AUTISMO NORMAL
	Primeiras 4 semanas
	Inexistência de percepção de objeto
Ausência de noção de EU
	SIMBIOSE NORMAL
	¾ semanas a 4/5 meses
	Percepção rudimentar do Objeto
Ainda não há senso de individualidade
Bebê e mãe são um só, como se existisse uma barreira entre o par e o resto do mundo
	SEPARAÇÃO-INDIVIDUAÇÃO
	5 meses a 24 meses
	Desenvolvimento de limites e diferenciação bebê-mãe
Desenvolvimento do senso de identidade
Consolidação do EGO
Desenvolvimento de habilidades cognitivas
Saída da “concha simbiótica” com abertura para conexões humanas
                Sugeriria, também, a leitura do seguinte artigo: “OS PRIMÓRDIOS DA CONSTRUÇÃO DO PRÓPRIO NO CONTEXTO DA INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ”, de Bárbara Figueiredo, através do linkhttp://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/4230/1/Os%20prim%C3%B3rdios%20do%20pr%C3%B3prio%20%282003%29.pdf.
                  Creio que temos agora algumas ideias de como funciona da mente em seus primórdios e que muito nos auxiliará na compreensão da dinâmica tanto da paixão quanto do amor, assunto este que 
continuaremos no próximo post-aula. Até quarta próxima...
TEORIA TRIANGULAR DO AMOR
Três são os elementos que compõem uma relação amorosa, a saber: paixão, intimidade e compromisso. Atento a isso o psicólogo americano Robert Sternberg, importante estudioso sobre o amor, desenvolveu sua Teoria Triangular do Amor. Para ele a combinação desses três elementos levam a sete tipos de relacionamentos amorosos.
                A paixão diz respeito à atração física e sexual, bem característica das relações apaixonadas que possuem aquela forte anelo de querer estar junto do objeto amado, como comumente acontece no início de muitos romances. A paixão aqui revela a marca da excitação sexual e afetiva. É o componente motivacional baseado nos impulsos.
                A intimidade, por sua vez, é o elemento emocional de uma relação e é baseado no se expor ao outro e se revelar. A intimidade leva ao laço afetivo propriamente dito, bem como à confiança, afetuosidade e compartilhamento mútuo.
       Já o compromisso represente o elemento cognitivo, no sentido de se basear na decisão voluntária de querer estar com alguém e de amá-lo. O compromisso visa a permanência e o longo prazo.
                  Baseado nesses três elementos (paixão, intimidade e compromisso), que formam os vértices de um triângulo, a presença ou ausência de um, de dois ou de todos, configuram formas diferentes de amar que vai desde o amor pleno até o amor vazio. Vejamos.
                Quando os três elementos estão presentes, então estamos no âmbito do que Sternberg convencionou chamar de AMOR PLENO. Podemos ousar dizer que este é um tipo de amor bastante difícil de se alcançar, pois é limítrofe com o ideal. É um amor consumado onde a paixão convive com a intimidade e o compromisso.
                 Havendo somente paixão este relacionamento tende a ser efêmero, visto que terminando a química da paixão, termina-se a própria relação. Como paixão sozinha não é propriamente amor, talvez o melhor termo aqui a ser empregado seja “limerence”. A limerância é um estado psíquico involuntário no qual a pessoa sente forte desejo romântico e sexual por uma outra.
                Quando há paixão e intimidade, mas não compromisso, o amor é chamado de AMOR ROMÂNTICO. Há ligação emocional, como uma relação de amizade, com o tempero da atração sexual e da paixão. Mesmo próximos e ardentemente querendo ficar juntos o longo prazo (compromisso) é incerto.
                Existindo intimidade e compromisso, com ausência de paixão, o amor é um AMOR COMPANHEIRO, que faz com que as pessoas permaneçam juntas, embora já não haja atração física. Um tipo de amor muito comum nas relações familiares, nas amizades e nos relacionamentos amorosos de longo prazo.
                Por outro lado há casais em que inexiste intimidade, porém paixão e compromisso. É o clássico relacionamento de “amor à primeira vista”, quando os parceiros apaixonados têm vontade de permanecer juntos, todavia ainda não desenvolveram intimidades. Aqui predomina muito do carnal quando o compromisso é baseado nos impulsos da paixão, razão pela qual denomina-se AMOR INSTINTIVO, também conhecido como AMOR FACTUAL ou AMOR FUGAZ, pois sem intimidade a relação se dissolve tão logo esfrie a paixão.
                Uma relação onde só há o elemento da intimidade é um AMOR AMIZADE. Já em relacionamento arranjados, onde não há nem paixão).o nem intimidade, o amor é um AMOR VAZIO. Tende a se prolongar por motivos externos ao casal.
                Pelo acima exposto, com base na teoria triangular do amor, são sete as formas de amar. Durante o amadurecimento de um relacionamento afetivo esses três elementos (paixão, intimidade e compromisso) aparecem e desaparecem em maior ou menor grau. Qual é o seu?
                Para melhor estudo sobre tal teoria: A TEORIA TRIANGULAR DO AMOR DE STERNBERG E O MODELO DOS CINCO GRANDES FATORES, de Bruna Mônego e Maycoln Teodoro (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-82712011000100011&script=sci_arttext)
	
DIÁRIO DE AULA: AMOR
Aula (post) acima citamos a etimologia da palavra paixão (pathos). Agora vamos nos dedicar ao amor. Etimologicamente sua origem é latina cuja grafia é idêntica amor, cuja raiz é amma(sonoridade infantil chamando mãe) + or (efeito ou consequência).  O sentido expresso no termo é claro: amor é uma resposta afetiva. Será? O que é amor, esta palavra tão gasta e vulgarizada em nossos dia-a-dia?
                Seja o que for amor ele é um afeto, ou faz parte da nossa vida afetiva. Inicialmente parece ter a ver com carinho e cuidado. Como todo afeto o amor é fundamental na criação de nossos laços afetivo com os outros. Uma única palavra, porém com diversos significados, tais como amor físico, amor materno, amor fraterno, amor erótico, amor platônico, amor cristão, amor ao seu time de futebol, amor à vida...
                Sábio eram os gregos, pois tinham várias palavras para significar vários tipos de amor, tais como Philia (altruísmo),Pragma (praticidade), Storge (amizade), Eros (atração), Ágape(fraterno, incondicional), entre outras.  Cada palavra, cada termo, descreve o amor em suas diversas facetas. Assim, por exemplo, quando encontramos na Bíblia, no Evangelho de João, a expressão “Deus é amor”, em grego se escreveÁgape.
                Bem, nossos ancestrais portugueses foram mais econômicos com as palavras e enxugaram tudo em uma única: AMOR. Genericamente podemos definir amor como um conjunto de sentimentos de carinho, ternura, afeição, que se desenvolvem entre os seres que possuem condições de demonstrá-los. Nossa ênfase aqui, neste momento, é nos centrar naquele amor que os gregos chamavam de Eros. Eros envolve a atração física, mas também a atração afetiva. É o amor dos casais. É o amor em sua natureza dadivosa, ou como dizia Saint-Exupéry “o verdadeiro amor nunca se desgasta. Quanto mais se dá mais se tem”.
                 Hoje vivemos uma fase em que casamento e amor estão associados, isto é, casa-se por amor, muitas vezes. Mas historicamente antes não era bem assim. Devido ao curto espaço aqui no blog orientamos os interessados na história e na ideologia do amor conhecerem o artigo “Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações”, publicado na revista Psicologia: Ciência e Profissão, de autoria de Maria de Fátima Araújo, através de: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1414-98932002000200009&script=sci_arttext. Para maiores aprofundamentos, imprescindível o clássico livro HISTÓRIA DO AMOR NO OCIDENTE, de Denis de Rougemont. Livro difícil de encontrar, talvez nos sebos da vida.
       Herdamos de Platão a fórmula do amor: “amor é desejo, e desejo é falta”. Porém há uma aparente contradição nesta fórmula, ao menos em termos de permanência e continuidade do amor. Se amor é desejo e se desejo é falta, então amamos o que nos falta, ou a falta no direciona a amar e a buscar. Acontece que se conseguimos atingir nosso objeto de desejo (objeto do amor), então ele não mais nos falta, visto que o “possuímos”. E se desejo é falta e se não nos falta mais o objeto, então não mais desejamos. E se amor é desejo, e se já “possuímos” nosso objeto de desejo, então por não haver mais falta não há mais desejo, assim como sem haver desejo não há mais amor. Complicado, não? Imagina o imbróglio filosófico da questão.
                Pois bem. A contradição acima está na estreita relação entre amor e desejo. A saída à “sinuca de bico” nos foi dada inicialmente por Santo Agostinho. Ele, sem abandonar a ideia platônica de que amor é desejo e desejo é falta, nos propõe a compreender a questão nos seguintes termos e significados: quando se tem o objeto do desejo assim o tem no presente. O desejo permanece frente ao incerto, ou seja, o futuro. O desejo que subjaz e persiste no desejo que se realiza na “posse” do objeto amado é o desejo de continuar com o objeto, visto que o amanhã é sempre algo ainda não atingível (e por isto nos falta) e quando o amanhã chega ele não é mais amanhã é presente, presente este que é sempre e constantemente contingente e passageiro.
                Ora, caro leitor, o que isso tudo acima quer dizer é que amar é zelar e cuidar do objeto amado para que se tenha o mesmo em todos os amanhãs. O amor, portanto, busca não somente a “posse” do objeto amado, mas a permanência e a continuidade. E num é exatamente isso o que diz o poeta russo Maiakovski neste seu curto e belo poema?:
                                “Teu corpo
                                eu quero acariciar
                                como um soldado
                                mutilado pela guerra,
                                inútil,
                                sem ninguém,
                                acaricia sua única perna”.
                Amor é um sentimento que nos predispõe a dirigir nosso desejo a um outro, querendo deste outro reciprocidade. É isto: amor quer reciprocidade. Amor é reciprocidade. Enquanto que paixão é revolução, amor é evolução. Não existe amor de fato se não houver intimidade e reciprocidade, e isto só vem com o tempo e com a convivência. Enquanto a paixão idealiza o objeto com perfeito, o amor tolera as imperfeições do objeto. O amor convive com a ambivalência.
         O amor, neste momento para finalizar o presente texto, é um sentimento que se expressa na forma de desejo, desejo pelo outro. E neste movimento que nos conduz em relação a outro alguém, e mais ainda que cimentiza as próprias relações humanas, ele tem fundamental função na vida psíquica. Este sentimento (inicialmente  de ser amado, posteriormente amar) em sua dupla face são experiência que constroem o Eu humano. E como meu olhar sobre o assunto é um olhar impregnadamente clínico, remeto o leitor ao texto “Do Amor e da Dor: Representações Sociais Sobre o Amor e o Sofrimento Psíquica” (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-166X2005000100009&script=sci_arttext).
                Vamos, agora, dar uma outra rápida paradinha no tema para que o leitor que até aqui chegou possa dar uma respirada, ir ao banheiro, tomar um cafezinho, assaltar o refrigerador ou até fumar um cigarrinho. Logo abaixo, após o espaço publicitário, retornamos com a TEORIA TRIANGULAR DO AMOR. Considerem este novo post extra como mais uma espécie de bônus, afinal num é toda quarta-feira que temos três aulas seguida e geminadas.
                Porém, tem mais. Afinal, quem disse que estudar, estudar mesmo, é moleza? Para não empanturrar o blog neste momento de aulas, daremos outra rápida parada e continuaremos abaixo com um post sobre "a escolha do objeto amoroso". As aulas e a vida têm de continuar. E o tempo não para...
	
PAIXÃO X AMOR
                Muitos acreditam que paixão e amor é a mesmo coisa, muda apenas a intensidade. Outros creem que a paixão vem primeiro e o amor depois, ou seja, que a paixão com o tempo se transforma em amor. Já há quem ache que paixão e amor são dois lados de uma mesma moeda. Deixemos logo claro nossa posição – e abaixo tentaremos explicitar porque – que é a de que paixão e amor são sentimentos distintos que, embora tragam características semelhantes algumas vezes, têm qualidades diferentes, isto é, a natureza da paixão e a natureza do amor são divergentes.
                Comecemos mais uma vez pelo começo de tudo que é a própria palavra que empregamos para falar de paixão e de amor. Paixão vem do latim passione ou passionis que está relacionado ao ato de suportar sofrimento e traz em seu bojo o significado de passividade. Em grego utiliza-se o termo pathos(padecimento). Pathos, por sua vez, também significa emoção (vide a palavra “apatia”) e doença (vide a palavra “patologia”). Como diz Marilena Chauí é ser afetado por uma experiência, emoção ou sofrimento. Pathos é o oposto de práxis (atividade, ação) no sentido em que se recebe o sofrimento. Por isto na semana santa celebra-se a paixão de Cristo, isto é, o sofrimento de Cristo.
                Em uma rápida ida a um Wikipédia da vida temos paixão definida como uma emoção ampliada de maneira quase doentia, ou até mesmo doentia. É um sentir tipicamente doloroso e limítrofe com a patologia onde aquele que é acometido pela paixão perde sua individualidade psíquica devido a atração e o fascínio que o objeto da paixão proporciona. Em sua natureza passiva o apaixonado é representado pela pessoa que se vê “flechado” (acometido) pela paixão. Quem não reconhece nesta imagem a figura do Cupido, por exemplo?
       Paixão, literalmente, é pois uma patologia amorosa, caracterizado pela superlatividade fantasiosa que se tem da realidade do outro (objeto da paixão). Subjetivamente há na paixão um sentimento de fusionamento com o objeto da paixão, pois este é idealizado e quem está apaixonado crê que com ele todas suas carência não mais existirão. Nesta busca narcisista de fusão objetiva-se ilusoriamente a simbiose que um dia tivemos (bebê-mãe) e perdemos. Lembram da última aula (post quarta passada), pois é, o que restou em nossas mentes daquela época primeva e originária do psiquismo onipotente, auto suficiente, grandioso, completo e perfeito, convencionamos chamar de EGO IDEAL. Parece que o objeto amado representa algo deste Ego Ideal projetado nele, e assim tem-se a ilusão de que a união do sujeito apaixonado com o objeto da paixão será uma relação perfeita,um par completo e completamente feliz. O outro como a sua cara-metade. Juntos formam uma unidade plena.
         
          Atentem que não estamos no conceito “vulgar” de paixão, no sentido popular e romanceado que damos ao mesmo. Em filmes como “Love Story” a paixão é resumida em frases do tipo “amar é ter jamais que pedir perdão”. Ora se amor fosse isto (jamais pedir perdão) significaria que jamais magoaríamos a pessoa amada ou seríamos magoados por ela. E só há uma maneira de nunca magoarmos alguém: sendo tudo o que é ela quer que eu seja, isto é, ser o seu objeto pleno de desejo. E vice versa. 
       Quando uma pessoa se vê acometido pela paixão ela tem fortes sensações de arrebatamento. O coração dispara, não consegue deixar de pensar na pessoa “amada”, sente-se ansiosa e angustiada na ausência desta, quer sempre estar perto da mesma, eleva-se a estratosfera o apetite e a atração sexual dirigido ao objeto da paixão, altera-se o sono, a alimentação e o humor, por aí vai. Tal arrebatamento é consequência de alterações neurofisiológicas no organismo do apaixonado, pois o cérebro se encontra banhado de neurotransmissores e hormônios, entres eles a adrenalina, a noradrenalina e a dopamina. Esta última é responsável pela sensação de dependência em que se acha a pessoa apaixonada em relação a seu objeto de desejo. Também há uma diminuição da liberação de serotonina, fazendo com que a pessoa fique obsessivamente pensando no amado(a) de maneira fixante. Não nos esqueçamos do papel dos feromônios no fenômeno da paixão, afinal estes hormônios propiciam a “comunicação química” entre os apaixonados.
                Pois é. Embora a imagem da paixão esteja associada ao coração (ele dispara), a flecha do cupido não atinge este órgão muscular vital à vida, mas sim o cérebro. Este sim é responsável pelas loucuras da paixão. A respeito do assunto leiam essa reportagem publicada na revista Superinteressante titulada de "A Química da Paixão": http://super.abril.com.br/cotidiano/quimica-paixao-446309.shtml.
              Resistir à paixão não é fácil não. O queimar da euforia proporcionado pela paixão pode acometer qualquer um a qualquer momento, porém é mais comum na adolescência, a tal ponto que chamamos este período desenvolvimental de “o tempo das paixões”. A explosão química da paixão é capaz de viciar, e há pessoas assim viciadas que tão logo termina uma paixão já está rumando para outra em busca de endorfinas e sensações.
             A adolescência é por natureza o período de vida das grandes paixões, haja vista ser uma fase evolutiva caracterizada pela exuberância hormonal, impulsos e emotividade. O jovem ali se vê em meio a um redemoinho de desejos, sentimentos, dúvidas, que se confundem pela incipiente capacidade cognitiva e emocional de discernir prazer, êxtase, gozo e harmonia interior. Na imaturidade afetiva inerente à adolescência, o amor-paixão toma roupagens idealizantes e, às vezes, possessivas. São sentimentos fortes e avassaladores onde predomina a avidez e a urgência dos afetos. Quando dizemos que “o amor é cego” estamos de fato falando da paixão em seu espírito puramente juvenil.
                Se na adolescência as paixões são uma espécie de teste drive para as futuras relações amorosas da maturidade, no adulto a paixão tem seu caráter regressivo. Não importa a idade que o adulto tenha, apaixonado ele se torna emocionalmente um verdadeiro adolescente.
                No tocante às paixões da adolescência remeto você à coleção da revista Mente & Cérebro titulada de “O OLHAR ADOLESCENTE”, mais precisamente o segundo volume “O Tempo das Paixões”. Uma coleção que merece estar em sua estante e que pode ser encontrada através de https://www.lojaduetto.com.br/edicoes_especiais/?revista=mec
Decididamente paixão não é amor, mesmo que em nome da paixão digamos ao outro "eu te amo". A paixão na adolescência é necessária e normal para o desenvolvimento emocional do indivíduo. Todavia a paixão quando acomete um adulto ela é nada mais nada menos que uma patologia do amor. Fica aqui uma sugestão para aqueles que querem adentrar mais no tema: "A Patologia do Amor - Da Paixão à Psicopatologia", de Tiago Lopes Lino (http://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0146.pdf)
               Como o tema é amplo e profundo, vamos dar um "xixi break" e após, abaixo, continuar no assunto. Boa leitura.
CASAMENTO E A PSICODINÂMICA DO CASAL
Em sociedade como a nossa os casamentos são monogâmicos. Outras sociedades, culturas e momentos históricos possuem organizações conjugais diversas, tais como casamentos poligâmicos ou poliândricos. O casamento monogâmico é entendido como um vínculo entre duas pessoas, geralmente de caráter íntimo, afetivo e sexual, que pressupõe coabitação. A própria etimologia nos remete à ideia de coabitar, visto que vem da latim medievalcasamentum que se refere à cabana, moradia.
                
          O casamento representa uma contratualidade, seja ela social, jurídica, moral, afetiva, psicológica, ou tudo isso junto. Casamento é, pois, contrato (explicito e/ou implícito), é vínculo. É o liame que liga dois seres físico, afetiva e juridicamente. É também, de certo modo, um rito de passagem.
                São vários os tipos de casamentos. Assim vejamos:
                - casamento civil: celebrado sob aos auspícios do ordenamento jurídico do Estado;
                - casamento religioso: celebrado perante a uma autoridade religiosa;
                - casamento poligâmico: entre um homem e mais de uma mulher;
                - casamento poliândricos: entre uma mulher e mais de um homem;
                - casamento homoafetivo: entre pessoas do mesmo sexo;
                - casamento monogâmico: com a presença de apenas dois cônjuges;
                - casamento arranjado: cuja celebração é combinada por terceiros;
                - casamento putativo: passível de anulação;
                - casamento aberto: aquele em que os cônjuges podem, de comum acordo, ter outros parceiros sexuais.
          O casamento, no sentido de uma vida afetiva íntima, tem grande implicação no mundo adulto. A questão não é casar, pois casar até que é fácil, é manter o casamento em bons níveis de satisfação conjugal. Conviver com alguém envolve sensações, sentimentos, afeição, desejos, sonhos e mutualidade. Segundo Maria de Betânia Norgren e outros, em SATISFAÇÃO CONJUGAL EM CASAMENTOS DE LONGA DURAÇÃO: UMA CONSTRUÇÃO POSSÍVEL (http://www.scielo.br/pdf/epsic/v9n3/a20v09n3.pdf),  para a satisfação conjugal existem diversas variáveis intervenientes, como: características de personalidade, valores, atitudes e necessidades; sexo, momento do ciclo da vida familiar, presença de filhos, nível de escolaridade, nível socioeconômico, nível cultural, trabalho remunerado e experiência sexual anterior ao casamento.
          
                Olhando por uma perspectiva sistêmica a família de origem produz nos indivíduos padrões comportamentais de interação que são transmitidos transgeracionalmente. Assim, crenças, regras, valores e modelos de afetividade são passados de pai para filhos. O casamento é uma oportunidade para se elaborar e construir soluções para velhos conflitos ou repeti-los. Ainda segundo Pincus e Dare, desejos frustrados e sentimentos dolorosos que fazem parte da história dos indivíduos que formam o casal repercutem na interpessoalidade conjugal.
            Na formação de um laço conjugal ocorrem várias articulações psíquicas conscientes e inconscientes, desde a escolha do parceiro amoroso até o legado familiar de origem. Em seu hoje clássico livro A FAMÍLIA NO DIVÃ, Pincus e Dare, ressaltam que desejos inconsumados e sentimentos infantis dolorosos ou não tendem a reaparecer na vivência da conjugalidade. Devido à intensidade do laço afetivo os parceiros podem fazer acordos tácitos e inconscientes baseados nas demandas de cada um. A história do casal se inicia na história pessoal dos parceiros envolvidos.Ao longo do tempo, ao longo da história de um casal haverá de haver momentos gratificantes ede satisfação, bem como momentos de insatisfações e conflitos. A cada conflito superado tanto o casal como os cônjuges vão amadurecendo. Embora idealisticamente falando para muitos o casamento seja uma representação de felicidade, ele é permeado por conflitos, atritos e incertezas. A estabilidade em um casamento está muito relacionada com a capacidade de flexibilizar de cada parceiro envolvido.
                Vários estudiosos do casamento, do ponto de vista psicológico, entendem que nele existe uma espécie de “contrato secreto” onde demandas inconscientes de cada cônjuge se interligam de maneira não escrita e não verbalizada, afinal a conjugalidade é um terreno fértil para reedições de dramas familiares anteriores, assim como para a elaboração de conflitos não bem resolvidos em vivências infantis.
Uma das mais aprofundadas pesquisadoras brasileira sobre o casamento é Terezinha Fères-Carneiro que, junto com colaboradores, tem contribuído sobremaneira para o entendimento da psicodinâmica conjugal. Investigando, por exemplo, a influência do casamento dos pais na construção do laço conjugal dos filhos, afirma que antes mesmo do encontro amoroso, em ambos os psiquismos de cada parceiro já existe uma representação de conjugalidade. Nesta representação psíquica coexiste a história do sujeito, seus ideais de conjugalidade, os mitos familiares da família de origem, bem como as imagens, lembranças e fantasias sobre a conjugalidade de seus pais e de seus antepassados. Tudo isto conjuga e se engendra no futuro eu conjugal do indivíduo.
                E é com base em muitos trabalhos da referida autora que daremos prosseguimento ao presente texto logo abaixo..
continua post abaixo
DIÁRIO DE AULA: CASAMENTO II
SATISFAÇÃO CONJUGAL
           Particularmente gosto muito quando Terezinha Fères-Carneiro diz que a fórmula do casamento é 1 + 1 = 3. Em seu ótimo texto CASAMENTO CONTEMPORÂNEO: O DIFÍCIL CONVÍVEL DA INDIVIDUALIDADE COM A CONJUGALIDADE (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-79721998000200014&script=sci_arttext) ela nos presenteia com os seguintes dizeres: “Costumo dizer que todo fascínio e toda dificuldade de ser casal, reside no fato de o casal encerrar, ao mesmo tempo, na sua dinâmica, duas individualidades e uma conjugalidade, ou seja, de o casal conter dois sujeitos, dois desejos, duas inserções no mundo, duas percepções do mundo, duas histórias de vida, dois projetos de vida, duas identidades individuais que, na relação amorosa, convivem com uma conjugalidade, um desejo conjunto, uma história de vida conjugal, um projeto de vida de casal, uma identidade conjugal”. Neste sentido, existe a identidade de cada um dos cônjuges e existe a identidade do casal.
                No artigo sob comento a autora diz que os casamentos atuais sofrem tensões relativas a duas forças que atuam sobre os casais contemporâneos: a individualidade e a conjugalidade. Sabemos que vivemos hoje sob a égide do individualismo, e nesta cultura do EU a ideia de autonomia sobressai-se aos laços de interdependência conjugal. São os meus desejos, os seus desejos e os desejos conjugais compartilhados. Os extremos são perigosos e disfuncionais, ou seja, o excesso de individualismo dos cônjuges leva a fragilidade do laço conjugal; enquanto que o excesso da conjugalidade leva ao sacrifício da autonomia.Interdependência e individualidade. Estranho paradoxo este que habita nos casamentos e que geram tensões internas ao casal e aos cônjuges. Como ser um, ao mesmo sendo dois? Como manter a privacidade em um espaço de intimidade?               
Não há fórmulas prontas e mágicas para se ser um casal feliz. Nem sei se existe um casal feliz, ao menos em sua plenitude. Talvez seja menos romântico falarmos em um casal onde o grau de satisfação predomina sobre as insatisfações. Talvez seja melhor falarmos em equilíbrio, mesmo que a corda balance um pouco de vez em quando.
              Intimidade e privacidade. Aniquilada a privacidade aniquila-se o indivíduo propriamente dito. Excesso de intimidade é fusão. Aniquilada a intimidade, aniquila-se o compartilhamento. Excesso de individualidade é solidão. O casamento não é só duas pessoas que decidem juntar os trapos e morarem juntas. Casamento é um constante trabalho psíquico.
                Um bom nível de satisfação conjugal mais perene requer, entre outras coisas, a valorização mútua dos cônjuges, humor, amizades em comum, compartilhamento de ideias e projetos de vida, compartilhamento de gostos, segurança, admiração, ternura, carinho e respeito. Um casamento é funcional quando o dar e receber é espontâneo e recíproco. Durante o ciclo de vida familiar o casamento sofre consequências e transformações, e assim o nível de satisfação igualmente varia. É comum haver um maior nível de satisfação conjugal nos anos iniciais, caindo um pouco ou um tanto com o tempo, porém quanto mais tempo se passa juntos volta a aumentar o nível de satisfação.  Graficamente é como se fizesse uma curva do U.
O casamento não é o mesmo durante todo o percurso de sua existência. As pessoas dos cônjuges mudam, mudam seus interesses, motivações e valores, circunstâncias de vida influenciam a maneira de o casal interagir entre si e com o mundo circundante. Diria que, no mínimo, há três casamentos, que mudam sua moldura, seu conteúdo e sua contratualidade. Há o casamento sem filhos, o casamento com filhos e o casamento quando os filhos saem de casa. São etapa evolutivas da vida familiar que o casal e cada membro devem lidar e melhor manejar.
       A qualidade do casamento é fundamental para sua funcionalidade e longevidade. Como observa Minuchin, em seu livro FAMÍLIA: FUNCIONAMENTO E TRATAMENTO (ARTMED), casais satisfeitos e funcionais são aqueles que conseguem preservar laços afetivos fortes entre os cônjuges, capazes de flexibilizar a estrutura de poder, papéis e regras de seu relacionamento ao longo do tempo e das mudanças e das crises familiares, bem como desenvolver padrões de comportamento adequados e adaptativos. O casamento é um importante espaço vital para a auto realização, visto que o ser humano deseja amar e ser amado, ser respeitado e admirado, sentir-se pertencente e seguro, compartilhar sonhos, desejos e histórias. E como é bom poder dividir tudo isto com alguém que para nós é significativo no transcorrer de nossas vidas.
             
    
     Como leitura complementar, temos: AS RELAÇÕES ENTRE A SATISFAÇÃO CONJUGAL E AS HABILIDADES SOCIAIS PERCEBIDAS NO CONJUGE, de Aline Sardinha, Eliane Falcone e Maria Cristina Ferreira (http://www.scielo.br/pdf/ptp/v25n3/a13v25n3.pdf).
DIÁRIO DE AULA - DIVÓRCIO
              Em latim herdamos a palavra divortium que é derivada de divertêre. Divertêresignifica separar-se, razão pela qual divórcio representa separação, no caso a separação conjugal. Embora quem pense em casar não esteja pensando em se separar, a realidade do divórcio é hoje uma significativa presença no cenário brasileiro. O divórcio cada vez mais está se tornando uma possibilidade no ciclo de vida familiar e menos uma acidentalidade.
                Evidente que com o caminhar pela vida ambos os parceiros, ou um deles, sofram transformações ou evoluam com o tempo, às vezes essas mudanças e crescimentos se façam em ritmos diferentes e não complementares. Tal “gap” (hiato) que vai surgindo pode ir levando até mesmo a necessidade de uma separação. Um bom casamento no inicio não é sinônimo de que será bom a vida inteira. Conjugalidades que não mais proporcionam níveis de satisfação geralmente levam a problemas de convívio e desajustes conjugais.
                O divórcio quando acontece é um dos momentos mais críticos à família dentro do contexto do ciclo de vida familiar. Todo o sistema familiar sofre um abalo, algumas vezes de proporções sísmicas. Por mais consensual que um divórcio possa ser, a separação do sistema conjugal traz uma complexidade nova à família como um todo, sendo este, portanto, uma época de adaptação e ajustes.    
                 Com base a partir de mais um texto de TerezinhaFères-Carneiro, SEPARAÇÃO: O DOLOROSO PROCESSO DE DISSOLUÇÃO DA CONJUGALIDADE (http://www.scielo.br/pdf/epsic/v8n3/19958.pdf) vamos tecer agora algumas considerações sobre este importante tema que faz parte de todo e qualquer estudo sofre à família.
                Lembremos da aula (post) passada, quando enfatizamos que no casamento 1 + 1 = 3, ou seja, que o casamento implica a construção de uma nova identidade, além da identidade dos cônjuges. Pois é, quando acontece de haver separação conjugal a identidade conjugal construída vai se desfazendo. É uma desfazimento, ou um luto, com o “morto” vivo, aliás reciprocamente são dois “mortos” vivos. A elaboração do luto pela separação conjugal passa por este “morrer” bilateral.
                O divórcio não representa uma falência da ideia de casamento. Pode representar a falência daquele casamento específico e único, mas não do que se busca nele. Sabemos que o casamento é uma área importante de auto realização social e afetiva, e o término de um casamento não significa o findar do desejo de ser feliz casado. O divórcio não desqualifica em si o casamento, pelo contrário abre espaço para que um casamento, que não mais corresponde às expectativas e exigência, dos cônjuges possa ser deixado para trás e se parta em busca de um outro que as atenda. Por isto cresce também o número de recasamentos.  
                  Várias são as causas que proporcionam o divórcio, mas talvez a mais importante possa ser o desamor. Nenhum relacionamento acaba por nada, e em matéria de amor principalmente. Ambos os parceiros, direta ou indiretamente, tem sua parcela de culpa, seja por ato ou por omissão. Embora o divórcio seja algo que se encontra na esfera do jurídico, as questões subjetivas como sentimento e afetos não fazem parte do Direito de Família. Por isto deixemos as questões jurídicas relacionadas ao divórcio de lado (ou melhor, aos operadores do Direito) e nos debrucemos nos aspectos psicológicos do fato em si.
                Toda separação é sempre um momento de perda e de luto, afinal se dedicou tanto tempo sonhando e projetando no outro e no casamento elementos relacionamos a apego, segurança e felicidade. Para muitos, até, fica evidente o sentimento de desamparo que a perda do casamento enseja. Frustrações e decepções estão no pacote chamado divórcio. 
                     Um longo e doloroso processo de luto necessita ser elaborado, principalmente pelo cônjuge que não tomou a iniciativa da separação. Trata-se de um findar de um projeto de vida até então compartilhado e que ambos investiram. Até o cônjuge que tomou a iniciativa da separação tem também seu luto a elaborar. E estamos aqui a falar também do luto pelos desejos secretos de nossas almas que buscam no outro autoestima, idealização, anseios infantis, bem como demandas mal resolvidas com as figuras parentais.
O luto pelo vínculo antes criado acomete ambos os cônjuges. O que tomou à dianteira (decidiu se separar) começou primeiro e dentro da vigência do casamento. O que foi deixado, por sua vez, se vê em meio a um olho do furacão. O sentimento de ser deixado, ser rejeitado, pode ser avassalador, principalmente junto à ideia de que o outro está bem e feliz sem ele(a). Todo e qualquer vínculo de apego quando “quebrado” gera muita tristeza, raiva, medo e ansiedade. São estes sentimentos, muitos vezes até contraditórios, que necessitam serem elaborados.
                 O luto é trabalho psíquico, cuja tarefa mental o enlutado deve desempenhar. Psicodinamicamente falando o luto envolve a libido e a agressividade que o enlutado deve recolher e redistribuir concreta e simbolicamente. A energia psíquica antes catexizada no objeto interno (representação metal do cônjuge) precisa ser desinvestida para que, por outro lado, possa ser reinvestida em outros objetos, no mundo e na vida. A perda é o início de uma transição (luto) que requer reorganização de vida.
                A primeira etapa é sempre a aceitação da separação. Nos momentos primeiros é bem possível que haja fenômenos psíquicos de negação, mas é pela dor da aceitação que começamos o processo de diminuição e extinção da dor. Superado o choque, inicia-se uma nova etapa que passar por lidar com os sentimentos ambivalentes de amor, tristeza e ódio. Enquanto persistir a raiva, por exemplo, alguma não aceitação reside. Conjugado a isto o enlutado passa a preencher o lugar vazio deixado pelo outro no cotidiano, inclusive assumindo tarefas e funções antes exercidas por este. Desenvolvem-se habilidades que antes não eram utilizadas. Na conciliação dos desejos e lembranças opostas (“fui feliz com quem hoje me fez infeliz”) a fase de reorganização se processa, pois uma nova vida precisa ser vivida. E quando menos se vê a dor da separação e da perda, chega-e o instante em que o dor não dói mais.
                Alguns estudos sobre o tema apontam que para a família supere o luto e volte a se reestruturar em seus padrões usuais de comportamento leva-se um tempo estimado em dois anos no mínimo aproximadamente para que as famílias voltem a estabelecer um funcionamento mais satisfatório. Vale a pena o leitor dá uma pesquisada no assunto, podendo começar com RELAÇÕES FAMILIARES NA SEPARAÇÃO CONJUGAL: CONTRIBUIÇÕES DA MEDIAÇÃO, de Corinna Schabbel (http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1516-36872005000100002&script=sci_arttext).

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