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15 Capítulo I Teoria Geral do Processo Sumário • 1. Jurisdição; 1.1. Generalidades e conceito; 1.2. Características; 1.3. Divisão; 2. Princí- pios de processo civil; 3. Ação e Processo; 3.1. Ação: generalidades; 3.2. Elementos da ação; 3.3. Processo; 3.4. Tipos de processo (classificação das ações) e procedimento; 3.5. Pressupostos processuais; 3.5.1. Pressupostos processuais de existência; 3.5.2. Pressupostos processuais de validade; 3.5.3. Pressupostos processuais negativos; 3.5.4. Existência e Validade: meios de impugnação; 3.6. Condições da ação; 4. Partes; 4.1. Conceito; 4.2. O cônjuge no processo civil; 4.3. Representação; 4.4. Sucessão e substituição de partes (legitimação extraordinária); 4.5. Ato das partes; 5. Litisconsórcio; 5.1. Definição; 5.2. Classificação; 5.3. Litisconsórcio multitu- dinário; 5.4. Efeitos da não formação do litisconsórcio; 5.5. Regime jurídico do litisconsórcio; 5.6. Litisconsórcio e prazos; 6. Intervenção de terceiros; 6.1. Assistência (arts. 50-55, CPC); 6.1.1. Assistência simples; 6.1.2. Assistência litisconsorcial; 6.1.3. Questões processuais comuns à assistência simples e litisconsorcial; 6.2. Oposição (arts. 56-61, CPC); 6.3. Nomeação à autoria (arts. 62-69, CPC); 6.4. Denunciação à lide (arts. 70-76, CPC); 6.5. Chamamento ao processo (arts. 77-80, CPC); 6.6. Considerações processuais finais sobre as intervenções de terceiros; 7. Do advogado no processo civil; 8. O Ministério Público no processo civil; 8.1. MP como parte; 8.2. O MP como custos legis; 9. O juiz; 9.1. Princípios; 9.2. Os atos processuais do juiz (pronun- ciamentos judiciais); 10. Os auxiliares da Justiça e seus atos; 11. Competência; 11.1. Jurisdição, competência e previsão legal; 11.2. Jurisdição (competência) internacional (arts. 88 a 90, CPC); 11.3. Competência interna; 11.3.1. Critérios de competência (absoluta e relativa); 11.3.2. Critério funcional/hierárquico (ratione personae); 11.3.3. Critério material (ratione materiae); 11.3.4. Critério valorativo (ratione valoris); 11.3.5. Critério Territorial (ratione loci) e distribuição; 11.3.6. Perpetuatio jurisdictionis e causas modificativas de competência; 11.3.7. Foro de eleição (art. 111, CPC); 12. Do tempo e do lugar dos atos processuais; 13. Prazos e preclusão; 13.1. A preclusão; 13.2. Prazos; 14. Nulidades; 15. Formação, suspensão e extinção do processo; 15.1 Formação; 15.2. Suspensão do processo; 15.3. Extinção; 16. Questões; 16.1. Condições da ação e pressupostos processuais; 16.2. Litisconsórcio e intervenção de terceiros; 16.3. Advogado; 16.4. Ministério Público; 16.5. Juiz e seus pronunciamentos; 16.6. Auxiliares da Justiça e seus atos; 16.7. Competência; 16.8. Prazos e preclusão; 16.9. Nulidades; 16.10. Formação, suspensão e extinção do processo. 1. Jurisdição 1.1. Generalidades e conceito A solução dos conflitos em sociedade pode-se dar de três maneiras bem distintas: por meio da autotutela, pela autocomposição e por heterocomposição. A autotutela, a mais primitiva delas, consiste na solução do litígio pelo emprego da força particular (lei do mais forte). Regra geral, não é admitida, constituindo-se seu exercício na prática de crime (exercício arbitrário das próprias razões, art. 345, Fernando da Fonseca Gajardoni e camilo ZuFelato 16 do Código Penal – CP). Há, entretanto, resquícios de autotutela no sistema, como a execução hipotecária do Decreto-lei 70/66, o desforço imediato da posse (art. 1.210, § 1º, CC/2002), a consignação extrajudicial em pagamento (art. 890 e §§, do Código de Processo Civil – CPC) e o embargo extrajudicial da ação de nunciação de obra nova (art. 935, CPC). Já a autocomposição, o mais civilizado dos meios de solução dos conflitos, advém da resolução do problema por acordo de vontades, que pode decorrer da transação (concessões mútuas e recíprocas), da renúncia ao direito pelo autor e do reconhecimento jurídico do pedido pelo demandado (art. 269, II, III e V, CPC). Não se deve confundir o resultado da autocomposição (transação, renúncia e reconhe- cimento jurídico do pedido) com as técnicas empregadas para obtê-la (negociação, mediação e conciliação). ATENção. Negociação é a técnica autocompositiva empregada sem a intervenção de terceiros colaboradores, através da qual as partes e/ou seus representantes, diretamente, tentam chegar a um consenso e por fim ao conflito. Já a mediação e a conciliação são técnicas em que há a intervenção de um terceiros colaborador, responsável pela facilitação do diálogo entre os contendores (mediador/conciliador). Na mediação a atuação desse terceiro é me- nos ativa, servindo ele mais como responsável pelo restabelecimento do diálogo entre as partes, que devem, por si mesmo, chegar ao consenso. Na conciliação, além desse papel, o terceiro sugere possíveis soluções, participando mais ativamente da construção da solução. Tanto negociação, mediação quanto conciliação, são técnicas empregadas a bem da obtenção da autocomposição nas suas modalidades transação, reconhecimento jurídico do pedido e renúncia ao direito em que se funda a ação (art. 269, II, III e V, do CPC). Finalmente, o mais usual meio de pacificação é a heterocomposição, que consiste na solução do conflito por meio de terceira pessoa, investida por lei (juiz, art. 1º, CPC) ou pelas partes (arbitragem, Lei nº 9.307/96) de função jurisdicional. Diz-se que há jurisdição quando a lei (ou as partes) investe determinada pessoa ou órgão da função de compor os conflitos alheios, solucionando o impasse havido entre os litigantes com ares de definitividade. 1.2. Características Grosso modo, são seis as características da jurisdição: a) imparcialidade: o órgão jurisdicional, até para que sua decisão inspire confiança, não há de ser tendencioso em prol de quaisquer das partes. É exatamente por isso que o CPC, nos arts. 134 e 135, enumera, respectivamente, várias hipóteses em que o juiz é considerado suspeito ou impedido, devendo, pois, se afastar do julgamento da causa; Teoria Geral do Processo 17 b) definitividade: principal das características, consiste no traço distintivo básico entre as decisões de âmbito administrativo e jurisdicional, posto que somente estas últimas têm o condão de se tornarem indiscutíveis, salvo na própria seara jurisdicional (ação rescisória/anulatória ou ação de nulidade de sentença arbi- tral); c) regular contraditório: pressuposto da definitividade, a atividade jurisdicional se desenvolve, sempre, em pleno contraditório, que, às vezes, é postergado, mas não eliminado (liminares inaudita altera pars); d) indeclinabilidade: nos termos do art. 126, do CPC, o órgão jurisdicional não se exime de julgar alegando lacuna ou obscuridade da lei, devendo recorrer, na inexistência de regras legais, à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito; e) indelegabilidade: a função jurisdicional não pode ser transferida para aqueles a quem a lei ou as partes não incumbiram de heterocompor os conflitos; f) inafastabilidade: a lei não excluirá da apreciação judicial lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal – CF), de modo que nenhum diploma pode negar acesso aos órgãos jurisdicionais, que é amplo e irrestrito. O Supremo Tribunal Federal (STF) já pacificou o entendimento, uma vez que a Lei de Arbitragem é constitucional (Lei 9.307/96), não violando essa caracterís- tica da Jurisdição. Primeiro, porque não é a lei, mas as próprias partes que, voluntariamente, optam pelo julgamento privado. E segundo porque o árbitro exerce Jurisdição tanto quanto o juízo Estatal (STF, Sentença Estrangeira 5.206, j. 19.12.2001). Há uma exceção à regra da inafastabilidade, uma vez que a CF, no art. 217, § 1º, condiciona (não obsta) o acesso à Justiça Estatal ao prévio esgota- mento da Justiça Desportiva nos casos a ela sujeitos. 1.3. Divisão No regime processual civil brasileiro,a jurisdição pode ser contenciosa ou voluntária (embora a doutrina, em quase sua totalidade, negue atributo jurisdi- cional a esta última, uma vez que não tem ares de definitividade). A Jurisdição voluntária (art. 1.103 e ss.) consiste na intervenção pública nos negócios jurídicos privados, ou seja, na integração da vontade particular pela chan- cela do Estado, independentemente da existência de conflito entre as partes. Isso significa que não há propriamente litígio a ser solucionado, intervindo o Judiciário no caso, exclusivamente, porque o legislador elegeu esse órgão (poderia ser outro) como o ideal para aferir se a pretensão das partes é válida e está de acordo com o ordenamento jurídico. São exemplos desse tipo de Jurisdição as ações de Fernando da Fonseca Gajardoni e camilo ZuFelato 18 separação consensual (que atualmente podem até ser realizadas diretamente no Cartório de Registro Civil), de interdição, de substituição de curador, etc. Já a Jurisdição contenciosa é a verdadeira atuação heterocompositiva do Estado (Judiciário) ou do particular (arbitragem) na solução dos litígios. Todas as ações em que há litígio a ser dirimido correm em Jurisdição contenciosa. O Poder Judiciário é órgão estatal incumbido do exercício tanto da Jurisdição contenciosa quanto da voluntária. Tal atividade, contudo, não lhe é privativa, porque as partes podem ter optado pelo processo arbitral, a quem os litigantes conferem função jurisdicional. Há ainda algumas hipóteses constitucionais em que o Legislativo exerce verdadeira função jurisdicional no julgamento do Presidente da República, v.g., nos crimes de responsabilidade (art. 86, CF). 2. PriNCíPios dE ProCEsso Civil Princípio, além de ser viga mestra da qual decorrem todas as normas de um sistema, também pode ser considerado vetor legislativo e interpretativo. Legislativo porque serve como diretriz a ser seguida pelo legislador/administrador no momento da elaboração de normas jurídicas, de modo a fazer com que elas observem e se ajustem aos princípios. Interpretativo porque, para fins de aplicação das normas jurídicas, o operador do direito deve sempre privilegiar a interpretação que mais se coadune com os princípios. Na seara processual civil, há duas grandes ordens de princípios: os informativos (ou formativos) e os gerais/genéricos. Os informativos (ou formativos) são os princípios de aceitação universal, verda- deiras regras de cunho axiomático, sem conteúdo político-ideológico a variar de país para país. Em outros termos, todos os países do mundo seguem os 04 (quatro) princípios informativos (ou formativos) a seguir indicados: a) princípio lógico: o processo deve ter ordem estrutural lógica, sendo que certos atos devem preceder aos demais (v.g., como regra, a reação/contestação deve vir antes da conclusão/decisão); b) princípio econômico: o processo sempre deve buscar o melhor resultado com o menor tempo e sacrifício aos direitos individuais); c) princípio jurídico: o processo sempre deve obedecer a um ordenamento jurí- dico, espelhando a sua forma de ser; d) princípio político: o processo serve à atuação da vontade do Estado; para a aplicação do direito objetivo. Teoria Geral do Processo 19 Já os gerais ou genéricos são os princípios em que há manifesta carga de opção do legislador, isto é, aqueles em que cada sistema processual, cada país, opta pelos seus. No Brasil, além dos princípios gerais/genéricos previstos na Constituição Federal – igualdade (art. 5º, caput), devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV), juiz natural (art. 5º, LIII), inafastabilidade (art. 5º, XXXV), tutela jurisdicional tempestiva (art. 5º, LXXVIII), etc. – há, ainda, outros no próprio Código de Processo Civil. Em linhas gerais, merecem destaque os seguintes princípios gerais/genéricos previstos no sistema processual civil (alguns de modo implícito): a) princípio da ação, da demanda, da inércia ou do dispositivo (art. 2º, 128 e 460, CPC): regra geral, não haverá tutela jurisdicional sem prévia provocação do interessado, não sendo lícito ao juiz proferir decisão não pedida ou que extra- vase os limites estabelecidos pelas partes (pedido e causa de pedir). Exceções: inventário (art. 989, CPC), algumas medidas cautelares (arts. 797/798), tutela antecipada nas ações que tenham por objeto obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa (art. 461, § 3º e 461-A, § 3º, ambos do CPC); b) princípio do impulso oficial (art. 262, CPC): o processo só se inicia por iniciativa da parte, mas se desenvolve, depois de iniciado, automaticamente, indepen- dentemente de provocação; c) princípio da indeclinabilidade da função jurisdicional (art. 126, CPC): diversa- mente do que ocorria no passado – quando o julgador poderia deixar de decidir nas hipóteses em que faltava lei ou faltavam provas (non liquet) para prolação de sentença –, no Direito Moderno, o próprio sistema estabelece regras de integração para os casos de omissão legal. Eis por que o CPC, na esteira do que já prevê os arts. 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto 4.657/42), estabelece que o juiz não se exime de julgar alegando lacuna ou obscuridade da lei, devendo, nesses casos, recorrer – respectivamente – à analogia (julgamento por semelhança), aos costumes (padrões de comporta- mento reiteradamente adotados através dos tempos) e aos princípios gerais do direito (regras universais de Justiça); d) princípio da legalidade estrita (art. 127, CPC): regra geral, o juiz só julga com base na lei, sendo-lhe vedado proferir decisões com base na equidade (justiça do caso concreto). Natural que seja assim, pois, do contrário, o juiz faria o papel do legislador, dando azo ao arbítrio. A regra, entretanto, comporta exce- ções, isto é, hipóteses em que o sistema autoria o magistrado a julgar com base na equidade, afastando dos critérios de legalidade estrita, e tomando no caso a decisão que lhe parecer mais justa. É o que ocorre no Juizado Especial Cível Fernando da Fonseca Gajardoni e camilo ZuFelato 20 (art. 6º, Lei nº 9.099/95) e nos processos de jurisdição voluntária (art. 1.110, CPC), em que, excepcionalmente, autoriza-se o julgamento fora dos padrões estrita- mente legais; e) princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional (art. 131, CPC): o juiz, como regra, apreciará livremente a prova produzida no processo, não estando, portanto, vinculado ao prévio sistema de tarifação/valoração da prova (sistema da prova legal ou tarifada). Mas deverá indicar na decisão os motivos que lhe formaram o convencimento. A motivação das decisões judi- ciais, mais do que imperativo constitucional (art. 93, IX, da CF), é fundamental para o controle, pelas instâncias superiores, da correção da decisão, servindo, por conseguinte, como fator de legitimação da própria atividade jurisdicional (cujos membros, diversamente de outros representantes de Poder, não são eleitos); f) princípio da vinculação ou da identidade física do juiz (art. 132, CPC): o juiz titular ou substituto que encerrar a instrução, isto é, que ouvir a última teste- munha do processo (ainda que outro tenha ouvido todas as demais), julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado, promovido ou aposen- tado; g) princípio da eventualidade (art. 300, CPC): compete ao réu alegar (concen- trar), em contestação, toda a matéria de defesa (razões de fato e de direito), ainda que os vários eventos alegáveis (daí eventualidade) sejam incompatí- veis entre si. Exceção: art. 303, CPC, que permite a alegação posterior de fatos não expostos na contestação (relativos a direito superveniente, conhecíveis de ofício pelo juiz e que por expressa disposição legal possam ser formulados a qualquer tempo); h) princípio da impugnação especificada dos fatos alegados na inicial (art. 302,CPC): cabe ao réu manifestar-se precisamente sobre todos os fatos alegados pelo autor, sob pena de se presumirem verdadeiros aqueles não expressa- mente impugnados (art. 334, III, CPC); i) princípio da non reformatio in pejus (implícito): o julgamento do recurso, como regra, não pode prejudicar a parte que recorreu, de modo a agravar- -lhe a situação. Nessa toada vem a súmula 45 do STJ, no sentido de que “no reexame necessário é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”. As exceções a esse princípio ficam por conta das questões de ordem pública (pressupostos processuais, condições da ação e nulidades absolutas) que, como tais, podem ser conhecidas de ofício a qualquer tempo e grau de jurisdição, prejudiquem a quem prejudicar (inclusive ao recor- rente). Teoria Geral do Processo 21 3. Ação E ProCEsso 3.1. Ação: generalidades Ao se analisar o conceito de ação – direito subjetivo de pedir tutela (proteção) ao Estado –, deve-se fazê-lo sob duas óticas: a constitucional e a processual. No plano constitucional, o direito de ação, nos termos do art. 5º, XXXV, da CF, é ilimitado, não sujeito a nenhum tipo de condicionamento. Assim, se for encami- nhado a um órgão com função jurisdicional uma demanda contra parte ilegítima, sabe-se que, ao menos no plano constitucional, foi exercitado tal direito, mesmo que o juiz tenha que, obviamente, indeferir o próprio processamento da demanda. Eis por que vários autores indicam o direito constitucional de ação como sendo, na verdade, o direito de petição, consagrado no art. 5º, XXXIV, “a”, da CF (direito de apresentar reclamação a qualquer órgão público). Já no plano processual, o direito de ação é limitado. E limitado pelo que se tem mais modernamente denominado pressupostos de admissibilidade para o julga- mento do mérito (pressupostos processuais e condições da ação). Assim, naquele mesmo exemplo da ação contra a parte ilegítima, tem-se que o autor exercitou o direito constitucional de ação, mas não o processual, posto que o súbito indeferimento da inicial por ilegitimidade de parte (art. 295, II, CPC) não solucionou o mérito da questão (o litígio). Afinal de contas, o autor não preenchia um dos pressupostos de admissibilidade para o julgamento do mérito, mais preci- samente a condição da ação capacidade ad causam. Exercício do direito processual da ação, portanto, só com o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade para o julgamento do mérito (pressupostos processuais e condições da ação), pouco importando que, no julgamento da demanda, o pedido do autor seja acolhido (procedência) ou não (improcedência). E isso porque o direito de ação e o direito material subjacente são autônomos. Pode não se ter direito de ação (não preenchimento dos pressupostos) e, conse- quentemente, não se ter o pedido (direito material) analisado (extinção sem análise do mérito). Pode-se ter direito de ação (preenchimento dos pressupostos) e, ao ter o pedido analisado (direito material), não se ter razão (improcedência da ação, rectius, do pedido). E pode-se ter o direito de ação (preenchimento dos pressu- postos) e o direito material (procedência da ação, rectius, do pedido). 3.2. Elementos da ação Toda ação tem como regra três elementos: partes, pedido e causa de pedir. a) Partes: ativa (autor) e passiva (réu). Parte é quem pede e contra quem se pede algo no exercício do direito de ação. Terceiro, em regra, é quem não pede ou tem pedidos formulados contra si. A partir do momento em que é dado ao Fernando da Fonseca Gajardoni e camilo ZuFelato 22 terceiro intervir na relação jurídica processual e passar a formular pedidos ou tê-los formulados contra si, ele deixa de ser terceiro e passa a ser parte (v.g. denunciação à lide, chamamento ao processo, etc.). ATENção. São raras as ações em que não há a parte passiva, como ocorre, por exemplo, nas ações de controle concentrado de constitucionalidade (art. 103 da CF – ADI, ADC, ADPF) e em alguns feitos de Jurisdição voluntária (pedido de alvará para alienação de bens de incapazes). b) Pedido (objeto): sem dúvida, é o elemento principal da ação; divide-se em duas classes: • Pedido imediato: é o provimento jurídico desejado, o tipo de pronuncia- mento jurisdicional que se pretende obter (sentenças declaratória, consti- tutiva, condenatória, executiva, mandamental, etc.); • Pedido mediato: é a parte mais visível do pedido, consistente no bem da vida desejado, no efetivo objeto que se pretende com a ação (dinheiro, carro, casa, guarda dos filhos, etc.). c) Causa de pedir: são os fundamentos (a narrativa) de fato e de direito do pedido. Nos termos da teoria da substanciação, adotada expressamente pelo nosso sistema (art. 282, III, CPC), a causa de pedir necessariamente deverá conter os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, motivo pelo qual a doutrina costuma subdividi-la em: • Causa de pedir próxima: fundamento jurídico do pedido, a tese jurídica que sustenta o pedido (erro, dolo, coação, culpa, inadimplemento, impontuali- dade, onerosidade excessiva, falta de deveres matrimoniais, etc.). Não se deve confundir tese jurídica (causa de pedir próxima) com tese legal (dispo- sitivo de lei), pois que esta última é dispensável e não precisa constar da petição inicial, sendo dever do juiz amoldar a narrativa de fato e de direito à norma jurídica aplicável (iura novit curia); • Causa de pedir remota: fundamento de fato do pedido, o evento no mundo fenomênico (a estória) que sustenta a tese jurídica e serve para convencer o julgador em prol da tese do autor. ATENção. Alguns poucos autores invertem as nomenclaturas causa de pedir próxima e remota, argumentando que a primeira é o fundamento de fato, e a segunda, o fundamento jurídico. O importante é saber que a causa de pedir no sistema processual civil brasileiro sempre tem fundamento de fato e de direito (princípio da substanciação, em contrariedade à regra da individuação). Teoria Geral do Processo 23 ATENção. No processo de execução tem prevalecido o entendimento de que não é necessária a declinação da causa de pedir, já que ela seria o próprio título executivo apresentado pelo credor. Na ação monitória (art. 1.102-a do CPC), a questão é controvertida, tendo prevalecido o entendimento de que, como processo de conhecimento que é, também é necessária a declinação da origem da obrigação representada pela prova escrita, salvo nas situações em que tal documento é título cambial prescrito (súmula 299 do STJ), quando então estaria dispensada tal exigência. 3.3. Processo Processo é instrumento pelo qual o Estado exerce a Jurisdição, o autor, o direito de ação e o réu, o direito de defesa. Processo é veículo por meio do qual se formulam demandas e defesas; por meio do qual o juiz ou árbitro soluciona os conflitos que lhe são apresentados. Embora haja uma plêiade de teorias sobre a natureza jurídica do processo, prevalece amplamente no Brasil a teoria de que o processo é entidade jurídica complexa. Em outros termos, isso significa que a maioria dos autores decompõe o processo em duas partes: relação jurídica processual e procedimento. A relação jurídica processual seria a faceta intrínseca do processo, consistente em um feixe de obrigações, deveres, ônus e poderes que ligam os sujeitos proces- suais (juiz, partes, MP, servidores, etc.) entre si. O procedimento, por sua vez, é a faceta extrínseca do processo (a sua parte visível), a maneira de o processo se mover no tempo e no espaço (o rito). ATENção. A distinção entre processo e procedimento, que em outros países é meramente acadêmica, no Brasil tem absoluta relevância prática. Isto porque, de acordo com a CF, en- quanto compete exclusivamente à União legislar sobre processo (art. 22, I, da CF), compete concorrentemente à União, Estado e DF (art. 22, XI, da CF)a competência para legislar sobre procedimento, cabendo ao ente central a emissão das regras gerais, e aos entes parciais (Estado e DF) a edição das normas particulares, capazes de adequar o instrumental às particu- laridades locais. Portanto, é possível que haja regras estaduais/distritais sobre procedimento em matéria processual. Ação não se confunde com processo. Ação é o direito público, subjetivo e abstrato, de pedir tutela (proteção) ao Estado (juiz). Processo é o instrumento para o exercício do direito de ação, o modo de exercitá-lo perante o Estado. 3.4. Tipos de processo (classificação das ações) e procedimento Nosso sistema oferece ao jurisdicionado três veículos para o exercício do direito de ação, a depender da pretensão do jurisdicionado. Fernando da Fonseca Gajardoni e camilo ZuFelato 24 O principal desses veículos é o processo de conhecimento (Livro I, CPC), utili- zado toda vez que se pretende a declaração de um direito, um acertamento, a defi- nição de quem tem razão com a consequente condenação do culpado a reparar o mal. É nesse tipo de processo que se encontra o maior número de exemplos de comandos declaratórios, constitutivos, condenatórios, executivos e mandamentais, como, respectivamente, as ações de usucapião, divórcio, cobrança, reintegração de posse e mandados de segurança. Já o processo de execução (Livro II, CPC), diversamente do tratado anterior- mente, não tem índole declaratória ou de acertamento. Na verdade, trata-se de veículo colocado à disposição do jurisdicionado para obrigar o condenado a satis- fazer, forçadamente, o direito previamente declarado, seja no processo de conhe- cimento (art. 475-I, CPC), seja em documento cuja lei dá eficácia executiva (art. 585, CPC). Ou seja, a índole do processo de execução é substancialmente satisfativa, substituindo a vontade do condenado renitente (que não cumprir a obrigação) pelo comando da lei declarado no título executivo. Finalmente, o terceiro processo é o cautelar (Livro III, CPC). Processo acessório por excelência, tem ele o objetivo garantir a utilidade e eficácia de um prévio, futuro ou concomitante processo principal, seja de conhecimento, seja de execução. Assim, vê-se que o genuíno processo cautelar, como regra, não tem uma finalidade em si própria, mas serve aos demais processos. São exemplos de processos caute- lares: a produção antecipada de provas (que garante a prova para o processo de conhecimento com pretensão indenizatória) e o arresto (que garante os bens para penhora em futuro processo executivo). ATENção. Para alguns poucos autores, o processo cautelar serviria para a própria tutela pro- visória do direito material (não de um processo principal), de modo que teria, sim, finalidade própria. Para esses autores o processo cautelar não seria, assim, mero instrumento de garantia de eficácia de um provimento jurisdicional futuro (processo principal), mas sim instrumento de definição, provisória, do direito material em situação de risco. O procedimento (ou rito), por sua vez, não é o veículo do exercício do direito de ação, e, sim, a maneira como os atos processuais, dentro de cada um dos processos já previamente analisados (conhecimento, execução e cautelar), são concatenados do início (petição inicial) ao fim (tutela jurisdicional). Em outros termos, o proce- dimento é a forma como os atos do processo (atos processuais) se combinam no tempo e no espaço; é a faceta extrínseca ou visível do fenômeno processual. O quadro a seguir representa os processos (de Jurisdição contenciosa) com os seus principais procedimentos constantes do CPC. Teoria Geral do Processo 25 PROCESSOS E PROCEDIMENTOS NO CPC: ProCEsso dE CoNHECiMENTo ProCEsso dE EXECução ProCEsso CAuTElAr Procedimentos comuns (272): a) ordinário b) sumário (275 a 281) Procedimentos comuns: a) execução por quantia certa contra devedor solvente (646 e ss. CPC) b) execução para entrega de coisa certa ou incerta (621 a 631, CPC) c) execução de fazer e não fazer (632 a 645, CPC) Procedimento comuns: a) das cautelares nominadas sem procedimento próprio (art. 888/889, CPC) b) das cautelares inominadas (art. 798, CPC) Procedimentos especiais (890 a 1.102, CPC) Procedimentos especiais: a) execução por quantia contra devedor insolvente (748 a 776, CPC) b) execução contra a Fazenda Pública (art. 730 e ss. CPC) c) execução de alimentos (732 e ss., CPC) Procedimentos especiais (cau- telares nominadas com proce- dimento próprio – arts. 813 a 887, CPC) Vale destacar que, nos termos dos arts. 270 e ss. do CPC, as regras do processo de conhecimento se aplicam subsidiariamente aos processos de execução e cautelar, servindo, portanto, o Livro I do CPC como verdadeira parte geral do sistema proces- sual civil. Da mesma forma e conforme os mesmos dispositivos, as regras do procedi- mento comum ordinário se aplicam subsidiariamente aos procedimentos especiais e sumários. 3.5. Pressupostos processuais O primeiro conjunto de requisitos para julgamento do mérito da ação são os pressupostos processuais (o outro conjunto são as condições da ação). São eles requisitos essenciais, eleitos pelo legislador, sem os quais se entende que o instru- mento de atuação do Estado/Juiz (o processo) não tem condições de se desen- volver de modo válido e eficaz, motivo pelo qual fica o juiz autorizado a proferir sentença terminativa (sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, IV e VI, do CPC). Dividem-se em três grandes grupos: de existência, validade e negativos. Os pressupostos de existência são aqueles sem os quais a relação jurídica proces- sual não se forma; cuja ausência torna, ao menos no plano jurídico, insubsistente o próprio processo (e a sentença nele proferida). Fernando da Fonseca Gajardoni e camilo ZuFelato 26 Já os pressupostos processuais de validade – cuja análise pressupõe a ocorrência dos pressupostos processuais de existência (o processo tem que existir para ser válido ou inválido) – são os requisitos mínimos que a lei reputa como indispensá- veis para que a relação jurídica processual se desenvolva válida e regularmente. Precisam, portanto, estar presentes. Por fim, os pressupostos processuais negativos (que também poderiam compor uma classe dos pressupostos processuais de validade) são situações cuja ocor- rência torna o processo inválido (nulo). Isto é, diversamente das outras duas cate- gorias (existência e validade) – cuja presença dos pressupostos é indispensável para a existência e validade do processo –, nos negativos, a existência do pressu- posto é que torna a relação jurídica processual viciada/inválida. A definição de quais são os pressupostos pertencentes a cada uma das classes (existência, validade e negativos) é uma das questões mais tormentosas que se têm no âmbito da doutrina e da jurisprudência, tendo reflexos diretos, inclusive, na definição do meio de impugnação utilizável em caso de a decisão proferida no processo viciado transitar em julgado (ação de querela nullitatis insanabilis ou ação rescisória). Sem adentrar nessa importante discussão – que extravasaria por completo os limites desse trabalho –, a seguir, procurou-se sintetizar quais são os pressupostos processuais no sistema brasileiro e a que classe pertencem. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS: EXisTÊNCiA vAlidAdE NEGATIVOs Petição inicial (demanda) Petição inicial apta (282/283) (demanda apta) Coisa julgada (art. 301, §§, CPC) Capacidade postulatória (arts. 37/39, CPC) Capacidade ad processum (capacidade de estar em juízo) Listispendência (art. 301, §§, CPC) Jurisdição Jurisdição absolutamente competente e imparcial Perempção (art. 268, parágrafo único, CPC) Citação Citação válida Convenção de arbitragem (art. 3º, Lei nº 9.307/96) 3.5.1. Pressupostos processuaisde existência Para fins de existência do processo, petição inicial ou demanda é qualquer documento (papel ou eletrônico) em que se descreva uma pretensão, pouco importando que tal formulação seja feita nos termos da lei. Sem a formalização Teoria Geral do Processo 27 documental da pretensão inexiste processo (ainda não inventaram processo por telepatia). Capacidade postulatória é a qualidade adquirida com a aprovação no exame e inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Somente aqueles que detêm essa especial qualificação é que são habilitados a fazer postulações em juízo, nos termos dos arts. 36 e 37, do Código de Processo Civil, havendo pouquís- simas exceções em que a própria parte pode, por si própria, sem necessidade de advogado (e, portanto, sem necessidade de capacidade postulatória), ajuizar demandas (habeas corpus, Juizados Especiais Cíveis até 20 salários-mínimos, etc.). Jurisdição, regra geral, é qualidade da qual são investidos, nos termos do art. 1º, do Código de Processo Civil, os juízes de direito, eleitorais, trabalhistas, militares, federais e os árbitros, inexistindo processo jurisdicional caso a demanda não seja apresentada a eles. E, finalmente, citação é o ato pelo qual o réu é chamado ao processo para se defender (art. 213, CPC), sem a qual não se forma regularmente a relação jurídica processual e, portanto, o processo inexiste para o demandado (art. 263 CPC). 3.5.2. Pressupostos processuais de validade Preenchidos os pressupostos processuais de existência (i.e., o processo existe), adentramos ao campo da validade. E, nele, tem-se que a petição inicial/demanda há de preencher os requisitos dos arts. 282/283, do CPC, para que seja apta e viabilize um pronunciamento juris- dicional adequado. Note-se que a petição inicial inepta é capaz de fazer com que o processo exista, mas, por não permitir um exato dimensionamento do litígio, impossibilita o órgão jurisdicional de oferecer tutela adequada, motivo pelo qual inválido é o processo. Capacidade (legitimidade) ad processum (ou capacidade de estar em juízo) é o nosso segundo pressuposto processual de validade (art. 7º, CPC). Para que alguém apresente postulações válidas perante o órgão investido de jurisdição, é mister que tenha plena administração de sua vida, o que ocorre quando se é pessoa jurídica, ou, sendo pessoa física, seja maior e capaz (art. 5º, CC). As pessoas físicas absoluta- mente incapazes (art. 3º, CC) e os relativamente incapazes (art. 4º, CC), salvo quando emancipados (art. 5º, parágrafo único, CC), não detêm a capacidade ad processum. Isso não os impede, entretanto, de apresentarem ou responderem a demandas. Mas, para tanto, necessitam ser, respectivamente, representados (absolutamente) ou assistidos (relativamente) pelos seus representantes legais (pais, tutores, cura- dores), de quem tomam emprestada a capacidade de se estar em juízo (art. 8º, CPC). Destaque-se que, nesses casos, a parte é o incapaz, que só é representado/ assistido pelo responsável capaz. Fernando da Fonseca Gajardoni e camilo ZuFelato 28 ATENção. Caso o incapaz não tenha representante legal ou os interesses deste sejam colidentes com os daquele, o juiz nomeará curador especial ao incapaz (art. 9º, I, CPC). Esse curador pode ser uma pessoa estranha ao caso ou, preferencialmente, o representante dos interesses judiciais dos incapazes ou ausentes da Comarca (função geralmente exercida pela Defensoria Pública). O curador especial, entretanto, só representará o incapaz naquele processo (representação judicial), nunca nos demais atos da vida civil. Para que o processo e a tutela por ele oferecida sejam válidos, é mister ainda que o juízo seja absolutamente competente para o conhecimento da demanda, e que o julgador seja imparcial. Conforme veremos adiante, embora a função juris- dicional seja una, por questões administrativas e funcionais, a Constituição Federal e as leis dividem o Poder Judiciário em vários órgãos, cada qual competente para o conhecimento de determinada matéria (Justiça Estadual, Justiça Federal, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral, Justiça Militar, Varas Cíveis, Varas Criminais, Varas de Família e Sucessões, etc…). Para que o processo exista, basta que a petição inicial seja encaminhada a um órgão desses. Mas para que seja válido, é indispensável que tal encaminhamento se faça ao órgão que tenha atribuição constitucional ou legal para tanto (reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho, indenização contra o particular na Justiça Estadual, etc…). A validade do processo depende, ainda, da imparcialidade do juiz da causa, isto é, o julgador não pode ser impedido, nos termos do art. 134, do CPC. Finalmente, para que o processo seja válido em relação ao réu, é indispensável que ele tenha sido citado de acordo com a lei. De acordo com o CPC, para cada situação há uma espécie própria de citação: para réus com endereço certo, citação por carta (art. 222, CPC); para incapazes, citação por oficial de justiça (arts. 222, “c”, e 224, ambos do CPC); para os em local incerto e não sabido, citação por edital (art. 231, CPC); entre outras. Caso a citação não se dê de acordo com a lei, o processo até existe, mas é inválido em relação ao réu. 3.5.3. Pressupostos processuais negativos Tecnicamente, os pressupostos processuais negativos também são pressu- postos de validade da relação jurídica processual. No entanto, exatamente pela sua característica negativa, costumam ser erigidos à classe autônoma; afinal de contas, a validade do processo depende da inexistência de um pressuposto processual negativo (e não da existência como ocorre com os demais). Coisa julgada e litispendência são institutos processuais afins, decorrentes do ajuizamento de mais de uma demanda com as mesmas partes, pedido e causa de pedir (art. 301, §§ 1º e 2º, CPC). A diferença entre uma e outra advém do fato de que, na coisa julgada, um dos feitos já transitou em julgado (art. 467, CPC), enquanto na
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