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Teatro Construção do Humano no Pavilhão da Loucura

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teatro: a construção do humano no pavilhão da loucura
			Denise França
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Produção Científica
Resumo
No pavilhão da loucura, o homem está à mercê de um constructo lógico forjado da necessidade social de separar, rotular, padronizar comportamentos. No teatro, o homem produz uma possibilidade de relativizar os traumas humanos através de uma construção em nome da arte. Quando estes dois quadros se juntam, a vida adquire um outro formato, com plasticidade viva, o ser humano cria, tece em uma palheta de cores variadas. A orientação deste percurso através da loucura e do teatro nos indica outros meios e mecanismos para ressarcir ao louco o seu lugar e a sua propriedade dentro da sociedade e dentro dos variados discursos. Visitamos a obra de Antonio Quinet, Freud, Lacan, Foucault, Viola Spolin. Um artigo de Nadja Cristiane Lappann Botti e Michele Cecília Silva Torrézio, falando sobre o Festival da Loucura em Barbacena, Minas Gerais, Brasil. Utilizando técnicas de improviso, espontaneidade, partitura corporal, este pavilhão da loucura torna-se um espaço de produção de sentido. Como resultado, a loucura cede ao desejo que a funda, suspende o espaço da instituição que se apropria dela, produz um outro espaço onde o modo humano encontra sua raiz na criação de um novo sujeito, devolvendo-lhe seu rosto submerso em trevas.
Palavras-chave: Teatro. Loucura; Partitura-corporal; Imagem.
Sommario
Nel padiglione della follia , l'uomo è in balia di un costrutto logico forgiato di bisogno sociale di separare, etichetta, uniformare i comportamenti. Nel teatro, l'uomo produce la possibilità di relativizzare il trauma umana attraverso un processo in nome dell'arte. Quando queste due tabelle sono unite, la vita prende un altro formato , con la plasticità in diretta, l'essere umano crea, tesse in una tavolozza di colori diversi. L'orientamento di questo viaggio attraverso la follia e il teatro ci mostra altri modi e mezzi per risarcire il posto pazzesco e le loro proprietà nella società e nei vari interventi. Abbiamo visitato l'opera di Antonio Quinet , Freud , Lacan , Foucault , Viola Spolin. Un articolo di Nadja Cristiane Lappann Botti e Michele Cecilia Silva Torrézio, parlando del Festival Madness in Barbacena, Minas Gerais, in Brasile. Utilizzando tecniche di improvvisazione, la spontaneità, il punteggio del corpo, questo flag di follia, diventa uno spazio di produzione significat. Di conseguenza, la follia concede il desiderio che la fionda, sospendendo lo spazio della istituzione che se ne appropria produce un altro spazio in cui il modo umano è radicata nella creazione di un nuovo soggetto, lui tornando la faccia immersa nelle tenebre .
Parole chiave: Teatro; Madness; Score - corpo ; Immagine .
Nos séculos que precedem a nossa contemporaneidade, observamos o universo dos fenômenos alucinatórios, delírios, automatismo mental, comportamentos curiosos e incompatíveis com a realidadade ordinária serem tratados como anomalias, até mesmo fenômenos demoníacos e serem rechaçados pela sociedade logo em seguida. 
A construção do humano não se dá de maneira gratuita, sem nenhum esforço. A condição humana, o repertório humano é extremamente complexo. Imaginamos o ser humano, seu destino, suas vicissitudes e nos deparamos com grandes problemas, lacunas, processos pouco sanados, frustrações no que diz respeito às pesquisas nesta área.
O repertório científico é elaborado pelo pesquisador, sofrendo da mesma forma os seus revezes. Os paradigmas criados no âmbito científico tem um prazo de validade, os conceitos são reformulados, os aparelhos tecnológicos mudam a realidade de vida deste humano homem, gerando efeitos em seu próprio comportamento.
Desde os mais remotos tempos, a compreensão da humanidade não nos parece tranquila, o modus vivendi,a inter relação entre as pessoas se tornou caótica.
Segundo Antonio Quinet; “O ator como agente do ato, se dirige ao outro numa cena que faz laço. Todo ato é teatral. “Quem é você no momento do ato? Quem fala? A quem se dirige? Para quê?” Isso corresponde aos papéis que desempenhamos na vida, na relação com os outros – tema central das práticas teatrais.” A contrução e restituição deste sujeito, principalmente in corpo, é função desta prática, desta linguagem do teatro. O empenho do teatro em relação ao sujeito psicótico, desenvolvendo práticas e jogos teatrais que produzam esta imago identificatória do sujeito.
Observamos o quanto os jogos, as dinâmicas do teatro, em sua linguagem e aplicação, produzem nesta esquize do psicótico, a constituição de sua imagem, enquanto sujeito e pertencente ao grupo social.
O interesse nesta pesquisa surgiu do estudo da Psicanálise, no que se refere á Psicose em específico, e dos instrumentos e ferramentas empregadas na tentativa de manutenção dentro das instituições psiquiátricas. 
Ao contrário, a linguagem teatral propicia a produção de uma imago e estabelece um laço social, lugar de pertença, orientação referente.
Existe um vasto repertório bibliográfico, centenas de autores entre psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, filósofos, educadores, falam sobre esta temática específica, a psicose. No entanto, escolhemos para o nosso objetivo, alguns autores.
Antonio Quinet, nasceu em 1951, no Rio de Janeiro, se formou em medicina, com especialização em psiquiatria. Foi para Paris, em 1979, onde se tornou membro da École de la cause Freudienne . Voltou ao Brasil, em 1989, e participou de várias iniciativas, culminando na fundação da Escola Brasileira de Psicanálise do Campo Freudiano em 1995. Depois, enveredou pelo Teatro, como dramaturgo. Criando a Cia Inconsciente Em Cena. Fundada por Antonio Quinet em 2007 a Cia. Inconsciente em Cena cria e apresenta seus espetáculos baseados em pesquisas sobre a relação do teatro com a psicanálise junto ao Mestrado e ao Doutorado de Psicanálise, Saúde e Sociedade da UVA , com o objetivo de trazer ao grande público numa linguagem teatral as descobertas da psicanálise.
Umas das obras de Antonio Quinet, Psicose e laço social, discute a partir da obra de Freud, O mal-estar na civilização, o mal estar dos laços sociais, onde se erigem os quatro discursos, segundo a proposta do psicanalista Jacques Lacan: o discurso do mestre, o discurso do universitário, o discurso da histérica, o discurso do analista. 
Segundo Quinet:
“A noção de representação vem do conceito de mimesis, de “A Poética”, de Aristóteles, que ele define como o próprio da arte: representar – e não imitar – a natureza. Quando vemos uma maçã num quadro, não está em questão se aquilo é ou não é uma “verdadeira” maçã. A representação artística é uma maneira de se expressar a verdade da maçã ou, no caso do teatro, de uma ação. O teatro é uma verdade feita de mentiras; a histeria é uma mentira feita de verdades. O teatro encontra a histeria ao nos propor um rompimento da barreira entre verdade e mentira, entre realidade e ficção, pois coloca ali no real do instante o sujeito-ator-personagem com suas contradições e paradoxos, fantasias e sonhos, histórias e estórias.” (QUINET, Artigo, O GLOBO, 2013)
	Segundo Lacan, “em relação ao simbólico, se o esquizofrênico se especifica por “não ter o socorro de nenhum discurso estabelecido”, no paranoico “o significante representa o sujeito para outro significante”, indicando-nos a tentativa do sujeito de se inserir num discurso como laço social.” 
	 Em O mal estar e a civilização, Freud nos deixou um importantíssimo legado sobre a cultura, a arte e as manifestações expressivas do humano como uma forma de manutenção do sujeito dentro desta sociedade e sua constante reivindicação de dar ordem a este não senso, através do seu ato, produzindo e reconstruindo uma história onde ele se autorize, seja autor, saindo assim da sua postura de objeto, desejo do outro, esquize.
	A foraclusão do nome-do-pai, nos casos de esquizofrenia, paranoia, melancolia, assim referida na obra de Lacan, indicaa necessidade desse vetor e função dentro da estrutura humana, onde o sujeito possa advir, representar-se em lugar do abastecimento desta falta, deste significante que em sua ausência, promove a precariedade das relações.
	A sociedade contemporânea norteia uma demanda de apoio no ato de dominação que constitui o discurso em sua origem, os laços sociais se expressam no ato de governar e ser governado, educar e ser educado, no ato de se fazer desejar, o ato histérico, o ato espistêmico da ciência contemporânea, onde o saber é aquele que manda. “Imperativo epistemológico: ‘Não importa o que aconteça, continue avançando, continue trabalhando para o saber.’ (QUINET) Saber obedecer e saber produzir.
	Segundo Antonio Quinet , todo discurso é discurso de dominação. Em nossa civilização moderna, o mestre, o universitário e o capitalista. Não há como escapar deste laço senão pela produção de um outro discurso que cumpra a função de suspender esta demanda inicial do sujeito, dada pela sua própria existência, e produzir um outro significante, dentro desta cadeia simbólica. O teatro, a linguagem teatral, a formatação do personagem, a ficção, a produção de uma partitura corporal, especifica a possibilidade deste sujeito se inserir, estar presente, e se constituir em sua fala de outro modo.
	As instituições psiquiátricas atualmente, se deparam com essa inércia que vige neste sistema fechado, e observam a necessidade de outro tipo de suporte, na tentativa de amenizar o sofrimento destes indivíduos. A demanda de recuperação de um sujeito dentro de uma instituição psiquiátrica requer toda uma estrutura, através de enfermeiros, terapeutas, psiquiatras, psicólogos, funcionários, e ainda assim, a manutenção deste sujeito não corresponde a um tratamento adequado.
	A familiarização com novas técnicas que se originam de uma orientação dentro do mundo artísitico, a prática da pintura, do artesanato, favorecem que este sujeito produza elementos significativos no caminho de sua “cura”. Observamos a imensa dificuldade inerente à estrutura psicótica, deste indivíduo se relacionar com o mundo ao seu redor e consigo mesmo. A consciência do seu próprio corpo, e a sua avaliação imagética se encontra prejudicada em decorrência desta fragilidade estrutural, e por isso, é necessário o trabalho com o corpo e a aproximação deste indivíduo com outros do mesmo grupo, do grupo com outros grupos. A diferença se produz em função desta interelação humana. O sujeito isolado, excluído, não produz qualquer tipo de tecido expressivo.
	O mal-estar na cultura se faz presente em todos os setores e todos os grupos sociais, embora percebamos que a tecnologia proporcionou um saber sobre o organismo humano, em seu funcionamento, esse mesmo organismo humano desconhece este funcionamento, no sentido de que a consciência de si mesmo se aparta daquilo que o corpo fabrica e produz como reação aos estímulos externos, e em relação aos acontecimentos que norteiam a vida deste indivíduo. O rechaço é uma característica deste sujeito dentro do núcleo social, em qualquer forma de estrutura, e em qualquer forma institucional. Isso se dá, no mundo moderno, a construção ordenada em torno de um vazio. 
Essa esquize do sujeito permanece intacta em seu fundamento, se conecta com a realidade, produz ou tenta produzir elementos de assimilação, os significados, gera novos juízos de valoração, uma ordem para ser ingressa, mesmo assim este furo, o foracluído ocasiona toda espécie de sintomatologia, e inclusive, as somatizações perenes em nossa vida. A produção da ciência é o próprio vírus inoculado no espírito desta coletividade. 
	Na esquizofrenia, o delírio persecutório, as alucinações, a melancolia, elementos do foracluído, o impossível, o não significável, a perda e o encontro com esse vazio tornou-se hoje, o sintoma de uma violência que se faz presente todos os dias, a violência é nossa agregada permanente. Freud em o Mal-estar na cultura, já estabelecia esta conexão com a ordem contemporânea, ou seja, a esquizofrenia, a paranoia, a melancolia, não seriam mais um quadro particular, delineado pela excelência de sua estrutura, mas a própria ordem estabelecida, na fronteira deste homem proibido e manipulável, onde os efeitos da fala, o domínio e a submissão, a coerção o excluem do exercício de sua humanidade. 
	Falamos de estruturas e sistemas, habitamos a linguagem, produzimos outro homem no lugar deste impossível, o real. Isto é um fato. 
	Observamos outra autora, Viola Spolin, em sua obra Improvisação para o Teatro, ela rompe o silêncio dizendo: “Todas as pessoas são capazes de atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de improvisar. “ O tempo, o espaço, e a ação. Atenhamo-nos à partitura corporal do esquizofrênico, atenhamo-nos à partitura corporal de um obsessivo, melancólico ou compulsivo... Não nos deixa mentir sobre essa consideração do signo presente no corpo do sujeito, enquanto um corpo isolado, construído. E o sintoma não é mais do que ISSO.
	O estranho, o corpo estranho fala, o sintoma é esse corpo inerte, insignificável que recobre a pele do sujeito, inominável talvez, mas presente e concreto no dia a dia. Produzindo seus efeitos, fornecendo a esta realidade coletiva um modo e uma especificadade de relação e relações. 
	Voltamos a Freud, em o Mal estar na cultura:
“Toda renúncia ao instinto torna-se agora uma fonte dinâmica de consciência, e cada nova renúncia aumenta a severidade e a intolerância desta última. Se pudéssemos colocar isso mais em harmonia com o que já sabemos sobre a história da origem da consciência, ficaríamos tentados a defender a afirmativa paradoxal de que a consciência é o resultado da renúncia instintiva, ou que a renúncia instintiva (imposta a nós de fora) cria a consciência, a qual, então, exige mais renúncias instintivas. “
	A memória, a lembrança: o esquecimento é o efeito correlato de uma atitude do homem organizada a partir da coletividade. O espaço de produção, essa fissura lógica na construção de um saber, subntende que a expressão humana se volta para uma calterização deste rechaço e deste esquecimento.
	A consciência humana, portanto, ou pelo menos esta parca noção que temos sobre nós mesmos, subverte nossa natureza primária, da necessidade, criamos a insurreição do desejo. Esse lado obscuro que a psiquiatria não alcança, no que diz respeito às psicoses, o pode bem marcar e considerar a linguagem do teatro. E porque a psiquiatria não o alcança, porque ela se estende na organicidade funcional deste corpo. A tentativa de promoção de uma alteridade neste sujeito, pela toxidade da forma, O REMÉDIO E O RECEITUÁRIO CLÍNICO, se encontra também como resultado desta patologia ainda maior, fruto da relação deste sujeito psicótico com o médico, o sistema que o condiciona. 
	Toxidade da forma: e a natureza de toda droga, desde aquela droga que se atribuiu no início dos estudos de Freud, em A interpretação dos sonhos, o sonho dos sonhos, o Sonho da Injeção de Irma, faz alusão a esse complexo que se estende a nossa contemporaneidade, como droga diluída à alma do sujeito. 
“Dois anos antes de Lacan escrever sua tese sobre a paranoia, Dali define a paranoia crítica: ‘Uma atividade com tendência moral poderia ser provocada pela vontade violentamente paranoica de sistematizar a confusão. O fato mesmo da paranoia, especialmente a consideração do seu mecanismo como força e poder, conduz-nos às possibilidades de uma crise mental de ordem, talvez equivalente, mas, em todo caso, nas antípodas da crise a qual nos submete igualmente o fato da alucinação.” A “vontade violentamente paranoica de sistematizar a confusão” situa o delírio na paranoia, em oposição à alucinação, como um forte mecanismo mental. Dali continua: “Creio estar próximo o momento em que, por um processo de caráter paranoico e ativo do pensamento, será possível (simultaneamente ao automatismo e a outros estados passivos) sistematizar a confusão e contribuir ao descrédito total do mundo da realidade.” (QUINET, pg. 109)O delírio, a alucinação, o fenômeno psicótico e seus mecanismos, reencontrados sob esta perspectiva do espaço da cena, descobrem este avesso, a vontade de domínio, o silêncio coercitivo, as implicações da verdade testemunhada, não dita, identificada aos contornos e faces da expressividade. A demarcação desse tempo remoto, o lapso do vazio emudecendo as bocas, o grito e o pânico , a ausência desta ordem, o imperativo do gozo, constituem outro deslocamento do sujeito, numa agressividade construída e menos dilacerante. Verificamos com este trabalho o quanto neste sujeito existe uma possibilidade de se inserir e consequentemente produzir um referencial que o permita viver, quando o beneficiamos com as técnicas provenientes do teatro.
A REFORMA PSIQUIÁTRICA
	Em 1970, surge no Brasil, o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental, depois na década de 80, o movimento sanitarista, e só na década de 90 esses movimentos caminharam para as primeiras iniciativas no sentido de desinstitucionalização dos manicômios (Amarante, 1995). O processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil vem acontecendo aos poucos, ainda existem resistências no sentido de manter tais instituições, mas hoje em dia, até mesmo as camadas da população mais carentes, até elas já começam a entender a “loucura”, as doenças mentais, de outra forma. Trata-se portanto de uma quebra de paradigma. 
	Assim como Antonio Quinet identifica os discursos como estruturas sociais, e sua relação com o poder, assim também o faz Michel Foucault, em sua obra “Microfísica do poder”:
“Não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder − o que seria quimérico na medida em que a própria verdade é poder − mas de desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento.”
“O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas
que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve−se considerá−lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir.”
	Outro belo trabalho foi realizado pelas alunas da Universidade Federal de São João Del Rei, Minas Gerais, Nadja Cristiane Lappann Botti e Michele Cecília Silva Torrézio: Festival da loucura e a dimensão sociocultural da Reforma Psiquiátrica. Neste artigo elas fazem uma exploração sobre as Instituições Psiquiátricas em sua origem, a instrumentação destas instituições e, posteriormente, descrevem o primeiro manicômio de Barbacena, suas condições, seu funcionamento, Esse artigo produzido por elas deixa bem claaro o quanto a problematização da loucura tem relação com o poder, assim como o demonstra Michel Foucault.
	Cada vez mais, observamos esse pensamento sobre o discurso institucional e o poder estar em pauta na pena dos intelectuais, na análise daqueles que se comprometem com a verdade e seus saberes.
	No artigo de Botti e Torrézio:
“Historicamente no país organiza-se no dia 18 e ao longo do mês de maio, o Dia da Luta Antimanicomial, com inúmeras atividades culturais, artísticas e científicas em várias cidades do país, com o objetivo de sensibilizar e envolver novos atores sociais para a questão (Pitta, 2011). Sabe-se que variadas produções artístico-culturais têm sido o palco da construção da nova relação entre a sociedade e a loucura, apontando para maior protagonismo dos sujeitos tradicionalmente limitados ao papel de doentes mentais e objetos do saber psiquiátrico (Basaglia, 2005).”
	Protagonismo este indicando maior auteridade, independência em relação a esses mecanismos de poder em torno do qual a sociedade se organiza. Outra vez, observamos a necessidade de atualização dos conceitos, uma leitura mais autêntica acerca da realidade de vida de quem vive sob esse estigma da doença mental.
	E sem dúvida, coletamos os resultados desta mobilização que vem acontecendo já há algum tempo. O psicótico e sua partitura corporal mostram signos variados, a serem trabalhados e perpetuados dentro do espaço cênico. A atemporalidade da loucura nos adverte sobre o tempo deste véu que no impede de ver claramente. Foucault nos fala em História da Loucura:
	
	“O espírito do homem, em sua finitude, não é tanto uma fagulha da grande luz quanto um fragmento .de sombra. A verdade parcial e transitória da aparência não está aberta para sua inteligência limitada; sua loucura descobre apenas o avesso das coisas, seu lado noturno, a imediata contradição de sua verdade. Elevando-se até Deus, o homem não deve apenas superar a si mesmo, mas sim desgarrar-se completamente de sua essencial fraqueza, dominar de um salto a oposição entre as coisas do mundo e sua essência divina, pois o que transparece da verdade na aparência não é o reflexo dela, mas sua cruel contradição.”
	
	Lembramos também as considerações feitas por Freud acerca do inconsciente. Encontramos categorias próprias a este espaço, uma dessas categorias se refere à antítese, ao par de opostos que não , a existência de um nega a existência do outro. 
	E seguindo:
“Qual é esse ato? Ato de crença, ato de afirmação e de negação
— discurso que sustenta a imagem e ao mesmo tempo trabalha-a,
cava nela, estende-se ao longo de um raciocínio e organiza-a ao
redor de um segmento de linguagem. O homem que imagina ser de vidro não está louco, pois todo aquele que dorme pode ter essa
imagem num sonho. Mas será louco se, acreditando ser de vidro,
concluir que é frágil, que corre o risco de quebrar-se e que portanto não deve tocar em nenhum objeto demasiado resistente, que deve mesmo permanecer imóvel, etc..55 Este raciocínio é o de um louco, mas deve-se observar que, em si mesmo, não é nem absurdo nem ilógico. Pelo contrário, as figuras mais coercitivas da lógica estão, nele, corretamente aplicadas.” (FOUCAULT)
	No curso dessa pesquisa bibliográfica, contatamos com vários pontos de conexão entre um autor e outro, Confirmando nossos argumentos acerca da postura das instituições psiquiátricas no que diz respeito à loucura. A transformação dos conceitos ao longo do tempo, procurando estabelecer um nível de compatibilidade com a realidade histórica. Mudando gradativamente a formatação, atualizando lá onde se faz necessário um rigor lógico e conceitual, para que o sujeito dentro desta estrutura, não seja vítima do poder e do desmando daqueles que estabelecem leis coercitivas. 
	Principalmente, fornecer a estes indivíduos novos instrumentos de produção do sentido, corpo e voz, a partitura corporal deles mesmos, a expressividade humana em sua riqueza e diferença. Essa plasticidade dos fenômenos psíquicos pode enriquecer o nosso repertório mimético: o idêntico. Os animais se camuflam para enganar ao predador. Ora são plantas, ora são folhas, e depois, saem deste recorte e deixam ali uma lição. Existe nessa esfera da sobrevivência, o campo e o limite. Algo a ultrapassar, quando o predador é o próprio homem.
	O teatro é esta pele, esta reentrância e esta fita moebiana por onde passam os filamentos das sensações mais sutis; E esse véu que se abre em asas para alçar um voo através da imaginação. O teatro perpetua os segredos da alma, as miragens da paixão, e nesse recuo ínfimo do silêncio e do aprisionamento da carne ao homem, do aturdito, esse mistério sublime se delineia mais uma vez. 
	A loucura humana e a verdade a respeito do homem andam juntas, a ponto de não se distinguir o que é identidade e o que é semelhança. Por isso, no palco da vida, e no véu da persona, podemos cumprimentar esse feliz encontro entre ambas.
	
	
	
	
Referências
FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. 25ª Ed. São Paulo: Editora Record, 2014
FOUCAULT, Michel. História da loucura. São Paulo: Editora Perspectiva S.A.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na cultura. Porto Alegre: L&PM, 2010.
LACAN, Jacques. . O Seminário de Jacques Lacan, Livro 3: As Psicoses. 2. ed. Riode Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 1988. 
QUINET, Antonio. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranoia e melancolia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda., 2010. 
SPOLIN, Viola. Improvisação para o Teatro . São Paulo: Perspectiva, 2005.
Botti, N. C. L. & Torrézio, M. C. S. (2014). Festival da loucura e a dimensão sociocultural da Reforma Psiquiátrica. Psicologia & Sociedade, 26(n. spe.), 212- 221. 
FRANCA. Denise. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curso Bacharel em Teatro. Email: franca.denise08@yahoo.com.br
	
	
	
	
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