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Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 6 A RIQUEZA NA BASE DA PIRÂMIDE – INCLUSÃO SOCIAL PELO CONSUMO E CRIAÇÃO DE NOVOS MERCADOS Tarcisio Campanholo* Gustavo Gastardelli de Oliveira Fontes ** Aline Alves da Silva *** Resumo O estudo aborda o desenvolvimento de produtos e serviços para as pessoas de baixa renda que ocupam a Base da Pirâmide hoje constituída por mais de quatro bilhões no mundo. Para que seja possível alcançar os objetivos estabelecidos foi apresentado uma quebra de paradigmas e uma mudança tanto de como as organizações vêem este segmento menos privilegiado, quanto a forma que este vê a atuação da organização na sociedade. As principais conclusões dizem respeito à existência de duas culturas que devem ser mudadas, que é possível a inclusão da baixa renda no mercado de consumo através de um capitalismo mais inclusivo, e de que as organizações podem obter o lucro e ao mesmo tempo fazer o bem. Palavras-chave: Base da Pirâmide. Capitalismo. Organizações. INTRODUÇÃO O professor Coimbatore Krishnarao Prahalad profetizou em seu livro a Riqueza na Base da Pirâmide (ed. Bookman), lançado no ano de 2005 no Brasil, que “quatro bilhões de pobres poderão ser a força motriz da próxima etapa global de prosperidade econômica”, sugerindo inclusive que as empresas deixassem de “pensar nos pobres como vítimas ou como um fardo” e * Doutorando em Administração pela Universidad de La Empresa - UDE - Montevidéu - Uruguai. Mestrado em Biotecnologia e Gestão Industrial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Graduado em Ciências Contábeis pela Faculdade de Itapiranga - FAI. Atualmente é professor e pesquisador da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC, da Faculdade Carmelitana Mário Palmério - FUCAMP e Faculdade Católica de Uberlândia. E-mail: Tarcisio.campa@hotmail.com. ** Doutorando em Administração pela Universidad de La Empresa - UDE - Montevidéo - Uruguay. Mestrado em Biotecnologia e Gestão Industrial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Pós Graduação em MBA - Desenvolvimento de Executivos em Gestão e Economia Empresarial. Graduado em Administração pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Atualmente é coordenador, professor e pesquisador da Universidade Presidente Antônio Carlos UNIPAC/UDI. Também atua como professor de pós-graduação das Faculdades: Sespa, Atenas, Fucamp, Instituto Passo I, Fesurve, Cesut e UNIESSA; coordenador e professor do curso de Administração da Faculdade Católica de Uberlândia. E-mail: gustavogof@gamil.com. *** Graduanda em Administração pela Universidade Presidente Antônio Carlos – Uberlândia – Minas Gerais. Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 7 passassem a vê-los “como empreendedores incansáveis e criativos e consumidores conscientes de valor”. Com essa afirmação o Professor C. K. Prahalad levanta uma reflexão por parte das organizações do mundo todo, com o próprio questionamento que fundamenta a essência da existência de uma organização, pois todas são criadas para atender as necessidades dos consumidores, o que por sua vez isso não vem acontecendo. Maximiano (2006) define a “empresa como uma iniciativa que tem como objetivo de fornecer produtos e serviços para atender a necessidade de pessoas, ou de mercados, e com isso obter o lucro”. O principio básico pelo qual cria-se uma organização é atender as necessidades dos clientes, para tanto as empresas devem focar na realização deste princípio básico. Com isso entende-se que se as organizações estão ignorando a necessidade de 4 bilhões de pessoas, ou seja, elas estão contra sua concepção inicial. O que as organizações devem perceber é que em países em desenvolvimento como os BRIC (Brasil, India, China e Russia) e também países pertencentes ao VISTA (Vietnã, Indonésia, África do Sul, Turquia e Argentina) entre outros do mundo subdesenvolvido, existe um número grande de pessoas que fazem parte um mercado que ainda não existe, mas nem por isso essas pessoas deixam de ter necessidades, ou seja, elas possuem as mesmas necessidades que as pessoas do topo da pirâmide, mas não são atendidas porque as empresas não estão preocupadas em atender as suas necessidades, e conseqüentemente não se tornam parte de um mercado que poderia passar a existir. Recentemente, pouca atenção era dada ao papel do setor privado na diminuição da pobreza, por isso este estudo pretende chamar a atenção do setor privado para a Base da Pirâmide, as quais devem passar a perceber que existem mais de 4 bilhões de pessoas no mundo que precisam ser vistas como consumidores, e que existe uma forma das empresas realizarem o bem e ao mesmo tempo não deixarem de lado o seu objetivo principal que é o lucro. O artigo foi desenvolvido tendo como pilares o conhecimento gerado pela filosofia de pensamento criada pelo livro A Riqueza na Base da Pirâmide onde o autor do livro C. K. Prahalad resiste à clássica visão que coloca os pobres na condição de “tutelados pelo Estado”, preferindo, em vez disso, abordar o “capitalismo inclusivo”, dirigido aos bilhões de pessoas que vivem com renda de US$ 2 por dia. Para que se evolua em pensamento, teoria e prática é interessante que dois paradigmas sejam quebrados, o primeiro é a mesma visão afirmada por Prahalad (2005) em que sua proposta Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 8 é que as empresas devem parar de pensar nos pobres como vítimas ou como fardo e começar a reconhecê-los como empreendedores incansáveis e criativos e consumidores conscientes de valor. E o segundo paradigma é que as pessoas da Base da Pirâmide comecem a ver as organizações como um processo de melhoria para a sociedade e principalmente o principal pilar das organizações que é o Capitalismo, ou seja, que o Capitalismo seja reconhecido e aceito como o proposto pelo pai do capitalismo Max Weber conforme segue sua própria filosofia o “capitalismo identifica-se com a busca do lucro sempre renovado por meio da empresa permanente, capitalista e racional, pois assim deve ser: numa ordem completamente capitalista da sociedade, uma empresa individual que não tira vantagem das oportunidades de obter lucros estará condenada à extinção’. (WEBER, 2004). Partindo-se deste princípio uma mudança radical no pensamento da classe pobre e da iniciativa privada, principalmente por parte das pessoas da Base da Pirâmide, pois conforme Weber (2004) afirmou, que a ganância ilimitada de ganho não se identifica, nem de longe, com o capitalismo, e menos ainda com seu “espírito”, o capitalismo, pode eventualmente se identificar com a restrição, ou pelo menos com uma moderação racional desse impulso irracional. Tal ganância existe e sempre existiu entre garçons, médicos, cocheiros, artistas, prostitutas, funcionários desonestos, soldados, nobres, cruzados, apostadores, mendigos etc... Pode se dizer que tem sido comum à toda sorte e condição humanas em todos os tempos e em todos os países do mundo, sempre que se tenha apresentado a possibilidade objetiva para tanto. Com essas mudanças e a certeza de um novo propósito por parte de ambos será criada a transformação de um novo modelo de pensamento, para que a realização do desejo da inclusão de uma grande massa de pessoas no capitalismo seja realizada com sucesso e que os desejos de Prahalad, conforme sua visão no processo de criação da estratégia devem partir do reconhecimento aos consumidores da Base da Pirâmide. O processo de criação conjunta pressupõeque os consumidores são igualmente importantes como solucionadores de problemas, o que causaria um potencial de crescimento global em comércio e prosperidade à medida que 4 a 5 bilhões de pobres tornam-se parte de um sistema de capitalismo inclusivo. O SETOR PRIVADO E A POBREZA Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 9 De acordo com Viegas-Lee (2008) no ano de 2002 enquanto o mundo dos negócios ainda sofria os impactos dos ataques de 11 de setembro do ano anterior, dois grandes estudiosos das estratégias empresariais, C.K. Prahalad e Stuart L. Hart, publicavam juntos um artigo que marcaria o pensamento corporativo nos anos seguintes. “A Fortuna na Base da Pirâmide”, que posteriormente daria origem a Sigla BoP, (da sigla em inglês de “Base da Pirâmide”), em referência aos mecanismos dos quais as empresas devem se valer para aproveitar as oportunidades de negócios nas classes de menor poder aquisitivo da sociedade. Este artigo segundo Prahalad (2010) foi resultado de uma longa e solitária jornada, que começou nos feriados de Natal de 1995, sendo que naqueles dias de celebração e alegria, uma questão começou a martelar em sua cabeça: o que estamos fazendo pelos mais pobres do mundo? Por que, com toda a nossa tecnologia, Know How gerencial e capacidade de investimento, somos incapazes de fazer uma contribuição, mesmo que mínima, ao problema da alastrante pobreza e alienação globais? Por que não conseguimos criar um capitalismo de inclusão? Afim de buscar resposta a estas e outras perguntas surgiu a obra a Riqueza na Base da Pirâmide – Erradicando a pobreza com o Lucro. De acordo com Prahalad (2005) se observarmos os principais países em desenvolvimento (China, Índia, Brasil, México, Indonésia, Turquia, Rússia, África do Sul, Tailândia, os mais falados), veremos que eles representam de 70% a 75% da população pobre do planeta e respondem por cerca de 90% do PIB das nações em desenvolvimento. Tendemos a analisar o PIB em dólares norte-americanos, o que não dá nenhuma idéia sobre a natureza e a intensidade de comércio desses países. É preciso observar a paridade para compra. Nesse caso, estamos falando de US$ 14 trilhões, valor que supera as economias da Alemanha, França, Itália, Japão e Reino Unido somadas. De acordo com Sachs (2005) a classe que compõe a pobreza no mundo é classificada da seguinte forma: • Extrema pobreza – As necessidades básicas de alimentação e moradia não conseguem ser atendidas. Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 10 • Pobreza moderada – As necessidades básicas são atendidas, mas não outras, tais como educação e saúde; qualquer vicissitude, como doença, morte na família, ou desemprego, pode precipitar o indivíduo na extrema pobreza. • Pobreza relativa – Quando a renda é inferior à média nacional, o indivíduo tem acesso a serviços de educação e saúde de baixa qualidade, mas sua capacidade de ascender socialmente é limitada. Para enfatizar a pobreza no mundo Prahalad (2005) criou o termo a Base da Pirâmide, onde a distribuição da riqueza e a capacidade de geração de renda podem ser entendidos sob a forma de uma pirâmide econômica. No topo da pirâmide estão os ricos, com numerosas oportunidades de gerar altos níveis de renda. Mais de 4 bilhões de pessoas vivem na Base da Pirâmide, com menos de US$2 por dia, conforme a Figura 1 a seguir: Figura 1.1. A Pirâmide Econômica Mundial Fonte: Adaptado de Prahalad (2005) De acordo com Rodrigues e Barbieri (2008) a pirâmide é uma forma usual para representar uma sociedade dividida em classes sociais, na qual a pequena parcela da população situada na cúpula detém a maior parte da riqueza e renda, enquanto a maioria situada na base Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 11 detém uma parte reduzida. Assim, ao dizer base da pirâmide refere-se à maioria da população que em termos gerais é a menos favorecida do processo de desenvolvimento econômico e social. Em termos globais, são bilhões de pessoas que vivem de forma precária, a maioria fora dos países capitalistas ricos. Segundo Prahalad e Hart (2002) a verdadeira promessa do mercado não está na minoria rica do mundo desenvolvido ou nos consumidores emergentes da classe média, está entre bilhões de pessoas que estão participando da economia de mercado pela primeira vez. É hora das organizações multinacionais começarem a rever suas estratégias de globalização e a adotar a nova lente do capitalismo inclusivo. Para organizações que contam com os recursos e a persistência necessários para competir na Base da Pirâmide, os retornos esperados incluem crescimento, lucros e contribuições inestimáveis à humanidade. Para Sá (2006) o consumidor de baixa renda em geral compra algo, para fazer parte de um círculo social, pois ele procura inclusão social. “O ideal na comunicação é assumirmos um discurso de valorização, o equilíbrio entre aspiracional e inclusão, mas sempre com muito respeito ao consumidor popular, sem menosprezar sua capacidade analítica e crítica”. Para que as empresas possam aproveitar o potencial de mercado da Base da Pirâmide, deve-se analisar uma série de pressupostos e implicações que atualmente exercem grande influência na visão que a grande maioria das organizações possuem dos países subdesenvolvidos e emergentes. Conforme apresentados no Quadro 1 a seguir: Quadro 1 Pressupostos e Implicação que as empresas devem rever Pressupostos Implicação Os pobres não são nossos consumidores alvo; eles não têm condições de adquirir nosso produtos ou serviços. Nossa estrutura de custos é conhecida; com ela, não podemos atender ao mercado da BP. Os pobres não utilizam os produtos vendidos em países desenvolvidos. Temos compromisso com uma forma de funcionalidade. Os pobres necessitam de produtos de limpeza, mas não podem comprar detergentes nos formatos que oferecemos. Portanto, não há mercado na BP. Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 12 O mercado na BP não é importante para o crescimento de longo prazo e a vitalidade de corporações multinacionais. Os mercados da BP são, quanto muito, uma variação atraente. A empolgação intelectual esta em mercados desenvolvidos; é muito difícil recrutar gerentes para mercado da BP. Não podemos designar nossos melhores recursos humanos para trabalhar em desenvolvimento de mercados da BP. Fonte: Adaptado de Prahalad (2005) Hart (2008) afirma que o caminho para transformar populações de baixa renda em consumidores é muito mais complexo do que customizar produtos que um dia foram dirigidos aos ricos para poder vendê-los aos pobres, por um custo mais baixo. Ele envolve, sobretudo, a disposição de construir parcerias que garantam bons negócios a um mundo mais sustentável. As empresas precisam quebrar paradigmas para poder explorar o mercado da Base da Pirâmide de forma mais eficaz. Uma das principais características dos mercados emergentes é justamente a grande quantidade de pessoas que se situam nas camadas mais pobres da população, o que torna a criação de bens e serviços para esse mercado um desafio para as grandes empresas (LONDON; HART, 2004). Para Nogueira e Cunha (2009) o Brasil é um país de contrastes. Entre o topo e a base da pirâmide social encontram-se tipos variados, pessoas que nos cercam no dia-a-dia, em nossas famílias, nos shoppings centers ou pelas ruas. Possuem necessidades e expectativas básicas ou refinadas, moram em grandes ou pequenos centros urbanos ou rurais, a maioria luta para levar a vida com dignidade e a minoria consome produtos muito diferenciados. Na história do Brasil tem se visto um país de população predominantemente de baixa renda, no qual a distribuição de renda e a desigualdade socioeconômicaainda são um problema latente. Desde a época colonial e escravocrata, seguindo até os dias atuais, a forte concentração da riqueza, assim como a persistência da desigualdade social são os elementos mais presentes na história nacional. (GUIMARÃES, 2003). A Base da Pirâmide, composta pela classe C, D e E, compõem a maioria da população do Brasil. Apesar disso, durante muitos anos, as organizações do país voltaram suas ações em busca da captação de consumidores de alto poder aquisitivo, deixando de atender as necessidades específicas da grande população de baixa renda, tratada antes como um mercado que só adquiria Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 13 produtos de baixo valor. Com o aumento da renda média mensal do brasileiro e uma melhor distribuição de renda no país, o consumo pela Base da Pirâmide começou a se tornar mais expressivo e muitas empresas decidiram por atender esse nicho de mercado. A cada ano, a mídia tem exposto exemplos de empresas que tem alcançado sucesso ao focar suas finalidades na atração deste consumidor, que mesmo tendo poder aquisitivo baixo, ocupa 77% da população brasileira. COMO AS EMPRESAS NO BRASIL PODERIAM VENDER PARA AS PESSOAS QUE VIVEM COM MENOS DE 5 REAIS POR DIA. Vender para pessoas que não possuem dinheiro para comprar é um pouco utópico, mas a realidade é bem diferente, pois se as empresas oferecerem uma forma de pagamento que caiba no orçamento das pessoas da Base da Pirâmide, começará a surgir um novo mercado de consumo. Este questionamento de vender algo para quem não tem dinheiro já foi feita em 2005 por A.J. Vogl, editor da Across the Board a Prahalad que citou como exemplo a empresa empresa norte America Singer, que possuía uma máquina que custava U$ 100, conseqüentemente grande parte das pessoas não poderiam adquirir uma maquina a este valor, mas poderiam pagar a maquina em varias parcelas de U$ 5 conseqüentemente com isso a empresa criou um mercado que até então para ela não existia. O principal pensamento a ser implantado pela organização que pretende atender a Base da Pirâmide é que neste mercado não se ganha por “unidade” mas sim por quantidade. Conforme Prahalad (2005) a camada 4 da pirâmide não é um mercado que suporta altas margens; assim, os lucros serão gerados pelo volume e pela eficiência do capital. As margens devem ser baixas, mas a venda de unidades deve ser extremamente alta. Executivos que focam o lucro bruto operacional irão perder a oportunidade na Base da Pirâmide; executivos que inovam e focam o lucro líquido serão recompensados. È importante que a empresa repense os custos e crie um novo canal de distribuição. O redesenho da Cadeia de Valor torna-se fundamental para a organização que quer atender esse mercado invisível, conforme Porter (1985) afirma que a cadeia de valores desagrega uma empresa nas suas Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 14 atividades de relevância, para que se possa compreender o comportamento dos custos e as fontes existentes e potenciais de diferenciação. A empresa ganha vantagem competitiva, executando estas atividades estrategicamente importantes de forma mais eficaz. Há muitas formas pelas quais as empresas podem repensar suas estratégias para inserir- se com sucesso na Base da Pirâmide. Em linhas gerais, as mudanças podem ser feitas em vários componentes do marketing de produtos e serviços, mas é fundamental que tais mudanças sejam consistentes com modificações nos processos produtivos e gerenciais da empresa (ROCHA E SILVA, 2008). Segundo Rocha e Silva (2008) para explorar o mercado constituído pela Base da Pirâmide – ou seja, 80% da população mundial – as empresas não podem simplesmente aplicar seus processos e produtos usuais, é necessário criar produtos e processos voltados especialmente para atender às necessidades desse grupo de consumidores, por meio de soluções inovadoras e criativas, a preços acessíveis, usando novos canais. Outra solução para parte dos problemas pode ser o desenvolvimento da estratégia com foco no custo que visa ser o produtor de baixo custo da indústria. A estratégia de liderança em custo é realizada através do ganho de experiência, de investimento em instalações para a produção em grande escala, do uso de economias de escala e do monitoramento cuidadoso dos custos operacionais totais (com programas como downsizing e gerenciamento de qualidade total). (PORTER, 1985). Não esquecendo que mesmo sendo pessoas menos privilegiadas a qualidade no produto e principalmente o valor agregado na marca são fatores importantes para a camada 4 da pirâmide, conforme afirma Prahalad (2005) a “maior prova de que o consumidor de baixa renda valoriza marca é o caso da Casas Bahia, maior vendedora de produtos Sony no Brasil”. Tudo é muito lógico: se você é pobre, quais são suas aspirações? As pessoas não querem apenas comprar alguma coisa, e sim algo que as coloque no caminho para serem quem elas gostariam de ser. QUEM SÃO AS EMPRESAS QUE JÁ DESENVOLVEM PRODUTOS E SERVIÇOS VOLTADOS A BASE DA PIRÂMIDE Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 15 CASAS BAHIA Prahalad (2005) afirma que as empresas precisam focalizar os bilhões de consumidores que vivem com cerca de US$ 2 por dia (ou menos) no mundo inteiro. Ignorá-los não é uma estratégia inteligente, garante ele, que cita como exemplo a ser seguido a brasileira Casas Bahia. Casas Bahia, maior varejista de móveis e eletrodomésticos do país, com um pensamento de não vender apenas produtos tangíveis mas também oferecer produtos intangíveis como é a filosofia descrita por Michael Klein “quando um cliente entra numa loja, não esta comprando um fogão ou uma televisão, esta comprando um sonho”, criou uma cultura cujo único propósito é realizar os sonhos de seus clientes. Com o slogan “Dedicação total a você”, a estratégia para atrair clientes é anunciar, quase que diariamente, preços baixos de produtos de marcas conhecidas, porque a empresa constatou ao longo do tempo que o cliente de baixa renda também deseja adquirir um produto com uma marca forte. Percebendo a necessidade de uma grande parcela da população brasileira que não só queria mas também precisava de eletrodomésticos, as Casas Bahia desenvolveram uma estratégia inovadora. Em compras de até R$ 600.00 (isso em 2003) não era necessário comprovar renda. Se a mercadoria custasse mais que R$ 600.00 as Casas Bahia desenvolveram um sistema patenteado para avaliar o cliente em potencial. A empresa passou a fornecer um limite de crédito de acordo com sua renda total, tanto formal quanto informal, profissão e despesas presumidas. Em 2008 as Casas Bahia lançaram uma de suas lojas na comunidade de Paraisópolis, localizada na zona sul da cidade de São Paulo. È a primeira loja da rede a ser instalada numa favela. Paraisópolis é considerada a segunda maior favela de São Paulo e a quinta maior do Brasil. Segundo Prahalad (2009) as Casas Bahia seguem em seu caminho de crescimento. Em 2003, a empresa operava 343 lojas, com uma receita de 6 bilhões de reais. Ao final de 2008 a empresa encerrou o ano com 534 lojas e receita de 13,9 bilhões de reais, sendo que o crescimento da base de clientes acompanhou o mesmo ritmo dessa evolução. Por que vender para 10% se posso vender para 90% dos brasileiros? Foi uma das principais estratégias desenvolvidas pela empresa que a tornou a grande líder de varejo, mas para Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 16 isso foi necessário criar um mercado que estava invisível. Atualmente as Casas Bahia possuem uma carteira de clientes com cerca de 23 milhões de consumidores distribuídos em todo o país, sendo 21,5 milhões destes clientes ativos, ou seja, clientes que pagam mensalmenteas parcelas de compras realizadas na empresa. Dentre estes, aproximadamente 70% dos clientes são pessoas sem renda formal, cuja renda média mensal é de dois salários mínimos. Em sua maioria, são operários de construção civil, empregadas domésticas, cozinheiras e vendedores ambulantes que vivem em cidades metropolitanas. (VAZ, 2006). INDÚSTRIA DE TELECOMUNICAÇÕES De acordo com Prahalad (2005, p.19) os pobres são um “mercado latente” para bens e serviços. O engajamento ativo de empresas privadas na Base da Pirâmide é um elemento crucial na criação do capitalismo inclusivo, e o interesse do setor privado por esse mercado aumentará a participação dos pobres como consumidores, criando escolhas para eles. Eles não precisarão depender exclusivamente daquilo que está disponível em seus bairros e vilas. Se as grandes empresas se aproximarem desse mercado tendo em mente os interesses dos consumidores da Base da Pirâmide, isso automaticamente se traduzirá em crescimento e lucros significativos para elas, como está acontecendo com as Empresas de Telecomunicação que redesenharam suas estratégias com os chips pré-pagos. No Brasil o celular tem tido um crescimento surpreendente, muito superior que o da Internet e o da telefonia fixa. E a expectativa é que a telefonia sem fio continue crescendo a taxas elevadas ainda por mais alguns anos. (SIQUEIRA, 2007). De acordo com os dados da Anatel, o Brasil tinha em 2006 o total de 99,9 milhões de celulares e 40 bilhões de linhas fixas do serviço, o Brasil conta hoje com 153,67 milhões de aparelhos celulares, ou seja, de cada 10 brasileiros 8 possuem um aparelho. O mesmo celular que a menos de 10 anos era um privilégio apenas do pessoas que compunham o topo da pirâmide, e que graças a evolução da tecnologia e principalmente a uma mudança radical das empresas de telefonia com uma preocupação de levar o aparelho as classes menos privilegiadas surgiu o chip pré-pago que popularizou a telefonia no país. Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 17 De acordo com a pesquisa realizada pela 'Listening Post' em 2007 o celular mudou a vida para 60% dos brasileiros. [...] para os que estão na Base da Pirâmide da renda, o celular é a jóia mais preciosa e a facilidade de crédito é a segunda coisa mais importante que aconteceu no país e mudou a vida nos últimos anos. O celular que para muito é um simples aparelho para tirar fotos e se comunicar com as pessoas sobre relacionamentos, revolucionou a vida de milhares de brasileiros, que graças a popularização destes instrumentos hoje possuem capacidades de prestarem serviços e conquistaram uma carteira de clientes, onde é o caso da empregada domestica, encanador, podador de árvores, carroceiros e inúmeros outros trabalhadores informais que não possuíam formas de divulgação de seu trabalho graças as altas taxas de telefonia fixa e o celular pós-pago que também era inviável. Segundo Prahalad (2005) o aspecto mais perturbador do mercado da Base da Pirâmide é que tanto os problemas como as soluções são conhecidos. O que costuma faltar é a inovação fundamental para transformar a solução em um produto viável e em um sistema de distribuição capaz de colocá-lo em toda parte, nesse caso o produto já existia só o que realmente faltava era adaptá-lo para a Base da Pirâmide. EMPRESA DE BEBIDAS NORSA Conforme Hart (2008) a melhor maneira de encarar isso do ponto de vista executivo não é “como vender produtos para os pobres”, mas algo como “será que podemos estabelecer uma parceria com comunidades de baixa renda onde não temos experiência prévia, a fim de que possamos juntos desenvolver novos negócios, que sejam bons para elas e também para a empresa?”. Foi exatamente o que pensou a empresa de bebidas Norsa. Uma filosofia voltada a atender a camada 4, também fez com que Norsa, empresa de bebidas fundada em 1998 por franqueados da Coca-Cola instalados em Estados do Nordeste – Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, reduzisse as embalagens de seus produtos, oferecendo refrigerantes em garrafas de 1,5 litro, no lugar de 2 litros, e latas de 200 ml, em vez de 300 ml. Conforme o presidente da empresa André Salles “As classes C, D e E são fundamentais no nosso negócio. Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 18 Em nossa região, de 800 mil km² – cerca de 10% do território brasileiro –, 90% de um total de 27 milhões de pessoas pertencem a essas faixas sociais ou não contam com nenhuma renda”. Esta mudança de posição da empresa permitiu por exemplo comercializar uma garrafa de refrigerante de 200 ml por R$ 0,50. Dando acesso as pessoas que até então não possuíam condições de adquirirem uma garrafa de 290ml criando desta forma um mercado que até então não pertencia a Coca-Cola e sim a outras empresas do seguimento. (DELLOITE, 2008). Para Prahalad e Hart (2005) as organizações que contam com os recursos e a persistência necessária para competir na Base da Pirâmide, os retornos esperados incluem crescimento, lucros e contribuições inestimáveis à humanidade. Países que ainda não possuem uma moderna infra-estrutura ou produtos para atender às necessidades mais básicas das pessoas são excelentes “laboratórios” para o desenvolvimento de tecnologias mais sustentáveis e produtos para o mundo inteiro. Além disso, o investimento das multinacionais na Base da Pirâmide significa retirar bilhões de pessoas da pobreza e do desespero, prevenindo o declínio das condições sociais, o caos político, o terrorismo e a deterioração ambiental que certamente permanecerá se a lacuna entre países ricos e pobres continuar aumentando. Nestes casos se mais indústrias localizadas na Região Nordeste do País desenvolverem produtos com a mesma filosofia da Norsa seria fundamental para a inclusão de mais pessoas no mercado de consumo. CONCLUSÃO Para que esse mercado seja desenvolvido e que realmente sejam incluídas as pessoas da Base da Pirâmide no capitalismo inclusivo, é necessário que as grandes organizações e os consumidores da Base da Pirâmide confiem um no outro. Pois como já afirmou Prahalad (2005) ‘é uma desconfiança muito enraizada”. Para as organizações que se aproximarem desse mercado é importante criar um clima de confiança entre elas e os consumidores. Como o consumidor da Base da Pirâmide muitas vezes não está adquirindo apenas um produto, mas sim realizando um sonho, como foram as palavras de Samuel Klein das Casa Bahia, e esse sonho precisa ser muito bem avaliado pelas organizações para que realmente ele posso ser realizado. As organizações estão evoluindo como as pessoas também estão no mesmo processo de evolução, quem sabe com isso o processo de encontrar uma solução para os que ocupam a Base Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 6-20, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 19 da Pirâmide passa também a ser parte a próxima jornada de muitas organizações, quem sabe com isso a pobreza possa ser uma oportunidade para todos os interessados. Percebe-se que a inclusão das pessoas no capitalismo de consumo será possível, como evidências apontam que as inovações realizadas pelas organizações que focaram suas ações na Base da Pirâmide conseguiram alavancar negócios rentáveis, além disso os consumidores desses negócios provaram ser tão astutos e exigentes como qualquer outro. Como resultado tem-se uma consciência cada vez mais forte das condições e nuances da BP. Com isso uma grande quantidade de pessoas vem tendo acesso e consumindo novos produtos, e as empresas envolvidas neste cenário perceberam que podem fazer cada vez mais o bem e também adquirir o lucro. Referências HART, Stuart L. Negócios na base. Mundo Corporativo Nº 19, 1º trimestre 2008 _____________. Capitalism at the crossroads: the unlimited business opportunities in solving the world's most difficult problems. Pennsylvania:Wharton School Publishing, 2005. MAXIMIANO, A.C.A. Administração para Empreendedores. 1ª ed. - São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. 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