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* Profª M.e Camila Louise Baena Ferreira Londrina, 2015. Modelos explicativos do processo saúde-doença * Determinantes em saúde Visão ontológica x visão funcionalista - Doença como uma “entidade” que se apossava do corpo X Doença como um desequilíbrio interno ou externo ao corpo O desenvolvimento dos conhecimentos e práticas de saúde não seguiu uma sequência linear, cumulativa, ao longo da história, havendo avanços e retrocessos, idas e vindas das crenças e dos modelos dominantes. * 1. Povos primitivos Nômades Pensamento mágico, religioso e sobrenatural. Exemplo: a chegada do outono ou inverno dificultando a colheita de determinados frutos/ caça/ pesca Atribuída aos deuses que sopravam o vento frio, porque estavam irados com a atitude dos homens. Causas externas ao corpo do homem * “Hospitais” para a assistência aos doentes e cirurgias (circuncisão e castração): obrigatoriedade aos judeus/ punição Exemplo de medicina dos Hebreus, que explica a associação dos recursos religiosos aos físicos trecho bíblico, Antigo Testamento: “Elizeu chegou à casa e lá estava a criança morta deitada em seu leito. Ele entrou, fechou a porta e rezou a Jeová. Depois, subiu ao leito, estendeu-se sobre a criança, pôs a boca contra a sua boca, os olhos contra seus olhos, mãos contra suas mãos, se movimentou sobre ela e a carne da criança se reaqueceu (...) então a criança espirrou e abriu os olhos”. * O comentário da Bíblia esclarece: “Deus insuflou o espírito da vida nas narinas de Adão e é pelas narinas que o homem respira”. Esta descrição é interpretada como sendo o primeiro exemplo da respiração boca a boca para a reanimação, como ainda se faz hoje. * Advento do Cristianismo primitivo Saúde: estado de isonomia = harmonia perfeita entre os quatro elementos que compõe o ser humano ( terra, ar, água e fogo) A doença aparece como consequência de fatores externos que provocam, no organismo, uma disonomia entre os elementos. * 2. Antiguidade Clássica Explicação das doenças: vontade dos deuses Solução: terapêuticas mágicas (oferendas, poções, sacrifícios) Práticas de recolhimento e relaxamento, em geral nos templos de Asclepius Mitologia grega: Higéia e Panacéia eram filhas de Asclepius Deusa da saúde e higiene/ depois da lua: associada à prevenção das doenças e à manutenção da saúde Culto à Panacéia: busca da cura, com a intervenção ativa no processo da doença por meio de poções, etc. * Templo de Asclepius: hospitais do espírito, com ambiente de penumbra, banhos, repousos e outras medidas em busca de paz e equilíbrio. Visão holística: mais do que ausência de doença, significava integração com a natureza, beleza exterior e interior, ideal de estética. * No século VI ao IV a. C. os gregos descartavam os elementos mágicos e religiosos como causadores da doença Observação empírica, como: Importância do ambiente Sazonalidade fundamentais para o Trabalho surgimento das doenças Posição social do individuo, etc Hipócrates: início do pensamento científico. Pai da medicina moderna (viveu nos tempos de Péricles, onde havia liberdade para pensar e discutir) Galeno: divulgador da medicina hipocrática (Império Romano: prática da dominação um manda, demais obedecem) * Hipócrates procurou explicar os distúrbios mentais como resultado de um desequilíbrio entre os quatro humores básicos do corpo: Sangue Linfa bile amarela bile negra: temperamento melancólico tristeza profunda * Na gravura de Albrecht Dürer (1471 — 1528), a melancolia é representada como uma mulher de asas, sentada com o rosto apoiado em uma das mãos. A seu lado, um cão adormecido (o sono, irmão da morte, é um conhecido acompanhante da melancolia e da depressão). * “ Quem quiser prosseguir o estudo da ciência da medicina deve proceder assim. Primeiro deve considerar que efeitos cada estação do ano pode produzir, porque as estações não são iguais, diferem muito entre si mesmas e nas suas modificações. Tem que considerar em outro ponto os ventos quentes e frios (...) deve também considerar as propriedades das águas, pois estas diferem em gosto e peso (...). Porque se um médico conhece essas coisas bem, de preferência todas elas, de qualquer modo ao chegar a uma cidade que não lhe é familiar, não ignorará as doenças locais...” * Filosofia: um dos campos do conhecimento que a civilização grega mais contribuiu pra a cultura ocidental. Medicina grega não era uma ação só de médicos. Altas personalidades e filósofos cultivavam a “arte” da cura princípio básico: harmonia entre o corpo e alma Por isso, surge na Grécia todo o cuidado com o corpo através das ginásticas e esporte (as olímpiadas), com pouca roupa e em harmonia com a natureza. * 3. Idade média Advento do monoteísmo cristão Ação divina: responsabilizada pelos males e doenças Vingança e punição por pecados cometidos por pessoas e coletividades perante os rígidos mandamentos divinos. Terapêutica: penitência obter a cura expurgando seus erros. As epidemias eram combatidas com a busca de bodes expiatórios individuais e sociais. Estacionamento/ retrocesso do conhecimento e das práticas sanitárias, que se prolongou até o Renascimento. * “A extração da pedra da loucura" (1485), do pintor italiano Hieronymus Bosch: retrata a concepção medieval que supunha a loucura como uma pedra no cérebro. Bosch, na sua imaginação, no momento da extração da doença, coloca no lugar da dureza da pedra a delicadeza de uma flor. A imagem que se tinha da loucura era de algo místico, desconhecido, considerado o lugar imaginário da passagem da vida à morte. * 4. Renascimento Surgimento na Europa Pensamento racional: desnaturalização do mundo Grandes epidemias: antes consideradas pragas divinas, passam a ser objeto de observação e reflexão sistemáticas Embora ainda muito longe do conhecimento de microorganismos, a reflexão sobre a causalidade das doenças passou a se concentrar nos fatores externos. Desenvolvimento de teorias na tentativa de explicar o fenômeno do contágio e da disseminação das doenças, principalmente das epidemias. * O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci (1452-1519), apresenta uma figura masculina desnuda, em duas posições sobrepostas com os braços, inscritos num círculo e num quadrado. A obra simboliza o redescobrimento das proporções matemáticas do corpo humano no século XV e é uma das grandes realizações do Renascimento italiano. * Michelangelo foi um pintor, escultor, poeta e arquiteto renascentista italiano. No teto da Capela Sistina no Vaticano (1508-1512), realizou "A Criação de Adão" que representa um episódio do Livro do Gênesis no qual Deus cria o primeiro homem. Existem várias teorias sobre o significado da composição original da obra, e todas apontam para o amplo conhecimento que Michelangelo possuia em Anatomia. Em 1990, um médico chamado Frank Lynn Meshberger afirmou que a figura em que Deus está apoiado tem o formato anatômico de um cérebro, incluindo o lobo frontal, o nervo ótico, a glândula pituitária e o cerebelo. * Teoria mais importante: miasmas Inconsistente do ponto de vista científico, mas atribuía à insalubridade de ambientes físicos a origem dos fenômenos de contágio e difusão de epidemias. Base de evidência para as primeiras “Polícias de saúde”: medidas coletivas e individuais de proteção à saúde (defesa contra os miasmas) * 5. Modernidade Avanços epistemiológicos na desnaturalização do mundo Emergência das trocas mercantis Reestruturação das classes e segmentos sociais Organização de Estados Nacionais sob a égide da mediação interna e da defesa externa dos interesses das sociedades Políticas públicas (século XVII): ações coercitivas e regulatórias do Estado sobre a sociedade, visando ao bem comum População como um bem do Estado: interesse na sua ampliação e saúde, pois isso significava um aumento do poderio militar. * Cuidado público com a saúde = proteção contra os riscos sociais Menor valor à assistência Especialmente durante a industrialização: desigualdades no campo social e econômica geram desigualdades no campo da saúde. Saúde Pública: minorar os malefícios à saúde provocados pelo desenvolvimento capitalista. Século XVIII: Johan Peter Frank “A miséria do povo, mãe das enfermidades”: pobreza e más condições de vida eram as principais causas de doenças. Preconizava amplas reformas sociais e econômicas e não apenas reformas sanitárias. * Era bacteriológica Louis Pasteur (1822 a 1895): cientista francês cujas descobertas tiveram enorme importância na história da química e da medicina. Seu estudos consolidaram a Teoria germinal das enfermidades infecciosas ou Teoria microbiana, segundo a qual toda enfermidade infecciosa tem sua causa num micróbio com capacidade de propagar-se entre as pessoas. * Em 1900 foi criado, no Brasil, o Instituto Soroterápico Federal que, depois de rebatizado de Instituto Oswaldo Cruz em 1908, foi denominada Fundação Oswaldo Cruz. Sua origem marcou o desenvolvimento da microbiologia no Brasil. * Discussão da causalidade Até meados do século XIX, a saúde pública dispunha de poucos instrumentos para o controle de doenças: os mais utilizados eram o isolamento e a quarentena. O desenvolvimento das investigações no campo das doenças infecciosas e da microbiologia resultou no aparecimento de novas e mais eficazes medidas de controle, entre elas a vacinação. Ainda que o mecanismo do contágio já tivesse sido elucidado no século XVI e as bactérias e outros microorganismos já tivessem sido observados no século XVII, somente no final do século XIX é que a identificação de diversos microorganismos patogênicos é realizada. * A hipótese de que as doenças infecciosas fossem causadas por pequenos ‘animalículos’, ‘sementes’ ou ‘vermes’ não era recente, já sendo uma suposição na Antiguidade. Porém, a partir do uso do microscópio como poderoso auxiliar nessa tarefa, diferentes cientistas vão contribuindo para o estabelecimento de uma importante ruptura epistemológica: o início da era bacteriológica. À medida que eram identificados os modos de transmissão e as formas de reprodução de vetores específicos, várias melhorias sanitárias e das condições de vida dos habitantes foram incentivadas. * Modelo de unicausalidade O impacto da era bacteriológica mudaria definitivamente a forma de perceber a saúde e a doença. Se passou a visualizar o antes invisível. Contudo, não se pode falar desse salto tratando apenas de suas conseqüências benéficas. O surgimento da microbiologia denotava a própria expressão da revolução científica no campo da saúde, e como tal, representou um reducionismo do fenômeno, enfatizando seus aspectos verificáveis. A subjetividade dá lugar à objetividade na definição da doença, a abordagem qualitativa é subordinada às análises quantitativas. A fisiologia, a anatomia patológica, a imunologia e a farmacologia estruturam um novo pensamento médico científico. * Figura 1 – Modelo unicausal * Para o modelo positivista da ciência, a emergência do modelo unicausal conferia o estatuto de cientificidade que se julgava faltar às explicações sociais. A desqualificação destas, mediante o advento da bacteriologia, impediu que fossem estudadas as relações entre o adoecer humano e as determinações econômicas, sociais e políticas. A prática médica resultante desse modelo é predominantemente curativa e biologicista. * Modelo de multicausalidade O vigor das explicações unicausais começa a enfraquecer após a Segunda Guerra, quando os países industrializados começam a vivenciar uma ‘transição epidemiológica’ diminuição da importância das doenças infecto-parasitárias como causa de adoecimento e morte em detrimento do incremento das doenças crônico-degenerativas. A debilidade do modelo unicausal na explicação de doenças associadas a múltiplos fatores de risco favoreceu o desenvolvimento dos modelos multicausais. * Modelo da balança perfeito equilíbrio entre diversos fatores que estariam no ambiente interagindo com o hospedeiro e o agente. Muito simplificada. * Modelo da rede de causalidades Interação entre vários fatores que condicionavam a ocorrência de um agravo, e que, seria suficiente conhecer um desses elementos para se intervir sobre a doença, não sendo necessário se alterar os demais * Modelo ecológico/ história natural das doenças * Proposto por Leavell e Clark (1976), esse modelo considera a interação, o relacionamento e o condicionamento de três elementos fundamentais da chamada ‘tríade ecológica’: o ambiente o agente o hospedeiro. A doença seria resultante de um desequilíbrio nas auto-regulações existentes no sistema Possibilita a proposição de barreiras à evolução da doença mesmo antes de sua manifestação clínica (pré-patogênese). * Quadro 1 – Modelo da história natural da doença * Embora se reconheça a existência de aspectos sociais envolvidos no processo saúde-doença, estes são subalternizados em detrimento dos aspectos biológicos. O modelo multicausal avançou no conhecimento dos fatores condicionantes da saúde e da doença. A crítica que se faz a ele reside no fato de tratar todos os elementos da mesma forma, ou seja, naturalizar as relações entre o ambiente, o hospedeiro e o agente, esquecendo que o ser humano produz socialmente sua vida em um tempo histórico e que por isso, em certos períodos, podem ocorrer doenças diferentes com intensidades e manifestações também diferentes. * Modelo social estruturalista Poderia ser chamada de modelo da “história social da doença” Relação entre mortalidade e classe social Influência do modelo econômico de desenvolvimento da sociedade, ou seja, o modo de produção (capitalista/socialista) Exemplo: entre as décadas de 50 e 60 no Brasil, as principais doenças registradas entre trabalhadores eram as intoxicações e dermatoses profissionais. Hoje: mudanças nos processo de trabalho e organização econômica do país: lesões por esforços repetitivos (LER) e as perdas auditivas ocupacionais. * As diferentes visões sobre saúde – e sobre o que é estar sadio – não são apenas oriundas das necessidades físicas e mentais, mas agregam valores culturais que, em nossa sociedade contemporânea, são cada vez mais difundidos pelos meios de comunicação em massa. * Modelo do campo da saúde (modelo da determinação social) * * Permite análise interativa das responsabilidades das autoridades, pacientes e profissionais. O adoecimento e a vida saudável não dependem unicamente de aspectos físicos ou genéticos, mas são influenciados pelas relações sociais e econômicas que engedram formas de acesso à alimentação, à educação, ao trabalho, renda, lazer e ambiente adequado, entre outros aspectos fundamentais à saúde. * Referências ANDRADE, Selma Maffei. SOARES, Darli Antônio; JUNIOR, Luiz Cordoni. Bases da Saúde Coletiva. UEL: Londrina, 2001. BATISTELLA, Carlos. O território e processo saúde-doença. Rio de Janeiro: Fiocruz. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/pdtsp/index.php?id=1&prioridade=1 GIOVANELLA, Lígia (org). Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2009. * *
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