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Jacques Lacan e a Formalização do Conceito de Sujeito 2 Final

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Jacques Lacan e a formalização do conceito de Sujeito
	Esse ensaio tem como objetivo apresentar sucintamente a contribuição de Jacques Lacan para a teoria e prática psicanalíticas, bem como destacar algumas de suas inquietações sobre os avatares da Psicanálise especialmente após a morte de Sigmund Freud. Faremos um breve percurso sobre sua vida e obra e comentaremos algumas de suas formulações originais, com especial acento no conceito de Sujeito e sua especificidade em Psicanálise.
Alguns aspectos biográficos 
Lacan era parisiense, filho de uma família de posses. Nasceu em 1901. Estudou Medicina e especializou-se em Psiquiatria. Sua tese de doutorado� trata de um tipo específico de psicose que tem em sua origem, estrutura e estabilização a presença de uma pulsão de autopunição. Embora aqui tenhamos um Lacan dentro do escopo teórico da Psiquiatria, sua análise do que ficou conhecido o Caso Aimée, revela sua aproximação com a Psicanálise, não através da histeria como ocorreu com Freud e sim pela via da psicose. Nesse período conviveu com expoentes do movimento surrealista e dos filósofos franceses. 
Em 1934, depois de concluir sua análise com R. Loewenstein tornou-se membro da Sociedade de Psicanálise de Paris (SPP), destacando-se rapidamente por sua capacidade de produzir escritos de grande importância para o desenvolvimento da psicanálise�.
Passada a segunda guerra, a partir de 1952 inicia um percurso que se estenderá ao longo de muitos anos (1953 – 1981), durante os quais proferirá os Seminários (num total de 27), onde irá lançar as linhas mestras de seu ensino, bem como produzirá uma série de comunicações e escritos que promoverá o movimento que ficou conhecido como retorno a Freud, o que trataremos a seguir.
2. O retorno a Freud 
A obra freudiana não foi elaborada de forma linear nem é isenta de reformulações, muitas delas efetuadas pelo próprio Freud. Tampouco deixou de sofrer críticas e interpretações no seio das sociedades psicanalíticas. Freud foi um decidido defensor das bases de sua teoria, não deixando de romper laços de amizade e de colaboração profissional com aqueles discípulos que se desviaram dos fundamentos teóricos e práticos da psicanálise�. Essas diferentes interpretações dos pressupostos freudianos proliferaram após a morte de Freud em 1939 e acabaram por influenciar os futuros analistas formados nas associações ligadas à IPA�, os quais passaram a exercer a psicanálise e a produzir um saber teórico sobre a mesma com muitas variações em ambas as frentes. 
Lacan irá se insurgir contra esses desvios, tanto teóricos quanto relativos à condução do tratamento, perpetrados pelos analistas dessa época e que perdura até os dias de hoje�. Tal posição, antes de ser expressão de uma ortodoxia e um radicalismo avesso às mudanças, o que, aliás, é também creditado ao próprio Freud, revela um profundo rigor quanto aos conceitos basilares da teoria psicanalítica e uma preocupação em mantê-los, precisá-los e transmiti-los, preservando assim a via descoberta por Freud.
Nessa empreitada, Lacan irá produzir uma obra que não é apenas uma leitura do texto freudiano, mas antes uma tentativa de fornecer à Psicanálise uma base mais precisa em sua transmissão, tanto àquela que se faz no processo de análise, quanto àquela que se presta à transmissão em extensão. Utiliza outras referências científicas, tais como a Lingüística e a Topologia para precisar os conceitos freudianos e torná-los menos suscetíveis de interpretações desviantes. Mais adiante destacaremos alguns dos conceitos trabalhados por Lacan. 
Vale ressaltar que esse rigor rendeu a Lacan muitos dissabores. Divergências ocorridas no seio da SPP fizeram com que Lacan e mais um grupo de analistas que comungava de suas idéias rompessem com a Sociedade e criassem outra instituição voltada à formação de analistas: a Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP) em 1953, ano em que inicia seus Seminários com a proposta de retorno a Freud.
Como a nova instituição não era filiada à IPA, com o passar do tempo, vários de seus membros começaram a tentar uma reaproximação com a associação. Esta impôs como condição para o reconhecimento da SFP a exclusão de Lacan como analista didata. Sua excomunhão, como ele se refere a esse episódio, longe de significar a interrupção de seu ensino, fez com que houvesse uma diversificação de pessoas interessadas em seus seminários, proferidos na Escola Prática de Estudos Superiores de Paris. Assim, não só analistas, mas também filósofos, matemáticos, antropólogos, etc, passaram a integrar o auditório, asseverando o que o próprio Freud já havia antes defendido, qual seja, a não exclusividade de médicos que pudessem se candidatar ao estudo e depois à prática da Psicanálise�. 
Em 1964, Lacan irá fundar outra instituição, Escola Freudiana de Paris (EFP), com o propósito de levar adiante seu empenho em questionar continuamente a prática psicanalítica, como forma de preservar o fio condutor da descoberta freudiana. Também essa instituição não ficou livre de divergências e disputas internas, o que fez com que Lacan, quase no fim da vida dissolver essa instituição e fundar imediatamente outra, a Escola da Causa Freudiana, em 1980, em que a formalização do passe como um dispositivo para a transmissão da Psicanálise foi ratificada. 
Sua morte em 1981, não pôs fim aos impasses inerentes a uma instituição. Atualmente existem várias delas pelo mundo, às vezes com posições bastante discordantes, embora se digam fiéis à doutrina lacaniana, mas todas empenhadas em fazer avançar a Psicanálise�.
3. Alguns conceitos fundamentais da obra lacaniana 
Resumir em poucas páginas o pensamento de Lacan e seus vários desdobramentos teóricos e práticos é um desafio bem como traz consigo uma preocupação de não banalizá-los, tirando-lhes a força e o rigor necessários. Propomo-nos, nessa seção, a destacar alguns conceitos-chave para uma introdução ao ensino de Lacan, com o intuito de instigar o leitor a se aprofundar nas leituras e a percorrer seu próprio caminho dentro da obra lacaniana, sendo imprescindível, contudo, familiarizar-se com a obra de Freud, visto serem constantes as referências de Lacan a ela. 
3.1 O conceito de Sujeito� 
O termo sujeito é empregado por uma gama enorme de disciplinas científicas, dentre as quais a Sociologia, a Psicologia, a Antropologia. Nestas sujeito e subjetividade têm alcance e características específicas, algumas delas incorporadas ao vocabulário cotidiano. 
Contudo em Psicanálise, o sujeito de que se trata é radicalmente diferente de qualquer definição que o assemelhe a pessoa, indivíduo ou ser da razão, para ficarmos nas formulações mais clássicas. Cabe ressaltar que esse termo não é comumente empregado por Freud em sua obra. Quem lhe dá seu estatuto e sua especificidade é Lacan, tomando por base a obra freudiana, donde se decanta a questão do sujeito como tema central, razão que justifica sua introdução e precisão perpetradas por Lacan.
O sujeito em Psicanálise refere-se ao sujeito do inconsciente. Inconsciente definido por Freud como sendo essencialmente recalcado�, formado por pensamentos – Gedanken – na terminologia freudiana e que denotam um anseio, um voto, vale dizer, um desejo. Existe no psiquismo um conjunto de pensamentos que funciona à revelia do eu consciente e que exprime um desejo que é desconhecido pela consciência. Esses pensamentos que possuem uma dinâmica própria de funcionamento – são atemporais, não guardam contradição entre si, possuem realidade psíquica, obedecem ao princípio do prazer� - expressam-se através das chamadas formações do inconsciente: sonhos, chistes, atos falhos e sintomas. 
Quando dizemos que essas formações são expressões do inconsciente, damos ênfase ao fato de que o estatuto do inconsciente é simbólico, ou seja, estruturado por representações – traços mnêmicos, diria Freud, significantes, dirá Lacan. Percorrendo a obra freudiana, especialmente aqueles textos dedicados a detalhar o conceito de inconsciente�,com o aporte da Lingüística�, Lacan irá salientar que a estrutura do inconsciente é essencialmente uma estrutura de linguagem, ou seja, seu modo de associação de significantes tem uma estrutura idêntica à estrutura da linguagem. 
Tomando ainda os modos de expressão do inconsciente destacados por Freud e seus elementos principais de formação – a condensação e o deslocamento - �, Lacan irá demonstrar que os mesmos correspondem aos conceitos de Metáfora e Metonímia, respectivamente, sendo que as formações do inconsciente transmitem uma mensagem, enigmática, mas passível de interpretação. Esta é, aliás, a grande descoberta freudiana – o material de que são compostos os chistes, os atos falhos, os sonhos e os sintomas – possuem um sentido, refere-se a uma parte da história de estruturação do psiquismo que é recalcada e, portanto, desconhecida, pela pessoa, mas que, no entanto revela uma verdade subjetiva, singular, peculiar e de fundamental importância para a cura de diversos estados de sofrimento que acometem a pessoa – inibições, sintoma e angústia – cura que é empreendida em um processo de análise. 
Quando se fala da verdade subjetiva recalcada está-se referindo a uma dimensão dessa verdade relativa à falta fundamental constitutiva do ser humano. Esta, por sua vez se desdobra em duas vertentes: a vertente relativa à falta real, visto que o ser humano é sexuado e, portanto, mortal, incompleto e outra vertente que diz respeito à falta de representações psíquicas, de vez que o ser humano, embora seja um ser de linguagem, não nasce com ela, precisa se apropriar dela (Lacan designa esse lugar da linguagem como o campo do Outro, com maiúscula, diferenciando-o do outro semelhante).
Com efeito, essa incompletude estrutural do humano é correlativa ao aparecimento do desejo, enquanto aquilo que o impulsiona a buscar algo que possa fechar essa fenda, operação sem dúvida impossível, mas, no entanto, amplamente buscada. 
Podemos então definir o sujeito em Psicanálise a partir dessa clivagem estrutural, o que faz Lacan denotá-lo pelo símbolo $, que significa um sujeito barrado, dividido com relação a seu desejo e a sua satisfação, uma subversão às outras conceitualizações de sujeito em outros saberes. Mais adiante abordaremos a questão do emprego por Lacan de símbolos, alguns deles oriundos da Matemática e da Topologia para precisar os conceitos psicanalíticos.
Por hora cabe salientar que ao erigir o conceito de sujeito Lacan busca resgatar o cerne da descoberta freudiana – o inconsciente – como o eixo em torno do qual deve girar toda a experiência analítica, sobrepondo-se a interpretações outras que acabaram por privilegiar o ego como norte do processo analítico, bem como reafirmar a força da interpretação desde o ponto de vista do estatuto simbólico e não da vertente imaginária do psiquismo�. Wo Es war, soll Ich verden�, Onde Isso (Id) era, devo como sujeito advir, qual seja uma análise é feita para subjetivar o Isso, é o legado freudiano, o qual foi deixado de lado ou mal interpretado pelos pós-freudianos. A frase foi traduzida por Onde estava o Id, ali estará o Ego, que eleva o ego à condição de autonomia em relação às demais instâncias psíquicas. 
Para Freud reforçar o eu (ego) significava torná-lo mais independente das injunções do supereu (superego), e do material alheio ao eu, que forma o isso (id). Assim, ao ser capaz de articular as intenções do isso, o eu realiza um dever, o de trabalhar para pode advir como sujeito, ou seja, poder colocar em palavras esse não sabido que forma, no entanto, o que há de mais íntimo e mais desconhecido em nós e que se manifesta, no mais das vezes, sob forma de sofrimento. O sujeito é então produzido no processo de análise, não está pronto a priori. É o resgate desse dever ético concernente à descoberta freudiana que Lacan irá empreender. 
3.2 Os matemas lacanianos
A obra de Lacan apresenta uma espécie de álgebra própria, uma série de notações matemáticas, com elementos da Topologia, que tornam o texto lacaniano um tanto árido à primeira vista. A construção que ficou conhecida como os matemas lacanianos, não tem essa intenção de causar dificuldades ao leitor, muito pelo contrário, foi uma tentativa de Lacan de inserir a Psicanálise dentro de um discurso menos ambíguo e por isso mesmo, sujeito a múltiplas interpretações, buscando formalizá-la a partir de pontos de referência seguros e capazes de serem transmitidos, como é, por exemplo, o discurso matemático. 
Destacar e explicar minimamente cada um dos matemas forjados por Lacan foge aos princípios norteadores desse ensaio�. Apenas como ilustração, apresentaremos nesse espaço ao desenvolvimento que Lacan apresenta ao tomar a teoria do discurso como laço social, elaborado a partir do conceito de significante que ele forjou – o significante (S1) representa o sujeito ($) para outro significante (S2), operação que produz um resto (o objeto a). Este resto se refere à satisfação pulsional que Lacan denomina como gozo. Assim os discursos também fazem parte do campo do gozo.
Os discursos também nos permitem apreender a impossibilidade estrutural do ser humano de fazer um laço que não implique em perda. É impossível ao humano fazer Um, ser completo, sem faltas. 
O S1 é o significante mestre, o S2 é o lugar do saber, o $ designa o sujeito barrado e o objeto a, a causa do desejo, a falta. A estrutura do discurso é caracterizada por quatro lugares invariantes: o Agente, o Outro, a produção e a Verdade. Respeitando esses lugares e movendo as letras com um quarto de giro teremos a possibilidade de escrever quatro discursos, a saber: o discurso do mestre, o discurso da histérica, o discurso do analista e o discurso universitário, conforme os esquemas abaixo:
 Estrutura do Discurso 
Campo do sujeito Campo do Outro 
 Agente Outro 
 Verdade Produção
Discurso do Mestre Discurso da Histérica
 S1 S2 $ S1 
 $ a a S2 
Discurso do Analista Discurso Universitário 
 
 a $ S2 a 
S2 S1 S1 $ 
 
A barra que separa os elementos representa o recalcamento, de vez então que os elementos superiores são conscientes e os inferiores, inconscientes. O discurso do Mestre é o discurso do inconsciente, na medida em que aí o sujeito está representado pelos significantes, é o discurso referente ao governar. O discurso da Histérica faz o laço entre o histérico e o mestre e coloca em questão a questão do se fazer desejar. O discurso do Analista coloca o objeto a como agente, ou seja, o desejo como causa do sujeito. E o discurso Universitário coloca como agente o saber, tendo um viés educativo. Nota-se que tanto no discurso do Mestre quanto no discurso universitário, o sujeito do inconsciente fica recalcado, não podendo então ser colocado em questão. Já no discurso Histérico o sujeito faz questão ao mestre, mas a falta, que o determina permanece não sabida (não por acaso a Psicanálise começa com a escuta das histéricas, visto que aqui o sujeito aparece no discurso). Quanto ao discurso do analista vemos que o sujeito pode vir, a saber, daquilo que o causa, isto é do desejo, definido como falta e é esse o papel do analista durante o processo de análise�. 
Como já ressaltamos anteriormente, Lacan se utiliza de elementos algébricos para tentar formalizar a transmissão da psicanálise em termos menos abstratos. Talvez possamos creditar nossa dificuldade de entendimento de muitos de seus escritos a falhas em nossa aprendizagem das ciências exatas. Outra dificuldade ocorre também devido ao fato de que o estilo freudiano de apresentação é distinto do de Lacan. Costuma-se dizer que Freud pegana mão do leitor e o conduz, passo a passo em direção àquilo que ele deseja apresentar, o que não acontece com Lacan, que exige que seu leitor empreenda um esforço para acompanhar seu pensamento. 
 A propósito Lacan também produziu alguns aforismos de difícil compreensão à primeira vista e trataremos de um deles a seguir, pois está correlacionando com o que acabamos de destacar com relação aos discursos: a impossibilidade estrutural. 
3.3 Não há Relação Sexual
Essa afirmativa de Lacan pode causar, num primeiro momento, um espanto naquele leitor não familiarizado com a Psicanálise, especialmente com o estilo lacaniano. E, no entanto, ele formula essa sentença a partir de uma rigorosa leitura do texto freudiano. 
Evidentemente, não quer evocar com essa sentença a não existência do ato sexual. Se quisesse exprimir isso, poder-se-ia dizer que se trataria de uma afirmação extremamente despropositada, visto que o gênero humano pratica incessantemente atividades sexuais, sem a necessidade primordial de garantir o futuro da espécie. O que Lacan quer dizer é que para o humano, à diferença dos outros animais, a sexualidade não é um dado natural, necessita ser construída. Com efeito, nenhum ser humano nasce sabendo o que significa ser homem ou ser mulher. Tal necessidade está ausente no animal, que conta com seu aparato próprio – leia-se instintos – para desempenhar todas os comportamentos característicos da espécie. Assim, no exercício da sexualidade no animal, a cada gesto do macho, há um gesto correspondente na fêmea. Portanto, no reino animal existe uma relação de proporção estrutural entre os gêneros, existe uma relação sexual. 
Com o humano as coisas são diferentes. A sexualidade humana é construída a partir de uma complexa de dependência, fixações e identificações, não deixando de destacar que os primeiros objetos de amor de toda criança são aqueles que executam as funções de pai e mãe. Tal complexidade não permite a possibilidade de haver uma separação estrutural entre homem e mulher. Basta pensarmos na escolha de objeto realizada por um dos pares, para ver a diversidade de objetos colocados em jogo na sexualidade humana.
Assim, um homem pode escolher uma mulher como seu objeto de amor, mas essa escolha não se limita a tal objeto. Ele também pode escolher uma criança, outro homem, um pé, um carro, etc. Da mesma forma, uma mulher pode escolher um homem, uma mulher, uma criança, um sorriso, etc. As escolhas sexuais dependem de uma complexidade de fatores que operam na estruturação de cada sujeito�, sendo então impossível determinar uma relação de proporção ou ponto-a-ponto entre os sexos. Lacan irá formular várias outras sentenças, tão intrigantes e provocativas quanto a que destacamos neste ensaio. Por uma questão de apresentação não iremos abordar outras. Passaremos agora a destacar uma questão relativa à prática psicanalítica, a partir de algumas formulações lacanianas.
3.4 A Função do Analista 
A questão fundamental que deve balizar o trabalho de todo aquele que esteja exercendo a Psicanálise deve ser: O que se faz quando se faz análise? Pode parecer a princípio uma questão ingênua, tal como a assertiva lacaniana de que a análise é aquilo que se espera de um analista. 
No entanto, quando se toma a sério tal questionamento constata-se que o mesmo está no cerne da prática analítica. Freud não mediu esforços para precisar qual deve ser a posição do analista e em que consiste o trabalho de análise, à diferença de outras práticas terapêuticas�. 
Outro aspecto de suma importância a destacar é que toda obra freudiana foi erigida a partir de sua prática clínica, sendo, portanto, indissociável dela. Este é um lembrete oportuno uma vez que Lacan tem a mesma posição e seu retorno a Freud tem o mérito de reafirmar isso, ao mesmo tempo em que denuncia que as novas práticas psicanalíticas foram possíveis justamente porque houve desvios importantes dos conceitos freudianos. 
Quando se toma, por exemplo, a teoria psicanalítica que embasa a prática clínica oriunda da escola americana, vemos que todo o encaminhamento do processo terapêutico se dá em torno da relação dual, recíproca entre analista e paciente�, com o fito de propiciar, ao fim do processo uma identificação do paciente com o ego do analista, tomado aqui como a encarnação de um ideal a ser atingido. Esta direção de tratamento está diretamente associada com uma determinada leitura da obra freudiana, especialmente aquela referente à chamada 2ª Tópica�, que consiste em fortalecer o ego, fazendo-o um regulador e dominador das pulsões. 
Esta visão não é coerente com as formulações freudianas. Nelas o ego tem de atender, da melhor maneira possível as exigências do superego, do id e do mundo externo e, quanto mais esforços despende nessa empreitada, mais fraco e incapaz de realizar suas funções (motilidade, alimentação, trabalho, sexualidade)� ele fica. Para Freud fortalecer o ego é não fazê-lo empreender uma luta tão renhida para manter o inconsciente recalcado, e sim suspender o recalque para que o ego possa subjetivar partes do Id referentes à satisfação pulsional, segundo a fórmula por nós já indicada neste ensaio�.
A função do analista deve ser a de fazer com que um sujeito seja produzido ao final do processo, dirigindo o tratamento nessa perspectiva, advertido que está das tentações que sua posição na transferência lhe aufere. Lacan destaca as paixões do ser�, posições narcísicas, muitas vezes desconhecidas pelo próprio analista, do desejo de curar o furor sarandi com que Freud adverte a Ferenczi�, como impedimentos importantes ao desempenho de sua função. O antídoto para evitar tal situação deve ser a constante interrogação do analista sobre sua prática, que, se não levada a efeito, pode resultar em uma inversão de papéis, em que paciente e analista podem estar em posições trocadas. 
3.5 Para concluir 
Ao tentar traçar um panorama sobre as importantes contribuições de Lacan para o desenvolvimento da Psicanálise, ficamos com a sensação de que muito mais haveria para ser abordado neste ensaio. Existiriam muitos outros aspectos que gostaríamos de destacar e comentar, mas tal empreendimento não seria possível neste momento. 
Esperamos ter apresentado um breve esboço da obra lacaniana e temos a esperança de que este pequeno texto provoque no leitor a curiosidade com relação aos desenvolvimentos perpetrados por Lacan durante toda a sua vida profissional. É bem verdade que seu estilo de comunicação nem sempre é de fácil apreensão, como já destacamos. 
Mas convidamos o leitor a adentrar as vias dos escritos lacanianos realizando com seu esforço, um percurso próprio que possa conduzi-lo a uma elaboração singular da teoria e prática lacaniana. 
Bibliografia
COTTET, S. Freud e o desejo do Psicanalista. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.
FREUD, S. A Interpretação dos Sonhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (ESB). Vol. IV e V. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
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_________. Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente. In: ESB. Vol. VIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
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________. A Questão da Análise Leiga. In: ESB. Vol. XX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
________. A Dissecção da Personalidade Psíquica. In: ESB. Vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
________. A Técnica da Psicanálise. In: ESB. Vol. XXIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
________. Análise Terminável e Interminável. In: ESB. Vol.XXIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
GODINO-CABAS, A. O Sujeito da Psicanálise de Freud a Lacan – da questãodo sujeito ao sujeito da questão. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
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________. O Avesso da Psicanálise - O Seminário, livro, 17. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
________. A Relação de Objeto – O Seminário, livro, 4. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.
________. O Estádio do Espelho como formador do Eu. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
________. A Psicanálise e seu Ensino. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
________. Situação da Psicanálise em 1956. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
________. Variantes do Tratamento-padrão. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
________. A Direção do Tratamento e os Princípios de seu Poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
OSCAR. C. & SOUZA LEITE, M. P. Jacques Lacan – uma biografia intelectual. São Paulo: Iluminuras, 1993.
QUINET, A. A Descoberta do Inconsciente – do desejo ao sintoma. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. 
SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 1995.
ROUDINESCO, E. Jacques Lacan. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. 							
													
 
 
 
 
 
 
 quela que se presta proxessouma tenativa deud.��������������������������������������������������������������������������������� 
 
	
� Lacan, Jacques. Da Psicose Paranóica em suas relações com a personalidade. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987. 
� Em 1936 apresentou no congresso da Associação Internacional de Psicanálise (IPA), o texto Estádio do Espelho o qual em 1949, em sua versão fina O Estádio do espelho como formador da função do eu, conterá importantes contribuições teóricas para o estudo do Eu (ego). 
� A título de exemplo, pode-se verificar as observações de Freud sobre as teorias desenvolvidas por A. Adler e G. Jung, no texto História do Movimento Psicanalítico. In: Freud, S. Obras Completas (ESB), vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
� Principalmente a Escola Americana, sob influência de Anna Freud e Hartmman com a chamada Psicologia do Ego e a Escola Inglesa, que aderiu às teorias de Melanie Klein e Winnicott, com privilégio do registro do Imaginário e na relação mãe-bebê, respectivamente. 
� A esse respeito ver, por exemplo, as comunicações de Lacan A Psicanálise e seu ensino, Variantes do tratamento-padrão e Situação da Psicanálise e formação do Psicanalista em 1956, In: Lacan, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. 
�Freud, S. A Questão da Análise Leiga. In: ESB, vol. XX. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
� Para uma melhor compreensão da vida e obra de Jacques Lacan, o leitor pode consultar o livro Jacques Lacan – uma Biografia Intelectual, de Oscar Cesarotto e Márcio Peter de Souza Leite. São Paulo: Iluminuras, 1993. Outra referência mais completa sobre a vida de Jacques Lacan pode ser encontrada no livro Jacques Lacan de Elizabeth Roudinesco. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. 
� Um estudo bastante aprofundado do conceito de sujeito pode ser encontrado no livro O Sujeito da Psicanálise de Freud a Lacan – da questão do sujeito ao sujeito em questão de Antônio Godino Cabas. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. 
� Na edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud o termo Verdrangung, foi traduzido por Repressão. Todavia, tal tradução se presta a confusão com aspectos referentes à educação. O termo Recalcamento é o que melhor descreve o mecanismo de formação do psiquismo, razão pela qual o empregamos. 
� Freud, S. Artigos de Metapsicologia – O Inconsciente. In: ESB, vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
� A saber: Freud, S. A Interpretação dos Sonhos (vols. IV e V), A Psicopatologia da Vida Cotidiana (vol. VI) e Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente (vol. VIII), In: ESB, Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
� Saussure, F. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 1995.
� Freud, S. A Interpretação dos Sonhos, op. cit.
� Lacan irá postular a divisão do psiquismo a partir dos registros Real, Simbólico e Imaginário, que estão entrelaçados entre si, sendo que o Real refere-se ao real pulsional, o simbólico, com as representações psíquicas e o imaginário com as identificações. 
� Freud, S. A Dissecção da Personalidade Psíquica – conf. XXXI. In: ESB, vol. XXII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
� Para uma introdução aos matemas lacanianos indicamos ao leitor o livro de Antônio Quinet, A Descoberta do Inconsciente – do desejo ao sintoma. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. 
� Para uma melhor compreensão acerca dos discursos formalizados por Lacan, consultar o livro O Avesso da Psicanálise. Lacan, J. O Seminário, livro 17. Rio de Janeiro: Zahar, 1992. 
� A esse respeito ver, por exemplo: Lacan, J. A Relação de Objeto. O Seminário, livro 4. Rio de Janeiro: Zahar, 1995. 
� Ver, por exemplo: Freud, S. Artigos sobre Técnica, In: ESB, vol. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996 e Análise Terminável e Interminável, In: ESB, vol. XXIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
� A esse respeito ver Cottet, S. Freud e o Desejo do Psicanalista. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.
� Desenvolvida a partir da formulação freudiana no texto O Ego e o Id. In: ESB, vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
� Freud S. Inibição, Sintoma e Ansiedade. In: ESB, vol. XX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
� Freud, S. A Técnica da Psicanálise. In: ESB, vol. XXIII. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.
� Lacan, J. A Direção do Tratamento e os Princípios de seu Poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. 
� Freud, S. Análise Terminável e Interminável. op. cit.

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