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Residência Médica e Cursinhos Preparatórios

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Mudanças na educação médica 
Reflexões sobre residência médica no Brasil
Evanildo Júnior, Jefferson Medeiros e Maria Zilda
Resumo
Principais movimentos e tendências da Educação Médica no Brasil nos últimos trinta anos;
Processo de construção social da Residência Médica e seu potencial de articulação com as propostas de mudança na área;
Conjuntura atual de crise estrutural da saúde e as transformações que ela impõe à profissão médica;
Últimos trinta anos de história dos movimentos de mudança na educação médica no país
Caracterização da Residência Médica no Brasil.
Problemas conceituais das propostas de mudança na Educação Médica (1960 – 1980)
Dificuldade em traduzir para o campo da educação médica as insuficiências e dificuldades da prática médica e da organização dos serviços de saúde:
Como traduzir em novos conteúdos de ensino aprendizagem, em novas maneiras de pensar e organizar os currículos a possibilidade de organizar serviços de saúde mais acessíveis e eficientes, mais humanos e democráticos?
Não distinção entre a importância da formação geral de um médico na graduação e a formação do médico geral, generalista etc.
Debate sobre qual deveria ser o papel social do médico;
Necessidade de criação de uma massa crítica para atuar nos dois terrenos: o da educação e o da prática;
Problemas conceituais das propostas de mudança na Educação Médica (1960 – 1980)
Insuficiência da abordagem dos problemas propriamente pedagógicos da educação médica;
Possibilidade de produzir mudanças na escola médica a partir de um ou alguns departamentos isolados;
Tentativa de incorporar ao trabalho médico a formação para a saúde;
Insuficiência de integração docente-assistencial na valoração da necessidade das relações entre profissionais de saúde e das relações entre médicos e pacientes;
Reduzida capacidade de influência sobre o ensino médico que a introdução de disciplinas como a Sociologia, as chamadas ciências do comportamento e outras demonstrou ter.
O médico deve ter em sua formação elementos indispensáveis para que compreenda a complexidade de certos problemas e seja capaz de reconhecer a necessidade de trabalhar em equipe, mas não deixará de ser médico, nem se transformará em um super-profissional.
A potencialidade dos projetos atuais de mudança na educação médica
Final dos anos 1980:
Aumento das iniciativas de propor mudanças na educação médica;
A capitalização do setor saúde contribuiu para a intensificação desse processo.
Mais importante que retocar, atualmente, “imagens-objetivo” da Reforma Sanitária Brasileira, é iniciar processos, constituir sujeitos sociais que possam dar conta dos novos desafios impostos pela realidade. E a formação de recursos humanos e a educação médica em particular não podem ser negligenciados enquanto espaços de constituição desses sujeitos, ainda que não exclusivos (Paim, 1995).
Mas a solução para a crise da saúde ocorrerá por dois campos: educação e prática.
A potencialidade dos projetos atuais de mudança na educação médica
O processo de construção social da saúde, deverá basear-se:
Ação intersetorial;
Autonomia das populações em relação à saúde;
Reorientando as relações entre profissionais de saúde e comunidade.
A articulação com os serviços de saúde é essencial e a percepção de problemas e a construção de soluções se daria simultaneamente;
As estratégias apontam a necessidade de a comunidade/pacientes participarem desse processo como atores essenciais.
O papel da residência na formação médica
Atualmente 70% dos médicos que se formam têm a oportunidade de freqüentar um programa de Residência. (1998)
O papel da Residência Médica na formação dos médicos no Brasil:
Complementar o processo de graduação;
Possibilidade de melhor inserção no mercado de trabalho;
Importância histórica: Somente a experiência adquirida na prática pode completar a formação (científica) do médico: é pela experiência clínica que o profissional se apropria dos doentes (e não mais apenas das doenças).
Presentes várias dimensões de subjetividade: sintomas, reação ao sofrimento e à dor, situação de vida...
O papel da residência na formação médica
O treinamento prático dos estudantes de medicina inicia-se, na realidade, no internato;
Não tem sido suficiente para garantir a terminalidade do curso médico.
Possíveis motivos:
Processos de especialização e de incorporação tecnológica;
Fragmentação do conhecimento que prolonga/retarda seu processo de integração;
O raciocínio fisiopatológico, hoje, envolve a utilização de conhecimentos complexos, cuja articulação não é simples, nem automática.
Multiplicação de procedimentos;
Comprometer a possibilidade real de adestramento prático do estudante;
Multiplicaram-se os procedimentos mínimos indispensáveis (reduziram-se as oportunidades de experimentá-los e executá-los da maneira e na intensidade adequadas);
Residência: uma das alternativas para viabilizar a incorporação de conhecimentos tão específicos.
A institucionalização da residência médica
A Residência Médica no Brasil tem tido seus rumos definidos pelas instituições que mantêm os programas, pelo mercado de trabalho, em uma relação mediatizada pelos interesses da corporação médica: médicos residentes, sociedades de especialistas e outras entidades;
Criação da Comissão Nacional de Residência Médica – CNRM;
Requisitos e condições mínimas para o processo pedagógico e de trabalho;
Residente como trabalhador (mas autônomo, sem reconhecimento do vínculo empregatício com a instituição que mantém o programa);
Piso salarial (bolsa de estudos);
O certificado conferido pelos programas de Residência Médica foi elevado à categoria de título de especialista, reconhecido pelo MEC, sem deixar de reconhecer como válidos os títulos aprovados pelas Sociedades de Especialistas.
A institucionalização da residência médica
Importância para a categoria médica:
A intensa procura da Residência pelos médicos recém-formados;
A oferta (sempre crescente) de vagas e programas;
A preservação do piso salarial nacional dos residentes;
O perfil do profissional formado pelos programas de Residência Médica é definido pelas características de cada uma das instituições formadoras; e pelas tendências do mercado que interferem diretamente na demanda dos futuros residentes.
Qual a natureza da Residência Médica?
Visa o processo educacional?
Visa o processo de trabalho?
Duas correntes de caracterização da Residência
“Pedagógica”.
“Trabalhista”.
Elementos em comum: 
“caráter prescritivo na abordagem da Residência”;
“a resistência em aceitar a institucionalização da Residência no interior das Políticas de Saúde”. 
Caracterização incompleta
Nenhuma das duas abordagens caracterizam com precisão a Residência.
“A verdadeira característica, assumida pela Residência, será dada pela interação dessas duas dimensões em situações institucionais concretas.”
Questionamentos
Complexidade da natureza da Residência Médica.
O que seria compreender a Residência em sua dupla dimensão?
Algumas conclusões
“Reconhecimento e valorização do papel do trabalho como instrumento fundamental do aprendizado na Residência Médica.”
A Residência Médica estaria no ponto de conexão entre as políticas de educação médica e as políticas de saúde.
Ausência de propostas de mudança na Residência Médica
“Nenhuma das propostas de mudança na educação médica presentes no cenário nacional propõe qualquer intervenção no processo de formação na Residência.”
Por que isso acontece?
Terminalidade do curso de graduação
Inicialmente, havia poucos médicos e poucas escolas médicas nos países em desenvolvimento.
Mesmo depois da multiplicação das escolas médicas o modelo de atenção se mantinha excludente.
“O processo de especialização profissional seria uma alternativa incorreta para nosso sistema de saúde.”
Sob essa óptica, investimentos na formação em nível de Residência Médica seriam considerados irracionais, não prioritários.
Dificuldades de relacionamento com a categoria médica
Propostas
que atingem somente uma parcela pequena dos recém-formados e mesmo assim intentam promover mudanças estruturais na saúde.
Por trás dessas propostas restritivas poderia estar “a dificuldade de relacionamento com a categoria médica tanto nos processos de mudanças na educação como na implantação de reformas no sistema de saúde”.
Diferentes interesses dos vários grupos da categoria médica.
Subestimação do fator humano na produção de mudanças na saúde
Fenômeno presente tanto em nível das propostas de mudança na educação médica como das políticas de saúde.
“Os homens, atores reais do processo, estavam esmagados sob o peso de muitas determinações estruturais: o complexo médico-industrial, o aparelho estatal, a instituição médica, o peso determinante do estado e da infra-estrutura econômica na conformação das políticas sociais, a estruturação do saber clínico.”
Subestimação/negação da importância da prática clínica.
“Por todas essas razões, a Residência Médica, como palco privilegiado do treinamento clínico, não poderia mesmo ter sido alvo da preocupação e da elaboração dessas correntes em nível das políticas educacionais ou da formação de recursos humanos para a saúde.”
Alguns problemas atuais em Residência Médica
Congestionamento dos serviços de apoio diagnóstico: “Internação para investigação”.
Falta de apoio para os preceptores em seu processo de atualização e de capacitação pedagógica.
Os hospitais nos quais ocorrem os programas de Residência não se integraram de fato ao sistema de saúde:
Definição interna das prioridades de ação sem levar em consideração aspectos externos como a situação epidemiológica e as prioridades definidas pelas autoridades regionais de saúde. 
Ausência de relações sistemáticas entre esses hospitais e as demais unidades de saúde.
Alguns problemas atuais em Residência Médica
“São as necessidades das instituições que mantêm os programas e os interesses da corporação médica os principais elementos definidores de suas características.”
Não há integração dos residentes com outros elementos das equipes de saúde. As principais atividades desenvolvidas ao nível da rede de serviços são praticamente desconhecidas pelos residentes:
Vigilância epidemiológica;
Territorialização;
Planejamento local;
Trabalho com grupos;
Programas de promoção e prevenção.
Desafios e propostas
Encarar a Residência Médica como parte do processo de formação dos médicos.
Transformar as relações:
Médicos – Demais profissionais da saúde;
Profissionais da saúde – População;
População – Sua própria saúde.
Redefinir o papel da clínica de todos os profissionais de saúde no processo de entendimento do paciente como um todo.
“Como momento privilegiado do treinamento clínico dos médicos e em função de sua interface com a prestação de serviços de saúde, a Residência Médica pode cumprir um papel importante nessa redefinição.”
Desafios e propostas
As propostas de mudança na graduação continuam sendo fundamentais.
A ausência de propostas na formação médica na Residência pode enfraquecer bastante os efeitos que as mudanças na graduação são capazes de produzir.
Deve haver, portanto, um processo de transformação conjunta, que abranja tanto a graduação quanto a Residência.
“É preciso que todos os atores sejam considerados (o que não significa que todos os interesses possam ser conciliados) e que os problemas relacionados com a profissão médica sejam examinados em toda a sua complexidade, incluindo seu processo global de formação. Não se pode deixar esse terreno de ação somente para os setores interessados em rever o paradigma da saúde nos marcos da viabilização da acumulação capitalista no setor. É preciso romper os limites históricos e criar áreas de interação e possibilidades de diálogo com a categoria médica.”
Ensino Superior no Brasil
Reforma Universitária de 1968: avanço e massificação do ensino superior no país pelo setor privado;
O ensino médico não ficou fora desse processo e sofreu um aumento expressivo do número de escolas médicas privadas, especialmente a partir de 1990;
Crescimento que não é acompanhado proporcionalmente pelo aumento no número de vagas de residência médica, direcionado a um aumento na concorrência por vagas.
Escolas Médicas no Brasil
País com mais Escolas de Medicina no mundo: ultrapassando a Índia e com o panorama dos Estados Unidos há 100 anos;
Relatório Flexner: "As escolas médicas eram essencialmente iniciativas privadas cujo espírito e objetivo eram gerar dinheiro… Um homem que pagasse suas mensalidades, assim, praticamente tinha seu título assegurado, assistisse ele ou não às aulas.”.
Em 1960, eram 26 escolas médicas, que formavam, em média, 1.200 profissionais;
Em 1973, eram 73 escolas formando 3 mil médicos.
Hoje são 257 escolas médicas formando 23 mil estudantes;
Lei dos Mais Médicos: diante do quadro de milhares de municípios sem médicos, reduzida proporção médico/habitantes e maus indicadores de saúde, até o final de 2018 serão 27 mil médicos formados por ano.
Cursos de Medicina existentes no Brasil 
Fonte: Ministério da Educação
Distribuição dos cursos de Medicina entre públicos e privados por período de criação
Fonte: Ministério da Educação
Vagas existentes, alunos ingressantes e concluintes em cursos de medicina no Brasil
Fonte: Ministério da Educação
Residência Médica – O que é?
Em 1848, nos Estados Unidos, iniciou-se uma discussão sobre um sistema de instrução de médicos baseado na utilização da rede hospitalar para o ensino. 
Residência Médica: alusão ao fato de os médicos terem de morar nas instituições para estarem à disposição do serviço de tempo integral. 
No Brasil, os primeiros programas de RM surgiram na década de 1940, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. 
Em 1977, o Decreto 80.281 criou a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM).
Residência Médica – Para que serve?
Complementar a formação do médico; 
Oferecer a especialização como possibilidade de melhor inserção no mercado de trabalho;
Combina os conhecimentos teóricos com a experiência clínica;
Inicia a construção da ética médica para os pacientes. 
Residência Médica – Impactos de planejamento
A oferta de vagas dos programas de RM não acompanhou o aumento do número de escolas médicas e de médicos formados; 
Egressos buscando trabalhos temporários em serviços públicos da atenção primária à saúde e de pronto atendimento.
Conselho Federal de Medicina: médicos com residência de 74% em 1996 para 60% em 2004. 
Tendência de formar médicos sem acesso à RM;
Direcionamento de bolsas de RM para novos programas, como Saúde da Família, Mastologia, Medicina do Trauma e Medicina Intensiva; 
Residência Médica – Acesso
Resolução 01/2001: peso mínimo de 90% para provas objetivas, com igual número de questões divididas entre as cinco áreas básicas (Clínica Médica, Ginecologia e Obstetrícia, Cirurgia, Medicina Preventiva e Pediatria) e 10% para prova oral, entrevista ou arguição curricular;
Privilegia a verificação do conhecimento teórico em detrimento da formação crítica e reflexiva;
Afasta os estudantes das atividades clínicas da prática profissional no internato;
Alteração no processo em 2004: prova prática com peso de 40%, ficando a prova escrita com peso de 50% e a entrevista com análise curricular com 10%. 
Cursinhos Preparatórios 
A competição acirrada por vagas de RM e os modelos de prova que priorizam o conhecimento teórico levam os estudantes a buscar alternativas para ingressar nos programas de RM; 
Aulas semanais, organização do curso em módulos, revisões próximas das provas, resolução de questões, material didático objetivo e focado na resolução de questões de provas;
Corpo docente formado por profissionais de tradicionais e renomadas faculdades de Medicina; 
Propagandas e atraentes diferenciais: presença de setor jurídico próprio, a possibilidade de optar entre módulos intensivos ou extensivos, aulas presenciais ou a distância e entrega
de iPhones ou notebooks como material de ensino. 
Fonte: LEITE, Isabel Cristina Gonçalves et al. Avaliação da efetividade dos cursos preparatórios para residência médica. Rev. bras. educ. med.[online]. 2008, vol.32, n.4, pp. 445-451. ISSN 1981-5271.  
Cursinhos Preparatório – Impactos na Formação Médica
Distanciamento crescente das atividades regulares do internato, com maior preocupação em cumprir os cronogramas propostos pelos CP;
Com um material formado por informação bastante concisa, objetiva, direcionada e articulada com questões de prova, a crítica científica é relegada a segundo plano; 
Cria-se um ambiente hostil, em que impera a competitividade e se destaca a necessidade de ser o melhor, devido as normas de conduta a serem seguidas para se atingir o objetivo de ser aprovado na RM.
Nesse contexto, não raro, indivíduos desenvolvem inquietações intrapsíquicas e sofrimento mental. 
Desafios à Sociedade, às Escolas Médicas e ao Estado
Lógica de distribuição e inserção de médicos no mercado de trabalho que não corresponde à estruturação dos serviços de saúde e às necessidades sociais em saúde;
Os processos pedagógicos precisam recorrer ao debate e à reflexão;
Na formação médica, trata-se também de estabelecer políticas para a RM, pensando-se estrategicamente em sua ampliação, ou seja, em programas e número de vagas de acordo com as necessidades sociais e regionais, avaliando-se processos e critérios para acesso, com especial atenção ao financiamento.

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