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Exumação e Julgamento de DEUS Gentil, o iconoclasta EXUMAC¸A˜O E JULGAMENTO DE DEUS Gentil, o iconoclasta http://www.profgentil.com.br Prefa´cio Na˜o sabeis vo´s que havemos de julgar os anjos? (1 Co 6 : 3) Nietzsche (1844 — 1900) decretou a morte de Deus. A histo´ria registra pelo ao menos um julgamento de um cada´ver. Com efeito, o Papa Es- teva˜o VI mandou exumar o corpo do seu antecessor o Papa Formoso (morto nove meses antes) para um julgamento que se deu na bas´ılica de Sa˜o Joa˜o de Latra˜o em janeiro de 897; o julgamento do cada´ver tambe´m ficou con- hecido como S´ınodo do cada´ver, que e´ lembrado como um dos episo´dios mais bizarros da histo´ria do papado medieval. Um outro exemplo de condenac¸a˜o po´stuma temos em Or´ıgenes, profundo conhecedor da tradic¸a˜o crista˜, que foi excomungado quase treˆs se´culos apo´s sua morte, dentre outras razo˜es por ter criticado va´rias alterac¸o˜es efetuadas na B´ıblia. E´ noto´ria a evoluc¸a˜o de uma parte significativa da humanidade em ter- mos de n´ıvel de conscieˆncia. E´ suficiente lembrarmos, numa ligeira retros- pectiva, dos esportes sanguina´rios da Roma Antiga, passando pelas crue´is torturas e fogueiras da Idade Me´dia ate´ nossos dias onde um deputado do Rio Grande do Sul aprovou uma lei permitindo o “Sacrif´ıcio de Animais” em rituais religiosos; essa lei recebeu − por parte daqueles que ascenderam em conscieˆncia e sensibilidade − uma enxurrada de cr´ıticas concernentes a abusos praticados contra animais em rituais primitivos. E´ que aquela frac¸a˜o da humanidade que ascendeu em conscieˆncia e sen- sibilidade ja´ na˜o tolera mais certos atos de crueldade que outrora passavam despecebidos, por assim dizer. O apo´stolo Paulo certa feita afirmou em uma de suas ep´ıstolas que os homens haveriam de julgar os pro´prios anjos, neste livro vamos um pouco ale´m do apo´stolo e defendemos a tese de que ja´ chegou a hora do homem julgar o pro´prio Deus! . . . Pasme´m! Com efeito, se em nossos dias algue´m pode ser condenado por maus tratos a animais, o que dizer de um Deus que promove o sacrif´ıcio de animais em rituais religiosos? O que dizer de um Deus cuja sanha assassina chega a exterminar “idosos, mulheres, crianc¸as e animais”? E, finalmente, o que dizer de um Deus que aceita sacrif´ıcio humano? Estamos falando de um Deus?. . . Sim senhor! estamos falando do temı´vel Deus de judeus e crista˜os, o guerreiro Jeova´. Se e´ verdade que cada povo tem o governo que merece na˜o e´ menos verdade que cada povo tem o Deus que merece. Se nos ‘demonstrassem’ esse Deus dos crista˜os, ainda acreditar´ıamos menos nele. (Nietzsche) Gentil, o iconoclasta 3 Os tre^s luminares a seguir ser~ao citados em nossa obra. − Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 — 1900) foi um filo´logo e influente filo´sofo alema˜o do se´culo XIX. Nasceu numa famı´lia luterana em 1844, filho de Karl Ludwig, seus dois avo´s eram pastores protestantes; o pro´prio Nietzsche pensou em seguir a carreira de pastor. Entretanto, Nietzsche rejeita a “fe´” ainda durante sua adolesceˆncia, e os seus estudos de filosofia contribuiram para que ele desis- tisse da carreira teolo´gica. Em Para ale´m do bem e do mal, de 1886, denuncia que “a crenc¸a da ver- dade percorreu o mundo moderno, que se denomina senhor dessa verdade ”, na˜o haviam entendido que Deus e o diabo eram uma coisa so´. − Baruch Spinoza (1632 — 1677) considerado um dos maiores filo´sofos e metaf´ısicos de todos os tempos − E´ o eleito de Einstein. Nasceu em Amsterda˜, numa famı´lia de negociantes judeus de origem portuguesa. E´ considerado o fundador do criticismo b´ıblico moderno. Receando comprometer a lisura de seus trabalhos filoso´ficos recusou um convite para ensinar na Universidade de Heidelberg. Temendo suas teses “comprometedoras” os sacerdotes ofereceram uma pensa˜o a` Espinosa para ele manter fidelidade a` sinagoga, ele recusou. Optou por viver como um humilde polidor e cortador de lentes o´pticas. Foi enta˜o excomungado em 1656, amaldic¸oaram-no em ritual. Lu´ıs XIV lhe ofereceu uma vultosa pensa˜o para que Spinoza lhe dedicasse um livro. O filo´sofo recusou polidamente. O monumento feito em homenagem a Spinoza, em Haia foi assim comen- tado por Renan em 1882: “Maldic¸a˜o sobre o passante que insultar essa suave cabec¸a pensativa. Sera´ punido como todas as almas vulgares sa˜o punidas — pela sua pro´pria vulgaridade e pela incapacidade de conceber o que e´ divino. Este homem, do seu pedestal de granito, apontara´ a todos o caminho da bem-aventuranc¸a por ele encontrado; e por todos os tempos o homem culto que por aqui passar dira´ em seu corac¸a˜o: Foi quem teve a mais profunda visa˜o de Deus.” − Bertrand Arthur William Russell (1872 — 1970), nascido no Pa´ıs de Gales foi um dos mais proeminentes matema´ticos, filo´sofos e lo´gicos que viveram no se´culo XX. Recebeu o Nobel de Literatura de 1950, “em reconhecimento dos seus variados e significativos escritos, nos quais ele lutou por ideais humanita´rios e pela liberdade do pensamento”. Russell estudou Filosofia na Universidade de Cambridge, tendo inicia- do os estudos em 1890. Tornou-se membro do Trinity College em 1908. Pacifista, recusou alistar-se durante a Primeira Guerra Mundial, perdeu a ca´tedra do Trinity College e esteve preso durante seis meses. Nesse per´ıodo, escreveu sua magn´ıfica obra “Introduc¸a˜o a` Filosofia da Matema´tica”. 4 Suma´rio 1 O QUE E´ DEUS ? 7 1.1 Introduc¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 1.2 Deus Pode Mentir, Pode ser Desonesto . . . . . . . . . . . . . 9 1.3 Deus e o Mal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 1.3.1 “Deus” e o demoˆnio podem ser uma mesma entidade 15 2 O ACARAJE´ DE JESUS 23 2.1 Introduc¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.2 Jesus na˜o liberta, Jesus Aprisiona . . . . . . . . . . . . . . . . 24 2.3 A imitac¸a˜o e´ um atentado contra a Natureza . . . . . . . . . 28 2.3.1 Na˜o e´ certo querer ser igual a Jesus . . . . . . . . . . 31 2.4 Desconstruindo o ı´dolo Jesus . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 2.4.1 Jesus, um mestre iluminado? . . . . . . . . . . . . . . 51 2.4.2 Entendo que ningue´m e´ “especial” aos olhos de Deus . 56 2.5 Engenharia Teolo´gica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 2.5.1 Astutos ate´ a` santidade . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 3 O CAXIRI DO PADRE 65 3.1 Introduc¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 3.2 Uma proposta de ecumenismo universal . . . . . . . . . . . . 67 3.3 A mente e´ a verdadeira natureza das coisas . . . . . . . . . . 73 3.3.1 A visa˜o dos animais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 3.3.2 A visa˜o dos microsco´pios . . . . . . . . . . . . . . . . 74 3.3.3 Deus visto sob as lentes de um potente “microsco´pio” 75 3.3.4 A diversidade de Deuses . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 3.3.5 Dia´logo entre Einstein e Tagore . . . . . . . . . . . . . 81 3.4 A equac¸a˜o divina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 3.5 Deus e o homem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 3.6 O Universo esta´ em expansa˜o exceto . . . . . . . . . . . . . . . 92 3.6.1 Fo´sseis vivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 5 6 4 O TEOREMA DE RUSSEL 115 4.1 Introduc¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 4.2 O Teorema de Russel visto da perspectiva b´ıblica . . . . . 120 4.3 Limpando Deus das incrustac¸o˜es parasita´rias . . . . . . . . . 123 4.3.1 Ana´lise do teorema de Russel . . . . . . . . . . . . . . 124 4.3.2 Uno, o Deus de Plotino . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 4.4 Uma Concepc¸a˜o Cient´ıfica de Deus . . . . . . . . . . . . . . . 127 4.5 Conclusa˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 4.5.1 A concepc¸a˜odivina de Jesus e o Vazio . . . . . . . . . 133 4.5.2 Deus, um decalque no Absoluto . . . . . . . . . . . . . 135 4.5.3 Deuses piratas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140 4.6 Da Unicidade do Vazio-Absoluto . . . . . . . . . . . . . . . . 141 4.6.1 Identificando o Vazio com o Absoluto . . . . . . . . . 143 � Apeˆndice: Jose´ Saramago . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146 � Apeˆndice: Identificando o Vazio com o Absoluto . . . . . . . . . . 150 5 IMPOSTURAS ESPIRITUAIS 155 5.1 Imposturas Intelectuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 5.2 Imposturas Espirituais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156 5.3 Uma Exegese de Nossa Odisse´ia Gno´stica . . . . . . . . . . . 164 5.4 O Alquimista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180 Capı´tulo 1 O QUE E´ DEUS ? Convicc¸o˜es sa˜o priso˜es, um esp´ırito que queira realizar belas obras, que tambe´m queira os meios necessa´rios, tem de ser ce´tico. Estar livre de toda forma de crenc¸a pertence a` forc¸a, ao poder de ver sem algemas. (Nietzsche) 1.1 Introduc¸a˜o Julgo na˜o haver pergunta mais importante para a humanidade hodierna que esta: O QUE E´ DEUS ? A importaˆncia desta pergunta∗ − mais do que qualquer outra − se da´ pelo fato de que diz respeito diretamente a` vida de bilho˜es de seres humanos na face do planeta. Uma outra questa˜o relacionada a esta que eu gostaria de levantar: se acaso algue´m − ou alguma religia˜o − adotar uma forma equivocada, pos- sivelmente ate´ perniciosa, de se relacionar com Deus o leitor acha que Deus estara´ preocupado em desfazer o equ´ıvoco? Na A´frica existe uma tribo que adora a divindade na figura de um crocodilo, chegam ate´ a mutilar o pro´prio corpo para parecerem com o seu Deus, o crocodilo. Na I´ndia um grupo tambe´m mutila o corpo como uma forma de adorac¸a˜o a` divindade. Daqui − e de inu´meros outros poss´ıveis exemplos − concluimos que se pode adorar a Deus de uma forma extremamente nociva sem que Ele esteja preocupado em desfazer o equ´ıvoco. Por oportuno, a Igreja Cato´lica em nome de Deus exterminou milhares de seres humanos utilizando-se das torturas, fogueiras e Cruzadas − Deus na˜o impediu nada disto. ∗Doravante a chamaremos de “a quest~ao fundamental”: O QUE E´ DEUS? 7 8 E´ Neste contexto que vejo a importaˆncia de se tentar responder a quest~ao fundamental. Existem, como se sabe, centenas − possivelmente milhares − de respostas a esta pergunta, numa ra´pida pesquisa constatei as seguintes: Deus Bahai Hindu´ısmo Budismo Jainismo Confucionismo Sufismo Tao´ısmo Xinto´ısmo Tenrikyo Juda´ısmo Islamismo Cristianismo Hare Krishna ... Com certeza essa lista ainda poderia ser ampliada significativamente, por exemplo, deixamos de fora dezenas de religio˜es africanas. Sem mencionar as centenas de Deuses que hoje encontram-se soterrados nas ruinas do tempo. O leitor, em algum momento de sua vida, ja´ parou para se perguntar se na˜o estaria sendo v´ıtima de uma ilusa˜o, de um embuste, dentro de sua pro´pria religia˜o? Um fenoˆmeno religioso interessante e´ que cada um acredita estar com a verdade e “o outro” com o erro. Dentre estas dezenas, centenas, de con- cepc¸o˜es de Deus existem muitas que se contradizem entre si, enta˜o e´ o´bvio que nem todas podem estar corretas, ou ainda, que muitos vivem numa ilusa˜o, cultuam uma quimera − uma fantasia construida pela mente dos sacerdotes. A quest~ao fundamental esteve presente em minha mente durante muito tempo, tornou-se quase uma obsessa˜o para mim a investigac¸a˜o do que possa vir a ser isto que chamam de Deus. E por que esta questa˜o tornou-se fundamental para mim? Dentre muitas razo˜es uma delas e´ que eu poderia passar toda a minha vida no papel de tolo, Gentil 9 adorando um falso Deus, que a tradic¸a˜o me ensinou como sendo o verdadeiro, e se na˜o fosse? Eu estaria certamente correndo o risco de desperdic¸ar grande parte da minha vida adorando uma ilusa˜o, adorando um ı´dolo fabricado “pelos meus antepassados ”. Uma outra raza˜o, talvez a mais importante, e´ que me causa do´ ver milhares de seres humanos, cegos, v´ıtimas dos embustes religiosos de pastores e sacerdotes. Entre um primitivo que traja uma pele de crocodilo para cultuar sua divindade e um cardeal que veste-se com uma batina de cor pu´rpura e de seda − ou um pastor que traja paleto´ e gravata − para cultuar a sua que garantias podemos ter de que o relacionamento (concepc¸a˜o) do padre seja superior ao do ı´ndio? A batina de pu´rpura deles deveria designar o amor ardente a Deus, mas agora, significa a cupidez do d´ızimo. (Erasmo de Rotterdam (1466-1536)) Haveria alguma prova irrefuta´vel a este respeito? Creio que na˜o, tudo trata-se de crenc¸as − como estaremos argumentando ao longo deste livro. Entre qualquer finito e o infinito (Absoluto) a distaˆncia e´ sempre infinita, e´ precisamente nesse contexto que a liturgia do padre e do pastor se igualam a` do primitivo. Talvez na˜o constitua exagero afirmar que seja mais fa´cil apontar incon- grueˆncias na concepc¸a˜o do padre que na do primitivo − como estaremos mostrando em momento oportuno. Claro, poderia-se refutar: Deus na˜o e´ uma questa˜o de provas mas de fe´, de sentimento. Respondo que todos os selvagens teˆm fe´ e sentimento no que acreditam ser Deus. Em minhas pesquisas sobre a quest~ao fundamental descobri alguns fatos, como poderia dizer, bizarros, extravagantes, como por exemplo 1.2 Deus Pode Mentir, Pode ser Desonesto Estas duas afirmac¸o˜es o´bviamente se referem ao que muitos entendem e cultuam como Deus, na˜o excetuando o Deus crista˜o. Estarei me esforc¸ando para provar minha tese, para comec¸ar farei uma “acareac¸a˜o” entre dois Deuses e provarei que um dos dois esta´ mentindo. Inicialmente vou apresentar-lhes uma religia˜o japonesa e monote´ısta, surgida em 26 de Outubro de 1838 por nome Tenrikyo. Essa religia˜o hoje esta´ difundida por todo o Japa˜o e por diversos outros pa´ıses, e possui um nu´mero de seguidores estimado em 2 milho˜es. No Brasil iniciou-se em 1929, a sede desta Igreja encontra-se na cidade de Bauru, no interior de Sa˜o Paulo. O Deus adorado pelos seguidores da Tenrikyo chama-se Deus-Parens.† †Comparando-se com o amor entre pais e filhos dos seres humanos − Parens do latim, que significa tanto pai como ma˜e. 10 Foi em minhas pesquisas que me deparei com o Deus-Parens da Tenrikyo. Os bio´logos, em pesquisas gene´ticas, se utilizam da mosca-das-frutas como modelo, dentre outras razo˜es por seu reduzido nu´mero de genes (15 mil). De modo ana´logo, achei Deus-Parens um excelente modelo para o estudo do fenoˆmeno religioso, inclusive como contribuic¸a˜o para a pesquisa do que seja isto que todos chamam de Deus − por ser um Deus (fenoˆmeno) relativamente novo comparado a outros. A religia˜o Tenrikyo revelou-se um excelente modelo para o estudo do fenoˆmeno religioso. E´, como o cristianismo, uma religia˜o revelada. As- sim como Jesus recebeu o “Esp´ırito de Deus-Pai ”, a senhora Miki Naka- iama recebeu o “Esp´ırito de Deus-Parens”; assim como o cristianismo conta com uma B´ıblia a Tenrikyo conta com uma B´ıblia (Escritura) por nome Ofudessaki †, assim como Jesus realizou milagres a Sra Miki tambe´m: [. . .] E comec¸ou a aparecer nas vizinhanc¸as, quem se aproximasse adorando-a como uma deusa viva. Ensinou-lhes, enta˜o, que a origem das doenc¸as esta´ no pro´prio esp´ırito e realizou inu´meras curas ex- traordina´rias. Mesmo as doenc¸as tidas como incura´veis na˜o eram diante dela. Os cegos adquiriram prontamente a visa˜o e os loucos, a clara lu- cidez. (Doutrina de Tenrikyo, p. 49) De sorte que esta religia˜o me foi como um achado primoroso para o estudo do fenoˆmeno religioso e para minha pesquisa sobre O QUE E´ DEUS. Voltando a` minha tese de que Deus pode mentir e, por conseguinte serdesonesto, vou cotejar dois Deuses. O Deus de judeus e crista˜os diz: “Porventura na˜o sou eu, o Senhor? E na˜o ha´ outro Deus sena˜o eu ” (Is 45:21) Por outro lado, o Deus da Tenrikyo retruca: Eu sou o Deus original, o Deus verdadeiro. Nesta casa ha´ uma predes- tinac¸a˜o. Desta vez, revelei-me neste mundo para salvar a humanidade, Desejo ter Miki como meu Sacra´rio. (Doutrina de Tenrikyo, p. 3) Do exposto, minha conclusa˜o e´ a de que ou o Deus dos crista˜os esta´ mentindo ou o Deus dos “parentes ” esta´ mentindo − ou ambos −, e, por conseguinte, ou os crista˜os esta˜o sendo enganados ou os parentes esta˜o sendo enganados, na˜o vejo outra alternativa. Nota: Na˜o sei como sa˜o chamados os adoradores do Deus-Parens, para fa- cilitar a comunicac¸a˜o decidi chama´-los por esse nome. Aqui existem duas alternativas que podem ser seguidas pelos membros destas religio˜es: Ou tentara˜o conciliar (harmonizar) os dois Deuses − por exemplo dizendo-nos que o mesmo Deus manifestou-se em e´pocas distintas †Ponta do Pincel ou Escritura Divina. Gentil 11 − ou cada um considerara´ o seu pro´prio Deus como sendo o verdadeiro e o da outra o falso. Quanto a` tentiva de conciliac¸a˜o, o Deus-Parens mante´m-se irredut´ıvel, revelou-se a este mundo pela primeira vez atrave´s da senhora Miki Naka- iama. (Vida de Oyassama, p. 130) No ma´ximo Deus-Parens considera os Deuses anteriores como seus subal- ternos, veja∗: O Deus real e verdadeiro deste mundo sou Eu, Tsukihi. Todos os demais sa˜o meus instrumentos. (Ofudessaki, VI-50) Deus-Parens faz questa˜o de enfatizar que embora Ele seja o Deus ver- dadeiro, que criou o homem e o mundo e por quem todos sa˜o vivificados, na˜o e´ nenhum dos deuses tradicionais das preces, exorcismos e evocac¸o˜es. (Doutrina de Tenrikyo, p. 11) Sendo assim fica excluida a possibilidade de que o Deus de judeus e crista˜os (Jeova´) e o Deus dos parentes (Parens) seja o mesmo Deus. Con- clusa˜o: um dos dois esta´ mentindo − Ou ambos. Resta a outra alternativa: Os crista˜os diriam que o seu Deus e´ o ver- dadeiro e os parentes diriam que o seu e´ que e´ o verdadeiro Deus. Antes de mais nada no momento na˜o estou propriamente interessado em discutir qual o verdadeiro Deus − esta questa˜o nos levaria muito longe e nos desviaria do principal − estou interessado em estudar o fenoˆmeno religioso em si, isto e´, como surge e se propaga uma religia˜o, e´ isto o que me interessa. Observe-se que existem milho˜es de seguidores em ambas as religio˜es, e, de mais a mais, e´ o´bvio que as concluso˜es a respeito destes dois microuniversos podem ser estendidas a outras religio˜es, isso e´ o que me interessa de momento. Por outro lado, e na˜o menos importante, como Deus-Parens veio para “salvar a humanidade” e como ele se auto proclama o u´nico Deus verdadeiro, sua religia˜o ja´ nasce com o estigma da intoleraˆncia, do fanatismo, uma vez que eles se acham na obrigac¸a˜o de converter toda a humanidade. O que foi dito desta religia˜o se aplica igualmente a todas as outras. Resumindo: Um dos primeiros resultados de minha pesquisa sobre a quest~ao fundamental e´ este: Que Deus pode ser mentiroso, que uma re- ligia˜o pode ser fundada sobre uma mentira. Insistindo, para os que porventura ainda na˜o compreenderam: assim como a religia˜o Tenrikyo foi fundada por um esp´ırito suspeito, desejoso de ser adorado como um Deus (como de fato aconteceu), de igual modo a religia˜o judia − e por extensa˜o a crista˜ − foi fundada por um outro esp´ırito, tambe´m suspeito, na˜o confia´vel, proclamando-se Deus, neste caso Jeova´. ∗Tsukihi, e´ uma outra denominac¸a˜o do Deus-Parens. Significa Lua-Sol. 12 Ou enta˜o, deveremos concluir que podem existir tantos deuses quantos forem os tolos dispostos a acreditar em suas promessas de salvac¸a˜o e bem- aventuranc¸as. Igualzinho ao que ocorre com respeito a`s inu´meras igrejas evange´licas; digo, qualquer um pode tornar-se um “pastor ”, desde que exis- tam tolos em nu´mero suficiente para da´r-lhes cre´dito. Como diz o ditado: Assim como embaixo, tambe´m encima. 1.3 Deus e o Mal Eu formo a luz e crio as trevas; eu fac¸o a paz e crio o mal; eu, o Senhor, fac¸o todas estas coisas. (Is 45 : 7) Outro resultado surpreendente de minha pesquisa e´ a proximidade (conu´bio) entre Deus e o mal. No que concerne ao mal descobri que Deus e´ capaz de certas pra´ticas que nem todo ser humano o seria, ou ainda, que muitos seres humanos reprovariam. Na˜o creio que todo ser humano seja capaz de matar seu animal de estimac¸a˜o caso este lhe desobedec¸a, Deus fez bem mais e pior que isto: Enta˜o certamente ferira´s ao fio da espada os moradores daquela cidade, destruindo ao fio da espada a ela e a tudo que nela houver, ate´ os animais. (Dt 13 : 6− 10, 15) O livro “Vida de Oyassama”∗ relata como a Sra Miki Nakaiama veio a tornar-se Sacra´rio (“hospedeira” ) de Deus-Parens; dadas as circunstaˆncias da ocasia˜o, inclusive casa, marido e filhos pequenos para cuidar, a proposta de Deus-Parens foi inicialmente rejeitada por todos os familiares. Deus- Parens negou-se terminantemente a aceitar a recusa, tentou impor a sua vontade de diversos modos, inclusive adoecendo membros da famı´lia da Sra Miki e ameac¸ando destruir a resideˆncia da famı´lia: Deveis agir de acordo com a intenc¸a˜o de Deus original. Aceitai o que Eu, Deus, vos digo. Se ouvirdes, Eu a farei salvar todos os povos do mundo. Se recusardes, farei com que na˜o sobre nem o po´ desta casa. (Vida de Oyassama, p. 6) Diante de uma proposta ta˜o “sol´ıcita” destas a famı´lia na˜o teve outra alternativa que na˜o render-se aos apelos de Deus-Parens. Independente de qualquer outra coisa observe em que bases uma religia˜o − que esta´ difundida por todo o Japa˜o e por diversos outros pa´ıses, inclusive o Brasil, enfatizo − pode ser fundada. ∗Que significa Nossa Ma˜e. Oya e´ um prefixo que designa pai e ma˜e, indistintamente; Sama e´ um sufixo honor´ıfico. Gentil 13 Minha ana´lise da conjuntura Tocar-se-a´ a buzina na cidade, e o povo na˜o estremecera´? Sucedera´ qual- quer mal a` cidade, e o Senhor na˜o tera´ feito? (Am 3 : 6) O que e´ Deus? Segundo a concepc¸a˜o vigente do que seja Deus, a lo´gica nos permite concluir que das duas uma: Ou Deus e´ responsa´vel diretamente pelos males do mundo ou indiretamente, ja´ que nada acontece sem o seu consentimento, ou concurso. Disse anteriormente − pelas razo˜es apresentadas − que ou o Deus Jeova´ ou o Deus Parens, ou ambos, sa˜o mentirosos. A minha tese e´ que ambos sa˜o mentirosos. Ou devemos refinar nosso conceito de Deus. Deus-Parens afirma: “Eu a farei salvar todos os povos do mundo”. Sin- ceramente na˜o creio que a humanidade sera´ salva por esse Deus − o leitor acredita? − e, por conseguinte, o tenho na conta de um megaloman´ıaco mentiroso. Estive refletindo sobre a questa˜o da “salvac¸a˜o da humanidade ”, da pers- pectiva colocada pelas religio˜es, e a minha conclusa˜o e´ a de que trata-se de um engodo, farsa, fala´cia, embuste, sofisma. Esse, a salvac¸a˜o, e´ o principal instrumento de dominac¸a˜o das religio˜es. A esse respeito a estrate´gia das religio˜es e´ muito simples: Tu esta´s con- denado e eu te oferec¸o a salvac¸a˜o! Espera a´ı ! quem disse que eu estou condenado? quem determinou que assim seja? No que me diz respeito, na˜o me sinto condenado e, portanto, na˜o pre- ciso de nenhuma religia˜o para me “salvar”. Creio que o homem precisa se salvar de uma u´nica coisa: da ignoraˆncia e, por conseguinte, de todas as superstic¸o˜es, inclusive religiosas; isto e´, precisa urgentemente se salvar das religio˜es e dos sacerdotes (padres e pastores, notadamente). Essa e´ a u´nica salvac¸a˜o necessa´ria em que creio. Vejamos uma analogia para que eu me fac¸a melhor entender: Tudo se passa como se o esp´ırito de um “deus-cirurgia˜o-pla´stico” baixasse em uma cidade e proferisse:tem muita gente feia nesta cidade, vou tratar de “salva´- los”, se seguirem meus preceito$. Espera a´ı, um momento! quem disse que feiu´ra e´ pecado? E´ ele, o cirurgia˜o, quem esta´ afirmando, e´ razoa´vel eu acreditar nisto? Ocorre algo similar pelo lado das religio˜es. Ningue´m esta´ condenado por viver em um dado n´ıvel de conscieˆncia. Uma crianc¸a na˜o precisa ser “salva” por viver em seu pro´prio n´ıvel. Um escolar na˜o precisa ser “salvo” por estar no ensino prima´rio. Um canibal na˜o precisa ser “salvo” por refestelar-se com a carne do inimigo. 14 Enfatizo: na˜o creio que Deus fara´ com que um canibal queime eterna- mente no fogo do inferno, mesmo se ele devorar o padre (ou o pastor) que tentar “salva´-lo” propondo-lhe aceitar “o sangue de Jesus”. Em todos os casos trata-se de n´ıveis de conscieˆncia, ningue´m esta´ con- denado ao inferno por isto. O que e´ necessa´rio e´ um caˆmbio de conscieˆncia. Precisam ser “salvos” da ignoraˆncia e na˜o do inferno. Neste contexto, muitos religiosos ainda precisam ser salvos uma vez que o fato de aceitar uma re- ligia˜o na˜o torna ningue´m sa´bio, muito pelo contra´rio. Que o estado de pecado no homem na˜o e´ um facto, sena˜o apenas a interpretac¸a˜o de um fato, a saber: de um mal-estar fisiolo´gico, conside- rado sob o ponto de vista moral e religioso. O sentir-se algue´m “culpado” e “pecador”, na˜o prova que na realidade o esteja, como sentir-se algue´m bem na˜o prova que na realidade esteja bem. Recordem-se os famosos pro- cessos de bruxaria; naquela e´poca os ju´ızes mais humanos acreditavam que havia culpabilidade; as bruxas tambe´m acreditavam; contudo, a cul- pabilidade na˜o existia. (Nietzsche/A Genealogia da Moral) Eu creio em mestres, na˜o em salvadores. Jesus morreu ha´ dois mil anos para “salvar” a humanidade, dizem-nos padres e pastores; acontece que ob- servando a` minha volta na˜o vejo que os homens tenham melhorado por causa disto, inclusive ovelhas e pastores; acompanho pela televisa˜o, revistas e in- ternet e tenho constatado com sobejos exemplos que o sangue de Jesus na˜o contribuiu com a salvac¸a˜o nem dos pro´prios padres e pastores; minto, con- tribuiu com a “salvac¸a˜o material” uma vez que eles sustentam a si pro´prios − e a toda uma hierarquia parasita − vendendo o sangue de Jesus, isto e´, “a salvac¸a˜o”. Perceberam a fala´cia, o embuste das Religio˜es? Com a proposta da “Salvac¸a˜o” e a ameac¸a do inferno elas mante´m milho˜es de almas prisioneiras dos seus ardis. Esta e´ precisamente a raza˜o de suas existeˆncias. Na˜o existem messias (. . .) Se esperarmos um messias, ficaremos es- perando; se reagirmos aos desafios do presente e do futuro como agentes morais responsa´veis, como aspirantes a cidada˜os peregrinos, estaremos agindo. Quando agimos, um processo cumulativo se desdobra, l´ıderes emergem e novos horizontes de aspirac¸a˜o realista se apresentam. (Richard Falk, Explorations at the Edge of time/“Explorac¸o˜es a` Margem do Tempo”) Ha´ muito tempo a pedagogia aboliu a palmato´ria nas escolas como um me´todo contraproducente, a ameac¸a de castigos e torturas psicolo´gicas na˜o entraria em nenhum manual moderno de psicopedagogia . . . e´ assaz impres- sionante como todos veˆm isto com a maior naturalidade quando praticado pelas igrejas. Muitos pais na˜o aceitariam que seus filhos fossem torturados nas escolas, mas aceitam de bom grado que o sejam nas igrejas − isto me parece um comportamento incongruente, irracional. Gentil 15 Encontrei em um pequeno livro∗ cato´lico um bom exemplo para ilustrar a que me refiro, o comentarista afirma: Noutro dia, fui dar uma aulinha de catequese a`s crianc¸as da primeira Eucaristia. Num dado momento eu falei sobre o pecado e de como Deus filma cada ato, cada pensamento, cada mentira que se da´ para a mama˜e. Neste momento um menino me interrompeu e, dando um profundo suspiro disse com os olhinhos arregalados, como pego em falta: Meu Deus! Enta˜o e´ assim!. . . E realmente e´ assim! [. . .] E vai para la´ expiar suas faltas, na˜o forc¸ada, mesmo que as dores do Purgato´rio sejam equivalentes a`s do inferno, com a diferenc¸a que este e´ eterno e aquele um dia acaba. (p. 47) Veja que a pedagogia deste “instrutor”, deste asno de catequese, e´ a do terror − se confirma isto em va´rias outras passagens do livro −, desde cedo as crianc¸as sa˜o ensinadas a verem Deus como um carrasco, como um demoˆnio. Depois ainda se pergunta por que existem ateus. Ja´ disse em outras ocasio˜es e volto a repetir: tenho quatro filhos nunca os levei a uma religia˜o. Na˜o os quero antolhados como cavalos. Retomando, ainda com respeito a` analogia do “deus-cirurgia˜o-pla´stico” podemos lograr mais um precioso aprendizado. De fato, o “deus-mı´dia” levanta, dentre estrelas e celebridades, alguns padro˜es de beleza e muitos su´ditos se esforc¸am por ating´ı-los movimentando assim toda uma roda fi- nanceira arquimiliona´ria; de igual modo se da´ pelo lado das religio˜es, elas levantam ı´dolos − tais como, Jesus, Virgem Maria, Santo este, Santo aquele − e as coitadas das cegas ovelhas movimentam quantias biliona´rias e da˜o sustentac¸a˜o a todas estas instituic¸o˜es parasita´rias, vampiras. Ainda tem mais, assim como vez ou outra vemos muitos mutilados (de- formados) f´ısicamente, v´ıtimas de cirurgio˜es incompetentes, de modo per- feitamente similar se da´ pelo lado das religio˜es: muitos sa˜o mutilados na alma e no esp´ırito, v´ıtimas de lobos sanguina´rios − Como exemplo de mu- tilac¸a˜o da alma citamos a cegueira, a alienac¸a˜o e o fanatismo que sa˜o os frutos das religio˜es atuais. 1.3.1 “Deus” e o demoˆnio podem ser uma mesma entidade Eu formo a luz e crio as trevas; eu fac¸o a paz e crio o mal; eu, o Senhor, fac¸o todas estas coisas. (Is 45 : 7) Assim eu pec¸o a` Deus que me livre de Deus. (Mestre Eckhart) Martinho Lutero ao defrontar-se com a corrupc¸a˜o do Clero de sua e´poca e apo´s va´rias experieˆncias com o demo chegou a cogitar de que este e Deus poderiam tratar-se de uma mesma entidade. A frase em ep´ıgrafe, de mestre ∗O livro da vida, Glo´ria Polo com comenta´rios de Arnaldo Haas. 16 Eckhart, pode apontar nesta direc¸a˜o: Eu pec¸o a Deus (o verdadeiro) que me livre de Deus (da Igreja), o demo. De fato, em muitas manifestac¸o˜es creio que o demo e “Deus” podem tratar-se de uma mesma entidade. Por oportuno, na˜o foi Jesus que nos alertou de que esta entidade male´vola pode se transvestir de um Anjo de Luz? Essa minha conclusa˜o veio a ser reforc¸ada quando tomei conhecimento pela internet de uma outra religia˜o japonesa por nome Sukyo Mahikari. A sede mundial desta entidade localiza-se em Takayama, no Japa˜o. Existem sedes regionais na Ame´rica Latina, Ame´rica do Norte, Austra´lia, Singapura, Europa e A´frica. Existem centros da Sukyo Mahikari em mais de 75 pa´ıses. Esta organizac¸a˜o foi fundada por Kotama Okada a 28 de Agosto de 1959, apo´s ter recebido uma revelac¸a˜o de Deus Criador − Segundo ele pro´prio. Pois bem, li as denu´ncias de dois ex-membros desta instituic¸a˜o e fiquei pasmo, estupefato; por um lado de como existem pessoas diabo´licas a` frente das religio˜es − nas igrejas evange´licas vemos muito disto − e por outro lado pessoas obtusas ao ponto de se deixarem enganar, o que me fez recordar de uma sutil observac¸a˜o de um eminente filo´sofo, diz ele: Pois o mundo constitui o inferno, e os homens formam em parte os atormenta- dos, e noutra, os demoˆnios. (Schopenhauer/Parerga e Paraliponema) Schopenhauer dividiu o mundo nestas duas classes, eu poderia divid´ı-lo em outras duas: Pois o mundo constitui um aprisco, e os homens formam em parte as ovelhas, e noutra, os lobos tosquiadores. (Para´frase) De meus estudos e reflexo˜es na˜o tenho du´vidas de que uma grande parcela da humanidade precisa ser salva: precisamente a que se encontra dentro das religio˜es; esta sim precisa urgentementeser liberta − na˜o os que esta˜o fora. Porque surgira˜o falsos cristos e fal- sos profetas, e fara˜o ta˜o grandes sinais e prod´ıgios que, se poss´ıvel fora, enga- nariam ate´ os escolhidos. Mais ai de vo´s, padres, pastores e “mestres”, hipo´critas! Pois que fechais aos homens o reino dos ce´us; e nem vo´s entrais, nem deixais entrar aos que esta˜o entrando. (Mt 23 : 13/Para´frase) Existe uma passagem no livro do Apocalipse que desde ha´ muito tem me despertado algumas reflexo˜es, julgo que esta passagem esconde ensinamentos jamais suspeitos pelo homem, ei-la: Gentil 17 Aconteceu enta˜o uma batalha no ce´u: Miguel e seus Anjos guer- rearam contra o Draga˜o. O Draga˜o batalhou juntamente com os seus Anjos, mas foi derrotado, e no ce´u na˜o houve mais lugar para eles. Esse grande Draga˜o e´ a antiga serpente, e´ o chamado Diabo ou Satana´s. E´ aquele que seduz todos os habitantes da terra. O Draga˜o foi expulso para a terra, e os Anjos do Draga˜o foram expulsos com ele. (Ap 12 : 7− 9) Pelo ao menos a mim aqui esta´ claro que “O Draga˜o foi expulso para a terra, e os Anjos do Draga˜o foram expulsos com ele.” A minha tese e´ a de que chegando aqui os demoˆnios utilizaram as religio˜es para exercerem domı´nio sobre os homens. Todavia, devo admitir que esta tese na˜o chega a ser ta˜o original quanto poderia parecer a` primeira vista, observe: Uma histo´ria antiga. . .Um jovem diabo vem correndo ate´ seu chefe. Ele esta´ tremendo e diz ao velho diabo: “Algo deve ser feito imediata- mente, porque na Terra um homem encontrou a verdade! E uma vez que as pessoas conhec¸am a verdade, o que vai ser de nossa profissa˜o?” O velho diabo riu e disse: “Sente-se, descanse e na˜o se preocupe. Tudo esta´ sob controle. Nossa gente ja´ esta´ la´”. Mas o jovem disse: “Estou voltando de la´ e na˜o vi nenhum diabo”. O velho respondeu: “Os sacerdotes sa˜o minha gente. Eles ja´ cercaram o homem que encontrou a verdade. Agora se tornara˜o os intermedia´rios entre o homem da verdade e as massas. Va˜o erguer templos, va˜o escrever escrituras, va˜o interpretar e distorcer tudo. Pedira˜o ao povo que adorem e rezem. E em toda essa confusa˜o a verdade sera´ perdida. Esse e´ meu velho me´todo, sempre deu certo”. ([3], p. 71) Em minhas pesquisas sobre a quest~ao fundamental (O que e´ Deus?) o Deus-Parens foi um primoroso achado, me trouxe uma nova luz sobre essa questa˜o, me abriu uma nova dimensa˜o. Pelo que pude inferir trata-se de uma entidade, digo, de um demoˆnio, fazendo-se passar por Deus, fundou uma religia˜o e e´ adorado por milho˜es de pessoas como um Deus verdadeiro: Eu sou o Deus original, o Deus verdadeiro. [. . .] revelei-me neste mundo para salvar a humanidade. Explico melhor: Ja´ disse em outra ocasia˜o que a realidade na˜o e´ un´ıvoca, sempre pode ser interpretada de va´rias perspectivas, tudo se passa como na seguinte ilusa˜o de o´tica: 18 Na figura da esquerda se olharmos de uma certa perspectiva veremos uma bela jovem e de uma outra perspectiva veremos uma velha bruxa. Por opor- tuno, as religio˜es sa˜o especialistas nestas “iluso˜es de o´tica”, elas fazem com que as pessoas enxerguem apenas a “bela jovem” e, pela lavagem cerebral, impedem que as pessoas detectem a “velha bruxa”. Vejamos o caso da Tenrikyo, ela faz com que as pessoas vejam apenas o “lado belo” do Deus- Parens: “salvac¸a˜o da humanidade ”, “revelac¸a˜o de miste´rios ”, “amar a hu- manidade ”, “todos os seres humanos sa˜o irma˜os, criac¸a˜o do nosso Deus ”, etc., e, ademais, toda uma sorte de rituais. Escondem a “velha bruxa” em seu Deus, que e´ o engodo, a farsa, o embuste, etc. Lembrem-se de como o culto a este Deus surgiu − pela forc¸a, pela imposic¸a˜o. Em va´rias passagens de suas Escrituras Deus-Parens promete cumu- lar seus filhos de bem-aventuranc¸a e sabedoria, revelando-lhes “grandes miste´rios”, por exemplo: Mostrarei uma realizac¸a˜o ta˜o extraordina´ria quanto ao princ´ıpio da criac¸a˜o deste mundo. (Of. VI −7) Ou ainda: Originalmente, este mundo foi um mar de lama. Tsukihi ou Deus- Parens, julgando ins´ıpida essa condic¸a˜o cao´tica, teve a ide´ia de criar os homens e compartilhar da sua alegria, vendo-os viverem felizes, plenos de ju´bilo. (Doutrina de Tenrikyo, p. 26) Pergunto: se esse e´ o desejo de Deus, e ele sendo de fato Deus, o que o impede de conseguir seu objetivo maior, relativamente ao homem? Se Deus quer de fato “salvar a humanidade” o que o impede? Claro, todas as religio˜es jogam a culpa no pro´prio homem. Ora, se o homem tem a capacidade de frustrar Deus em seus planos enta˜o teremos que convir que Deus na˜o e´ “Todo-Poderoso”, na˜o neste aspecto, pelo ao menos. Em va´rias partes, como ja´ disse, Deus-Parens revelara´ “miste´rios e sabedo- ria” extraordina´rios aos parentes. Perdoem-me a franqueza, muita ver- borre´ia, muita bravata; dificilmente a cieˆncia poderia esperar beneficiar-se com a revelac¸a˜o destes “extraordina´rios miste´rios”, observe como deu-se a criac¸a˜o dos homens: Gentil 19 [. . .] Em seguida, chamou um golfinho do noroeste e uma tartaruga do sudeste. Obtendo consentimento, tomou-os tambe´m para si, comeu-os para provar os seus sabores espirituais e, discernindo as suas respectivas qualidades, decidiu fazer uso do primeiro como o o´rga˜o genital masculino e a estrutura o´ssea com a func¸a˜o de suportar o corpo, e da segunda como o o´rga˜o genital feminino e a pele com a func¸a˜o conexadora. Colocou-os respectivamente no corpo do sireˆnio e da cobra branca, os quais foram, enta˜o, determinados como os proto´tipos de homem e mulher. (Doutrina de Tenrikyo, p. 27) E´ a isso a que me refiro (e muito mais): embuste e alienac¸a˜o, e´ esta a face da “velha bruxa” que os mı´opes na˜o enxergam − porque seus l´ıderes volvem suas cabec¸as na outra direc¸a˜o. Sa˜o antolhados como cavalos. O que me fez propriamente desconfiar deste Deus foi sua eˆnfase excessiva na “salvac¸a˜o da humanidade”. Se ele fosse Deus mesmo teria lembrado de que ja´ enviou seu Filho com este mesmo propo´sito . . . ou na˜o? Independente de quem seja o verdadeiro salvador, acontece que dois mil anos depois, meus olhos na˜o veˆm que a humanidade tenha sido salva, pelo contra´rio, em muitos aspectos, cada vez pior. O outro “salvador”, pelo que me consta, na˜o salvou nem os do seu pro´prio redil; e´ suficiente olhar a histo´ria pregressa do cristianismo, e´ suficiente passar uma ligeira vista nos crista˜os hodiernos. Na˜o creio na “salvac¸a˜o da humanidade”, meu racioc´ınio, secundado pelo que meus olhos me mostram, me diz que a “salvac¸a˜o” e´ individual e trata-se de salvar-se da ignoraˆncia, esta e´ a verdadeira trevas. A propo´sito, um dos me´todos de ensino do zen budismo e´ a “terapia de choque” ilustrada no seguinte dia´logo: Disc´ıpulo: Qual e´ o caminho para a libertac¸a˜o? Mestre: Quem esta´ te acorrentando? Disc´ıpulo: Ningue´m esta´ me acorrentando. Mestre: Enta˜o, por que queres ser libertado? Adaptando essa iluminada para´bola para o nosso contexto crista˜o, temos: Disc´ıpulo: Qual e´ o caminho para a salvac¸a˜o? Mestre: Quem te disse que esta´s condenado? Disc´ıpulo: Os padres, os pastores, as igrejas. Mestre: Enta˜o, te livra dos padres dos pastores e das igrejas. Resumindo e´ isto: pela mente nos tornamos prisioneiros e pela mente tambe´m podemos nos tornar livres, simples na˜o? 20 Quanto a` minha tese − a de que um demoˆnio pode muito bem fundar uma religia˜o − pode-se levantar algumas questo˜es: 1a ) E Deus mesmo (o verdadeiro) como pode permitir isto? Como pode per- mitir que milho˜es de pessoas sejam enganadas a vida inteira por demoˆnios? 2a ) Como estas entidades poderiam estar por tra´s das religio˜es manipulando as pessoas se, na˜o raro, as igrejas so´ falam de amor ao pro´ximo, de salvac¸a˜o, de caridade, de felicidade, de paz, etc., etc.? Para responder a estas perguntasbasta volvermos, ao menos por um ins- tante, o olhar “dos ce´us” (do para´ıso) de volta a` terra. Com efeito, aqui mesmo na terra existem homens que se dizem Deus e sa˜o adorados por milho˜es como se de fato o fossem − Deus permite isto. Os pastores e padres das igrejas na˜o falam de outra coisa que na˜o salvac¸a˜o, amor, paz, bem-aventurac¸a, etc. Prestem atenc¸a˜o na vida de muitos deles. Veja a histo´ria pregressa da Igreja: Cruzadas, torturas, fogueiras, Santa In- quisic¸a˜o, etc. Numa ma˜o a B´ıblia e na outra a espada. Outro dia assisti pela televisa˜o um documenta´rio de um destes l´ıderes que na˜o apenas dizia-se Deus como era adorado como tal. Um mı´stico argentino que vivia em uma grande comunidade (Arsham) com seus seguidores. O fato de ele ter sido envolvido em um escaˆndalo de pedofilia, ter passado um ano atra´s das grades, na˜o mudou em nada a venerac¸a˜o por parte de seus su´ditos. Eles justificavam-se dizendo que seu Deus fora v´ıtima de calu´nias, era o demoˆnio tentando desestabilizar a obra deles. Ja´ se disse que a inteligeˆncia humana tem limites, a estupidez na˜o. Ademais, se Deus na˜o impediu que surgisse um Hitler, e muitos outros ditadores sanguina´rios (demoˆnios), o que mais na˜o se poderia esperar? Talvez na˜o tenha sido sem raza˜o que Confu´cio, dirigindo-se a seus disc´ıpu- los, disse-lhes: “Mostrem respeito pelos deuses, mas mantenha-os a` distaˆncia.” O que foi dito do Deus-Parens e a sua face oculta de velha bruxa aplica-se igualmente a outros Deuses, como o de judeus e crista˜os, o Deus Jeova´. E´ que as religio˜es nos antolham como a cavalos e so´ nos fazem ver o lado da bela “jovem” e “esquecem” de nos mostrar a face da velha bruxa: Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigeˆnito, para que todo aquele que nele creˆ na˜o perec¸a, mas tenha a vida eterna. E com pedras o apedrejara´s, ate´ que morra, pois te procurou apartar do Senhor, teu Deus. Eu formo a luz e crio as trevas; eu fac¸o a paz e crio o mal; eu, o Senhor, fac¸o todas es- tas coisas. (Dt 13 : 10, Is 45 : 7) Gentil 21 Por exemplo: crianc¸as esqua´lidas e moribundas morrendo de fome e peste em va´rias partes do mundo, dois mil anos de crimes em nome de Deus∗, Hitler, a escravida˜o, torturas e fogueiras, tsunamis, terremotos, um lea˜o trucidando uma gazelinha, etc. etc. Pergunto ao distinto leitor: Se lhe fosse dado projetar um mundo (“Ar- quiteto do Universo”, “Designer Inteligente ”), voceˆ o projetaria de tal modo que seu ca˜o de estimac¸a˜o se alimentasse do seu gato de estimac¸a˜o? Sabedoria e loucura sa˜o qualidades baseadas em nosso julgamento. O mundo na˜o esta´ cheio de mil coisas que nos parecem loucas? As pessoas, em func¸a˜o das quais adoramos pensar que o mundo tenha sido criado, na˜o sa˜o frequ¨eˆntemente insensatas e irracionais? Os maravilhosos ani- mais, exaltados como obras de um Deus imuta´vel, na˜o se alteram con- tinuamente e na˜o terminam por destruir-se? (Paolo Rossi) Semideuses Ainda a respeito dos esp´ıritos Jeova´ e Parens. Volvendo os olhos ao nosso pequeno planeta terra podemos aprender muito a respeito da “outra di- mensa˜o”, a espiritual. Alguns esp´ıritos tanto encarnados (homens) quanto desencarnados teˆm o poder de criar “universos”, isto e´ fa´cil de constatar se nos voltarmos para as criac¸o˜es da cieˆncia. Na matema´tica em particu- lar seria muito fa´cil enumerar diversos universos (e teorias) criados pelos esp´ıritos deste campo particular. Embora muitos destes universos criados sejam no campo puramente abstrato da matema´tica na˜o e´ dif´ıcil constatar que existe uma simbiose (ama´lgama) entre abstrac¸a˜o e realidade concreta. Por exemplo, toda a paraferna´lia tecnolo´gica atual, de que somos teste- munhas, assenta-se em descobertas da f´ısica quaˆntica e esta fundamenta-se na matema´tica abstrata. De repente, a efica´cia do esforc¸o matematizante e´ tal que o real se cristaliza nos eixos oferecidos pelo pensamento humano: novos fenoˆmenos se produzem. Pois e´ poss´ıvel falar sem hesitac¸a˜o de uma criac¸a˜o dos fenoˆmenos pelo homem. O ele´tron existia antes do homem do se´culo XX. Mas, antes do homem do se´culo XX, o ele´tron na˜o can- tava. Ora, ele canta nos computadores, televisores e celulares. (Gaston Bachelard/A formac¸a˜o do esp´ırito cient´ıfico, p. 305/Para´frase) Os Esp´ıritos, tanto dos homens quanto dos desencarnados, teˆm o poder de criar em todas as a´reas: cieˆncias, artes, literatura, religia˜o, etc. Assim como o matema´tico, reitero, tem o poder de criar diversos uni- versos (Geometrias, por exemplo) outros esp´ıritos teˆm a capacidade de criar diversos universos religiosos − Religio˜es diversas. ∗O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus. Fo Jacopo, 1955 - Rio de janeiro: Ediouro, 2007. Esse e´ o livro que sugiro ao leitor, uma das faces da “velha bruxa”. 22 Algumas caracter´ısticas ocorrem no que diz respeito a`s construc¸o˜es da cieˆncia: 1a ) Podem servir tambe´m para escravizar e ate´ para matar − O arsenal de armamentos, inclusive a bomba atoˆmica, e´ um flagrante exemplo; 2a ) Muitas ao longo dos se´culos sa˜o revistas ou caem no esquecimento por mostrarem-se inadequadas “aos novos tempos” − isto acontece ate´ mesmo com teorias matema´ticas; 3a ) Muitas destas construc¸o˜es posteriormente revelaram-se falsas, ou inade- quadas. O que estou defendendo e´ que todas estas caracter´ısticas aplicam-se lite- ralmente ao universo das construc¸o˜es espirituais. Agora vejam so´, nas cieˆncias existem crite´rios objetivos para se validar uma dada construc¸a˜o (criac¸a˜o) e, mesmo assim, em algumas a´reas teˆm ocor- rido fraudes, imposturas. Ja´ pelo lado da espiritualidade a possibilidade de fraude e´ cem vezes maior ja´ que na˜o existem controles “externos”, qual- quer um pode criar uma se´rie de regras, “rituais”, e se habilitar a “salvar a humanidade”. Pelo lado da espiritulidade ainda tem um outro se´rio agravante: “A liberdade de expressa˜o religiosa esta´ protegida por lei ”. Tudo bem, acontece que os bandidos teˆm se valido desta prerrogativa para assaltar os pobres dos seres humanos ainda na˜o chegados a` idade da raza˜o. E a´ı na˜o deu outra: Muitos bandidos trocaram o revo´lver pela Bı´blia e assaltam tranquilamente sob a protec¸a˜o da lei. A mais antiga escritura dos hindus, Os Vedas, estabelece rituais nos quais na˜o somente animais devem ser sacrificados para satisfazer os deuses, mas ate´ mesmo seres humanos devem ser sacrificados − para satisfazer um deus que ningue´m jamais viu. Mas nenhum sa´bio daque- les dias levantou sua voz para dizer que isso e´ absolutamente rid´ıculo, completamente irreligioso, na˜o espiritual. Todos eles seguiram de ma˜os dadas com a sociedade, apoiando com seus escritos ou com sua pro´pria forma de viver tudo aquilo que a sociedade acreditava. A sua u´nica satisfac¸a˜o era a de ser cultuado − mas ser cultuado e´ um tremendo alimento para o ego. Se a sociedade queria que eles vivessem nus, eles viviam nus; se a sociedade queria que eles vivessem em com- pleta pobreza, eles viviam em completa pobreza. Em suma, o velho sa´bio era exatamente o oposto do novo rebelde. O velho sa´bio era o ser obedi- ente e reprimido, com o ego satisfeito. De acordo comigo, ele era doente − espiritualmente doente. (Osho/O Rebelde, p. 15) Nota: Apenas sugiro ao leitor trocar “velho sa´bio” por “velho santo”. Refiro-me aos santos obedientes e submissos a` “Igreja de Deus”, Cato´lica. Nota: Nos cap´ıtulos 3 e 4 estaremos retornando a` ana´lise da quest~ao fundamental: O que e´ Deus? Capı´tulo 2 O ACARAJE´ DE JESUS Se se torna motivo de alienac¸a˜o, na˜o necessitamos dela, pois a religia˜o e´ como um reme´dio: se agrava o mal, torna-se desnecessa´ria. ( Baha´’ u’ lla´h) 2.1 Introduc¸a˜o A motivac¸a˜o (start) para eu redigir o presente cap´ıtulo foium programa de televisa˜o que assisti ha´ poucos dias. Versava este programa sobre o sin- cretismo religioso na Bahia. Exibia a diversidade de manifestac¸o˜es religiosas encontradas somente na capital, Salvador. A cena que na˜o consegui mais esquecer: Existiam muitas bancas de baianas vendendo acaraje´ em uma das prac¸as de Salvador, uma delas, que ficava bem em frente a uma igreja evange´lica, teve a “brilhante” ide´ia de encimar sua banca com uma faixa na qual se lia: “ACARAJE´ DE JESUS” O mais incr´ıvel e´ que surtiu o efeito desejado, numa longa fila os crentes se acotovelavam para comprar o acaraje´ de Jesus. O repo´rter perguntou a uma irma˜ que se encontrava na fila por que ela na˜o comprava o acaraje´ em uma outra banca ja´ que tratava-se do mesmo bolinho, feito com os mesmos ingredientes. A irma˜, exibindo uma certa empa´fia, respondeu que a raza˜o e´ que somente o “acaraje´ de Jesus ” era abenc¸oado, ungido por Deus. Esta cena grotesca me desencadeou uma se´rie de reflexo˜es que resultaram no presente cap´ıtulo. Inicialmente concluimos que tudo o que leva o “ro´tulo” de Jesus serve como motivo de discriminac¸a˜o. Da mesma forma como eles discriminam um acaraje´, por na˜o ser de Jesus, discriminam um ser humano que na˜o partilhe de suas crenc¸as. Segundo, reflita caro leitor no que as igrejas sa˜o capazes de transformar um ser humano: em um perfeito idiota! Ja´ foi enfatizado que a inteligeˆncia humana e´ limitada, a estupidez, pelo contra´rio, na˜o tem limites, a´ı esta´ a prova: limp´ıda, cristalina e irrefuta´vel! 23 24 2.2 Jesus na˜o liberta, Jesus Aprisiona Na˜o apenas pela pungente cena descrita anteriormente, mas tambe´m por outras observac¸o˜es e reflexo˜es, fui levado a` indubita´vel conclusa˜o de que Jesus na˜o liberta, Jesus Aprisiona! Jesus na˜o liberta, Jesus Aprisiona! Jesus na˜o liberta, Jesus Aprisiona! De fato, qualquer um que pare para observar e refletir sobre o compor- tamento fana´tico e alienado de crentes − e boa parte de cato´licos − chegara´ a` conclusa˜o de que sa˜o roboˆs ambulantes, hipnotizados pelos seus l´ıderes. Ja´ pesquisei na internet sobre o fenoˆmeno do sonambulismo, existem os que, enquanto dormem, falam ao celular, sobem escadas, digitam no computador e ate´ dirigem carros. Esse e´ o n´ıvel de conscieˆncia da maioria dos religiosos, perderam a capacidade de discernimento e reflexa˜o. Eu poderia arrolar uma se´rie de argumentos para provar que o Jesus de hoje∗ na˜o liberta, ao contra´rio, aprisiona. Observe que essa na˜o e´ uma hipo´tese, conjectura minha, mas sim a realidade que se encontra escancarada frente aos olhos de todo aquele que tem capacidade para enxergar. Reflita, mais uma vez, sobre a cena do acaraje´ de Jesus. As igrejas, ao venderem toda sorte de bugigangas em nome de Jesus: o´leo ungido, pa˜o ungido, d´ızimo, etc., etc. se constituiram em um covil de salteadores. Os bandidos trocaram o revo´lver pela B´ıblia Padres e pastores evange´licos deveriam montar uma faculdade de po´s- graduc¸a˜o para (po´s)graduar os bandidos pe´s-de-chinelo, como o Fernandinho Beira-mar, por exemplo. De fato, vejam como os bandidos que trajam paleto´ e gravata (ou vestem batina) sa˜o muito mais inteligentes que aqueles que vendem os outros tipos de entorpecentes: assaltando com a B´ıblia, no lugar do antiquado revo´lver, eles na˜o apenas esta˜o a salvo de um par de algemas como ainda gozam da protec¸a˜o das autoridades (in)competentes − ou coniventes. Se observarmos atentamente o comportamento de muitos crentes a con- clusa˜o e´ a de que eles foram drogados (hipnotizados). Eu mesmo ja´ presenciei um culto no qual tive a oportunidade de constatar (“in loco”) que na˜o e´ pre- ciso ingerir nada para se ficar drogado. Por oportuno, esse fenoˆmeno na˜o e´ novo, a pro´pria B´ıblia assinala esta possibilidade, vejam: ∗Isto e´, do que as igrejas fizeram com as “boas novas ” de Jesus. Gentil 25 Pasmai, e maravilhai-vos; cegai-vos e ficai cegos; beˆbedos esta˜o, mas na˜o de vinho, andam cambaleando, mas na˜o de bebida forte. Porque o Senhor derramou sobre vo´s um esp´ırito de profundo sono, e fechou os vossos olhos, os pastores; e vendou as vossas cabec¸as, os padres. Pelo que toda visa˜o vos e´ como as palavras dum livro selado que se da´ ao que sabe ler, dizendo: Ora leˆ isto; e ele dira´: Na˜o posso, porque esta´ selado. Ou da´-se o livro ao que na˜o sabe ler, dizendo: Ora leˆ isto; e ele responde: Na˜o sei ler. Por isso o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca e com os seus la´bios me honra, mas tem afastado para longe de mim o seu corac¸a˜o, e o seu temor para comigo consiste em man- damentos de homens, aprendidos de cor; portanto eis que continuarei a fazer uma obra maravilhosa com este povo, sim uma obra maravilhosa e um assombro; porque a sabedoria dos seus padres perecera´, e o entendi- mento dos seus pastores se escondera´. Ai dos que querem esconder profundamente o seu propo´sito do Sen- hor, e fazem as suas obras a`s escuras, e dizem: Quem nos veˆ? E quem nos conhece? (Is 29 : 9− 15/Para´frase) Essa cena de Isa´ıas descreve com impressionante fidelidade as pra´ticas religiosas das igrejas atuais. Por sinal, um outro pensador tambe´m atinou com uma relac¸a˜o existente entre estas pra´ticas e as drogas, vejam: Na˜o sa˜o so´ as drogas e o a´lcool − a chamada religia˜o tambe´m tem servido como um o´pio. Ela dopa as pessoas. E e´ claro que todas as re- ligio˜es sa˜o contra as drogas, afinal elas atuam no mesmo mercado; lutam contra a concorreˆncia. Se as pessoas usam o´pio, elas podem na˜o ser re- ligiosas; podem na˜o precisar ser religiosas. Ja´ encontraram o o´pio para que se incomodar com a religia˜o? E o o´pio e´ mais barato, exige menos envolvimento. Se as pessoas esta˜o consumindo maconha, LSD e outras drogas mais sofisticadas, elas naturalmente na˜o va˜o ser religiosas, pois a religia˜o e´ uma droga muito primitiva. Por isso todas as religio˜es sa˜o contra as drogas. Na˜o que elas sejam realmente contra as drogas. E´ que as drogas sa˜o concorrentes e, evidentemente, se as pessoas na˜o tiverem acesso a`s dro- gas, elas fatalmente caira˜o nas armadilhas dos padres; na˜o lhes restara´ outra sa´ıda. Essa e´ uma forma de monopo´lio, pois so´ havera´ esse tipo de o´pio no mercado e tudo o mais sera´ considerado ilegal. [. . .] E existem diferentes combinac¸o˜es de o´pio − Cristianismo, Hindu´ısmo, Maometismo, Jainismo, Budismo −, que na˜o passam de combinac¸o˜es diferentes. (Osho/Conscieˆncia, p. 27) 26 Certa feita eu lia um artigo da internet no qual o autor argumentava − dentro de determinado contexto − que de uma coisa ele tinha certeza: “nenhum cientista pode refutar uma experieˆncia religiosa”. “Uma ex- perieˆncia que se tem com Deus, na˜o pode ser contestada pela cieˆncia”, ar- gumentava ele. Apo´s refletir um pouco, cheguei a` conclusa˜o de que na˜o e´ bem assim. Veja bem, a experieˆncia em si na˜o pode ser negada, nisto estou de acordo; entretanto, a interpretac¸a˜o que se da´ a ela esta sim pode ser contestada. E´ o que acontece em um sonho, por exemplo. Qualquer que seja a interpretac¸a˜o que se deˆ a um sonho, mesmo por quem sonhou, pode ser contestada. Reitero: uma coisa e´ uma experieˆncia, outra bem distinta e´ a inter- pretac¸a˜o que se decida dar. Um contra-exemplo mais contundente: supon- hamos, para efeitos dida´ticos, que um adolescente se masturbe pensando na atriz ou modelo de sua predilec¸a˜o; certamente ele chegara´ ao orgasmo, mas isto na˜o significa que a musa inspiradora tenha alguma coisa a ver com sua experieˆncia − a na˜o ser o ter servido de inspirac¸a˜o. De igual modo podemos conjecturar que possa da´r-se com muitas das pra´ticas religiosas contemporaˆneas. A experieˆncia (“orgasmo”) existe, na˜o pode ser negada, agora que Deus tenha algo a ver com isso − a na˜o ser o ter servido de inspirac¸a˜o−, isto podemos discutir. Quando assisto pela televisa˜o certas experieˆncias religiosas − frenesis, gritos e lamu´rias − me pergunto se Deus tem algo a ver com tudo aquilo. A impressa˜o que tenho e´ que os pastores se utilizam de determinados artif´ıcios para anestesiar as incautas ovelhas da´ı que resulta no que a B´ıblia assinala: “Pasmai, e maravilhai-vos; cegai-vos e ficai cegos; beˆbedos esta˜o, mas na˜o de vinho, andam cambaleando, mas na˜o de bebida forte.” Quando leio alguma frase ou pensamento ou argumentac¸a˜o que me toca (sensibiliza) tenho a mania de divulga´-la em meus escritos; a pe´rola a seguir se aplica tambe´m aos pastores o´bviamente: Enganar-se-ia uma pessoa meio a meio, se se presumisse uma falta de inteligeˆncia nos chefes do movimento crista˜o: − Ah! sa˜o astutos ate´ a` santidade os senhores padres da Igreja! o que lhes falta e´ outra coisa muito distinta. A natureza descuidou-se, esqueceu-se de os dotar, ao menos modestamente, de instintos convenientes e “limpos. . . ” Seja dito entre no´s, na˜o sa˜o nem sequer homens. . . se o islamismo despreza o cristianismo, tem mil razo˜es para isso; o islamismo tem “homens” por condic¸a˜o prima´ria. (Nietzsche) O filo´sofo Nietzsche (1844 - 1900) viveu no se´culo XIX, ha´ poucos dias assisti a uma missa pela televisa˜o (Canc¸a˜o Nova) e tive a oportunidade de ver materializado frente a meus olhos o que foi dito acima: “sa˜o astutos ate´ a` santidade os senhores padres e pastores das igrejas!” Gentil 27 A t´ıtulo de exemplo, deixa eu ralatar-lhes uma santa astu´cia, uma ver- dadeira obra de “engenharia teolo´gica”. Na missa o padre afirmava que as ovelhas na˜o deveriam dar tanta importaˆncia aos pecados dos padres, o im- portante e´ que eles foram ungidos por Deus para zelarem pelo rebanho, que as ovelhas deviam obedieˆncia aos padres, na˜o importando a conduta destes, por que assim o quiz Jesus. Quer dizer que um padre pode ser um beberra˜o, um fumante, um men- tiroso, um molestador de crianc¸as (pedo´filo), etc. etc., . . . tudo bem. Ao que parece, os santos padres astutos fazem questa˜o de que esta lorota seja assimilada pelas tolas ovelhas; com efeito, no pequeno livro cato´lico men- cionado no cap´ıtulo anterior (p. 15) lemos: Um apelo a todos, que vale tambe´m para mim, e vale para voceˆ leitor: tomemos o propo´sito de nunca mais criticar a qualquer padre! Eles sa˜o escolhidos por Deus, e claramente todo sacerdote e´ o espelho do povo, da comunidade. [. . .] Dos nossos pecados, o sacerdote cuida! Dos defeitos e pecados dos padres cuida Deus! (p. 30) Por “coincideˆncia” foi isto o que o padre afirmou na missa: “Dos nos- sos pecados cuida Deus, dos pecados de voceˆs cuidamos no´s, que somos as autoridades instituidas por Deus para perdoar pecados.” Neste pequeno discurso (existe muito mais) posso detectar va´rias “santas astu´cias”; primeira, se um padre na˜o presta a culpa e´ da comunidade, ja´ que o sacerdote e´ um espelho desta; segunda, ao mesmo tempo que eles jus- tificam suas fraquezas (sem-vergonhices) ainda reforc¸am a autoridade sobre as cegas ovelhas. Eles so´ esqueceram de uma coisa, de seguir o exemplo do apo´stolo: E todo aquele que luta de tudo se abste´m; eles o fazem para alcanc¸ar uma coroa corrupt´ıvel, no´s, pore´m, uma incorrupt´ıvel. Pois eu assim corro, na˜o como a coisa incerta; assim combato, na˜o como batendo no ar. Antes, subjugo o meu corpo e o reduzo a` servida˜o, para que, pregando aos outros, eu mesmo na˜o venha de alguma maneira ficar reprovado. (1 Co: 9 : 25− 27) Por oportuno, no programa que assisti∗ presenciei uma outra destas “san- tas astu´cias”. A repo´rter perguntou a um padre (ou bispo, ou monsenhor, na˜o lembro o posto) o que ele achava de toda aquela diversidade cultural e religiosa. Ele respondeu que devemos ser tolerantes com as demais mani- festac¸o˜es − vivemos em tempos de toleraˆncia − e que aceitar ou na˜o Jesus e´ uma escolha pessoal. Eu percebi astu´cia na forma como ele se manifestou. De fato, eles sa˜o tolerantes “a contragosto”, fazer o queˆ? − Na˜o podem mais torturar e queimar os “hereges” como em tempos idos . . . o jeito e´ tolerar! ∗SBT Repo´rter, se na˜o me falha a memo´ria; o apresentador era o Ce´sar Filho. 28 E´ de surpreender que tenha havido ta˜o pouca oposic¸a˜o contra os abu- sos praticados a favor de interesses eclesia´sticos. Uma das razo˜es para isso parece ser a crenc¸a generalizada de que a religia˜o, hoje em dia, e´ suave e tolerante e que as perseguic¸o˜es sa˜o coisas do passado. Esta e´ uma ilusa˜o perigosa. Embora muitos lideres religiosos sejam, indu- bitavelmente, amigos verdadeiros da liberdade e da toleraˆncia e, ainda, partida´rios comprovados da separac¸a˜o entre Igreja e o Estado, ha´, infe- lizmente, muitos outros que, se pudessem, se entregariam a perseguic¸o˜es e que, de fato, o fazem, quando podem. (Bertrand Russel/[1], p. 4) Nota: No pro´ximo cap´ıtulo estaremos denunciando uma destas intoleraˆncias ainda em nossos dias. O fanatismo religioso esta´ longe de ter sido extinto. Ademais, no momento em que ele afirmou que Jesus e´ uma escolha pes- soal li nas entrelinhas que ele insinuava que apenas a igreja dele possuia o monopo´lio sobre Jesus. Jesus e´ exclusividade dos cato´licos, a igreja entende assim, embora eles astutamente procurem disfarc¸ar o fanatismo. E´ por isso que tenho dito: voceˆ pode ate´ encontrar pessoas cultas e inteligentes sentadas num banco de igreja “aprendendo” da boca de um padre ou pastor, entretanto, jamais se encontrara´ um sa´bio nestas condic¸o˜es. Inteligeˆncia e cultura e´ uma coisa, outra bem distinta e´ sabedoria. Nem sempre estas convergem em um mesmo sujeito, alia´s raramente convergem. Eu considero um computador culto e inteligente, ha´ os que derrotam ate´ campeo˜es mundiais de xadrez; por sinal os cientistas da computac¸a˜o criaram ate´ a disciplina inteligeˆncia artificial, nunca ouvi falar que sequer tenham cogitado de criar a disciplina “sabedoria artificial ”. Parafraseando Nietzsche Enganar-se-ia uma pessoa meio a meio, se se presumisse uma falta de inteligeˆncia nos chefes do movimento crista˜o: − Ah! sa˜o astutos ate´ a` santidade os senhores padres e pastores das Igrejas! o que lhes falta e´ outra coisa muito distinta. A natureza descuidou-se, esqueceu-se de os dotar, ao menos modestamente, de sabedoria, de sensibilidade . . . 2.3 A imitac¸a˜o e´ um atentado contra a Natureza Anteriormente afirmei que Jesus na˜o liberta, mas sim aprisiona. Claro, alguns poderiam argumentar que as igrejas distorceram os ensinamentos de Jesus e essa forma distorcida e´ que aprisiona os seres humanos. Na˜o desconhec¸o essa perspectiva. Mesmo assim invoco em apoio a` minha tese um eminente pensador: Todos os redentores criaram tipos diferentes de escravido˜es. Na ver- dade, ningue´m pode redimir outra pessoa. A pessoa pode redimir a si mesma, mas fingir que “Sou o redentor, simplesmente acredite em mim e o salvarei; sou o salvador, o u´nico verdadeiro salvador”, tem criado aprisionamento. Gentil 29 Essas priso˜es sa˜o espirituais e psicolo´gicas, por isso voceˆ na˜o as veˆ. Sena˜o o que voceˆ quer dizer quando afirma: “Sou crista˜o”, ou “Sou hindu”, ou “Sou budista”? Isso significa que “Acredito que Gautama Buda sera´ meu redentor”, “Estou simplesmente esperando que Jesus Cristo venha e me salve”. Voceˆ abandonou todo esforc¸o para transformar a si mesmo − e esse e´ o u´nico caminho que existe para qualquer tipo de transformac¸a˜o. Todos esses redentores criaram apenas priso˜es para as pessoas. E os sacerdotes continuam representando esses redentores mortos. Esses sacerdotes tambe´m esta˜o aprisionados, mas pelo ao menos suas priso˜es sa˜o lucrativas. Os outros que esta˜o aprisionados esta˜o simples- mente desperdic¸ando seu tempo na espera. Todo o esperar e´ um esperar por Godot, que nunca vem. Toda religia˜o destro´i a dignidadedo homem, chama-o de pecador. Em vez de dotar o homem de dignidade, tornando-o mais belo e mais ver- dadeiro, tornando-o um deus sobre a terra, transformaram a humanidade inteira numa multida˜o de pecadores. E tudo que voceˆs devem fazer e´: “Subam as escadas de joelhos, seus pecadores!” Eles chamam isso de adorac¸a˜o, de prece. Isso nada mais e´ que suic´ıdio. Isso e´ destruir a si mesmo, sua auto-estima, seu respeito pro´prio, sua dignidade. (Osho) Observe a harmonia entre o pensamento do mı´stico e o do filo´sofo: Toda concepc¸a˜o de Deus e´ uma concepc¸a˜o derivada dos antigos despo- tismos orientais. E´ uma concepc¸a˜o inteiramente indigna de homens livres. Quando vemos na igreja pessoas a menosprezar a si pro´prias e a dizer que sa˜o misera´veis pecadores e tudo o mais, tal coisa nos parece deprez´ıvel e indigna de criaturas humanas que se respeitem. (Bertrand Russel/[1], p. 19) Tributo Por oportuno, vou me permiti abrir aqui um pareˆntesis para prestar um tributo ao eminente lo´gico, filo´sofo e matema´tico Bertrand Russel − e a ou- tros tantos eminentes ateus e agno´sticos∗ − que por ter sido um esp´ırito de elevada estirpe aqui neste planeta, mesmo diante do vazio da morte mante´m sua integridade intelectual e moral e na˜o dobra seus joelhos em busca de consolo em poss´ıveis fantasias religiosas, como amiu´de ocorre com mir´ıades de pobres esp´ıritos que na˜o teriam tanto a perder e a lamentar diante da morte. De fato, sa˜o dignos de toda a minha admirac¸a˜o e respeito esp´ıritos como estes, a exemplo do pro´prio Einstein, que tanto contribuiram com a evoluc¸a˜o da humanidade e que, na˜o obstante, se despedem do nosso plano sem mendigar − a`s religio˜es − nenhuma recompensa futura. ∗Bertrand Russel, ele mesmo na˜o se considera ateu mas sim agno´stico no sentido de que na˜o consegue aceitar pela raza˜o a existeˆncia de Deus, todavia na˜o nega esta possibilidade. 30 Adendo: Um evange´lico que leu uma versa˜o anterior deste cap´ıtulo me escreveu discordando da afirmativa anterior: “. . . e os sacerdotes continuam representando esses redentores mortos ” − no que toca a Jesus − uma vez que Buda, Maome´ e outros, argumenta ele, esta˜o no tu´mulo enquanto Jesus na˜o, ressuscitou. Respondi-lhe que entendo esta afirmativa algo diferente. O autor afirma antes “Na verdade, ningue´m pode redimir outra pessoa”, e´ neste sentido que entendo que todos os redentores esta˜o mortos: na˜o existem redentores! A liberdade − da ignoraˆncia, de um n´ıvel inferior de conscieˆncia, etc. − e´ uma conquista pessoal, e´ isto o que a vida me mostra, na˜o e´ um simples batismo e a recitac¸a˜o de fo´rmulas exote´ricas que vai tornar algue´m sa´bio de um momento a outro. Reitero: nunca ouvi dizer de algue´m que tenha mergulhado em um tanque batismal e, ao retornar, estivesse se iluminado. Salvac¸a˜o, libertac¸a˜o, e´ isto: Iluminac¸a˜o. Na˜o adianta um aluno relapso e negligente ter um excelente mestre, se ele na˜o se esforc¸ar nunca saira´ do seu estado de ignoraˆncia, nunca sera´ “salvo”. Retomando, poderiam argumentar, existem inu´meros exemplos de beˆba- dos e drogados que abandonaram seus v´ıcios e hoje encontram-se dentro de uma igreja louvando e adorando a Deus, isto na˜o e´ libertac¸a˜o? Respondo: trocaram uma prisa˜o por outra, uma droga por outra. Se houve progresso, em muitos casos isto na˜o e´ ta˜o evidente assim. Releia Isa´ıas a` pa´gina 25. Reflitam sobre as seguintes passagens b´ıblicas: Mas ai de vo´s, pastores e padres, hipo´critas! Pois que fechais aos homens o reino dos ce´us; e nem vo´s entrais, nem deixais entrar aos que esta˜o entrando. (Mt 23 : 13/Para´frase) Ai de vo´s pastores e padres, hipo´critas! porque percorreis o mar e a terra para fazer um prose´lito; e, depois de o terdes feito, o tornais duas vezes mais digno do inferno do que vo´s. (Mt 23 : 15/Para´frase) Daqui minha lo´gica de matema´tico me permite deduzir que dentro de uma igreja a chance de que um indiv´ıduo va´ para o inferno e´ duas vezes maior do que a de algue´m que esteja fora dela. Ou existiria um erro em minha infereˆncia? Existe um pensamento relativo a` pol´ıtica que acho extremamente idiota: “O pol´ıtico fulano de tal rouba mas faz ”. Um argumento imbecil destes estaria justificado para qualquer profissa˜o: Um me´dico rouba mas faz, um advogado rouba mas faz, um engenheiro rouba mas faz, um professor rouba mas faz, etc. Reitero: se este mote imbecil, idiota, vale para o pol´ıtico na˜o vejo raza˜o pela qual na˜o deveria valer para as outras profisso˜es. Um pol´ıtico deve fazer, sem roubar, porque esta e´ sua obrigac¸a˜o, ele ganha no mı´nimo dez vezes mais que muitos trabalhadores honestos, por que ele ainda teria o direito de roubar? Gentil 31 Mas na˜o estamos tratando de pol´ıtica e sim de religia˜o. E´ que pelo lado da religia˜o existe um pensamento ta˜o imbecil quanto este − ou mais − o de que uma igreja encontra-se justificada apenas por “retirar muitos das drogas”, “transformar vidas”, “realizar milagres”, etc; na˜o importando se o seu l´ıder e´ um bandido, se o pastor distorce um vers´ıculo para roubar. Uma igreja deve transformar vidas porque esta e´ sua obrigac¸a˜o, foi isto o que eles escolheram fazer e ganham para isto. Um psico´logo, um psiquiatra tambe´m salvam vidas, entretanto isto na˜o lhes confere o direito de serem desonestos como uma maioria na˜o desprez´ıvel de l´ıderes religiosos. E as ovelhas cegas sa˜o ta˜o cegas que ainda defendem seus pro´prios tosquiadores. Muitas vezes me vejo pasmo, estupefato, por ver que o poc¸o na˜o tem fundo no que diz respeito a` estupidez humana. 2.3.1 Na˜o e´ certo querer ser igual a Jesus Se observarmos a Natureza veremos que a mesma prima (“zela”) pela diversidade, pela singularidade; nada se repete na Natureza, na˜o existem sequer duas folhas de uma mesma a´rvore que sejam iguais; se ha´ algo que me fascina e´ a diversidade da vida marinha, a diversidade de fauna e flora. Duas coisas absolutamente iguais seria um atentado contra a Natureza. Certa feita, uma amiga minha me confidenciou que sentia-se culpada por ter dificuldade em imitar o que ela achava bonito nas pessoas virtuosas. Respondi que ela na˜o era obrigada a imitar ningue´m. Ela me respondeu: “aquilo que se acha bonito deve-se imitar sim”. Na˜o concordo, por exemplo, quando Sa˜o Francisco tirou a roupa, ficou nu, e a entregou a seu pai; achei este um gesto de sua parte relativamente bonito, no entanto, na˜o pretendo imita´-lo. Jesus se deslocava, em sua e´poca, no lombo de um jumentinho, achei bonito esse seu gesto, no entanto prefiro (e necessito) me deslocar em minha motocicleta. Jesus, segundo os relatos b´ıblicos, foi surpreendido va´rias vezes em orac¸a˜o ao Pai. Achei isso bonito, mas na˜o sinto a necessidade de imitar Jesus. A conjuntura na qual ele vivia foi uma, a minha e´ outra bem distinta. Se eu tivesse como objetivo “seguir os passos de Jesus”, por exemplo na˜o teria estudado matema´tica, foi com o pouco que aprendi desta disciplina que consegui criar meus filhos. Jesus nunca teve mulher e filhos, eu tenho quatro filhos que, por sinal, estudam na mesma universidade em que eu leciono, isto me deixa contente. Em suma, Jesus e´ Jesus e eu sou eu. Por que devo imita´-lo? O que estou tentando dizer e´ que todo ser humano deve esforc¸ar-se em construir sua pro´pria individualidade. Ja´ foi observado que as religio˜es sa˜o os celeiros dos maiores hipo´critas do mundo. Eles esta˜o sempre tentando “imitar” seus ı´dolos, delegando a outrem a responsabilidade da autocons- truc¸a˜o. 32 O homem e´ o art´ıfice do seu destino: tem que arrostar o esforc¸o de criar a si mesmo. (Pietro Ubaldi) Na˜o trata-se de ser igual ou melhor que ningue´m mas sim de ser dife- rente − digo, de preservar sua individualidade, ou constru´ı-la. Eu na˜o quero ser igual a nenhum dos grandes homens da histo´ria,aqui incluindo-se todos os santos e “redentores da humanidade”, posto que isto, segundo entendo, seria um atentado contra a pro´pria Natureza. Lembro que ha´ muitos anos, quando eu ainda era crente, me queixei a uma irma˜ da igreja: sinto que estou perdendo a minha individualidade (personalidade), os pastores nos dizem que devemos nos esforc¸ar para sermos iguais a Jesus. Eles te exibem um “manequim de gesso” como modelo, se voceˆ e´ magro tem que engordar para caber ali dentro e se e´ gordo tem de emagrecer. Ela me respondeu: tu tens mais e´ que perder a tua individualidade mesmo e ser igual a Jesus. Ainda aos 26 anos me retirei da igreja sem ter conseguido ser igual a Jesus. Hoje, aos 51 anos, na˜o tenho mais isto como uma das prioridades da minha vida. Por oportuno, esta e´ precisamente uma das razo˜es pelas quais muitos casamentos desmoronam: Um dos conjuges “vampiriza” − tenta anular − a individualidade do outro. Na˜o sei se esta˜o me entendendo . . . reflita sobre o seguinte: Todos os redentores criaram tipos diferentes de escravido˜es. Na ver- dade, ningue´m pode redimir outra pessoa [. . .] Voceˆ abandonou todo esforc¸o para transformar a si mesmo − e esse e´ o u´nico caminho que existe para qualquer tipo de transformac¸a˜o. Todos esses redentores criaram apenas priso˜es para as pessoas. E os sacerdotes continuam representando esses redentores mortos. (Osho) Os doutores teo´logos poderiam tecer mil e um argumentos contra o que esta´ dito acima, acontece que a realidade − isto e´, o que nossos olhos nos fazem ver − desmontaria fa´cilmente seus sofismas. Pelo que percebo, as pessoas perdem bastante tempo na vida mendigando isto ou aquilo dos santos, esquecem de partir para a conquista. E a Igreja e´ ce´lere em manter esse estado afinal de contas e´ desta mendicaˆncia que ela perpetua seu poderio sobre as massas, sobre os cegos. E´ uma das leis da Natureza, ao que me parece, que tudo o que tem Gentil 33 valor deve ser conquistado com esforc¸o pro´prio. Na˜o se transfere sabedoria numa simples “transfusa˜o de sangue ”. Nunca vi um crente que tenha ficado mais sa´bio ou mais inteligente pelo simples ato de “aceitar Jesus”. Pelo contra´rio, tenho visto muitos diminuirem em sabedoria e discernimento, por ficarem cegos e alienados. Vejam, por exemplo, a irma˜ do acaraje´. Se ela na˜o tivesse aceitado Jesus compraria seu acaraje´ em uma banca que na˜o tivesse fila; aceitando Jesus, no meu entendimento, ela ficou mais burra em enfrentar uma longa fila, sendo que na banca ao lado, em frente, na˜o existia fila nenhuma. Ademais, doar dinheiro a bandidos − abutres parasitas − e´ cegueira e burrice. Este foi um mero exemplo colhido aleato´riamente, poderiamos arrolar inu´meros outros nos quais os religiosos teˆm se revelados acanhados (tacan- hos) em inteligeˆncia. E´ por falta de inteligeˆncia que escu- tamos os sacerdotes, que acreditamos em suas ficc¸o˜es. (Osho) Se formos contabilizar desde os primo´rdios ate´ nossos dias, na˜o tenho du´vidas de que Jesus fez muito mais prisioneiros que “ex-escravos”. E´ sufi- ciente observarmos os milhares e milho˜es de cegos enclausurados dentro das igrejas hodiernas . . . e´ este o saldo de Jesus− e de outros supostos redentores. Se hoje ainda na˜o faltam aqueles que na˜o sabem em que medida e´ indecente ser crente − ou um sinal de de´cadence, de uma vontade de vida alquebrada −, amanha˜ ja´ o sabera˜o. (Nietzsche) Entendo perfeitamente que Jesus na˜o e´ culpado pelo que as aves de rapina fizeram com os seus despojos, no entanto sua mensagem serviu para o estrago que a´ı se veˆ. Jesus afirmou − creio que um tanto quanto intempestivamente: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ningue´m vem ao Pai, sena˜o por mim. (Jo 14 : 6) Discordo de treˆs das quatro afirmativas acima: “Eu sou o caminho”, “Eu sou a verdade”, “Ningue´m vem ao Pai, sena˜o por mim.” Quanto a` quarta, eu na˜o sei o que e´ a vida. Veja, minha convicc¸a˜o 34 em discordar destas assertivas, se fundamenta na realidade que meus olhos testemunham. Leio em um livro espiritual, referindo-se a Deus: “Ele da´-me uma extensa variedade de me´todos para usar para o progresso espiritual ”. Qualquer pessoa, em sa˜ conscieˆncia, na˜o teria dificuldade em concordar com esta afirmativa, qual seja, a de que Deus nos disponibiliza va´rios ca- minhos para o progresso espiritual − porque e´ isto o que a realidade nos mostra. Ou sera´ que todos os povos de todas as outras religio˜es do mundo esta˜o no caminho errado? E somente os crista˜os esta˜o no caminho certo!? Sinceramente na˜o creio nesta possibilidade. Mais a` frente estarei jus- tificando por que na˜o creio que Jesus seja a verdade. Quanto a u´ltima afirmativa de Jesus; ora, se Deus disponibiliza va´rios caminhos para o pro- gresso espiritual e´ l´ıcito concluirmos que podemos chegar a Deus por um caminho distinto de Jesus, na˜o e´ verdade? Desta, e de outras passagens, podemos discernir claramente a geˆnese da intoleraˆncia e fanatismo pro´prios dos crista˜os, neste sentido Jesus e´ culpado sim. E na˜o e´ apenas eu que consegue enxergar isto: A intoleraˆncia que se estendeu pelo mundo com o advento do cris- tianismo constitui um de seus trac¸os mais curiosos, devido, penso eu, a` crenc¸a judaica na justic¸a e na realidade exclusiva do Deus judeu. Por que raza˜o os judeus deviam possuir tais peculiaridades, e´ coisa que ig- noro. [. . .] Seja como for, os judeus, e mais especialmente os profetas inventaram a ide´ia de que e´ pecado tolerar-se qualquer religia˜o, exceto uma. Essas duas ide´ias tiveram efeitos extraordinariamente desastrosos sobre a histo´ria ocidental. (Bertrand Russel/[1], p. 26) Os crentes − toda a conjuntura religiosa atual − me obrigam a voltar-me para os ensinamentos de Jesus, a refletir sobre o que ele disse. Nestas minhas buscas cheguei a` conclusa˜o de que na˜o existem mestres “perfeitos”; tenho tido contato com outras “verdades” mais adequadas aos “tempos moder- nos”, mais eficazes, por assim dizer, para libertar os homens do atoleiro em que eles se encontram patinando ha´ se´culos − mileˆnios. O que me da´ convicc¸a˜o para uma afirmativa de tamanha envergadura e´ que, quase diria, na˜o conhec¸o um u´nico crista˜o que seja livre. Todos os que se encontram dentro de uma igreja rezando, na˜o os considero livres − caso contra´rio, na˜o estariam ajoelhados. Falo no seguinte sentido: Quando sei de pessoas que se cur- vam nas igrejas confessando-se misera´veis pecadoras, e tudo o mais, tenho isso como desprez´ıvel, incompat´ıvel com o respeito que devemos a no´s pro´prios. (Bertrand Russell) Gentil 35 Por outro lado, na˜o creio que Jesus gozava de tanta intimidade com o Pai, pelo ao menos na˜o tanto quanto padres e pastores querem nos fazer crer. Na˜o apenas por ele ter sido “abandonado pelo Pai” na cruz, ou ter se equivocado quanto a data do seu segundo advento Em verdade vos digo que alguns ha´, dos que aqui esta˜o, que na˜o provara˜o a morte ate´ que vejam vir o Filho do homem no seu reino. (Mt 16 : 28) E, a` hora nona, Jesus exclamou com grande voz, dizendo: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? (Mc 15 : 34) como tambe´m por ele na˜o ter sido ouvido em pelo ao menos uma de suas orac¸o˜es, qual seja: Para que todos sejam um, como tu, o´ Pai, o e´s mim, e eu, em ti; que tambe´m eles sejam um em no´s, para que o mundo creia que tu me enviaste. (Jo 17 : 21) Veja, aqui Jesus esta´ orando pela unidade dos crista˜os. Eu na˜o sei daqui para a frente mas ate´ hoje − isto e´, 2000 anos depois − Deus ainda na˜o atendeu seu pedido. Pelo contra´rio os crista˜os esta˜o mais desunidos do que nunca, e´ suficiente ver que as igrejas se multiplicam com a mesma rapidez com que o fazem ce´lulas cancerosas em um tumor. Os crista˜os andaram ate´ se matando em “guerras santas” entre cato´licos e protestantes
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