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Resenha - Intervenção

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Faculdade Integrada do Recife
Relações Internacionais
Direito Internacional Humanitário
INTERVENÇÃO: CONCEITO, CLASSIFICAÇÕES E DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO 
Aluna: Flávia Salazar Sousa
Matrícula: 200801443663
Professor: Rodrigo B. de Albuquerque
Recife, 2012
JUBILUT, Liliana Lyra. Não intervenção e legitimidade internacional. São Paulo: Saraiva, 2010. Capítulos 1 e 2.
Até hoje, não há consenso doutrinário sobre o conceito do termo “não intervenção”. A dificuldade em defini-lo decorre do fato de que, sendo concebido como a antítese da intervenção, depende primeiramente da conceituação desta, o que por si já é uma tarefa difícil, em virtude da sua vinculação a valores e ideologias que variam de acordo com a realidade histórica em que se inserem.
Em decorrência disso, Liliana Jubilut, seguindo a orientação de Rosenau - segundo o qual a compreensão do fenômeno da intervenção deveria ser feita a partir da discriminação de seus elementos -, elege a definição de R. J. Vincent como a mais completa, mas não necessariamente a ideal, por apresentar seis elementos básicos da intervenção, quais sejam: a) o agente da intervenção; b) o alvo da intervenção; c) a tipificação dos atos envolvidos; d) os tipos de intervenção; e) o objetivo; f) o contexto da intervenção.
A definição do agente interventor por Vincent tem seu mérito, de acordo com Jubilut, pelo fato de não restringir a intervenção a uma conduta estatal, como o fizeram outros autores, mas por reconhecer o agente sempre como uma entidade coletiva, seja ela um Estado, um grupo revolucionário, um grupo com ou sem o apoio estatal, um grupo de Estados ou uma organização internacional, porém nunca um indivíduo isolado.
Esse reconhecimento de uma pluralidade de agentes é importante, levando-se em consideração a questão do terrorismo internacional atual, comandado por fortes organizações como a Al-Qaeda, assim como o poder de influência que outras organizações, governamentais ou não, vêm adquirindo na sociedade internacional.
Para a aludida autora, esse primeiro elemento reveste-se de grande importância, principalmente no tocante à análise da legitimidade e da legalidade da intervenção, uma vez que, atualmente, o respaldo de um maior número de Estados e/ou organizações internacionais é determinante para a aceitação das intervenções no cenário internacional. 
O segundo elemento apontado por Vincent é o alvo da intervenção, o qual, para o autor, trata-se sempre de um Estado soberano. Neste diapasão, faz-se necessária uma análise do que seria soberania, para então delimitar-se o âmbito de abrangência desse elemento.
Liliana Jubilut chama a atenção aqui para a existência de duas definições de soberania: uma jurídica, referente à soberania negativa, e uma política, alusiva à soberania positiva. A primeira corresponde à conceituação tradicional, baseada em uma face interna, que trata da relação do Estado com os seus cidadãos, e outra externa, consistente na exclusão de qualquer outro poder semelhante dentro do território estatal. A soberania política, por sua vez, dá maior relevo à questão interna do país, uma vez que diz respeito à capacidade de governança efetiva dentro de um Estado. 
Uma vez que somente os Estados com soberania plena não seriam passíveis de intervenção, é de se reconhecer a crescente relevância que o conceito de soberania positiva vem ganhando no contexto das relações internacionais diante das crises de governança verificadas em muitos países, os chamados Estados falidos (failed States), principais alvos das atuações internacionais no presente, especialmente as de caráter humanitário.
O terceiro elemento da intervenção, por seu turno, seria a característica dos atos envolvidos em sua realização. Para ser concebida como uma intervenção, a ação deve consistir em atos temporários, de interferência e de caráter coercitivo. A coerção não implicaria necessariamente o uso da força, uma vez que pode ser exercida através de outros poderes, como o econômico e o ideológico. A temporalidade é outro requisito necessário, visto que a intervenção consiste sempre em uma ruptura da ordem internacional.
Quanto ao quarto elemento apontado por Vincent, relacionado aos tipos de intervenção, Jubilut critica, com acerto, a escolha do autor, por entender tratar-se de uma forma de classificação, e não de elemento de conceituação do fenômeno. Com efeito, a definição de intervenção visa abranger todos os tipos de intervenção, e não a alguns específicos, de modo que não há sentido na integração desse quarto elemento ao conceito em análise.
O quinto elemento da intervenção, por sua vez, diz respeito ao seu objetivo. Este elemento apresenta grande relevância, segundo a autora, uma vez que se costuma utilizá-lo como critério de legalidade da conduta.
Por fim, o último elemento apresentado por Vincent seria o contexto em que a intervenção se insere. Liliana Jubilut reconhece aqui a importância do contexto na questão da legitimidade da ação interventiva, porém apresenta ressalvas quanto à sua adequação como elemento conceitual.
É inegável a relação que o conceito de intervenção possui como o momento histórico em que se insere. No entanto, não se deve considerá-lo como um elemento do conceito, sob o risco de sempre condicionar a definição da intervenção à análise do contexto histórico em estudo.
Após a análise dos diferentes elementos da intervenção, Jubilut acaba por defini-la como
atos de interferência e coação empreendidos por um Estado, grupo de Estados, grupo não estatal (com ou sem o auxílio de entes estatais) ou Organização Internacional, contra outro Estado, objetivando manipular comportamentos nesse, limitando o campo de ação e autonomia reservada pelo Direito Internacional aos entes internos (estatais ou não estatais), podendo tal interferência ser legal ou ilegal com base na violação ou não das regras do Direito Internacional. (JUBILUT, 2010. p. 40)
Não obstante a crítica feita pela autora à inclusão por Vincent dos tipos de intervenção como elemento do conceito, é preciso reconhecer que também ela insere elementos classificatórios em sua definição, ao fazer referência à legalidade ou não da conduta.
No que tange às classificações da intervenção, Jubilut utiliza os seguintes critérios: a) legalidade; b) tipos de intervenção; c) tomada da decisão; d) empreendimento da intervenção.
Quanto à legalidade, a intervenção pode ser legal, quando autorizada pelo Direito Internacional, ou ilegal, quando por ele não autorizada.
Quanto aos tipos, a intervenção pode ser militar ou material, econômica, política, ou ideológica. As intervenções militares, por sua vez, também podem ser subclassificadas, de acordo com a) a autorização para o recurso às armas ou b) com base no nível de participação das tropas interventoras nas atividades no solo.
No tocante à decisão sobre a intervenção, ela pose ser unilateral, quando proveniente de um único Estado ou grupo, ou multilateral, quando envolve um grupo de Estados e/ou uma organização internacional.
Por fim, quanto ao empreendimento ou execução da intervenção, pode se dar por uma única entidade ou por uma multiplicidade de atores.
Tendo em vista a importância do contexto histórico na definição da intervenção, Liliana Jubilut apresenta uma breve análise histórica da evolução da regra da não intervenção no contexto internacional.
No que tange à Ordem Internacional da Cristandade, a autora ressalta o fato dos Estados se encontrarem nessa época sob a influência dos valores da Igreja Católica, formando uma verdadeira comunidade universal cristã, na qual as fronteiras não impediam interferências externas na política estatal. 
De fato, é preciso lembrar que, nesta época, muitos Estados ainda não se haviam formado, encontrando-se ainda sob o modelo do feudalismo e suas relações de vassalagem, onde a ingerência da Igreja Católica nos assuntos seculares se fazia presente em todos os momentos, de modo que, se houvesse ocorrido no contexto atual, caracterizar-se-ia uma verdadeiraintervenção ideológica.
Durante a vigência da Ordem Internacional da Cristandade, o uso da força, inclusive para a intervenção, era aceita na medida em que se enquadrasse no conceito de guerra justa. Este conceito, por sua natureza aberta, passou por diferentes concepções ao longo do tempo, seguindo a evolução do pensamento racional cristão, desde Santo Agostinho, até a sua laicização, com Grotius e Francisco de Vitória.
Para esses últimos pensadores, fundadores do ius naturalismo, justa seria a guerra cujo objetivo fosse impor o direito. Jubilut aponta que o mérito em seu pensamento estava em querer definir regras a fim de moldar o comportamento, e não o contrário, como se vinha fazendo ao longo dos anos.
Já na Ordem Internacional estabelecida com o acordo de Paz de Westphalia em 1648, após a Guerra dos 30 anos, consagrou-se o Estado como o ator por excelência das relações internacionais, sendo considerados os elementos do mesmo a população, o território e a soberania. Além disso, com a adoção da Razão de Estado como princípio das relações internacionais, restou estabelecida a separação entre a Igreja e o Estado, não mais se admitindo a ingerência daquela nos negócios deste.
Chama a atenção Jubilut o fato de que a norma da não intervenção surge da combinação dos princípios da soberania, da territorialidade e da igualdade entre os Estados. Relacionando-se o exercício da soberania ao princípio poder efetivo, foi possível, ademais, a coexistência entre a ideia da igualdade de Estados e o direito de manutenção de colônias.
Com o fim das Guerras Napoleônicas em 1815, teve início a Ordem Internacional de Viena, a qual tinha como figura central a “balança de poder”, formada pelas principais potências europeias, e que, segundo Jubilut, consistia na ideia de fiscalização mútua, onde cada Estado é, ao mesmo tempo, supervisor e supervisionado.
Havendo reconhecido a grande diferença de poder existente entre essas potências e os demais Estados, estabeleceram elas que o princípio da igualdade deveria ser aplicado com base na igualdade política, e não jurídica, de modo que, uma vez inexistente a igualdade, a soberania não se tornaria obstáculo à expansão colonial.
A política imperialista das potências realmente ensejava uma reformulação dos princípios das relações internacionais, a fim de se adequarem aos seus interesses. Os países excluídos do Concerto, entretanto, tentaram, na época, formular doutrinas não intervencionistas, principalmente no continente latino-americano, embora a que mais repercussão obteve foi a estabelecida por James Monroe, a qual, não obstante contra a intervenção europeia, tinha um caráter imperialista norte-americano.
Com a instituição da Ordem Internacional de Versailles, contudo, grandes foram as mudanças ocorridas nas relações internacionais. Liliana Jubilut esclarece que, em face dos horrores presenciados durante a Primeira Guerra Mundial, foi criada pela primeira vez uma organização internacional de caráter universal, cujo objetivo precípuo era a manutenção da paz e da segurança internacionais, consagrando, de modo indireto, a norma da não intervenção, ao proibir a agressão externa à integridade territorial e à independência política dos Estados.
Também de grande importância nesta época foram o Pacto Briand-Kellog e a Convenção sobre Direitos e Deveres dos Estados. A primeira, por proibir o uso de forças armadas para a invasão de territórios; a segunda, por haver positivado a norma internacional da não intervenção.
Faz-se mister reconhecer, no entanto, o fracasso da Liga das Nações, a qual não conseguiu impedir as práticas de intervenção na época, as quais acabaram por ensejar, inclusive, a Segunda Guerra Mundial.
Ao final desta Segunda Guerra, porém, uma nova ruptura ocorreu na ordem internacional, dando início à sua fase contemporânea com a criação da Organização das Nações Unidas. Segundo Jubilut, sua principal característica reside na limitação do uso da força por meio do Direito, trazendo novos padrões de conduta previsíveis, fundados na combinação entre os pilares já consagrados (respeito à soberania e igualdade jurídica dos Estados) com novos valores, dos quais se destacam os de direitos humanos. Dessa forma, restou consagrada na Carta da ONU a não intervenção como norma, elencando-a entre os seus princípios e positivando-a universalmente pela primeira vez.
Não obstante os inegáveis defeitos da ONU, principalmente no que tange ao Conselho de Segurança, essa Organização conseguiu em muitos aspectos atender às expectativas consagradas em sua Carta, auxiliando no processo de descolonização dos países, contribuindo para aumentar o diálogo internacional e disseminando os valores de direitos humanos, de modo que ainda configura o melhor instrumento para a manutenção da segurança e da paz internacionais.
A partir da sua positivação na Carta de São Francisco, o princípio da não intervenção acabou transformando-se em um dos pilares da Ordem Internacional Contemporânea.

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