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Nucci rasga Convenção Americana de Direitos Humanos

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Nucci, como juiz, rasgou a Convenção Americana
Publicado por Luiz Flávio Gomes - 1 mês atrás-Jusbrasil
A Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 7,5) manda que o preso em flagrante deva ser apresentado prontamente a uma autoridade judicial ou equivalente: “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”.
Isso se concretiza dentro de uma audiência de custódia, que constitui o momento em que o judiciário controla a prisão efetuada (que é ato de expressão do poder punitivo). Compete ao juiz verificar se a prisão é devida ou indevida (ilegal ou abusiva) assim como controlar o monopólio do emprego da violência pelo Estado (M. Weber), que tampouco pode ser arbitrária. A prisão, em várias situações, é necessária. A questão é saber se foi (ou não) concretizada dentro da lei. Quando ilegal ou abusiva deve ser prontamente revogada.
O juiz é o semáforo do sistema penal (Zaffaroni): se der sinal verde para a violência, ela prossegue. Se der sinal vermelho, haverá controle. Tudo tem limite. É para isso que existe a audiência de custódia (que deveria se estruturar como uma audiência protetiva de direitos do acusado, da sociedade e da vítima – todo delito afeta direitos dos três). Ao juiz compete aplicar o direito vigente a cada caso concreto (liberando o preso ou mantendo-o preso, quando absolutamente necessário – consoante axioma já inscrito na Constituição Francesa de 1791), nos termos máximos da Constituição. Isso é o que se chama de direito penal constitucional máximo.
Nucci, que é um doutrinador profícuo e bastante citado nos tribunais, como juiz (desembargador) em São Paulo, decidiu o seguinte:
 “Quanto à afirmada ilegalidade da prisão em flagrante, ante a ausência de imediata apresentação dos pacientes ao juiz de Direito, entendo inexistir qualquer ofensa aos tratados internacionais de direitos humanos. Isto porque, conforme dispõe o artigo 7º, 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos, toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais. No cenário jurídico brasileiro, embora o delegado de polícia não integre o Poder Judiciário, é certo que a lei atribui a esta autoridade a função de receber e ratificar a ordem de prisão em flagrante. Assim, in concreto, os pacientes foram devidamente apresentados ao delegado, não se havendo falar em relaxamento da prisão. Não bastasse, em 24 horas, o juiz analisa o auto de prisão em flagrante” (TJ-SP — HC 2016152-70.2015.8.26.0000 — relator Guilherme de Souza Nucci, j. 12.05.2015).
Confundindo o delegado de polícia com o juiz de direito (assim como as suas funções distintas de controle da prisão), rasgou a Convenção Americana de Direitos Humanos. Com certeza poderá revisar, no futuro, esse seu posicionamento (que é totalmente inconvencional), assim como inconstitucional (por força do art. 5º, § 2º, da CF, que abre uma importante janela para o direito internacional).
Vamos às razões da crítica: toda prisão em flagrante está subordinada a um duplo controle jurídico: do delegado de polícia e do juiz. Do delegado, por força do art. 304 e seus parágrafos do CPP. Do juiz, por força da Constituição (que diz que o juiz deve relaxar o flagrante quando ilegal – CF, art. 5º, LXV) assim como da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 7, 5). Isso é o que o delegado de polícia no Rio de Janeiro, Ruchester Marreiros Barbosa, chama, com acerto, de “dupla cautelaridade como direito humano fundamental” (em sua tese, aliás, ele vai mais longe, defendendo que o delegado deveria ter poderes mais amplos na concessão da liberdade provisória)[1]. De lege ferenda não haveria impedimento de se autorizar a concessão de fiança ao delegado de polícia em outras situações, ampliando o direito vigente.
O delegado de polícia, como funcionalmente é parte integrante do poder jurídico de controle, é o primeiro controlador da prisão em flagrante. Sendo ilegal, deve liberar o preso. É o que diz o art. 304 do CPP: “Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto”.
No seu § 1º está dito o seguinte: “Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja”.
O flagrante possui quatro momentos: detenção, locomoção do preso à autoridade policial, lavratura do auto de prisão em flagrante e o encarceramento. Este último ato somente se convalida quando “resulta das respostas fundada a suspeita contra o conduzido”. Não sendo o caso, a prisão deve ser relaxada pelo próprio delegado de polícia.[2] Nisso consiste o primeiro ato de controle da prisão em flagrante. O segundo compete ao juiz, que deve relaxar a prisão quando ilegal (e mandar apurar eventual crime, quando nota sinais de tortura contra o preso). Em um contexto racista como o brasileiro, é claro que as estatísticas sobre tortura evidenciam sua subsistência. Daí a imperiosa necessidade de o juiz ver o preso logo após o ato da sua detenção. Não basta, portanto, o controle do delegado de polícia. O sistema brasileiro está sujeito à dupla cautelatidade, de que fala Ruchester M. Barbosa.
Ronaldo Batista Pinto, discordando do juiz Nucci, proficientemente escreveu (Conjur):
 “Tenho como extremamente forçado equiparar a figura do juiz à do delegado de polícia, ambos considerados como ‘autoridades’, para fins de apresentação do preso. A alusão formulada no acórdão, quanto à Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), foi, sob minha ótica, totalmente equivocada. É que a CADH, no artigo 7º, 5, dispõe que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”. Redação idêntica tem o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos: “Todo o indivíduo preso ou detido sob acusação de uma infração penal será prontamente conduzido perante um juiz ou uma outra autoridade habilitada pela lei a exercer funções judiciárias” (artigo 9º, 3). Ambos os diplomas, como é sabido, foram ratificados pelo Brasil. Não se trata, pois, de qualquer autoridade, como sugeriu a decisão, mas de autoridade legalmente autorizada ao exercício de função judicial. Creio não ser o caso do delegado de polícia. Haverá quem indague, em sentido contrário, em que consistiria essa “outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”. É difícil afirmar, já que os pactos possuem uma abrangência mundial, devendo atentar, bem por isso, a realidade interna de cada nação que o subscreve. Decerto que alguns países devem contar com uma autoridade que, embora não seja juiz, exerça as funções judiciais legalmente autorizado a tanto. Longe de se pretender estabelecer com essa premissa qualquer demérito à função do delegado de polícia. Com efeito, ele possui, obrigatoriamente, formação jurídica e assume as funções que lhe são inerentes mediante a aprovação em concurso público, tal qual juízes, promotores e demais membros das chamadas carreiras jurídicas. Inexiste, outrossim, qualquer subordinação hierárquica entre o delegado de polícia, o promotor de Justiça e o juiz de Direito. Essas impressões são reforçadas pela Lei 12.830/2013, que, em seu artigo 2º, identifica as funções de polícia judiciária como de natureza jurídica e determina que ao delegado de polícia seja dispensado ‘o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membrosda Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados’” (artigo 3º).
Não se pode, de outro lado, colocar em questão a função relevantíssima do delegado de polícia. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quando da análise de uma prisão em flagrante, afirmou que
 “o delegado de polícia não tem função robotizada. É bacharel em Direito. Submete-se a concurso público. Realiza, na própria instituição, cursos específicos. Tem, na estrutura de sua função, chefias hierárquicas e órgão correcional superior. Não se pode, pois, colocar seu agir sempre sob a suspeita de cometimento de crime de prevaricação, caso não lavre o flagrante, principalmente quando esse seu agir pressupõe decisão de caráter técnico-jurídico, como é no caso do auto de flagrante. Está na hora, pois, mormente neste momento em que se procura alterar o Código de Processo Penal, de se conferir ao delegado de polícia regras claras e precisas para que o exercício de sua função não seja um ato mecânico, burocrático, carimbativo, dependente, amedrontado ou heroico, enfim, não condizente com a alta responsabilidade e dever que a função exige, até para que se possa cobrar plenamente essa responsabilidade que lhe é conferida e puni-lo pelos desvios praticados” (HC 370.792).
Sobre a importância e obrigatoriedade da audiência de custódia o STF asseverou (em 9/9/15 – ADPF 347) o seguinte: “O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu parcialmente cautelar solicitada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, que pede providências para a crise prisional do país, a fim de determinar aos juízes e tribunais que passem a realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão”.
Sobre o ato de controle da prisão ilegal ou abusiva a jurisprudência da Corte Interamericana (citada por Ruchester M. Barbosa)[3] diz o seguinte (no caso Vélez Lood vs. Panamá):
 “108. Este Tribunal considera que, para satisfacer la garantía establecida en el artículo 7.5 de la Convención en materia migratoria, la legislación interna debe asegurar que el funcionario autorizado por la ley para ejercer funciones jurisdiccionales cumpla con las características de imparcialidade e independencia que deben regir a todo órgano encargado de determinar derechos y obligaciones de las personas. En este sentido, el Tribunal ya ha establecido que dichas características no solo deben corresponder a los órganos estrictamente jurisdiccionales, sino que las disposiciones del artículo 8.1 de la Convención se aplican también a las decisiones de órganos administrativos. Toda vez que en relación con esta garantia corresponde al funcionario la tarea de prevenir o hacer cesar las detenciones ilegales o arbitrarias, es imprescindible que dicho funcionário esté facultado para poner en libertad a la persona si su detención es ilegal o arbitraria” (grifo nosso).
O delegado de polícia, de acordo com nosso sistema (CPP, art. 304 e seus parágrafos), está autorizado (por lei) a não levar o preso ao cárcere quando se trata de prisão ilegal ou abusiva. Essa função não é exclusiva do juiz. O delegado de polícia também a exerce. Daí a existência, no Brasil, de uma dupla cautelaridade (dupla função de controle da prisão em flagrante: pelo delegado e pelo juiz). A função de controle do delegado, de qualquer modo, pelo direito vigente, diz respeito à prisão ilegal ou abusiva. Mais do que isso (ampliar a possibilidade de concessão de liberdade provisória, por exemplo), dependemos de autorização legislativa.
[1] Cf. O livro As novas fronteiras do direito, Estudos interdisciplinares em homenagem ao professor Francisco de Assis Maciel Tavares.
[2] Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 7ª edição. São Paulo: RT, 2011, p. 600-601. LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2013p. 887-888 (este último autor chegar a criticar a locução “relaxamento da prisão em flagrante”, afirmando que essa possibilidade está permitida ao juiz, por força da CF. Na verdade, o mesmo poder é reservado ao delegado, por força da Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 7, 5).
[3] Cf. O livro As novas fronteiras do direito, Estudos interdisciplinares em homenagem ao professor Fr

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