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TEORIA DAS PENAS - Material I

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TEORIA DAS PENAS 
MATERIAL I1 
 
 
 
1 – INTRÓITO2 
 
Observando a evolução social podemos esclarecer que, desde os primórdios – 
antes mesmo de se ter a ideia de civilização – o ser humano busca a proteção de seus 
direitos mediante a progressão da aplicação destes em todos os sentidos, especialmente 
nas bases de racionalidade – conceito este atribuído tão somente ao homem (como ser 
social e pensante), mediante a organização de grupos, tribos ou sociedade. 
 Deve-se salientar, entretanto, que a interação social passa por uma série de 
questões de adaptação, onde há divergências e, como consequência, nem sempre há a 
possibilidade de um convívio harmônico quando da aplicabilidade da interação social – 
não podemos esquecer que, o ser humano, antes de ter seu lado civilizado e racional, 
possui seu lado animalesco – como animais que somos – e o instinto agressivo, por 
muitas vezes, emerge em nosso cotidiano. 
Dentro deste contexto, podemos afirmar que através dos tempos o homem tem 
aprendido a viver numa verdadeira "societas criminis", de onde surge a ideia do Direito 
Penal, na busca de promover a defesa da coletividade e promover a paz social. 
Essa ideia de criminalidade social surge da necessidade de respeito aos bens 
jurídicos essenciais – vida, honra, integridade física, dentre outros protegidos pelo 
direito penal. Onde não existe respeito a tais bens pela civilidade, impõe-se a adoção de 
normas coercitivas para impedir ou punir a prática do que hoje denominamos crime, 
desta punição, portanto, temos o jus puniendi – conferido ao Estado, como gestor social 
– designado a aplicar penalidades ao cidadão que transgrediu a norma jurídico penal. 
Neste desiderato, verifica-se que o Direito Penal é dinâmico, assim como todos 
os demais ramos do Direito, e, neste contexto, tem evoluído junto com a humanidade, 
saindo dos primórdios – onde o homem ainda era dominado eminentemente por seus 
instintos animais - até penetrar na sociedade hodierna, organizada mediante a criação do 
Estado, gestor social em defesa do bem comum. Para Magalhães de Noronha, o Direito 
Penal “surge como homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o crime, 
qual sombra sinistra, nunca dele se afastou". 
 
 
1
 Professora Gisele Camilo de Araújo – Especialista em Ciências Criminais. Material Fornecido aos Alunos 
do 3º e 4º períodos do Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade ASPER. 
2
 Informando que o material fornecido é uma orientação de estudo, cabendo ao aluno participar da 
explanação em sala de aula e buscar aprofundamento na doutrina indicada. 
 
2 – CONCEITO DE PENA E SANÇÃO PENAL 
 
 Sanção Penal pode ser definida como a resposta do Estado, dentro do exercício 
do jus puniendi e após o devido processo legal, ao responsável pela prática de um crime 
ou de uma contravenção penal. 
 A sanção penal é gênero de penalidade que se divide em duas espécies: 
� Penas ���� que possuem como pressuposto a culpabilidade; 
� Medidas de Segurança ���� cujo o pressuposto é a periculosidade. 
A pena é considerada um fato histórico e primitivo, podendo ser conceituada como 
a consequência natural imposta pelo Estado quando da prática de uma infração 
penal (crime ou contravenção), concedendo ao Estado a possibilidade de, mediante 
o jus puniendi “castigar” o responsável, readaptá-lo ao convívio social e evitar a 
prática de novas infrações penais. 
 
3 - Evolução Histórica das Penas 
 Os penalistas apontam como a primeira manifestação da aplicação das penas o 
“banimento do Jardim do Éden”, aplicada por Deus a Adão e Eva em razão de terem 
descumprido a ordem de não provarem do “fruto proibido”. 
 A posteriori, podemos verificar que as penas passaram por uma fase de evolução 
até chegarem aos dias atuais. Temos, pois, três períodos distintos: 
� Período da Vingança, que se subdivide em: 
� Vingança Privada 
� Vingança Divina 
� Vingança Estatal 
� Período Humanitário; 
� Período Científico 
 1. Período da Vingança 
 
Inicia-se nos primórdios da civilização, quando ainda nem existia a ideia de sociedade, e 
prolonga-se até o século XVIII. 
Na era primitiva, ainda não se admitia a existência de um sistema social 
organizado em princípios gerais, a priori, os grupos sociais inseridos neste contexto 
baseavam-se em um ambiente voltado para a magia e religiosidade. Os fenômenos 
naturais – peste, seca, epidemias, inundações e erupções vulcânicas eram considerados 
como a ira dos deuses – castigos - em razão dos maus atos praticados pelos homens e, 
diante desses fatos, a reparação era necessária para apaziguar tal ira. 
 
Pode-se distinguir as diversas fases de evolução da vingança penal, como a seguir: 
• Fase da vingança privada. 
• Fase da vingança divina. 
• Fase da vingança pública. 
Saliente-se que essas fases não se sucedem umas às outras com precisão temporal, 
pode-se observar a “convivência” de uma fase com a sua sucessiva até que se verifique 
um orientação sólida com a aplicação da penalidade mais adequada ao pensamento da 
época. Neste raciocínio, a divisão cronológica secundária, já que a separação é feita por 
ideais e não por anos de aplicação. 
a) Vingança Privada: "Olho por olho, dente por dente" 
 A primeira fase verificada quando do período das “vinganças” é a denominada 
fase da vingança privada. 
 
Neste período ainda não havia uma organização social nos moldes atuais – 
sociedade civilizada – havia o direito, dentro dos grupos ou tribos de cada um agir em 
defesa do que lhe aprazia como direito e da forma que fosse conveniente para si. 
Cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social no 
qual esncontrava-se inserida a vítima, que agiam sem proporção a ofensa, podendo, o 
revide (vingança) atingir não só o ofensor, como todo o seu grupo. 
 
Diante disso, podemos afirmar que a vingança privada constituía uma reação 
natural e instintiva do ser humano – ainda não civilizado, sendo, pois, apenas uma 
realidade sociológica, não podendo ser considerada como uma instituição jurídica. 
Deve-se destacar que, apesar da inexistência de civilidade e instituições 
jurídicas, na chamada última fase do período de vingança privada, surgiram duas 
grandes regulamentações, com o intuito de justificar e permitir a aplicabilidade do 
“pagar na mesma moeda”: a Lei de Talião e a composição. 
 Deve-se ter em mente que a chamada Lei de Talião (olho por olho e dente por 
dente) adotada pelo Código de Hamurabi, não se tratava propriamente de uma pena, 
mas de um instrumento moderador da pena. Consistia em aplicar ao delinquente o mal 
que ele causou ao ofendido, na mesma proporção. 
 
Código de Hamurabi: 
Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá 
pagar dez siclos pelo feto. 
 
Art. 210 – Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele. 
Bíblia Sagrada: 
 
Levítico 24, 17 – Todo aquele que fere mortalmente um homem será 
morto. 
Lei das XII Tábuas. 
Tábua VII, 11 – Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, 
salvo se houver acordo. 
Posteriormente, surge a chamada composição, através da qual o ofensor 
“comprava” sua liberdade, com dinheiro, gado, armas ... este meio de “penalização”, 
quase uma transação dos dias atuais, foi também adotada pelo Código de Hamurábi 
(Babilônia), pelo Pentateuco (hebreus) e pelo Código de Manú (Índia), sendo 
largamente aceito pelo direito Germânico, dando origem a ideia de indenizações cíveis e 
a aplicação das multas penais. 
 
Código de Manú: 
 
Art. 284º Quando um membro foi ferido e daí resulta uma chaga ou uma 
hemorragia, o autor do mal deve pagar as despesas da cura; ou se ele se recusa 
a isso, deve ser condenado a pagar a despesa e uma multa. 
 
Art.285º Aquele que danifica os bens de outro cientemente ou por descuido, deve 
dar-lhe satisfação e pagar ao rei uma multa igual ao dano. 
 
Art. 286º Por ter entregado couro ou sacos de couro, utensílios de madeira ou de 
barro, flores, raízes ou frutos, a multa deve ser de cinco vezes o respectivo 
valor. 
 
Art. 287º Os sábios admitiram dez circunstâncias relativas a uma carruagem, ao 
cocheiro e ao dono dessa carruagem, nas quais a multa é suspensa; para todos 
os outros casos, é ordenada a multa. 
 
 
b) Vingança Divina: "A repressão ao crime busca a satisfação dos deuses". 
Neste período a religião passa a exercer influência decisiva na vida dos povos 
antigos. Como dito anteriormente, nesta fase a repressão ao infrator buscava controlar a 
chamada “ira dos deuses” que se sentiam ofendidos em razão da prática de condutas 
reprováveis (crimes), assim como a busca em castigar o infrator. A aplicação das 
“sanções penais” ficavam sob a responsabilidade dos sacerdotes – considerados 
representantes dos deuses e, por isso, eram encarregados da aplicação da justiça. 
 
As penas aplicadas eram severas e cruéis, utilizando-se a vis corporalis como 
meio de intimidação – ou seja, o corpo do infrator pagava pelo mal praticado. 
No Antigo Oriente, pode-se afirmar que a religião confundia-se com o Direito, e, 
assim, os preceitos de cunho meramente religioso ou moral, tornavam-se leis em vigor. 
A Legislação típica dessa fase é o Código de Manu, mas esses princípios foram 
adotados na Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na 
Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel. 
 
 c) Vingança Pública: "Crimes ao Estado, à sociedade". 
 
Mais organizada e com o surgimento do Poder Público (Político), já com a ideia 
de sociedade formada, surge no seio das comunidades/sociedades a figura do Chefe ou 
Assembleias de Estado. A pena, então, perde sua característica sacra – cunho de 
religiosidade – e transforma-se em instrumento estatal, passando a ser uma sanção 
imposta em nome da autoridade pública, representando os interesses da comunidade. 
Não há mais a figura do ofendido ou dos sacerdotes como agentes responsáveis 
pela punição dos infratores, este múnus passa às mãos do soberano (monarca) que – 
ainda conservando parte da índole religiosa – passa a exercer sua autoridade em nome 
de Deus e, agindo como um Deus, cometia as mais severas arbitrariedades. 
Neste período a pena de morte era uma sanção largamente difundida e aplicada 
por motivos que hoje são considerados insignificantes, além disso utilizavam-se penas 
infamantes e corporais, além do confisco de bens, podendo, a pena, atingir, inclusive, os 
familiares do delinquente. 
 
 2. Período Humanitário: “O homem deve conhecer a Justiça” 
 
O Período Humanitário, historicamente, encontra-se compreendido entre 1750 e 
1850. Inicia-se com o Humanismo, sendo marcado pela atuação de pensadores que 
contestavam os ideais absolutistas – período do Iluminismo e Revolução Francesa. 
O período Humanitário busca a reforma das leis e da administração da justiça 
penal no fim do século XVIII, posto que neste período a população já se encontrava 
revoltada com a barbárie promovida pelas penas aplicadas, surgindo, pois, o período 
humanitário como uma reação as arbitrariedades promovidas quando da aplicação das 
penas. 
O pensamento predominante neste período ia de a ideia de aplicação das penas 
cruéis, corporais e infamantes, pois surgia o ideal de defesa da integridade física e da 
dignidade humana. 
 
Em 1764, imbuído dos princípios iluministas, Cesar Bonesana, Marquês de 
Beccaria, publica "Dei Delitti e Delle Pene", que firmou o alicerce do Direito Penal 
moderno, e muitos desses princípios foram, até mesmo, adotados pela declaração dos 
Direitos do homem, da revolução Francesa. 
Segundo o escritor, deveria ser vedada a aplicação de penas não previstas em lei. 
Quanto a crueldade das penas afirmava que era de todo inútil, odiosa e contrária aos 
ideais de justiça. No que tange às prisões, dizia que "eram a horrível mansão do 
desespero e da fome", faltando dentro delas a piedade e a humanidade. 
 
 3. Período Ciéntífico “A Justiça deve conhecer o Homem” 
 
Denominado por parte da doutrina como Período Criminológico, esta fase se 
inicia no século XIX e perdura até hoje. 
Tem por base a preocupação dos cientistas do direito com o homem delinquente, 
a infração e suas razões, caracterizando-se pela interrupção das ciências penais baseadas 
apenas no Direito Punitivo, preocupando-se com a figura do homem, sua personalidade 
e dignidade. 
 Assim, o delito passou a ser visto como fato jurídico e, como tal, deveria obedecer 
uma correlação determinista, já que por trás do crime haveria sempre razões suficientes 
que o determinaram. 
César Lombroso, autor do livro L’uomo Delinquente, apontou os novos rumos 
do Direito Penal após o período humanitário, através do estudo do delinquente e a 
explicação causal do delito. Lombroso considerava o delito como um fenômeno 
biológico, sendo o criador da “Antropologia Criminal”, neste contexto, apontava o 
criminoso nato, caracterizado por determinados estigmas somato-psíquicos e cujo 
destino indeclinável era delinqüir, sempre que determinadas condições ambientais se 
apresentassem. Para Lombroso (que era médico), o criminoso nato caracterizava-se por 
possuir: 
• assimetria craniana, fronte fugida, zigomas salientes, face ampla e larga, cabelos 
abundantes e barba escassa. 
• o criminoso nato é insensível fisicamente, resistente ao traumatismo, canhoto ou 
ambidestro, moralmente impulsivo, insensível, vaidoso e preguiçoso. 
Esta tese foi determinante por um certo período, entretanto, com o passar dos anos 
foi derrubada. Mas, ainda nos dias atuais buscam-se explicações para os fatores 
deterministas para o homem delinquente – herança biológica, modo de vida, fatores 
sociais, traumas. 
A fase em que vivemos, pois, trata a pena como uma medida reprovatória mas com 
o cunho ressocializador, buscando meios para que a pena não se torne eminentemente 
um castigo, havendo, inclusive, a reprovabilidade e o afastamento das penas corporais e 
a preocupação com a dignidade e a condição humana.

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