Buscar

KELSEN, LEITOR DE KARL MARX INTERPRETAÇÃO POSITIVISTA DA

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

4877
 
KELSEN, LEITOR DE KARL MARX: INTERPRETAÇÃO POSITIVISTA DA 
NOÇÃO MARXIANA DE DIREITO, ESTADO E DEMOCRACIA 
KELSEN, READER OF KARL MARX: POSITIVE INTERPRETATION OF 
THE MARXIST CONCEPT OF LAW, STATE AND DEMOCRACY 
 
Éder Ferreira 
 
RESUMO 
Este artigo é resultado de pesquisa descritivo-bibliográfica, tendo como principais 
fontes as seguintes obras de Hans Kelsen: Socialismo y Estado; Teoria comunista del 
derecho y del Estado; e A democracia. O objetivo central da pesquisa foi identificar as 
críticas de Kelsen à concepção marxiana de direito, Estado e democracia. O trabalho 
consistiu no levantamento das críticas kelsenianas com posterior exposição dos 
argumentos que as sustentam. Como principal resultado pode-se citar que a crítica que 
Hans Kelsen interpõe à teoria marxista apóia-se na interpretação literal das definições 
de Estado e direito ao longo das obras de Marx. Sua crítica incide, principalmente, sobre 
o método; as relações entre realidade (infra-estrutura) e ideologia (superestrutura); e as 
contradições decorrentes de oscilação semântica no emprego de alguns termos como 
direito, Estado e democracia. 
PALAVRAS-CHAVES: DIREITO; ESTADO; DEMOCRACIA; SOCIALISMO; 
TEORIA MARXIANA 
 
ABSTRACT 
This article is the result of research-descriptive literature, with the main sources the 
following works of Hans Kelsen: Socialism and State; Theory communist of right and 
state; and Democracy. The central objective of the research was to identify the critical 
of Kelsen the marxist conception of law, state and democracy. The work consisted in 
the removal of the criticisms kelsenians with subsequent exposure of the arguments that 
contend.As the main result may be that a criticism of Hans Kelsen takes the Marxist 
theory is based on the literal interpretation of the definitions of state and right along the 
works of Marx. His criticism focuses, especially on the method, the relationship 
between reality (infrastructure) and ideology (superstructure) and the contradictions 
arising from fluctuation in the semantics of some terms such as employment law, 
government and democracy. 
 
 Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF 
nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008. 
 4878
KEYWORDS: LAW; STATE, DEMOCRACY, SOCIALISM; MARXIST THEORY 
 
 1. Introdução 
O presente trabalho é resultado de pesquisa científica cujo objetivo central consistiu no 
estabelecimento dos contornos da crítica de Hans Kelsen à teoria marxiana, no que 
tange às categorias “direito”, “Estado” e “democracia”, localizando suas dimensões, 
influências e ligações mais evidentes. Quanto aos objetivos, esta pesquisa pode ser 
classificada, pois, como descritiva, ou seja, “é um levantamento das características 
conhecidas que compõem o fato/fenômeno/processo” (SANTOS, 2006, p. 26). 
Como o objeto científico da pesquisa constitui questão filosófica (crítica kelseniana a 
textos marxianos), as fontes utilizadas foram livros e artigos científicos de autoria de 
Hans Kelsen, Karl Marx e de interpretes seus. Desse modo, quanto às fontes e aos 
procedimentos de coleta de dados, esta pesquisa situa-se no rol das pesquisas 
bibliográficas. 
Apesar de ser uma pesquisa despretensiosa quanto a seus objetivos – não se fecha sobre 
aspectos explicativos de causas de efeitos e as variações possíveis dessas ligações – sua 
importância reside no fato de que seu objeto – a crítica de Hans Kelsen à teoria 
marxiana – constitui assunto inexplorado na literatura nacional[1]. 
Vale destacar que Kelsen publicou três[2] importantes obras cuja discussão central 
incidia diretamente ou dependia do debate sobre as concepções de direito, Estado e 
democracia na obra de Karl Marx, a saber: Socialismo y Estado; Teoria comunista del 
derecho y del Estado; e A democracia, sendo que os dois primeiros textos não possuem 
versão traduzida para a língua portuguesa. 
Em Socialismo y Estado, publicado pela primeira vez em 1923, Hans Kelsen intenta 
uma crítica à teoria política de Karl Marx centrada no exame do método, do conceito de 
Estado e da relação entre Estado e sociedade, mediante a interpretação d’O manifesto do 
partido comunista e de seus escritos políticos – principalmente A questão judaica e A 
guerra civil na França. 
Já na obra Teoria comunista del derecho y del Estado (1955), Kelsen propõe uma crítica 
à teoria marxista apoiada na interpretação literal das definições de Estado e direito ao 
longo das obras de Marx. Sua crítica incide, principalmente, sobre o método; as relações 
entre realidade (infra-estrutura) e ideologia (superestrutura); e as contradições 
decorrentes da oscilação semântica no emprego de alguns termos como direito, Estado e 
democracia. 
Por fim, na coletânea de textos denominada A democracia (1956), Kelsen, ao discutir os 
fundamentos da democracia, faz uma incursão acerca do “problema da economia e da 
democracia” que consiste na questão de determinar se existe uma relação essencial entre 
a democracia e um dos dois sistemas econômicos da modernidade: capitalismo e 
socialismo. Para tanto, a crítica kelseniana é focada, majoritariamente, no princípio da 
primazia do econômico sobre o político; na doutrina da transição (ditadura do 
proletariado como democracia); e na ausência de liberdade econômica no socialismo. 
 4879
A proposta desta pesquisa foi, após uma exploração inicial sobre o tema, identificar a 
crítica kelseniana à teoria de Karl Marx, a partir da obra Teoria comunista del derecho y 
del Estado, a qual sintetiza em seu primeiro capítulo o conjunto das críticas opostas ao 
textos marxianos nas três obras destacadas (Socialismo y Estado; Teoria comunista del 
derecho y del Estado; e A democracia). 
Foram, pois, identificadas – no trecho selecionado da obra Teoria comunista del 
derecho y del Estado – todas as críticas elaboradas por Kelsen em desfavor das 
construções teóricas de Karl Marx. Essas críticas foram, então, dispostas conforme 
apareciam no desenvolvimento do texto kelseniano mediante a intervenção de 
observações acerca dos argumentos utilizados na formação de referidas críticas. Dentre 
essas observações, conforme se verificava a homogeneidade e a importância da 
discussão, foram introduzidos comentários sobre os argumentos e as análises 
empreendidas por Kelsen nas demais obras destacadas (Socialismo y Estado; e A 
democracia). 
O fato de ter adotado uma obra – Teoria comunista del derecho y del Estado – como 
referência à crítica de Kelsen ao marxismo não prejudicou a pesquisa uma vez que – 
exceto pela maior tensão intelectual existente em Socialismo y Estado, pois fora 
produzida enquanto era construída a teoria pura do direito – as críticas teórico-políticas 
e teórico-jurídicas dirigidas ao marxismo permaneceram, ao longo das obras, 
globalmente invariáveis, garantindo uma caráter unitário à crítica kelseniana 
(MANERO, 1986, p.193)[3]. 
Antes de iniciar o percurso pelas críticas à teoria marxiana, é necessário lembrar que 
Kelsen é um intérprete formalista, isto é: 
1. prefere sempre a interpretação literal e não se aventura a indagar a “vontade do 
legislador” (neste caso do autor criticado); 2. Tendenciosamente atribui às palavras 
significados não deduzidos do contexto, mas extraídos de uma linguagem extra-textual 
já codificada (a linguagem da Teoria Pura do Direito); 3. Não assinala quase nunca 
oscilações léxicas e imprecisões semânticas. (GUASTINI, 1989, p. 81 – livre tradução) 
 
Isso quer dizer que a crítica kelseniana é limitada ao cotejamento de definições 
marxianas (como direito, Estado, democracia, por exemplo) situadas em diferentes 
obras, mas desconsiderando-se o contexto em que são empregadas. É, pois, em geral, 
uma crítica lógico-literal. 
Outro aspecto que merece menção é o fato de queKarl Marx não elaborou “uma 
abordagem mais precisa e completa do próprio Direito, enquanto processo inserido no 
fluxo histórico-social” (WOLKMER, 2000, p.152), e que “toda vez que o intérprete ou 
Marx mesmo, em textos diferentes ou até no mesmo texto, põem, sob o termo único – 
Direito – coisas diversas e isoladas, em lugar da totalidade dialética do fenômeno 
jurídico” (LYRA Fº apud WOLKMER, 2000, p.152). 
Feitas as advertências, os resultados podem ser conferidos nas páginas subseqüentes. 
2. Apontamentos críticos de Hans Kelsen aos textos marxianos 
 4880
Hans Kelsen, no Capítulo I – La Teoria del Estado y del derecho de Marx-Engels – da 
obra Teoría Comunista del Derecho y del Estado, de 1955, centra sua crítica na opção 
epistemológica da teoria marxiana do direito e do Estado, a qual se desdobra em 28 
pontos de crítica, levando em consideração a análise da realidade social soviética, a 
partir do conjunto das obras de Marx e Engels, em especial a Contribuição à crítica da 
economia política, O Capital e a Origem da família, da propriedade privada e do 
Estado. 
Kelsen, já no prefácio da obra, indica que a crítica empreendida em relação à teoria 
comunista do direito e do estado possui caráter exclusivamente científico, isto é, isenta 
de juízos de valor, quer moral, quer político. 
Meus estudos intentam uma crítica científica, isto é objetiva, que não envolve nenhum 
juízo de valor moral ou político em favor ou contra o sistema social comunista, o qual 
deve ser distinguido, como realidade social, de sua ideologia. É lógico que toda crítica 
pressupõe um valor; mas o valor pressuposto por uma crítica científica não é um valor 
moral ou político, mas sim lógico; o valor de verdade, não de justiça. (KELSEN, p. 9-
10, 1957 – livre tradução) 
 
No trecho acima, o jurista austríaco esclarece o tipo de ciência a que ele se refere, a 
ciência positiva, caracterizada pela cisão entre ciência e política e cujo método 
empregado é o lógico. Pretende, pois, que sua análise crítica seja objetiva, isto é, livre 
dos pré-juízos de ordem ético-política, diferentemente da proposta marxista de ciência. 
Kelsen afirma, ainda, existir expressiva influência do materialismo histórico[4] sobre as 
ciências sociais no século XX, embora discorde de tal perspectiva sob a acusação de 
que, na União Soviética, tenha degradado a ciência ao papel de cúmplice do poder. 
Essa crítica inicial à não-objetividade da ciência na perspectiva do marxismo aparece 
estampada no trecho que segue: 
Existe, por parte de quem se dedica às ciências sociais, certa propensão a reduzir as 
relações humanas que a ética e o direito apresentam como deveres, responsabilidades ou 
direitos estabelecidos por normas legais ou morais, a relações fáticas e de poder político 
ou econômico; e a caracterizar os juízos de valor sobre o bem e o mal, o justo e o 
injusto, como posições relativas a fatos observáveis mediante a psicologia individual ou 
social, em lugar de interpretá-los como juízos de conformidade ou desconformidade 
com uma norma que se propõe válida. (KELSEN, p. 13, 1957 – livre tradução) 
 
Claro está, no texto de Kelsen, o corte epistemológico conferido à teoria jurídica em sua 
concepção: a norma como objeto de estudo do direito e, portanto, como limite à 
interpretação científico-jurídica, em cuja essência está assente a indiferença à 
historicidade, à legitimidade, à eficácia e ao resultado da aplicação da norma, dentre 
outros fatores considerados meta-jurídicos. 
Mas antes de adentrar, com mais vagar, na discussão sobre o método, Hans Kelsen 
preocupa-se com as definições de “Estado” e “direito” no conjunto da obra de Marx e 
 4881
Engels. Tais definições ensejaram o primeiro ponto de crítica de Kelsen (1957, p. 22 – 
livre tradução): “o Estado e o Direito são fenômenos sociais pertencentes à infra-
estrutura, ou seja, à base real, ou à superestrutura ideológica?”. 
Para compreender o primeiro ponto de crítica kelseniana à teoria comunista do direito e 
do Estado, é necessário identificar o lugar da infra-estrutura e da superestrutura na teoria 
marxista. 
De acordo com Kelsen (1957, p. 17 – livre tradução), a teoria marxista do direito está 
vinculada de modo inseparável da teoria do Estado, as quais se baseiam na idéia de que 
a produção econômica e suas relações sociais correspondentes determinam a origem e o 
fim do Estado, isto é, “nenhum de ambos fenômenos é um elemento essencial da 
sociedade humana; existem apenas sob condições econômicas específicas”. Essas 
condições, conforme aponta Wolkmer (2002, p. 146), referindo-se à crítica de Kelsen à 
Marx, coincidem com o contexto de uma sociedade dividida em duas classes 
antagônicas: os exploradores, proprietários dos meios de produção e os trabalhadores, 
explorados. 
Nessa sociedade de classes, o Estado e o direito constituem uma máquina coercitiva que 
pretende conservar a exploração de uma classe sobre a outra, ou seja, Estado e direito 
são instrumentos de dominação da classe exploradora, a qual se torna, pois, classe 
dominante politicamente. 
Kelsen (1957, p. 18 – livre tradução), interpretando a teoria marxista do direito e do 
Estado, afirma que, para Marx, “o poder político da burguesia é efeito de seu poder 
econômico; que a burguesia chega a ser a classe politicamente dominante porque é a 
classe economicamente dominante”. 
Essa primazia da economia sobre a política, que caracteriza a interpretação materialista 
da sociedade, possui assento na metáfora marxiana acerca da superestrutura política e 
jurídica fundada a partir das relações de produção[5], que constituem a estrutura 
econômica da sociedade[6]. 
As ‘ideologias’ formam a superestrutura, enquanto a base, a infra-estrutura, representa a 
realidade social. [...] As ‘superestruturas’ são ‘formas de consciência social’ que Marx 
caracteriza mais adiante como ‘formas ideológicas nas quais os homens tomam 
consciência’ da realidade social. Admite-se habitualmente que Marx, ao referir-se a 
‘superestruturas jurídicas e políticas’ refere-se ao direito e ao Estado. (KELSEN, 1957, 
p.19 – livre tradução) 
 
Assim, a ideologia significa para Marx, segundo Kelsen (1957, p. 23), o conteúdo da 
consciência humana sobre a realidade (social) que se forma em sua mente; mas a 
consciência ideológica é falsa[7], justamente por ser determinada pela situação social do 
homem em cuja mente esteja refletida a realidade, especialmente pelos interesses da 
classe à qual ele pertença. 
A isso equivale dizer que a existência social determina a consciência, no sentido de que 
uma mudança nas condições de existência material, nas relações sociais acarreta uma 
 4882
mudança nas idéias, concepções e conceitos humanos. Marx compara a consciência 
humana a um espelho que reflete a realidade, admitindo que a existência social 
provoque distorções neste espelho. 
Uma ideologia é uma forma de consciência que reflete a realidade social de uma 
maneira deformada, que cria falsamente algo que não existe na realidade, que vela a 
realidade ou parte de dela em lugar de desvelar-lhe; é um engano e até um auto-engano 
e, sobretudo, é uma consciência ilusória. (KELSEN, 1957, p. 21 – livre tradução) 
 
Marx admite, pois, haver uma contradição entre realidade e consciência ideológica, 
advertindo para a necessidade da ciência como meio de desvelar a realidade, superando 
a ideologia. 
Hans Kelsen (1957, p.21) qualifica como “ingênua opinião epistemológica” a de que a 
consciência do homem reflita a realidade social, sintetizando-a em duas expressões 
marxianas ditas, por ele, famosas: “O modo de produção na vida material determina o 
caráter geral do processo social, político e espiritual da vida” e “Não é a consciência 
(Bewusstsern) dos homens que determina sua existência (Sein), mas pelo contrário sua 
existência social (gesellschaftliches Sein) que determinasua consciência” (Marx apud 
Kelsen, 1957, p.21-22 – livre tradução). 
Mas o jurista austríaco, ao cotejar essas expressões, reconhece que ambas não são 
iguais. Identifica em cada uma delas o fator determinante e o determinado: na primeira, 
somente o modo de produção é determinante e o processo espiritual, o social e o 
político são determinados; na segunda, a existência social íntegra é determinante e 
somente é determinado o processo espiritual da vida (consciência). Organizando essa 
análise em uma tabela, temos: 
Tabela 1 - Opinião epistemológica marxista 
Expressão marxiana “ingênua” 
Fator 
determinante 
(infra-estrutura)
Fator determinado 
(superestrutura) 
“O modo de produção na vida material 
determina o caráter geral do processo social, 
político e espiritual da vida.” 
Modo de 
produção. 
Processo espiritual, o 
social e o político. 
“Não é a consciência (Bewusstsern) dos 
homens que determina sua existência (Sein), 
mas pelo contrário sua existência social 
(gesellschaftliches Sein) que determina sua 
consciência.” 
Existência social 
íntegra. 
Processo espiritual 
da vida 
(consciência). 
Fonte: KELSEN, Hans. Teoría comunista del derecho y del Estado. Buenos Aires: 
Emecé Ed., 1957, p. 22. 
 
 4883
O direito e o Estado, segundo Kelsen (1957, p. 22), são instituições sociais e, como tal, 
constituem o processo social e político da vida. Assim, conforme a tabela 1, na primeira 
expressão, o direito e o Estado integram a superestrutura da realidade social, enquanto 
na segunda expressão integram a infra-estrutura social. Kelsen afirma haver, então, 
quanto à relação entre realidade e ideologia na teoria marxista, uma “estranha 
ambigüidade”, a saber, se Estado e direito pertencem à super- ou à infra-estrutura social. 
Essa questão desdobra-se, então, conforme se oriente pela primeira ou pela segunda 
expressão da opinião epistemológica marxiana. Se considerarmos a segunda expressão, 
por exemplo, isto é, “Não é a consciência dos homens que determina sua existência, 
mas pelo contrário sua existência social que determina sua consciência”, resta 
impossível que haja uma consciência verdadeira, já que a consciência do homem é 
ideológica por estar determinada por sua existência social. 
Esse constitui o segundo ponto de crítica kelseniana à teoria marxiana do direito e do 
Estado: “Não pode haver nenhuma teoria da realidade em geral, e da realidade social em 
particular que seja verdadeira, isto é, objetiva” (KELSEN, 1957, p. 22-23). Isso porque 
a afirmação de que “a existência social determina a consciência do homem” deve ser 
uma teoria verdadeira, isto é, não determinada pela existência social de que quem fez a 
afirmação. 
Dessa constatação lógica kelseniana, surge o terceiro ponto de crítica que pode ser 
resumido na seguinte afirmação: “não se pode duvidar que Marx apresente sua teoria 
social como uma descrição não-ideológica, correta, da realidade social; como uma 
ciência” (KELSEN, 1957, p.23). Marx, segundo Kelsen, recusa que sua existência 
social tenha determinado sua consciência, ao produzir sua teoria social. 
Ainda, no que se refere à relação entre realidade e ideologia na teoria marxista, Kelsen 
antecipa algumas discussões, adiantando que Marx pretende explicar as deficiências de 
uma consciência ideológica por meio da explicação das deficiências da realidade social 
sob as quais ela (consciência ideológica) foi erigida. Mas, se Marx admite que na 
sociedade comunista perfeita do futuro não haverá consciência ideológica e sim 
consciência, isto é, ciência; então, a ciência – conteúdo da consciência – deve ser 
concebida como ideologia, não no sentido depreciativo do termo, mas no sentido de que 
a consciência é diferente de seu objeto – a realidade social. Eis, assim, o quarto ponto de 
crítica kelseniana: “O vocábulo ideologia pode ser utilizado não apenas no sentido de 
uma consciência falsa, ilusória, mas também no sentido de uma consciência 
cientificamente correta” (KELSEN, 1957, p. 23 – livre tradução). 
Outra questão suscitada por Kelsen no campo da contradição entre realidade e ideologia 
refere-se à descrição de Marx-Engel, n’O Manifesto do Partido Comunista, de que 
“uma parte da burguesia, e em particular uma parte dos ideólogos burgueses, que 
tenham se elevado a um nível suficiente para compreender teoricamente o movimento 
histórico em seu conjunto, convertem-se em proletariado” (MARX apud KELSEN, 
1957, p. 23 – livre tradução). 
Com essa conversão, os ideólogos burgueses passariam a produzir a verdadeira ciência 
do movimento histórico, ao invés de ideologia. Essa questão ensejou o quinto ponto de 
crítica de Kelsen à teoria marxista, que consiste em: “como é possível tal metamorfose, 
como podem os ideólogos escapar à lei fundamental segundo a qual sua existência 
 4884
social, ou seja, o fato de pertencer à classe burguesa, determina sua consciência social?” 
(KELSEN, 1957, p. 24 – livre tradução). Para o jurista austríaco, isto seria “um 
milagre”. 
Mas, retornando à questão inicial, o direito e o Estado na teoria marxista integram a 
realidade social ou a consciência ideológica? Examinemos, pois, o Estado e o direito 
como realidade. Para apreciar essas duas categorias, Kelsen parte de uma constatação de 
Marx na Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, obra na qual a religião, ideologia 
típica e mais característica, aparece como “teoria geral deste mundo”, “consciência 
pervertida do mundo”, “o ópio do povo”, “uma ilusão” (MARX apud KELSEN, 1957, 
p.24 – livre tradução). Nesta obra, Marx afirma, ainda, segundo Kelsen, que a religião e 
a ciência constituem a existência teórica do homem em contraposição à sua existência 
prática (realidade). 
A partir dessas considerações, Kelsen conclui que apenas podem constituir ideologias 
uma teoria, uma função do conhecimento, uma forma de consciência e não o seu objeto, 
isto é, a realidade. 
Portanto, apenas determinada – falsa – teoria do Estado ou determinada – ilusória – 
filosofia do direito, não o Estado ou o direito, podem ser concebidos como ideologias. 
[...] Aqui o Estado é apresentado como uma realidade social sobre a qual se erige, como 
superestrutura ideológica, uma ilusória filosofia legal. (KELSEN, 1957, p. 24-25 – livre 
tradução) 
 
Essa assertiva constitui o sexto ponto crítico de Kelsen à teoria marxista, ou seja, o 
Estado e o direito, segundo o jus-filósofo positivista, não podem ser considerados 
ideologias uma vez que integram a realidade social sobre a qual são produzidas 
determinadas teorias do Estado e filosofias do direito, respectivamente. Kelsen, na 
realidade, aproveitou a distinção marxiana entre ideologia e realidade, para distinguir 
Estado de teoria do Estado e direito de filosofia do direito. Essa distinção aparece 
claramente no texto de Wolkmer: 
Kelsen adverte para certa balbúrdia que surge entre a “teoria especial do direito” 
(ideologia jurídica como função do pensamento e do imaginário dos juristas 
burgueses/certo modo invertido de interpretação das normas) e o Direito em si (criado 
por um legislador e aplicado pelos tribunais, não sendo produto de ideólogos e doutrinas 
“ideológico-especulativas”). (WOLKMER, 2000, p.147) 
 
Nesse sentido, o Estado e o direito apresentam-se como realidade social, isto é, infra-
estrutura sobre a qual se fundam as ideologias (teoria do Estado ou filosofia do direito). 
“O direito não é uma expressão falsa e ilusória, uma expressão que se encontra em 
contradição com o objeto que expressa. A expressão da realidade econômica que é o 
direito está em harmonia com a realidade, corresponde à realidade” (KELSEN, 1957, p. 
25-26 – livre tradução). 
 4885
Marx rejeita, então, a idéia de que os soberanos produzem as leis que regulamentam a 
economia, afirmando que, ao contrário: “A legislação, tanto política, quanto civil, não 
pode senão expressara vontade das relações econômicas” (MARX apud KELSEN, 
1957, p. 26 – livre tradução). 
Inicialmente, Kelsen critica a expressão “vontade das relações econômicas” atribuindo-
lhe o predicado de “metáfora bastante problemática”. Depois, considerando que o 
direito seja expressão das relações econômicas; se essa expressão é correta, isto é, se 
corresponde à realidade econômica, não há que se falar em direito como ideologia (falsa 
correspondência com a realidade). 
O direito é, pois, segundo Marx, reflexo das relações de produção, mas produz, também 
efeitos sobre a realidade, conforme se pode ler n’O Capital: 
Ao fazer madurar as condições materiais e a combinação em escala social do processo 
de produção, [o direito] faz madurar as contradições e antagonismos do modo capitalista 
de produção, e com isto fornece, junto com os elementos para formar uma nova 
sociedade, a força para fazer explodir a antiga. (MARX apud KELSEN, 1957, p. 26 – 
livre tradução) 
 
Kelsen (1957, p.27) acredita que Marx, ao acentuar essa harmonia entre a lei e as 
relações de produção, caracteriza a lei positiva como lei natural. Nesse sentido, Kelsen 
afirmou ser “uma ironia o fato de que Marx tome de Hegel precisamente esta negação 
do dualismo entre realidade [Wirklichkeit] e valor e apresente seus postulados ético-
políticos revolucionários como leis de desenvolvimento que se realizam por uma 
vontade natural” (KELSE, 1982, p.184). 
Para reforçar seu argumento, o filósofo do direito, cita um trecho em que Marx afirma 
que as leis inglesas que regulam as fábricas são produtos tão necessários à indústria 
moderna como os fios de algodão, os dispositivos automáticos e o telégrafo elétrico. 
Marx admite que se uma lei não estiver em harmonia com as condições reais de 
produção, perde sua eficácia. 
Aí está enunciado o sétimo ponto da crítica de Kelsen à teoria de Marx: “a lei é um 
efeito da realidade econômica e tem, por sua vez, efeitos sobre essa realidade, ou seja, 
se a lei está dentro da cadeia de causas e efeitos, está dentro da realidade, e pertence, 
portanto à infra-estrutura da superestrutura ideológica” (KELSEN, 1957, p.27 – livre 
tradução). 
Por outro lado, no Manifesto do Partido Comunista, Marx refere-se ao Estado e ao 
direito como categorias integrantes da superestrutura ideológica, juntamente com a 
religião, a moral e a filosofia[8]. Marx chegou a afirmar que o direito é apenas um 
“sintoma”, uma expressão de outras relações, nas quais está baseado o poder do Estado 
(relações de produção). 
Disso decorre o oitavo ponto de crítica positivista sobre a teoria marxiana: “Se o direito 
forma parte da superestrutura ideológica como algo diferente da infra-estrutura e oposta 
a esta, que é a realidade social constituída pelas relações econômicas, não pode ser 
 4886
efeito dessas relações e, em especial, não pode ter, por sua vez, efeitos sobre elas” 
(KELSEN, 1957, p. 30 – livre tradução). 
Ora, se o direito interage com a economia que constitui a base real – infra-estrutura da 
realidade social – direito e economia são integrantes da realidade social. Então não se 
aplica a esses fenômenos sociais, segundo Kelsen, os planos da infra- e superestrutura. 
A questão desdobra-se, então, em outra (nona crítica de Kelsen a Karl Marx), a saber: “a 
ideologia é ‘realidade’ no mesmo sentido que as relações econômicas que Marx 
identifica com a realidade; e Marx necessita identificar a realidade com as relações 
econômicas a fim de opor estas relações, como ‘realidade’, àquelas que deseja 
desacreditar como ‘ideologia’; sobretudo a religião” (KELSEN, 1957, p.31 – livre 
tradução). 
Ora, se há acontecimentos, por meio dos quais o direito é criado ou aplicado que 
influem na vida social, e do mesmo modo a vida social influi na formação do direito, 
então, de acordo com o jurista austríaco, na realidade social há elementos econômicos e 
legais em uma relação de interação ou interdependência. Assim, direito e Estado são da 
mesma ordem que as relações de produção (economia), constituindo estratagema da 
teoria marxiana o tratamento conferido às demais relações como ideologia, para criticá-
las. 
Em verdade, Kelsen entendeu haver uma verdadeira confusão entre direito e teoria do 
direito em Marx. Assim, reforçando a questão (sexto ponto de crítica) de que Estado e 
direito integram a realidade social e que as teorias sobre esses fenômenos é que podem 
receber, ou não, o predicado de consciência ideológica, Kelsen formulou o décimo 
ponto de crítica ao materialismo dialético: 
Se a função característica de uma ‘ideologia’ consiste em representar erroneamente a 
realidade, refletir – como um espelho defeituoso – a realidade em forma desvirtuada, 
nem o Estado nem o direito como instituições sociais reais podem ser ideologias. 
Apenas uma teoria como função do pensamento, mas também da vontade, pode ser uma 
ideologia. (KELSEN, 1957, p. 32 – livre tradução) 
 
Para explicar esse ponto considerado contraditório na teoria marxiana, o jus-filósofo 
positivista centra-se na análise do fenômeno “direito”. Segundo Kelsen, quando Marx 
aborda o “direito”, na verdade está se referindo a certa teoria do direito, a uma 
interpretação do fenômeno jurídico e não ao direito em si. 
Isso ocorre porque Marx dedicou-se à crítica da moral e do direito, enquanto normas de 
vida produzidas pela classe dominante aplicáveis, por generalização/extensão à classe 
dominada, como meio de manter as condições sociais dadas e como instrumento de 
dominação. O direito enquanto norma, vale dizer, é o direito como valor moral, ordem 
justa. Daí a afirmação que o direito é uma ideologia, quando, em verdade, segundo 
Kelsen, a interpretação dos ideólogos burgueses acerca do direito é que se caracteriza 
como ideologia na medida em que, para eles, o direito é uma norma e, portanto, justo. 
 4887
Ou seja, o direito é ideologia porque o legislador, mesmo refletindo as relações 
econômicas, imagina que o direito criado é expressão de um princípio a priori, isto é, 
de um princípio que não possui influência da história, da cultura, da economia, enfim, 
de um princípio que possui validade universal. Essa imaginação deformada (teoria) de 
que o direito advém de princípios a priori é que constitui uma ideologia. 
Então, a ideologia jurídica seria a idéia dos legisladores de que o direito é expressão de 
princípios a priori. Então, Kelsen interpõe o décimo primeiro ponto de crítica à teoria 
marxina do direito: “Mas há criadores de direito burguês e juristas burgueses que não 
crêem, nem fazem os demais crer, que o direito é a expressão de princípios a priori, 
pois não crêem na existência de princípios a priori de direito” (KELSEN, 1957, p. 33 – 
livre tradução). 
Desse modo, Kelsen afirma que a confusão de Marx ocorre na medida em que ele, 
assim como os ideólogos burgueses, identifica direito com valores morais e, portanto, 
direito com justiça. Diferentemente, foi a postura adotada por Kelsen em sua Teoria 
Pura do Direito que, segundo o próprio autor, constitui uma teoria burguesa do direito 
de caráter anti-ideológico, uma vez que identifica o direito como norma, não em sentido 
moral, mas em sentido lógico, isto é, de vinculação entre condição e conseqüência nas 
regras de direito. Desse modo, para Kelsen, a ciência do direito descreve – como toda 
ciência – o seu objeto de conhecimento, o direito que é uma realidade: a realidade 
jurídica. 
Assim, outra questão observada por Kelsen, que suscitou o décimo segundo ponto de 
crítica à teoria comunista do direito, diz respeito à relação entre direito e realidade: 
Se a relação entre uma norma jurídica que prescreve ou permite certa conduta humana 
real que corresponde a essa norma, é comparada com a relação entre um objeto real e a 
sua imagem refletida em, ou por, um espelho, a norma jurídica como idéia na mente do 
homem, ou na consciência do homem,não representa o papel de espelho que reflete a 
imagem de um objeto depois que esse objeto tenha sido colocado ante o espelho. Pois 
primeiro há que se estabelecer a norma e só então pode haver uma conduta real que 
corresponda a essa norma, é dizer, uma conduta real similar à prescrita ou permitida 
pela norma jurídica. (KELSEN, 1957, p. 35 – livre tradução) 
 
É que, para Kelsen, a conduta real é que reflete a norma, ou a conduta por ela descrita, 
não podendo, pois, ser o direito reflexo da realidade. A tabela abaixo pode esclarecer a 
questão: 
Tabela 2 - Norma Jurídica e Conduta Real na metáfora marxiana do espelho 
Teoria Objeto real Reflexo 
Comunista (Karl Marx) Conduta humana (relações de produção) Direito 
Positivista (Hans Kelsen) Direito (como norma posta) Conduta humana 
Fonte: KELSEN, Hans. Teoría comunista del derecho y del Estado. Buenos Aires: 
Emecé Ed., 1957, p. 35. 
 4888
 
Conforme enuncia a tabela 2, Karl Marx pretende que o direito seja reflexo das relações 
de produção (infra-estrutura), mas Kelsen afirma que o direito é pré-existente às 
condutas humanas, exemplificando que a própria criação de normas jurídicas depende 
de uma norma anterior, ou seja, a conduta que é o reflexo da norma, não podendo haver 
distorção entre objeto real e reflexo, uma vez que a conduta deve guardar conformidade 
com a descrição da norma. Para Kelsen não há, pois, espaço para o emprego do termo 
“ideologia” – no sentido marxiano – no que tange à relação entre a conduta real e o 
direito como norma jurídica. 
Nesse sentido – direito como norma posta – Kelsen fala em realidade jurídica, uma vez 
que o significado dos atos de conduta tem lugar no tempo e no espaço (regras espaço-
temporal de aplicação de normas, isto é, territorialidade e vigência) e uma ordem 
jurídica somente é válida se a conduta humana por ela regulada corresponder 
exatamente a essa ordem. 
Após definir “realidade jurídica”, Kelsen a diferencia da “realidade natural”: a partir 
desta, a conduta humana é interpretada de acordo com as leis de causalidade; e segundo 
aquela, de acordo com as normas jurídicas, conforme demonstra a tabela abaixo: 
Tabela 3 - Realidade Jurídica e Natural 
Espécie de Realidade Fato interpretado Paradigma de interpretação 
Natural Conduta humana Leis de causalidade 
Jurídica Conduta humana Normas Jurídicas 
Fonte: KELSEN, Hans. Teoría comunista del derecho y del Estado. Buenos Aires: 
Emecé Ed., 1957, p. 36. 
 
Diferentemente, Hegel, segundo Kelsen, embasado em uma perspectiva religiosa, no 
entanto, equipara a realidade jurídica à natural ao afirmar que a realidade natural surge 
em conformidade com uma norma divina, transcendente, ou seja, emanada do espírito 
universal – ser supremo. É que, para Hegel, o mundo real é o reflexo da idéia do espírito 
universal – deus. 
Essa postura de Hegel é criticada por Marx que, ao contrário, como já fora mencionado, 
acredita que as idéias formuladas na cabeça do homem sobre a realidade natural são um 
mero reflexo dessa realidade. Nesse ponto, Kelsen concorda com Marx, embora não 
admita a aplicação desse mesmo raciocínio quanto à realidade jurídica, uma vez que a 
conduta real é a realização do direito – conduta conforme a norma jurídica. 
Desse modo, Kelsen afirma que a teoria marxista da ideologia é duplamente 
contraditória: de um lado, porque considera direito e Estado ora como pertencentes à 
superestrutura, ora como à infra-estrutura; por outro lado, porque o antagonismo entre 
realidade e ideologia às vezes é apresentado como imanente à própria realidade. Kelsen 
apõe, assim, sua décima terceira crítica à teoria marxiana: 
 4889
Se a idéia é imanente à realidade e forma portanto parte dela, a realidade se compõe de 
dois elementos muito heterogêneos; e se a idéia adquire caráter de ‘ideologia’, como 
algo contraditório com a realidade, a especulação chega ao conceito absurdo de uma 
realidade contraditória consigo mesma. (KELSEN, 1957, p. 37-38 – livre tradução) 
 
Essa crítica parte da formulação marxiana de que há uma contradição entre a forma 
visível em que aparecem as coisas (aparência) e a verdadeira essência, velada pela 
superfície ilusória, constituindo tarefa da ciência descobrir os fenômenos disfarçados 
pela aparência externa. Nesse sentido, a ideologia reflete apenas a aparência externa, 
com a crença de que esta seja a realidade (essência). Assim, Kelsen conclui que a 
contradição existe entre as formas de pensar a realidade, não na realidade em si, 
afirmando ser um “absurdo” que a realidade seja contraditória a si mesma. 
Segundo Kelsen, essa construção deve-se ao fato de que tenha sido projetada na 
realidade uma ideologia que a contradiz. Desse modo, o jurista austríaco faz uma 
constatação, aqui caracterizada como a décima quarta crítica ao materialismo dialético: 
A contradição em que pensa não é a contradição da realidade consigo mesma, mas a 
contradição de duas ideologias opostas. [...] Em conseqüência, não há autocontradição 
dentro da realidade representada pelo Estado, mas uma contradição entre duas 
ideologias, a capitalista e a socialista. (KELSEN, 1957, p. 40-41 – livre tradução) 
 
A explicação de Kelsen dá-se a partir da análise de Marx quanto à contradição do 
Estado. Segundo Marx (apud KELSEN, 1957, p. 41 – livre tradução), o Estado pretende 
realizar a razão, havendo, então, uma contradição entre seu destino ideal e suas 
condições reais: “Desse conflito do Estado político consigo mesmo em todas as partes, 
pode fazer-se surgir a verdade social”. 
Kelsen assevera que não é o Estado que pretende realizar a razão, mas uma teoria 
apologética do Estado (burguesa). Do mesmo modo, a contradição entre “realidade 
existente” (capitalismo) e “realidade verdadeira” (socialismo) revela o ideal marxiano. 
Assim, tais teorias do Estado constituem ideologias e não o Estado em si. Existe, na 
verdade, para Kelsen, uma contradição entre duas ideologias: a capitalista e a socialista. 
Kelsen constata, então, haver duas versões da doutrina da ideologia na obra de Karl 
Marx, conforme se pode observar na tabela abaixo: 
Tabela 4 – Versões da doutrina da ideologia em Marx 
Doutrina da 
ideologia Contradição essencial Ideologia Explicação 
1ª Versão Superestrutura X Infra-estrutura Direito 
Uma teoria ideológica apresenta o 
direito como norma. 
2ª Versão Realidade social em autocontradição 
Realidade 
existente 
A realidade existente (aparência) 
oculta a realidade verdadeira 
 4890
(essência). 
Fonte: KELSEN, Hans. Teoría comunista del derecho y del Estado. Buenos Aires: 
Emecé Ed., 1957, p. 41-2. 
 
Explicitando o conteúdo da tabela 4, tem-se que, de acordo com a primeira versão, uma 
contradição básica entre a estrutura ideológica e a realidade, constituindo o direito uma 
ideologia, uma vez que se apresenta como norma, isto é, um valor moral; conforme a 
segunda versão, a realidade apresenta uma autocontradição entre “realidade existente” e 
“realidade verdadeira”, em que esta é ocultada por aquela e, nesse caso, a realidade 
verdadeira é uma norma correspondente ao ideal marxista de justiça. 
É justamente com base na segunda versão da doutrina da ideologia que Kelsen formula 
o décimo quinto ponto de crítica a Marx, assim sintetizado: “Quando Marx aplica ao 
Estado a distinção entre a realidade existente, meramente externa, e a realidade 
verdadeira, oculta como Sollen, destino ideal da realidade, adota exatamente o mesmo 
esquema interpretativo que a doutrina do direito natural” (KELSEN, 1957, p. 42 – livre 
tradução). 
A doutrina do direito natural, segundo Hans Kelsen, caracteriza-se por três elementos: 
1º) pressupõe que a justiça/razão é imanente à realidade apresentada como natureza; 2º) 
é possível deduzir da natureza o direito justo/natural; 3º) constitui tarefa da ciência do 
direito descobrir referido direitonatural oculto na natureza. 
A comparação entre a doutrina comunista do direito e a doutrina natural pode ser 
encontrada na tabela abaixo: 
Tabela 5 - Doutrina comunista e natural do direito 
Doutrina do 
Direito 
Imanência da 
Justiça 
Justiça é 
dedutível Tarefa da ciência Homem 
Comunista Realidade econômica 
Relações de 
produção 
Desvelar a realidade 
verdadeira disfarçada pela 
realidade existente 
Livre (pré-
história) 
Natural Realidade natural Natureza 
Descobrir o direito natural 
ocultado na natureza 
Livre 
(naturalmente) 
Fonte: KELSEN, Hans. Teoría comunista del derecho y del Estado. Buenos Aires: 
Emecé Ed., 1957, p. 42. 
 
O conteúdo da tabela 5 revela, segundo Kelsen (1957, p.43), que a teoria comunista do 
direito “é genuína doutrina de direito natural”. A conclusão kelseniana se dá pelo fato 
de que, tanto na doutrina do direito natural, quanto na comunista, somente se pode 
deduzir da natureza ou da realidade social uma pressuposição que tenha sido projetada 
 4891
previamente sobre ela, isto é, a justiça não é deduzida da natureza ou da realidade 
social, mas da consciência do jurista[9]. 
Quanto ao homem, a doutrina do direito natural o considera naturalmente livre, por 
vontade divina. E, como o homem é a imagem de deus, ele é, por natureza, bom/justo 
(existe uma identidade entre liberdade e justiça). Assim, o mal não tem origem na 
natureza do homem, mas fora dele. A serpente do Éden, de acordo com Kelsen, 
simboliza a exterioridade do mal. A postura de Marx parece ser coincidente com a 
adotada pela doutrina do direito natural, segundo Kelsen, na medida em que acredita 
que os defeitos da existência humana não têm origem na natureza humana, mas em 
circunstâncias exteriores à sua vida (relações de produção). 
Igualmente, ambas as doutrinas acreditam na pré-existência de um estágio em que o 
homem era perfeitamente livre (estado de natureza ou pré-história) que se restabelecerá 
(Estado político desenvolvido ou comunismo). 
Kelsen propõe, então, a décima sexta crítica à teoria comunista: “A filosofia social de 
Marx é, em seus pontos essenciais, uma doutrina de direito nacional” (KELSEN, 1957, 
p. 45 – livre tradução). Isto é, segundo Kelsen, o Estado (nacional) possui papel 
fundamental na teoria marxiana já que é nele que a liberdade será restabelecida 
mediante a coletivização (estatização) da propriedade dos meios de produção. Por isso, 
a teoria comunista do direito de Marx é considerada não apenas uma doutrina de direito 
natural, mas também de direito nacional. 
Mas há, na teoria marxiana, uma identidade entre o Estado e a contradição entre as 
forças produtivas[10] e as relações de produção, uma vez que no comunismo o fim de 
tal contradição coincide com o fim do Estado. A harmonia, em que se encontram as 
forças produtivas e as relações de produção no comunismo, informa a inexistência de 
contradição da realidade consigo mesma, razão pela qual implica a inexistência de uma 
superestrutura ideológica. 
Ademais, já fora mencionado que o Estado, na teoria comunista, é um poder 
estabelecido com a finalidade de manter o conflito entre a classe dominante e a 
dominada, nos limites da ordem, ou seja, o Estado é instrumento de dominação. Isso 
implica que a contradição da sociedade em si é a contradição entre as classes sociais 
(burguesia e proletariado). 
Essa é a décima sétima questão posta por Kelsen como uma falha da teoria marxiana do 
direito e do Estado: “A contradição da sociedade, que é a condição de existência do 
Estado, é aqui a contradição entre duas classes, não a contradição entre as forças 
produtivas e as relações de produção” (KELSEN, 1957, p. 48 – livre tradução). 
Em verdade, conforme Kelsen, essas contradições relacionam-se, e ambas, se 
consideradas no período de transição para o comunismo (ditadura do proletariado), 
revelam que o Estado como integrante da realidade social não representa 
necessariamente uma roupagem ideológica, porque, nessa etapa, o Estado não apresenta 
nenhuma classe de pretensões e se apresenta como a ditadura de um grupo sobre outro 
(não há divisão da sociedade em classes). Isto é, não há contradição entre o aparente e o 
verdadeiro, não deixando de existir, no entanto, o Estado. 
 4892
Durante essa transição de ditadura do proletariado, o poder político da sociedade é o 
poder da maioria (proletariado), conquistado pela revolução que é um meio 
exclusivamente político. Nesse caso, o poder político não advém do poder econômico, 
mas ao contrário, o poder econômico é efeito do poder político adquirido por meio da 
revolução, com a finalidade de arrancar da burguesia a propriedade dos meios de 
produção e concentrá-la no Estado (coletivização). 
Com base nessa tese marxiana, Kelsen averigua a existência do décimo oitavo ponto 
controverso na teoria marxista do direito e do Estado: “isto significa a primazia do 
político sobre econômico, a qual é dificilmente compatível com uma interpretação 
econômica da sociedade” (KELSEN, 1957, p.50 – livre tradução). 
É que, durante referida ditadura, enquanto não são totalmente abolidas as classes sociais 
(processo gradual), ainda existe, em certa medida, o proletariado como classe 
politicamente dominante e economicamente dominada e a burguesia como classe 
politicamente dominada e economicamente dominante, o que representa, segundo 
Kelsen, um abandono da interpretação econômica da sociedade. 
Então, tomado o poder pelo proletariado e, uma vez abolidas a exploração e, por 
conseguinte, as classes e coletivizada a propriedade dos meios de produção, a 
interferência do poder estatal limitar-se-á a eliminação dos resquícios do sistema 
capitalista e a completar a socialização dos meios de produção. 
O Estado, assim, é caracterizado como meio coercitivo de eliminação da exploração, o 
que instigou a décima nona crítica de Kelsen à teoria de Marx: 
A contradição que resulta em definir o Estado como um mecanismo coercitivo para 
manutenção da exploração e, ao mesmo tempo, declará-lo como mecanismo coercitivo 
para a abolição da exploração. [...] De modo, pois, que a ditadura do proletariado é um 
Estado, mas ao mesmo tempo não é um Estado. (KELSEN, 1957, p. 53-55 – livre 
tradução) 
 
Essa crítica refere-se à definição de “Estado” em dois momentos: no capitalismo e na 
ditadura do proletariado. No primeiro momento, o Estado é um mecanismo coercitivo 
pelo qual a burguesia mantém as condições de exploração da classe proletária; no 
segundo momento, o Estado é um aparelho coercitivo pelo qual o proletariado, até 
abolir-se, extirpa gradualmente a exploração. Mas, segundo Kelsen, se o Estado 
caracteriza-se essencialmente pela manutenção da exploração, não pode, em outro 
momento, caracterizar-se por sua abolição. Isto é, do ponto de vista lógico, se o Estado 
o é pela manutenção da exploração, não pode sê-lo por sua abolição. 
Do mesmo modo, Kelsen identifica a existência de dois conceitos de democracia na 
teoria marxista do Estado, razão pela qual suscitou o vigésimo ponto de crítica a essa 
teoria: 
A nova ‘democracia’ é em verdade uma ditadura. [...] o conceito de democracia se 
transforma, de governo da maioria sobre a minoria, em governo de interesse de todos, a 
cumprir-se mediante a opressão da minoria pela maioria. Se esta interpretação da 
 4893
ditadura do proletariado é correta, há na teoria política do marxismo dois conceitos 
contraditórios de democracia, assim como há dois conceitos contraditórios de Estado. 
(KELSEN, 1957, p. 56 – livre tradução) 
 
O que ocorre é que Marx refere-se à ditadura do proletariado ora como dominação 
esmagadora da maioria sobre uma minoria, ora como governo em benefício da 
totalidade do povo. Há, pois, duas definições de democracia, as quais estão organizadas 
na tabela 6 abaixo: 
Tabela 6 - Definições burguesa e proletária de democraciaDefinição Essência Direitos da Minoria 
Burguês-capitalista Governo da maioria Existência e participação no governo 
Proletário-socialista Governo da maioria Não há direitos e a minoria deve ser eliminada
Fonte: KELSEN, Hans. Teoría comunista del derecho y del Estado. Buenos Aires: 
Emecé Ed., 1957, p. 56. 
 
Conforme a tabela 6, na primeira definição, a democracia pressupõe o direito de a 
minoria participar na formação da vontade do Estado (conceito burguês-capitalista); 
enquanto na segunda, a minoria não só carece de tal direito, como deve ser abolida pela 
força (conceito proletário-socialista). 
A ausência dos direitos da minoria (existência e participação) torna incompatível, na 
perspectiva kelseniana, a afirmação de que o regime de governo na ditadura do 
proletariado seja democrático, uma vez que a democracia pressupõe referidos direitos. 
Cabe ressaltar, no entanto, que Hans Kelsen, no item Democracia e economia, da obra 
A democracia (1956), centra sua análise na questão de determinar se existe uma relação 
essencial entre a democracia e um dos dois sistemas econômicos característicos da 
civilização moderna: capitalismo e socialismo (problema da economia e da 
democracia). Para analisar tal questão, como lógico que é, Kelsen fraciona seus 
argumentos, na medida em que fraciona as teses das doutrinas capitalista e socialista do 
Estado e, por conseguinte, do direito. 
Entretanto, Kelsen (2000, p.254), desde a introdução afirma que sua análise “tende a 
mostrar que nem o capitalismo nem o socialismo estão essencialmente relacionados, 
isto é, relacionados por sua natureza, a um sistema político definido”. 
Antes de iniciar sua crítica, Kelsen trata de definir cada um dos sistemas econômicos, 
para, então, verificar sua compatibilidade, ou não, com a democracia. As definições de 
Kelsen encontram-se sistematizadas na tabela abaixo: 
Tabela 7 - Sistemas econômicos da civilização moderna 
 4894
Sistema 
econômico 
Propriedade dos 
meios de produção Economia 
Relação entre Estado e 
economia 
Capitalismo Privada Livre (Iniciativa/Concorrência) 
Ausência de 
intervenção direta 
Socialismo Estatal (Pública) Planificada Regulação/Controle 
Fonte: KELSEN, Hans. A democracia. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.253. 
 
Kelsen identifica, conforme tabela 7, três características basilares dos dois sistemas 
econômicos da modernidade. Quanto ao capitalismo, destaca a propriedade privada dos 
meios de produção, a liberdade econômica expressa nas liberdades de iniciativa e 
concorrência e, por fim, a ausência de intervenção estatal direta na economia. 
No que tange ao socialismo, os meios e processos de produção e distribuição são 
controlados pelo Estado, isto é, a economia é planificada pelo poder público nacional e 
os meios de produção são de propriedade comum, destacando-se como característica 
central a restrição econômica e um incisivo controle estatal da vida econômica. Cada 
um dos dois sistemas apresenta, pois, uma doutrina correspondente, no que concerne à 
democracia e à teoria política em geral. 
De acordo com a doutrina capitalista, a democracia é incompatível com o socialismo, 
sendo a forma específica de governo do sistema capitalista. Conforme a doutrina 
socialista, por sua vez, a democracia verdadeira somente pode materializar-se no 
socialismo, sendo possível no sistema capitalista a existência de uma democracia 
meramente formal. 
Kelsen (2000, p. 254) adverte, ainda, que a democracia enquanto forma de governo é 
um sistema político, isto é, “um processo ou método para a criação e aplicação de uma 
ordem social”. A isso equivale dizer que a democracia é um pressuposto para a 
elaboração e realização do direito. 
Assim, afirma Kelsen, não há uma relação essencial entre um dado sistema e econômico 
e um dado sistema político, ou seja, em regra, não há incompatibilidade entre um 
sistema político democrático e os sistemas econômicos socialista ou capitalista. 
Entretanto, mesmo admitindo-se a impossibilidade de democracia durante a ditadura do 
proletariado, Kelsen adverte que Marx trata a ditadura do proletariado como um período 
de transição no qual o Estado gradualmente extinguir-se-ia. 
E, ao tratar da extinção do Estado, não foi feita uma descrição detalhada do processo e 
como (vigésimo primeiro) ponto de crítica, Kelsen observou: 
O prognóstico foi formulado sem referência à possível situação internacional na qual o 
Estado proletário, por efeito da socialização dos meios de produção, vai se extinguindo. 
[...] Marx não se preocupava muito com a situação que, em sua opinião, haveria de 
apresentar-se em um futuro remoto. (KELSEN, 1957, p. 58 – livre tradução) 
 4895
 
Kelsen percebeu que a extinção do Estado era resultado da socialização dos meios de 
produção e abolição da exploração no seu interior, restando, segundo ele, como ponto 
cego da teoria marxiana do Estado a questão da situação internacional no contexto dessa 
extinção. 
Além disso, a questão do futuro do direito, nas obras de Marx, também chamou a 
atenção de Kelsen. Muito embora Marx não tenha dedicado muita atenção à questão 
jurídica, a partir do conjunto de sua obra pode-se dizer, segundo Kelsen, que 
provavelmente o direito e o Estado estão essencialmente vinculados. 
Nesse sentido, o direito, como ordem coercitiva e instrumento do Estado, somente 
existe em uma sociedade divida em classes, com um vínculo de exploração. Portanto, 
com o estabelecimento do comunismo, o direito passaria por certo progresso, não 
abandonando totalmente seu conteúdo burguês, até que, na mais elevada fase do 
comunismo, deixaria de existir. 
Mas, pelas formulações marxianas, não resta clara a seguinte questão (vigésimo 
segundo ponto de crítica): 
... nessa fase de evolução do comunismo não haverá direito, porque o direito é por sua 
natureza direito burguês, o que significa direito de classe. [...] também pode ser [...] que 
na perfeita sociedade comunista haverá direito, mas não direito burguês, ou seja, uma 
ordem coercitiva que garanta a exploração de uma classe por outra, à qual uma doutrina 
ideológica apresenta-se como realização da justiça. (KELSEN, 1957, p. 59 – livre 
tradução) 
 
Do mesmo modo, no que se refere ao Estado, a teoria de Marx pode ser interpretada, 
segundo Kelsen, no sentido de que na futura sociedade comunista existirá Estado, mas 
não esse Estado que domina a sociedade, ao contrário, um Estado dominado pela 
sociedade, assim como existirá um direito justo. 
Kelsen aponta, então, dois possíveis futuros para o direito e o Estado na teoria 
marxiana, conforme se pode observar na tabela abaixo: 
Tabela 8 - Direito e Estado na futura sociedade comunista 
Futura sociedade 
comunista Fundamento 
Existe direito e 
Estado 
Se a propriedade coletiva dos meios de produção há de ser uma 
instituição da futura sociedade, deve haver um direito que garanta 
este status. 
Não existe direito 
nem Estado 
A ordem social não terá caráter coercitivo, nem sequer normativo, 
conforme a tendência anarquista das obras de Marx. 
 4896
Fonte: KELSEN, Hans. Teoría comunista del derecho y del Estado. Buenos Aires: 
Emecé Ed., 1957, p.63-64. 
 
A tabela 8 informa que, segundo Kelsen, a teoria marxiana do direito e do Estado 
permite uma dupla projeção do futuro desses dois fenômenos que pode implicar ou sua 
extinção pelo fim da contradição básica da sociedade, ou uma alteração substancial em 
seu conteúdo, isto é, do nível da superestrutura ideológica para o de realidade 
verdadeira. Há, pois, uma imprecisão no que tange ao futuro do direito e do Estado. 
Quanto à possibilidade de uma sociedade sem direito e sem Estado na teoria comunista, 
Kelsen não apenas a adjetiva como utópica[11], mas também apresenta duras críticas 
(vigésimo terceiro ponto de crítica): 
[...] primeiramente, que a socializaçãodos meios de produção aumentará a produção 
[...]; e segundo, que as perturbações da ordem social são causadas somente pelas 
circunstâncias econômicas [...]. Nenhuma nem outra suposição encontra fundamento em 
nossa experiência social. (KELSEN, 1957, p. 64-65 – livre tradução) 
 
Quanto à socialização dos meios de produção como fator de aumento da produção, 
Kelsen afirma que há uma tendência oposta – de redução – uma vez que Marx afirma 
que haverá, na futura sociedade comunista, o fim da divisão do trabalho, que constitui 
um dos meios mais eficazes de aumento quanti-qualitativo da produção. 
No que tange à tese de que as “perturbações da ordem social” são causadas somente 
pelas circunstâncias econômicas, Kelsen informa que a psicologia criminal aponta as 
circunstâncias econômicas como uma de suas causas – mas não a única – juntamente 
com o sexo e a ambição, ocupando referidas circunstâncias o mesmo patamar de 
relevância, com a ressalva de que, resolvida a questão econômica, as demais devem 
representar um papel mais importante. 
Além disso, Kelsen afirma que a tendência anárquica da teoria marxiana, por meio da 
negação do direito e do Estado burguês, é elemento básico da crítica social, apontando 
como vigésimo quarto ponto crítico o fato de que: 
Esta crítica tem um caráter claramente moral; baseia-se numa evolução moral da 
realidade social e culmina com um postulado moral: a realização da liberdade e da 
igualdade. O caráter moral da crítica feita por Marx à realidade social existente 
manifesta-se na indignação fortemente emocional com que condena como escravidão a 
exploração capitalista, e a ideologia burguesa que pretende justificá-la. (KELSEN, 
1957, p. 69 – livre tradução) 
 
Kelsen qualifica a crítica marxista como moral e, portanto, não-científica na medida em 
que se baseia num ideal de igualdade e de liberdade. Nesse sentido, a teoria comunista 
apresenta uma suposta descrição do caminho evolutivo necessário (liberdade pré-
 4897
histórica –escravidão capitalista – liberdade comunista) da sociedade, por meio da qual 
se tenta disfarçar um postulado político-moral apresentando-o como ciência, isto é, 
verdade objetiva. 
Dessa constatação kelseniana, surge a vigésima quinta questão posta em relação à 
filosofia social de Marx: 
Marx, ao fazer a crítica da ideologia, destrói por completo a autoridade da religião, mas 
não renuncia, para sua surpresa, à ajuda de uma autoridade efetiva. A única autoridade 
que sua crítica deixa intacta é a ciência. Para ele seu socialismo simula ser ciência e 
coroa com o halo desta autoridade seu produto: a sociedade comunista do futuro. 
(KELSEN, 1957, p. 73 – livre tradução) 
 
Kelsen acusa, pois, Marx de, a pretexto de fazer ciência, fazer política, para tanto, 
protegendo o status da ciência como meio de desvelar a realidade social apresentada à 
mente humana de forma distorcida. Essa acusação constitui o vigésimo sexto ponto de 
crítica à teoria marxista: “Desse modo, a ciência se mescla desde o começo com a 
política. A ciência é destinada conscientemente a ser um instrumento da política. [...] A 
função da crítica científica ou ciência crítica de Marx é efetuar uma revolução social” 
(KELSEN, 1957, p. 73 – livre tradução). É o que Kelsen chamou de “confusão 
consciente de ciência e política”, ou ainda, de ideologia no sentido pejorativo 
empregado pelo próprio Marx na medida em que julga a realidade a partir de um valor 
previamente idealizado. 
Kelsen, alertando para essa questão da confusão entre ciência e política, afirma que a 
ciência na perspectiva do materialismo dialético é “uma teoria política que propõe o 
problema – decisivo para o socialismo – de como devem agir os homens, porque devem 
agir precisamente desse modo e não de outro, e porque não se deve agir como a teoria 
política do capitalismo afirma que se deve agir” (KELSEN, 1982, p.183). Assim, fica 
evidente, de acordo com Kelsen, como a ciência marxiana converte-se em instrumento a 
serviço da proposta política socialista. 
Outra questão (vigésima sétima), que não escapou à análise de Kelsen, refere-se à 
contradição entre a situação legal e a situação econômica no sistema do socialismo 
científico, assim expressa: 
Não menos flagrante é a contradição, no sistema do socialismo ‘científico’, entre a 
situação legal da sociedade comunista do futuro, que presumidamente será de anarquia 
individualista, e a situação econômica, que consistirá na substituição da ‘anarquia da 
produção capitalista’ por uma produção altamente organizada sobre a base da 
propriedade coletiva dos meios de produção, concentrada necessariamente nas mãos de 
uma autoridade central. (KELSEN, 1957, p. 77 – livre tradução) 
 
Kelsen destaca que uma interpretação econômica da realidade, como é o caso da teoria 
marxiana, não permite a separação entre o aspecto econômico da organização social 
 4898
(ralações de produção) e o político, ou seja, é impossível negar a autoridade no campo 
político e admiti-la no campo econômico. 
Essa e as demais contradições identificadas por Kelsen na teoria comunista do direito e 
do Estado[12], deveriam constituir um princípio metodológico da dialética, como o é na 
filosofia de Hegel. Mas Karl Marx, ao rejeitar a identidade entre ser e pensamento, 
segundo Kelsen, rejeita também a idéia de que haja contradições lógicas inerentes à 
realidade compreensível. Essa formulação representa o décimo oitavo ponto de crítica 
de Kelsen à filosofia social de Marx e pode ser resumida na seguinte assertiva: “Mas no 
interior do quadro da filosofia materialista de Marx e Engels, que rejeitam tal 
identificação [entre ser e pensamento], é absurdo interpretar como contradições lógicas 
as forças antagônicas ou os interesses em conflito na sociedade” (KELSEN, 1957, p. 79 
– livre tradução). 
3. Considerações Finais 
A crítica que Hans Kelsen interpõe à teoria marxista apóia-se na interpretação literal das 
definições de Estado e direito ao longo das obras de Marx. Sua crítica incide, 
principalmente, sobre o método; as relações entre realidade (infra-estrutura) e ideologia 
(superestrutura); e as contradições decorrentes de oscilação semântica no emprego de 
alguns termos como direito, Estado e democracia. 
Percebe-se que essas críticas teórico-políticas e teórico-jurídicas formam uma unidade, 
visto que permaneceram invariáveis ao longo das obras kelsenianas (Socialismo y 
Estado; Teoria comunista del derecho y del Estado; e A democracia). 
Isso, porque a crítica intentada por Kelsen limitou-se, quase integralmente, ao 
cotejamento de definições marxianas – como direito, Estado, democracia – situadas em 
diferentes obras e nos mais variados contextos, caracterizando-se como uma crítica 
lógico-literal. 
Essa interpretação formalista de Kelsen ignora o fato de que Karl Marx não elaborou 
uma abordagem precisa e completa do direito, isto é, uma teoria jurídica propriamente 
dita, razão pela qual empregava indistintamente a expressão “direito” para designar 
fenômenos diversos. 
Mas, não obstante essas constatações, que são preliminares à realização da pesquisa, 
destacam-se como críticas de Kelsen à obra de Karl Marx as seguintes: 
1. Quanto ao método: a) o materialismo marxiano não permite o emprego da lógica 
dialética de Hegel, na medida em que rejeita a identidade entre “ser” e “pensamento” 
(realidade e ideologia); b) há uma confusão consciente entre ciência e política que 
caracteriza a ciência como instrumento político a serviço do socialismo; c) como a 
consciência é determinada pela existência, é impossível que haja uma teoria da 
realidade social que seja verdadeira, isto é, objetiva. 
2. Quanto ao Estado: a) a contradição da definição marxiana, ora como superestrutura 
ideológica, ora como realidade social; b) seu futuro nas projeções de Marx, ora com a 
transformação de seu conteúdo (de aparelho decoerção sobre a sociedade para aparelho 
 4899
a serviço da sociedade), ora com sua extinção; c) sua função, ora como de manutenção 
da exploração de uma classe sobre a outra, ora como de abolição dela – exploração. 
3. Quanto ao direito: a) a contradição da definição marxiana, ora como superestrutura 
ideológica, ora como realidade social; b) seu futuro nas projeções de Marx, ora com a 
transformação de seu conteúdo (de burguês-capitalista para proletário-socialista), ora 
com sua extinção; c) sua função, ora como de instrumento do Estado para manutenção 
da exploração de uma classe sobre a outra, ora como de realização da justiça (fim do 
caráter burguês do direito). 
4. Quanto à democracia: a) a apresentação da ditadura do proletariado, ora como 
ditadura, ora como forma democrática de governo; b) a inconsistência da primazia do 
econômico sobre o político que, embora fundamente a impossibilidade de democracia 
no capitalismo, desmorona ao garantir que a revolução é o meio – exclusivamente 
político – de o proletariado tornar-se classe econômica dominante. 
4. REFERÊNCIAS 
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar, 2001. 
 
GUASTINI, Ricardo. Marx y Kelsen. In: CORREAS, Óscar. El otro Kelsen. México: 
UNAN, 1989, p. 79-97. 
 
KELSEN, Hans. Democracia e economia. In: ______. A democracia. 2.ed. São Paulo: 
Martins Fontes, 2000, p. 253-297. 
 
______. La teoría del Estado y del derecho de Marx-Engels. In: _____. Teoría 
comunista del derecho y del Estado. Buenos Aires: Emecé Editores, 1957, p. 17-80. 
 
______. Socialismo y estado: uma investigación sobre la teoria política del marxismo. 
México: Siglo XXI Editores, 1982. 
 
MANERO, Juan Ruiz. Sobre la crítica de Kelsen al marxismo. In: Doxa – Cuadernos 
de Filosofia del Derecho, n. 3, s/l., 1986, p. 191-231. Disponível em: 
<http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/02406177433793617422202/cuad
erno3/numero3_14.pdf >. Consulta em: 16/12/2007. 
 
 4900
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo Editorial, 
2006. 
 
______; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Rio de Janeiro: Paz & 
Terra, 1996. 
 
______. Prefácio. In: ______. O Capital: crítica da economia política. Livro I. v. I. 26. 
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 15-21. 
 
SANTOS, Antonio Raimundo. Metodologia científica: a construção do conhecimento. 
6.ed. São Paulo: DP&A, 2006. 
 
WOLKMER, Antonio Carlos. Uma discussão crítica: Kelsen, Marx e o direito. In: 
______. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, 
p. 146-170. 
 
 
[1] No Brasil, a única obra expressiva – do ponto de vista da adesão acadêmica – que 
abordou esse tema foi a Introdução ao pensamento jurídico crítico de autoria de 
Antônio Carlos Wolkmer. E, nessa obra, cuja proposta foi “tão-somente apontar 
algumas linhas muito genéricas”, foram destinadas apenas cinco páginas para a 
apresentação preliminar da crítica kelseniana aos textos de Marx. 
[2] Ressalte-se que essas obras aqui destacadas não as únicas nas quais Kelsen dedica-se 
a criticar/dialogar o/com o pensamento marxiano e marxista. A referência e uma análise 
das demais obras kelsenianas de crítica à teoria marxista podem ser encontradas em: 
GUASTINI, Ricardo. Marx y Kelsen. In: CORREAS, Óscar. El otro Kelsen. México: 
UNAN, 1989, p. 79-97. 
[3] Segundo Manero (1986, p. 194), a unidade da crítica de Kelsen ao marxismo 
convive com três elementos diferenciadores, quais sejam: “(1) na implicação pessoal 
mostrada por Kelsen em relação ao socialismo; (2) no tratamento do sistema político 
soviético; (3) na posição adotada a respeito da possibilidade de integração de sua 
própria construção teórico-jurídica na concepção materialista da história”. Tais 
elementos não constituíram fatores relevantes no trabalho empreendido por esta 
pesquisa, já que seus objetivos foram, exclusivamente, identificar e comentar as críticas 
kelsenianas aos escritos de Marx. 
 4901
[4] Trata-se, segundo Kelsen (1957, p.13), de uma interpretação econômica da realidade 
social inaugurada por Karl Marx, que possui um caráter antinormativo e que permitiu 
uma reaproximação entre o direito e a sociologia jurídica. 
[5] “As relações de produção são constituídas pela propriedade econômica das forças 
produtivas. No capitalismo, a mais fundamental dessas relações é a propriedade que a 
burguesia tem dos meios de produção, ao passo que o proletariado possui apenas a sua 
força de trabalho. A propriedade econômica é diferente da propriedade jurídica, pois 
está referida ao controle das forças produtivas” (BOTTOMORE, 2001, p. 157). 
[6] Quanto à adoção do princípio da primazia do econômico sobre o político, no que se 
refere à doutrina marxista de que a democracia só é possível sob um sistema político 
socialista, Kelsen (2000, p. 254-256) esclarece tratar-se de uma aplicação da 
interpretação econômica da sociedade cujo resultado consiste na concepção de Estado e 
direito como superestrutura ideológica formada sobre a realidade constituída pelas 
relações de produção. A partir dessa concepção, a sociedade capitalista, caracterizada 
pela propriedade privada dos meios de produção, tem como classe econômica 
dominante uma minoria (burguesia) que se torna, pois, dominante politicamente. O 
governo numa sociedade capitalista não pode, então, ser democrático uma vez que é o 
governo de uma minoria sobre a maioria. 
[7] Quanto ao significado atribuído por Marx à ideologia, por não coincidir com o 
sentido amplo de idéia, mas de falsa consciência, Kelsen (1957, p.20 – livre tradução) 
afirma ser de “franca desaprovação”. 
[8] “Segundo este ponto de vista, o direito – e não uma ilusória filosofia jurídica – é 
uma superestrutura ideológica erigida sobre a realidade social, as relações de produção” 
(KELSEN, 1957, p. 29 – livre tradução). 
[9] Para Kelsen, a realidade de Marx é “como a cartola de um mágico, tem um duplo 
fundo, do qual é possível sacar qualquer coisa mediante artes mágicas” (KELSEN, p. 
1957, p. 42). 
[10] “O conceito de forças produtivas de Marx abrange os meios de produção e a força 
de trabalho. O desenvolvimento das forças produtivas compreende, portanto, fenômenos 
históricos como o desenvolvimento da maquinaria e outras modificações do 
PROCESSO DE TRABALHO, a descoberta e exploração de novas fontes de energia e a 
educação do proletariado. Restam, porém, vários elementos cuja definição é discutida. 
Alguns autores encaram a própria ciência como uma força produtiva (e não as 
transformações dos meios de produção que dela resultam), e há quem considere o 
espaço geográfico como força produtiva” (BOTTOMORE, 2001, p.157). 
[11] Kelsen (1957, p. 65) afirma, em tom de ironia, que a “predição de uma sociedade 
de justiça perfeita, sem Estado e sem direito, é uma profecia utópica, como o messiânico 
Reino de Deus, o paraíso do futuro”. 
[12] “[...] o Estado é por sua própria natureza um instrumento para manter a exploração 
e, ao mesmo tempo, o Estado, como Estado proletário, é o instrumento específico para 
abolir a exploração; que o Estado proletário é uma ditadura e, ao mesmo tempo, é uma 
democracia; que o comunismo é a realização da liberdade individual e, ao mesmo 
 4902
tempo, é a organização da autoridade coletiva; apresentar a teoria do socialismo como 
uma ciência moralmente indiferente e, ao mesmo, proclamar em nome da ciência a 
verdadeira justiça, da liberdade e da igualdade; afirmar que não pode haver ciência 
objetiva e, ao mesmo tempo, gabar-se de haver promovido o socialismo de desejo 
utópico ao grau de ciência objetiva” (KELSEN, 1957, p. 79 – livre tradução).

Outros materiais