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Adm Pública - Com ou sem jeitinho_2

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11/11/2015 detalhe > Com ou sem jeitinho
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REVISTADACULTURA  > DETALHE
POR: MAURICIO DUARTE  /  07/10/2015
COM OU SEM JEITINHO
Bem longe de ser um fenômeno recente, a corrupção sempre
esteve presente no Brasil. Contudo, de uns anos para cá, falar
sobre o tema virou mania entre muitos brasileiros, que parecem
ter memória curta quando se trata da nossa história
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11/11/2015 detalhe > Com ou sem jeitinho
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Na carta em que Pero Vaz de Caminha narra a chegada da esquadra de Pedro Álvares
Cabral à Bahia em 1500, após descrever com deslumbramento tudo o que seus olhos
haviam visto, ele sutilmente aproveita a oportunidade para pedir ao rei Dom Manuel I
emprego para um parente. “E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do
que nesta vossa terra vi. E, se a algum pouco alonguei, Ela me perdoe, que o desejo
que tinha de vos tudo dizer me fez assim pôr pelo miúdo. E, pois que, Senhor, é certo
que assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de vosso serviço
for, Vossa Alteza há­de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer
singular mercê, mande vir da Ilha de São Tomé Jorge de Osório, meu genro, o que
ILUSTRAÇÕES MAURICIO PLANEL
11/11/2015 detalhe > Com ou sem jeitinho
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d’Ela receberei em muita mercê”, diz o trecho final da missiva. Há historiadores que
acham um excesso de malícia afirmar que foi um pedido de emprego, mas é o
suficiente para criar uma lenda de que o Brasil nasceu junto com a corrupção.
“Está ali, portanto, um registro oficial de nepotismo, que é uma forma velada de
corrupção. Obviamente, essa era uma prática comum e relativamente aceitável na
época, mas, ainda assim, não deixa de ser simbólico que, na própria certidão de
nascimento do Brasil, haja um registro dessa natureza”, diz Laurentino Gomes, autor de
livros como 1808, sobre a fuga da família real portuguesa para o Rio de Janeiro; 1822,
sobre a Independência do Brasil; e 1889, sobre a proclamação da República.
Com os recentes escândalos de corrupção estampando diariamente as manchetes dos
jornais, especialmente a Operação Lava Jato, que investiga o desvio de recursos na
Petrobras, o brasileiro se acostumou a encarar isso quase de forma automática, como
se estivesse incorporada ao seu cotidiano. Será, no entanto, que essa visão de que a
corrupção, de certa forma, moldou o caráter nacional corresponde à realidade? É
possível rastrear a origem da prática no país?
Caso estejamos pensando na corrupção praticada por homens públicos, podemos falar
em corrupção no Brasil a partir do momento em que começou a ser formado o Estado
com os organismos públicos. Contudo, temos de levar em consideração que, na
colônia, a palavra corrupção não existia e o sentido de desvio dos recursos públicos era
outro. Como no período colonial o Brasil fazia parte de uma monarquia, a portuguesa, o
sentido de recurso público era, em primeiro lugar, aquele ligado à figura do rei e que
sustentaria o Império. “Nas duas situações, tanto dos tributos régios, como dos
municipais, há muitas denúncias na documentação de época sobre desvios ou
apropriação indevida dos recursos que geravam e que deveriam ou ser enviados para o
rei ou se dirigir para alguma obra pública nas vilas e cidades do Brasil”, explica a
historiadora Denise A. Soares de Moura, professora do Departamento de História da
Unesp e estudiosa do tema.
Para o jornalista Pedro Doria, autor dos livros 1565 – Enquanto o Brasil nascia: A
aventura de portugueses, franceses, índios e negros na fundação do país, e 1789 – A
história de Tiradentes e dos contrabandistas, assassinos e poetas que lutaram pela
independência do Brasil, que abordam dois períodos intensos da história brasileira, a
corrupção, da maneira que a tratamos, é um conceito novo, mas sempre presente.
“Nenhum português, em 1500, estava particularmente preocupado com corrupção. Esta
tampouco é uma preocupação particular nos anos 1700. No século 20, já começa a
aparecer com força”, explica, arrematando que a corrupção não tinha o peso moral que
lhe atribuímos atualmente. Ela era vista como parte do salário. Ter poder queria dizer,
essencialmente, que parte do ganho do Estado lhe pertencia. E o rei não veria motivos
para reclamar, desde que o desvio fosse razoável e o grosso parasse nos cofres reais.
“A prática como a conhecemos hoje estava na estrutura de como se geria um Império.
Mais do que isso: o desvio de dinheiro do Estado era parte aceita da política de
governo. Quando um governador­geral ou um vice­rei era mandado para o Brasil, ao
longo de nossos três primeiros séculos, ele tinha uma obrigação: sugar o quanto desse
para enviar dinheiro de volta para o rei.”
Laurentino também dá exemplos de que a corrupção grassava no Brasil colônia. De
acordo com ele, o regime de toma­lá­dá­cá já estava presente na época, mas se
agravou com a chegada da corte de Dom João ao Brasil, em 1808. Logo no seu
11/11/2015 detalhe > Com ou sem jeitinho
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agravou com a chegada da corte de Dom João ao Brasil, em 1808. Logo no seu
primeiro dia no Rio de Janeiro, o príncipe regente ganhou de presente de um grande
traficante de escravos, Elias Antonio Lopes, a melhor e maior casa da cidade, onde se
situa hoje o Palácio da Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão. “Nos anos
seguintes, esse traficante foi um dos homens que mais enriqueceram e mais ganharam
títulos de nobreza no Brasil. Fez, portanto, um ótimo negócio. O comerciante britânico
John Luccock relata em seus diários o nascimento nessa época da famosa prática da
‘caixinha’. Segundo ele, todos os saques e pagamentos do Real Erário, equivalente na
época ao Tesouro Nacional de hoje, envolviam o pagamento de uma comissão de 17%
para os funcionários responsáveis pelo setor. Se o interessado não pagasse a
‘caixinha’, o processo simplesmente não andava.”
ÍNDOLE
Outra questão que sempre surge quando se discute corrupção é se haveria alguma
possibilidade de algo assim ser inerente a um povo. Seria possível isso estar na índole
de uma sociedade, presente na forma como ela foi construída? Para Oscar Pilagallo,
autor de Corrupção – Entrave ao desenvolvimento do Brasil e A história do Brasil no
século 20, isso não existe. São apenas mecanismos que determinado país possui que
podem ou não facilitar tal coisa. “Tenho resistência a achar que a corrupção brasileira
tenha uma característica muito própria. Corrupção é corrupção em qualquer lugar, seja
aqui ou na Suécia. O mecanismo dela é basicamente o mesmo: junta pessoas do setor
público com interesses privados e acaba desviando recursos. Tem algumas coisas que
são específicas do Brasil, como o sistema eleitoral, baseado em campanhas que são
caríssimas. Mas isso é uma circunstância do Brasil de hoje, não que historicamente o
Brasil seja mais corrupto.”
De acordo com Laurentino, é preciso colocar as coisas no contexto certo ao estudar o
caso. Ele lembra que a construção da pátria brasileira foi marcada, até muito
recentemente, pelo analfabetismo, pela escravidão, pelo isolamento e pela
concentração de riquezas. A construção da cidadania é um fenômeno muito recente na
nossa história, o que favorece a predação dos recursos do Estado por grupos e
indivíduos que têm mais capacidade de se organizar. “De certa forma, é correto dizer
que a promiscuidade entre os interesses públicos e privados, a falta de respeito por leis
e regulamentos, o famoso jeitinho brasileiro é parte docaráter nacional. Seria, no
entanto, um exagero dizer que o brasileiro é corrupto por natureza e que o Brasil, nesse
aspecto, não tem conserto. Acredito que a corrupção faz parte da natureza humana,
existe em todo lugar em que as instituições são fracas e o poder de alguns grupos,
excessivo. Um Estado muito forte e centralizado, que se mete em tudo e dificulta a vida
das pessoas, é sempre um convite à corrupção, especialmente quando a sociedade é
desorganizada, incapaz de pactuar seus caminhos em direção ao futuro e criar
mecanismos que controlem os abusos.”
Juliana Sakai, coordenadora de pesquisa da Transparência Brasil, concorda que a
corrupção tem mais a ver com o modelo político vigente do que com uma propensão
atávica dos indivíduos. “A questão que se põe para o Brasil, cuja histórica democrática
é mais recente, é como melhorar e fortalecer as instituições públicas, para que haja
mais mecanismos de controle que impeçam ou inibam a corrupção de forma efetiva. Há
muitos avanços no combate punitivo da corrupção, mas muito mais barato seria investir
mais em medidas preventivas, que envolvam a reforma do sistema político e eleitoral.
Há muitos anos, por exemplo, a Transparência Brasil tem chamado a atenção para o
desmesurado número de cargos comissionados que os Executivos têm para nomear e
que servem para cooptar base aliada. Daí, o resultado pode­se ver na Lava Jato,
diretorias da Petrobras distribuídas a políticos com interesses escusos. E isso ocorre em
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diretorias da Petrobras distribuídas a políticos com interesses escusos. E isso ocorre em
todos os níveis: via de regra, uma boa base aliada que vota junto com o Executivo é
uma base satisfeita com o que vem abocanhando do Estado. E é essa dinâmica que
precisa ser mudada”, comenta.
Talvez, portanto, seja mais correto dizer que o Brasil possui uma cultura de impunidade,
e não de corrupção. “Não punir a corrupção teve influência na formação do caráter
brasileiro. A ponto de ela ter se banalizado entre nós. Em certas situações, ela é até
praticada sem muito sigilo, sem muitos temores de que alguma punição poderá ocorrer.
De fato, quando mexo nos papéis da colônia, vejo muitas denúncias, mas nenhuma
punição. Em todos os lugares do mundo, conforme surgem as instituições públicas,
funcionários que passam a manusear volumes de recursos ou que passam a ter algum
tipo de poder sobre outros, como o de fiscalizar, podem também surgir os desvios. Diria
que o Brasil nasceu com certa cultura da impunidade”, opina Denise.
RANKING DA
CORRUPÇÃO NO MUNDO
Apesar do momento
turbulento, o Brasil
melhorou três posições no
Índice de Percepção da
Corrupção (IPC) da
Transparência Internacional,
ocupando a 69ª colocação
entre 175 países, segundo
estudo divulgado em
dezembro de 2014. Os
dados coletados pela
organização referem­se aos
24 meses anteriores à
divulgação da pesquisa e é
baseado em dados de
instituições como o Banco
Mundial e o Fórum
Econômico Mundial, além
de instituto de pesquisas,
que medem a percepção de
empresários, investidores e
população em relação à
corrupção.
O Brasil obteve a nota 43,
em uma escala que vai de 0
(setor público visto como
extremamente corrupto) a
100 (extremamente íntegro).
A pontuação do país se
situa na média mundial, de acordo com o estudo. Nas Américas como um todo, a média
é 45 pontos. A Dinamarca é a primeira colocada no ranking, com 92 pontos. Empatados
com o Brasil estão Grécia, Bulgária e Itália.
11/11/2015 detalhe > Com ou sem jeitinho
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