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Teoria Geral do Processo Gil Mesquita

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GIL FERREIRA DE MESQUITA 
 
 
 
Lições de 
Teoria Geral do 
Processo 
 
 
 
Uberlândia – 2014 
 
 
 
 
Nota do autor 
 
 
Esse material tem finalidade didática e objetiva servir de suporte ao aluno da 
graduação em Direito em seus estudos de teoria geral do processo. 
 
Não visa, portanto, substituir nenhuma doutrina e igualmente não substitui 
o livro “Teoria Geral do Processo”, de minha autoria, atualmente esgotado. 
Em verdade, é uma adaptação dessa obra para a sala de aula, uma versão 
condensada que será útil enquanto sua edição atualizada não estiver no 
mercado. 
 
Como o texto original do livro contava com mais de 490 notas de rodapé 
destinadas às citações bibliográficas e notas explicativas, para essa versão 
didática foram suprimidas muitas delas, visando um texto mais direto. 
 
Espero que o material lhe seja útil. 
 
Cordial abraço! 
 
Prof. Gil Mesquita 
 
 
 
 
Sumário 
 
Unidade 1 – Noções fundamentais .................................................................................... 4 
1. As relações sociais ........................................................................................................................... 4 
2. Funções do direito ........................................................................................................................... 5 
3. Mecanismos para solução dos conflitos de interesses ................................................................... 6 
4. Mecanismos alternativos para solução dos conflitos de interesses ............................................... 9 
4.1. A arbitragem ................................................................................................................................. 9 
4.2. A conciliação prévia .................................................................................................................... 12 
5. O direito processual ...................................................................................................................... 13 
5.1. Fontes do direito processual ...................................................................................................... 16 
5.1.1 A lei como fonte formal principal do direito processual .......................................................... 17 
5.1.3 As fontes formais secundárias do direito processual .............................................................. 18 
5.2. Eficácia da norma processual no espaço .................................................................................... 19 
5.3. Eficácia da norma processual no tempo .................................................................................... 21 
6. Teoria Geral do Processo .............................................................................................................. 22 
6.1. Conteúdo da Teoria Geral do Processo ...................................................................................... 24 
7. Processo e Constituição ................................................................................................................ 26 
Unidade 2 – Princípios gerais do processo ................................................................... 30 
1. Função dos princípios processuais ................................................................................................ 30 
2. Princípio da imparcialidade do juiz ............................................................................................... 32 
3. Princípio da motivação das decisões judiciais ............................................................................... 34 
4. Princípio da publicidade ................................................................................................................ 36 
5. Princípio da ação ........................................................................................................................... 38 
5.1. Princípio da disponibilidade e da indisponibilidade ................................................................... 40 
5.2. Princípio do impulso oficial ........................................................................................................ 42 
6. Princípio da igualdade ................................................................................................................... 43 
7. Princípio do duplo grau de jurisdição ............................................................................................ 45 
8. Princípio do contraditório ............................................................................................................. 48 
9. Princípio da ampla defesa ............................................................................................................. 51 
9.1. Uma observação necessária: distinção entre contraditório e ampla defesa ............................. 52 
10. Princípio da duração razoável do processo ................................................................................. 53 
11. Princípio do devido processo legal .............................................................................................. 55 
Unidade 3 – Jurisdição ............................................................... Error! Bookmark not defined. 
1. Conceito de jurisdição ....................................................................... Error! Bookmark not defined. 
2. Características da jurisdição: confronto com a legislação e administraçãoError! Bookmark not 
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3. Princípios da jurisdição ...................................................................... Error! Bookmark not defined. 
4. Espécies de jurisdição ........................................................................ Error! Bookmark not defined. 
5. Competência ..................................................................................... Error! Bookmark not defined. 
5.1. Critérios para determinação da competência ................................ Error! Bookmark not defined. 
5.1.1. Competência em razão da matéria ............................................. Error! Bookmark not defined. 
5.1.2. Competência em razão da pessoa .............................................. Error! Bookmark not defined. 
5.1.3. Competência em razão do território ........................................... Error! Bookmark not defined. 
5.1.4. Competência em razão da função ............................................... Error! Bookmark not defined. 
5.1.5. Competência em razão do valor da causa .................................. Error! Bookmark not defined. 
5.2. Procedimentos para a determinação do órgão competente ......... Error! Bookmark not defined. 
5.3. Competência absoluta e competência relativa .............................. Error! Bookmark not defined. 
6. Poder Judiciário – conceito ............................................................... Error! Bookmark not defined. 
6.1. Funções do Poder Judiciário ........................................................... Error! Bookmark not defined. 
6.2. Garantias de independência .......................................................... Error! Bookmark not defined. 
6.2.1. Garantias de independência do Judiciário CORRIGIDO ATÉ AQUIError! Bookmark not 
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6.2.2. Garantias de independência dos magistrados ............................ Error! Bookmark not defined. 
6.3. Organização judiciária .................................................................... Error! Bookmark not defined. 
6.4. Justiça da União e Justiça dos Estados ........................................... Error! Bookmark not defined. 
6.5. Organização da Justiça Estadual .................................................... Error! Bookmark not defined. 
6.6. Estrutura da Justiça Estadual .........................................................Error! Bookmark not defined. 
6.7. Auxiliares da justiça ........................................................................ Error! Bookmark not defined. 
Unidade 4 – Ação.......................................................................... Error! Bookmark not defined. 
1. Conceito ............................................................................................ Error! Bookmark not defined. 
1.1 Teoria civilista ou imanentista da ação ........................................... Error! Bookmark not defined. 
1.2 A contribuição de Bernard Windscheid e Theodor Müther ............ Error! Bookmark not defined. 
1.3 Teoria concreta da ação .................................................................. Error! Bookmark not defined. 
1.4 Teoria da ação como direito potestativo ........................................ Error! Bookmark not defined. 
1.5 Teoria abstrata da ação ................................................................... Error! Bookmark not defined. 
1.6 O direito brasileiro e a teoria eclética da ação ............................... Error! Bookmark not defined. 
1.7 Conceito de ação a partir da análise das teorias............................. Error! Bookmark not defined. 
2. Condições da ação ............................................................................. Error! Bookmark not defined. 
2.1 Legitimidade para agir ..................................................................... Error! Bookmark not defined. 
2.2 Interesse de agir .............................................................................. Error! Bookmark not defined. 
2.3 Possibilidade jurídica do pedido ..................................................... Error! Bookmark not defined. 
3. Elementos identificadores da ação ................................................... Error! Bookmark not defined. 
3.1 Partes............................................................................................... Error! Bookmark not defined. 
3.2 Causa de pedir ................................................................................. Error! Bookmark not defined. 
3.3 Pedido.............................................................................................. Error! Bookmark not defined. 
4. Classificação das ações ...................................................................... Error! Bookmark not defined. 
4.1. Classificação tradicional ................................................................. Error! Bookmark not defined. 
4.1.1 Ações de conhecimento ............................................................... Error! Bookmark not defined. 
4.1.2 Ações de execução ....................................................................... Error! Bookmark not defined. 
4.1.3 Ações cautelares .......................................................................... Error! Bookmark not defined. 
4.1.4 A classificação quinária de Pontes de Miranda ............................ Error! Bookmark not defined. 
4.2. Classificação das ações penais ....................................................... Error! Bookmark not defined. 
4.3. Classificação das ações trabalhistas – os dissídios ......................... Error! Bookmark not defined. 
5. Das exceções ..................................................................................... Error! Bookmark not defined. 
Unidade 5 – Do processo ............................................................ Error! Bookmark not defined. 
1. Processo e procedimento .................................................................. Error! Bookmark not defined. 
2. Natureza jurídica do processo ........................................................... Error! Bookmark not defined. 
2.1 O processo como contrato .............................................................. Error! Bookmark not defined. 
2.2 O processo como quase-contrato ................................................... Error! Bookmark not defined. 
2.3 O processo como relação jurídica ................................................... Error! Bookmark not defined. 
2.4 O processo como situação jurídica ................................................. Error! Bookmark not defined. 
2.5 O processo como instituição ........................................................... Error! Bookmark not defined. 
2.6. O processo como procedimento em contraditório........................ Error! Bookmark not defined. 
3. Características da relação jurídica processual .................................. Error! Bookmark not defined. 
3.1. Formação e extinção do processo .................................................. Error! Bookmark not defined. 
4. Pressupostos da relação jurídica processual ..................................... Error! Bookmark not defined. 
5. Classificação dos processos ............................................................... Error! Bookmark not defined. 
5.1. Processo de conhecimento ............................................................ Error! Bookmark not defined. 
5.2. Processo de execução .................................................................... Error! Bookmark not defined. 
5.3. Processo cautelar ........................................................................... Error! Bookmark not defined. 
5.4. Tutela antecipada x tutela cautelar................................................ Error! Bookmark not defined. 
5.5. Os procedimentos na legislação processual .................................. Error! Bookmark not defined. 
6. Sujeitos do processo ou composição subjetiva do processo ............ Error! Bookmark not defined. 
6.1. Pluralidade de partes – litisconsórcio ............................................ Error! Bookmark not defined. 
6.2. Intervenção de terceiros ................................................................ Error! Bookmark not defined. 
7. Funções essenciais à administração da justiça ................................. Error! Bookmark not defined. 
7.1. Advocacia ....................................................................................... Error! Bookmark not defined. 
7.2. Ministério Público .......................................................................... Error! Bookmark not defined. 
Referências bibliográficas ................................................................................................. 60 
 
 
 
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Unidade 1 – Noções fundamentais 
 
 
1. As relações sociais 
 
O ser humano é animal tipicamente social, um animal político, como 
dizia Aristóteles (zoon politikon). Instintivamente sociável, dotado de 
inteligência e raciocínio únicos na natureza, percebeu desde logo que o 
caminho adequado à consecução de seus objetivos é a vida em sociedade. 
Exercendo suas aptidões naturais, o homem relaciona-se com seu 
semelhante produzindo um vasto rol de manifestações tipicamente sociais 
divididas pela doutrina em relações sociais de integração e de delimitação. As 
primeiras seriam aquelas em que os indivíduos de um mesmo grupo social 
se interagem ou constituem uma nova unidade; enquanto as segundas 
seriam aquelas em que os indivíduos permanecem separados e delimitam ou 
opõem seus interesses, sendo verificadas geralmente nos conflitos de 
interesses individuais. Tais relações também são chamadas de atividades de 
cooperação e de concorrência, que apresentam-se com a mesma distinção: 
enquanto naquelas as relações sociais convergem para um ponto comum, 
nestas elas se divergem, caminhando os interesses em linhas paralelas. 
Poderíamos considerar, numa análise superficial, que o interesse do 
direito somente recairia sobre aquelas atividades que apresentassem alguma 
divergência entre seus participantes, já quemais tendentes à geração de 
conflitos sobre os quais deverá incidir uma atuação enérgica do poder 
competente para manutenção da ordem social. Porém, mesmo nas atividades 
de cooperação tais conflitos poderão surgir e, por conseguinte, ao direito 
também interessam. 
Consideremos, como exemplo, um simples contrato de compra e venda 
firmado no instante em que o consumidor dirige-se ao supermercado para 
adquirir um produto qualquer. Até aqui temos uma atividade em que os 
interesses estão convergindo para um mesmo ponto, já que o vendedor 
satisfaz o desejo do comprador de adquirir o bem, ao passo em que é 
satisfeito o objetivo do outro em entregar algum produto mediante o 
pagamento de certa quantia. 
Ainda exemplificando, imaginemos que o produto adquirido esteja com 
algum defeito de fabricação. Por certo, o consumidor irá buscar a reparação 
daquele problema através da devolução do bem e consequente troca pelo 
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fornecedor. Na hipótese de o vendedor providenciar a troca imediata do 
produto, ainda assim estaremos diante de uma atividade de cooperação, 
porque os interesses continuam ainda a convergir para um ponto comum, 
porque enquanto o comprador deseja a troca do produto danificado por 
outro em perfeitas condições de uso, o fornecedor não deseja submeter-se às 
possíveis sanções previstas na legislação consumerista, por exemplo. 
Mas, o que ocorrerá se o vendedor negar-se a entregar novo produto 
livre de defeitos ao comprador? Teremos um conflito de interesses surgindo 
numa atividade inicialmente de cooperação, eliminando o pensamento inicial 
de que nestas inter-relações não existem divergências entre os entes 
participantes. Daí podermos concluir que um conflito de interesses implica 
na participação de pelo menos duas pessoas com interesse pelo mesmo bem, 
surgindo “quando à intensidade do interesse de uma pessoa por 
determinado bem se opõe a intensidade do interesse de outra pessoa pelo 
mesmo bem, donde a atitude de uma tendente à exclusão da outra quanto a 
este.1” 
Portanto, os conflitos de interesses surgirão em qualquer uma das 
espécies de atividade, a partir do momento em que o bem comum passa a 
ser pretendido pelas partes de maneira conflitante, de modo divergente. Por 
certo, nas atividades de concorrência os conflitos surgem com facilidade 
maior que naquelas de cooperação, o que nos leva a afirmar que há duas 
espécies de conflitos: os conflitos de cooperação, que surgem nas atividades 
de cooperação; e os conflitos de concorrência, verificados naquelas atividades 
concorrenciais, de modo que a determinação da natureza do conflito de 
interesses depende da natureza da atividade em análise. 
Sendo indiscutível que as relações sociais são fundamentais à 
manutenção da própria espécie humana, os conflitos sociais apareceram 
como prejudiciais à ordem necessária à boa manutenção do grupo, tornando 
imprescindível a organização de um mecanismo capaz de prevenir os 
conflitos sociais, bem como resolvê-los no caso de não desaparecerem 
espontaneamente, surge daí o direito, cuja finalidade consiste na realização 
da justiça, na proporcionalização das relações humanas no convívio social. 
 
2. Funções do direito 
 
Sendo o direito o mecanismo responsável pela pacificação social, pela 
eliminação dos fenômenos nocivos ao desenvolvimento ordeiro do grupo 
social, apresenta-se não só como meio hábil a reprimir os conflitos de 
interesses, como pode ser inicialmente imaginado. Ao contrário, o direito 
exerce inicialmente uma função ainda mais importante, denominada função 
preventiva. 
 
1
 Cf. SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, vol. 1, p. 4. 
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Tal função consiste em elaborar normas de conduta geral para 
manutenção da ordem no tocante ao relacionamento dos indivíduos em 
sociedade. Quando no ordenamento jurídico encontramos uma norma 
alertando que aquele que violar direito e causar dano a outrem terá o dever 
de repará-lo2, estamos diante de um mecanismo inibidor dirigido ao cidadão, 
porque a prática de tal conduta redundará em sanção pecuniária. Temos a 
prevenção geral em razão da coação psicológica transmitida à sociedade ante 
a possibilidade de aplicação de uma sanção e temos a prevenção especial, 
demonstrada pela inevitável condenação judicial e consequente perda do 
patrimônio em favor da vítima do dano, ficando seu causador inclinado a 
não praticar ato ilícito na próxima oportunidade. O mesmo ocorre com as 
normas de direito penal, que não apresentam qualquer proibição de 
conduta, apenas descrevem um tipo penal que, se confirmado, redundará 
em sanção penal, como a perda da liberdade, por exemplo. 
É certo que o direito não consegue evitar a presença de tais conflitos em 
todas as atividade sociais, sendo necessária uma intervenção mais enérgica 
de suas disposições, o que se dá pela função compositiva dos conflitos de 
interesses, que surge quando a situação conflitante já materializou-se no 
grupo social, tendo sido inútil a tentativa do direito em preveni-lo. Daí, surge 
a necessidade de dirimi-lo, o que pode ocorrer através da utilização de vários 
mecanismos conhecidos para a solução de conflitos, alguns autorizados pelo 
direito, outros não. 
 
3. Mecanismos para solução dos conflitos de interesses 
 
A composição (solução) dos conflitos pode ocorrer por três diferentes 
vias: autodefesa, autocomposição e heterocomposição. 
A autodefesa é a forma mais primitiva de composição, porque nela uma 
das partes envolvidas no conflito impõe a solução à outra, normalmente 
utilizando-se de posição hierárquica, social, econômica ou física privilegiada, 
eliminando qualquer feição democrática do mecanismo. Exemplo do 
cotidiano pode ser citado como representação da autodefesa, encontrado 
justamente no primeiro grupamento social do qual participamos: a família. 
Em tal relação familiar, a autoridade paterna é constantemente invocada 
para que uma simples discussão chegue ao seu final, com a solução sendo 
imposta pelo pai e suportada pelo filho. 
Historicamente, a autodefesa foi muito difundida nos períodos 
conhecidos por Vingança Divina e Vingança Pública, onde a criação de 
condutas criminosas, o julgamento e a imposição de penas eram atos 
 
2
 A previsão está contida no Código Civil, art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou 
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” A 
norma é complementada pelo art. 927: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a 
repará-lo.” 
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realizados – pela autoridade eclesiástica ou pelo soberano, respectivamente – 
sem preocupação com quaisquer garantias porventura dirigidas aos 
acusados. Tais práticas são, na atualidade, abominadas em qualquer país 
democrático. 
Embora revestida de um autoritarismo indesejável, nem sempre a 
autodefesa é proibida pelo direito, havendo casos de verdadeira autorização 
por parte do ordenamento. Como exemplo autorizado temos a legítima defesa 
(art. 23, CP), que configura-se pela repressão à agressão injusta atual ou 
iminente, de maneira moderada, para proteger direito seu ou de outrem. O 
sujeito que vendo-se ameaçado de morte pelo adversário que está de posse 
de uma arma de fogo, poderá reagir contra esta agressão e, para protegersua vida, poderá até mesmo causar a morte do oponente, desde que tal 
reação seja necessária e adequada à proteção do bem jurídico ameaçado. 
Já o exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP) é exemplo de 
autodefesa não autorizado pelo direito, já que consistente em fazer justiça 
com as próprias mãos, prática não mais admitida no direito ocidental. Uma 
vítima de furto, por exemplo, não pode dirigir-se à residência do autor do 
crime, arrombar uma porta e capturar de volta os bens furtados. Embora 
possa parecer uma atitude moralmente legítima, é condenada pelo direito 
penal, porque as providências no sentido de punir o autor do furto e 
recuperar a coisa furtada são funções do Estado, da polícia, não do cidadão 
comum. Na lição preciosa de Piero Calamandrei encontramos a premissa 
fundamental da proibição da autodefesa: direito subjetivo quer significar 
interesse individual protegido pela força do Estado, não direito de empregar 
a força privada em defesa do interesse individual, porque a autodefesa fere 
não só um dos pilares do ordenamento da justiça, mas o edifício 
constitucional do Estado de direito. 
A autocomposição, por sua vez, apresenta-se nos casos em que as 
partes, por ato próprio, sem emprego de força bruta, conciliam-se, ajustam 
suas vontades. A situação de que cuidamos no primeiro tópico poderia 
facilmente ser solucionada com a entrega pelo vendedor de um produto sem 
defeitos ao consumidor ou pelo reembolso da quantia paga anteriormente 
mediante a devolução do produto danificado. 
Casos desta modalidade compositiva encontramos na conciliação, 
possível no âmbito processual civil, penal e trabalhista. No cível ou 
trabalhista há audiências próprias para que os envolvidos cheguem a um 
acordo que satisfaça seus interesses. No âmbito penal a Lei nº 9.099/95 
autoriza a composição dos danos civis (art. 74) ou a aplicação de pena 
restritiva de direitos, como por exemplo a prestação de serviço à 
comunidade, mediante proposta do Ministério Público ao pretenso agente do 
crime (art. 76). 
 A autocomposição é a maneira mais eficaz de composição dos conflitos 
de interesses, já que se encontra em posição superior à autodefesa, 
porquanto resulta da harmonização a que chegam os próprios envolvidos. 
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Devemos lembrar que os sujeitos mais indicados para definir aquilo que lhes 
é satisfatório em termos de solução de conflitos são os próprios participantes 
deles, porque são aqueles que têm ciência do nível de desgaste alcançado 
pela permanência de tal situação litigiosa e, por consequência, são 
sabedores das benesses de uma solução amigável. 
Atualmente, podemos verificar uma tendência legislativa e doutrinária 
destinada a facilitar a composição dos conflitos de interesses pela via 
conciliatória. A motivação que justifica tal tendência repousa em dois 
fundamentos bastante claros. O primeiro, já dissemos, resulta no desgaste 
emocional e financeiro que atinge os contendores, já que normalmente são 
pessoas leigas (juridicamente falando) e não estão preparadas para o dia-a-
dia forense, com os debates jurídicos por vezes infindáveis e as pesadas 
despesas que atingem os procedimentos judiciais. Em segundo lugar, 
verificamos que a estrutura do Poder Judiciário não consegue acompanhar 
em igualdade de condições o crescente número de ações propostas 
diariamente, ficando o número de servidores públicos sempre abaixo do 
desejado para a prestação dos serviços com a celeridade desejada. Isso 
resultará em um processo judicial de longa duração, que não conseguirá 
entregar ao titular do direito em discussão um resultado satisfatório, um 
resultado efetivo. 
Vale lembrar que a conciliação pode ser obtida tanto judicialmente 
quanto extrajudicialmente. No primeiro caso é alcançada através da 
influência do juiz do processo ou do conciliador, que orientarão os 
envolvidos a respeito dos benefícios do encerramento do litígio por essa via 
menos dolorosa, havendo inclusive audiências próprias para tal fim, 
determinadas pela legislação processual. No segundo caso, a conciliação é 
obtida por iniciativa dos próprios envolvidos no conflito ou por influência de 
terceiro, como ocorre na mediação. 
A heterocomposição é meio pelo qual um terceiro imparcial, investido de 
poderes que lhe são delegados pelo Estado, decide os conflitos que a ele são 
submetidos com a autoridade de que é revestido. Alguns doutrinadores 
preferem denominar este método de composição simplesmente de processo, 
vislumbrando a presença do juiz como aquele terceiro imparcial responsável 
pela solução do conflito. Modernamente, no entanto, temos que incluir nesta 
modalidade de solução de conflitos a arbitragem, método compositivo em 
que o terceiro – o árbitro – é indicado pelos próprios participantes do 
conflito. 
Por último, é importante ressaltar que na autodefesa e na 
autocomposição não há necessariamente a figura do terceiro a compor os 
conflitos de interesses. Já na heterocomposição esta figura há de estar 
presente para transformar-se naquele ente imparcial e superior às partes, 
capaz de decidir quem tem sua pretensão amparada pelo direito. Assim é 
que o Estado assume a responsabilidade de manter a ordem e a paz social 
através da aplicação do direito. 
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Embora encontremos na autocomposição o mecanismo ideal para a 
solução dos conflitos, é na heterocomposição que encontramos a base 
fundamental para o estudo da Teoria Geral do Processo, justamente porque 
o objeto de investigação da disciplina é o processo jurisdicional, ou seja, o 
conjunto de atos tendentes à satisfação de uma pretensão (litigiosa ou não) 
mediante a atuação do Estado-juiz, tema que será tratado mais detidamente 
em momento futuro. 
 
4. Mecanismos alternativos para solução dos conflitos de interesses 
 
A procura pelo Judiciário tem aumentado consideravelmente nos 
últimos anos e, como já dissemos, o Estado não tem conseguido adequar-se 
à crescente demanda e vem sendo alvo de constantes críticas por parte 
daqueles que o procuram na tentativa derradeira de solucionar suas 
pendências. Então, faz-se necessário encontrar as soluções em outros 
mecanismos alternativos, retirando da esfera de exclusividade do Judiciário 
a função de pacificar a sociedade através da aplicação do direito às situações 
conflitantes. 
O vocábulo alternativo, devemos salientar, não indica tratar-se de 
soluções à margem do direito, que desobedeçam ou venham a confrontar-se 
com a ordem jurídica em vigor; não são mecanismos que ferem, por exemplo, 
o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF). Ao 
contrário, são soluções autorizadas e fomentadas pelo ordenamento, 
funcionando como verdadeiros substitutivos da jurisdição, na feliz expressão 
de Lopes da Costa3. Tampouco o vocábulo quer significar que os mecanismos 
alternativos sejam inovadores ou inéditos. Em alguns casos, ao contrário, 
são propostas há muito utilizadas no direito pátrio e estrangeiro, como 
ocorre com a arbitragem e com a conciliação prévia, nossos alvos de análise 
em seguida. 
 
4.1. A arbitragem 
 
Podemos definir a arbitragem como o mecanismo alternativo para 
solução de conflitos de interesses, em que os envolvidos submetem a um 
terceiro (árbitro) a análise dos fatos e argumentos que cercam o litígio e este 
fornece ao final uma decisão (sentença arbitral) a que se submetem 
obrigatoriamente os interessados, em razão da eficácia que lhe atribui a lei. 
No dizer da doutrina, a arbitragem pode ser conceituada como “o meio deresolver litígios civis, atuais ou futuros, sobre direitos patrimoniais 
disponíveis, através de árbitros privados, escolhidos pelas partes, cujas 
 
3
 COSTA, Alfredo Araújo Lopes da. Manual elementar de direito processual civil, p. 22. 
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decisões produzem os mesmos efeitos jurídicos produzidos pelas sentenças 
proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário.4” 
Atualmente, o direito brasileiro disciplina a arbitragem através da Lei 
9.307/96, responsável pela revogação dos dispositivos do Código Civil (arts. 
1.037 a 1.048) e do Código de Processo Civil (arts. 101, 1.072 a 1.102) que 
disciplinavam o juízo arbitral, forma também alternativa de solução para os 
conflitos, mas que revelou-se desconhecido e desacreditado, caindo logo em 
desuso. 
Alguns inconvenientes podem ser apontados como responsáveis pela 
não utilização satisfatória do juízo arbitral no Brasil. O principal deles 
encontrava-se na pouca utilidade prática do instituto, porque a decisão do 
árbitro escolhido pelas partes estava subordinada à homologação dos órgãos 
do Poder Judiciário, além de ser possível a interposição de eventuais 
recursos. O procedimento, que deveria ser alternativo e substitutivo da 
jurisdição, transformava-se em mecanismo pouco célere e submetia 
novamente ao Judiciário algo que já estaria decidido pela via extrajudicial. 
Nada mais natural que a desconfiança da sociedade pairasse sobre o juízo 
arbitral, levando o legislador a reformular o mecanismo com a edição da Lei 
9.307/96, conhecida comumente como Lei de Arbitragem. 
Com a nova disciplina, a decisão do árbitro – denominada sentença 
arbitral pela legislação – não mais deve ser submetida à apreciação do 
Judiciário para ter eficácia, porque produz entre as partes e seus sucessores 
os mesmos efeitos das sentenças proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário 
e, sendo condenatória, constitui título executivo (art. 31). 
No sistema anterior, o laudo arbitral seria submetido ao Judiciário para 
homologação e apreciação de possíveis recursos. Atualmente, o art. 18 da Lei 
de Arbitragem ordena que “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença 
que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder 
Judiciário”. Da sentença arbitral cabem apenas solicitações, dirigidas ao 
próprio árbitro ou tribunal arbitral, para correção de erro material da 
sentença arbitral; esclarecimento de alguma obscuridade, dúvida ou 
contradição; ou ainda para requerer o pronunciamento sobre ponto omitido 
a respeito do qual devia manifestar-se a decisão (art. 30). 
A opção legislativa permite o acionamento do Poder Judiciário apenas 
em três casos: para execução da sentença arbitral condenatória; para 
propositura de ação visando a anulação da sentença arbitral, nas hipóteses 
previstas pelo art. 32, da Lei de Arbitragem; e para a reconhecimento ou 
execução de sentença arbitral estrangeira, cujo órgão competente para 
homologação é o Supremo Tribunal Federal (arts. 34 a 40). 
Da legislação também podemos apreender: 
a) podem ser submetidos à arbitragem apenas os litígios relativos a 
direitos patrimoniais disponíveis, desde que dele participem pessoas capazes 
 
4
 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo, p. 110. 
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de contratar (art. 1º); 
b) as partes poderão submeter o litígio à arbitragem através da 
convenção de arbitragem, que tem como espécies a cláusula compromissória 
e o compromisso arbitral (art. 3º). A primeira é a convenção firmada pelas 
partes em contrato, ocasião em que comprometem-se a submeter à 
arbitragem os eventuais litígios que possam vir a surgir respeitante àquele 
instrumento (art. 4º); já o segundo é a convenção firmada entre as partes 
com o objetivo de instituir efetivamente a arbitragem (art. 9º). Podemos dizer 
que a cláusula compromissória é apenas uma promessa de futura utilização 
da arbitragem, enquanto o compromisso arbitral institui efetivamente a 
arbitragem, dando início ao procedimento. 
c) pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das 
partes, que poderão nomear um ou mais árbitros, sempre em número ímpar 
ou ainda escolher aqueles que componham os quadros de órgão arbitral 
institucional ou entidade especializada (art. 13). 
d) não há regras procedimentais estabelecidas pela lei, devendo a 
arbitragem obedecer ao procedimento estabelecido pelas partes na 
convenção de arbitragem; na ausência de estipulação nesse sentido, poderão 
as partes delegar ao próprio árbitro ou ao tribunal arbitral a disciplina do 
procedimento (art. 21); 
e) a celeridade do procedimento está garantida, porque a sentença 
arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes ou em seis meses, 
caso não haja estipulação, contados da instituição da arbitragem (art. 23); e 
f) a sentença arbitral obedece a rigoroso rol de requisitos, como ocorre 
com as sentenças judiciais, devendo conter: o relatório, contendo os nomes 
das partes e um resumo do litígio; os fundamentos da decisão; o dispositivo, 
em que os árbitros apontarão a solução para as questões a eles submetidas; 
a data e o lugar em que foi proferida (art. 26). 
Como bem afirma a doutrina, tal mecanismo alternativo, “tem adquirido 
cada vez mais prestígio e importância na sociedade contemporânea, 
mormente nas duas últimas décadas, demonstrando ser um instrumento 
hábil a atingir os objetivos para os quais tem sido idealizada e 
modernamente desenvolvida pela ciência jurídica. Alcança a arbitragem, com 
facilidade, segurança, tecnicidade, rapidez, sigilo e economia, os objetivos 
perseguidos pelos contratantes que, no plano nacional ou internacional, 
fizeram a opção pela jurisdição privada, através de cláusula expressa, para 
dirimirem os litígios decorrentes do mesmo contrato.5” 
No Brasil, constata-se uma gradativa busca por essa via compositiva de 
conflitos, principalmente em razão da proliferação das Câmaras de 
Arbitragem por todo o país, instituições privadas que possuem seu próprio 
quadro de árbitros à disposição dos interessados, capazes de fornecer 
vantagens aos envolvidos no conflito, que levado ao Judiciário seria 
 
5
 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e execução, p. 19. 
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solucionado mais lentamente e com despesas mais altas6. 
 
4.2. A conciliação prévia 
 
Conforme anotamos anteriormente, a conciliação é dos mecanismos que 
operam com maior eficiência na solução dos conflitos de interesses, podendo 
ocorrer tanto na esfera extrajudicial como no transcorrer de processos 
judiciais. Historicamente, temos exemplos de alguns ordenamentos impondo 
aos interessados a tentativa de conciliação antes de dirigirem-se ao Poder 
Judiciário, ou seja, qualquer ação a ser proposta judicialmente deveria ser 
precedida de uma tentativa de autocomposição, fato que autorizaria a 
demanda judicial. No direito brasileiro, por exemplo, o art. 161, da 
Constituição Imperial (1824) obrigava aos litigantes a procura prévia pela 
conciliação ao disciplinar: “Sem se fazer constar, que se tem intentado o 
meio da reconciliação, não se começará processo algum.” 
Com a adoção constitucional expressa do princípio da inafastabilidade 
da jurisdição, ocorrida inicialmente com a Constituição de 1946, tais 
iniciativas caíram no esquecimento, justamente porquea aplicação do direito 
ao caso concreto é exclusividade do Poder Judiciário e qualquer tentativa de 
solução de litígios desvinculada daquele poder estatal restava manchada 
pela inconstitucionalidade. 
O legislador, no entanto, verificou a necessidade de criar outros 
mecanismos alternativos que auxiliassem na busca pela solução de conflitos 
sem lesar aquele princípio constitucional. Exemplo claro dessa nova postura 
encontramos com a edição recente da Lei nº 9.958/00, que criou as 
Comissões de Conciliação Prévia, com a atribuição de conciliar os conflitos 
individuais trabalhistas. 
Segundo a lei, as Comissões poderão ser formadas nas próprias 
empresas ou sindicatos, compostas por representantes dos empregados e 
dos empregadores, ou ainda poderão ser constituídas por grupos de 
empresas ou ter caráter intersindical. Uma vez criada a Comissão no âmbito 
da empresa ou do sindicato da categoria, qualquer demanda de natureza 
trabalhista, na localidade da prestação de serviços, deverá ser submetida à 
conciliação prévia. Alcançada a transação, o conflito restará solucionado e o 
termo de conciliação é título executivo extrajudicial, podendo ser executado 
perante a Justiça do Trabalho. Em caso contrário, será fornecida ao 
empregado e ao empregador uma declaração indicando a ocorrência de 
tentativa conciliatória frustrada para que possa ser juntada à eventual 
 
6
 Uma das primeiras iniciativas que se teve notícia foi do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que através do 
Decreto Judiciário nº 70/97 instituiu o Projeto das Cortes de Conciliação de Arbitragem como o objetivo de 
fomentar a proliferação de tais instituições através de convênios entre o próprio Tribunal, a OAB e instituições 
classistas, sindicatos ou associações de grande credibilidade interessadas em oferecer espaço físico para 
instalação das Cortes. É dos primeiros exemplos de instalação de Câmaras Arbitrais no país. 
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reclamação trabalhista proposta judicialmente. 
Importante observar que a lei preocupou-se com a celeridade do 
procedimento, determinando que as Comissões têm o prazo de dez dias para 
a realização da sessão de tentativa de conciliação a partir da provocação do 
interessado. 
Alguns autores reclamam a inconstitucionalidade da lei, alegando que 
ao obrigar os envolvidos no litígio a submetê-lo à conciliação prévia, estaria 
afastando o conflito da apreciação do Judiciário. Temos que assinalar, 
todavia, que o empregado não estará impedido de promover judicialmente 
sua reclamação se frustrada a conciliação. Ademais, não há nenhuma 
imposição legal obrigando que as partes aceitem as propostas de transação 
oferecidas na sessão de tentativa de conciliação. Não há, em nosso 
entendimento, que se falar em inconstitucionalidade. 
 
5. O direito processual 
 
Uma das atividades mais constantes para o estudioso do direito é a de 
formular classificações, principalmente porque a ciência do direito possui 
objeto muito amplo e a ausência de divisão de seu conteúdo fatalmente 
tornaria impossível um estudo adequado dos vários conceitos e institutos 
que a compõem. Por isso, temos a divisão dos vários ramos do direito em 
público e privado; o direito civil é dividido em parte geral, direito de família, 
obrigações, coisas e sucessões; o direito processual divide-se em direito 
processual civil, processual penal, processual trabalhista, e assim por 
diante. 
Para nós, que iniciamos o estudo da Teoria Geral do Processo, a 
principal divisão que deve ser apresentada no momento é aquela que 
distingue o direito material do direito processual. Para tanto, é necessário 
retornarmos àquela lição sobre a função dúplice do direito, que inicialmente 
previne os conflitos de interesses e esta, sendo falha, dá lugar à função 
compositiva. Recordamos tais noções porque a distinção do direito em 
material e processual está intimamente ligada a elas, como concluiremos 
adiante. 
Por direito material ou substancial, podemos entender o conjunto de 
normas jurídicas responsáveis por disciplinar condutas sociais, através da 
fixação de direitos e obrigações, da disciplina das relações jurídicas 
referentes a bens e utilidades da vida social. Em outras palavras, o direito 
material pode ser entendido como o conjunto de normas de valoração das 
condutas sociais, visando à proteção dos interesses essenciais à manutenção 
de uma dada formação social. 
Assim, quando encontramos na Constituição Federal que “é livre a 
locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, 
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nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” (art. 
5º, XV); ou quando verificamos que o Código Penal prevê punição àquele que 
“ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem” (art. 129), estamos 
diante de normas reguladoras de conduta social, de normas que objetivam a 
manutenção da ordem social, seja proporcionando a todos os indivíduos o 
direito de ir e vir, seja prevendo punição daqueles que causarem lesão 
corporal a outro indivíduo. 
Quanto ao direito processual ou formal, podemos defini-lo como o 
conjunto de normas e princípios que regulam a atividade estatal (jurisdição) 
de aplicação do direito ao caso concreto (pretensão), bem como a atividade 
exercida pelo demandante ao promover a ação e pelo demandado ao exercer 
sua defesa. No mesmo sentido Amaral Santos resume: “sistema de princípios 
e normas legais que regulam o processo, disciplinando as atividades dos 
sujeitos interessados, do órgão jurisdicional e seus auxiliares.7” 
Ao nos depararmos com a ordem insculpida no art. 14, inciso II, do 
Código de Processo Civil, verificamos desde logo tratar-se de norma 
tipicamente processual, porque regula o comportamento desejado para os 
participantes do processo: “são deveres das partes e de todos aqueles que de 
qualquer forma participam do processo: (...) II – proceder com lealdade e boa-
fé;” Da mesma forma o Código de Processo Penal disciplina uma conduta 
processual do Estado-juiz ao determinar em seu art. 251: “ao juiz incumbirá 
prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos 
respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar a força pública.” 
Vê-se, pois, que a função preventiva do direito é exercida pelas normas 
de direito material, responsáveis por manter a sociedade em harmonia, 
através da fixação exata dos limites de atuação de cada indivíduo em 
sociedade, determinando, por assim dizer, o âmbito de seus movimentos, até 
onde pode ir o exercício de sua liberdade. A função compositiva, por sua vez, 
será exercida pelo direito através da atuação das normas de direito 
processual, responsáveis por regular a conduta do Estado e dos 
participantes do processo na busca da solução para o conflito de interesses. 
Daí, afirmar Cândido Dinamarco que “as normas processuais entram em 
operação quando algum sujeito, lamentando ao Estado-juiz um estado de 
coisas que lhe desagrada e pedindo-lhe uma solução favorável mediante 
invocação do direito material, provoca a instauração do processo. A 
realização do processo, como atividade conjunta de ao menos três sujeitos 
(juiz, autor e réu), constitui objeto das normas de direito processual.8” 
Resta indiscutível a relação de intimidade que há entre o direito 
processual e o direito material. Podemos afirmar, em linguagem simplista, 
que um não vive sem ou outro, porque é justamente através das normas de 
processo que as normas materiais têm efetividade; somente através doprocesso é que pode ser exigido este ou aquele comportamento do indivíduo 
 
7
 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, vol. 1, p. 13. 
8
 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. 1, p. 41. 
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em face das regulações apresentadas pelo direito substancial. Como punir 
aquele que comete uma conduta típica definida pelo Código Penal? Somente 
através de um processo justo, onde o órgão acusador apresenta sua 
pretensão perante o Estado-juiz e este, após colher as razões de defesa do 
acusado, irá indicar se algum bem jurídico protegido pelo legislador foi 
realmente lesado. Esta atividade de averiguação e decisão nada mais é do 
que um processo – instrumento a serviço do direito material, a serviço da paz 
social. 
Tanto é verdadeira a relação entre o direito processual e o direito 
material que será difícil (senão impossível) encontrar norma jurídica 
dispondo somente sobre processo e outra com disposições atinentes apenas 
ao direito substancial. A Consolidação das Leis do Trabalho é um exemplo 
clássico, porque possui uma parte dedicada à previsão de normas de direito 
do trabalho (materiais) e outra dedicada à disciplina do direito processual do 
trabalho – organização da Justiça do Trabalho, do Ministério Público do 
Trabalho, do processo judiciário do trabalho (incluídos aqui os dissídios 
individuais e coletivos, a execução trabalhista e os recursos). 
O Código Penal, como último exemplo, pode parecer inicialmente 
composto apenas por normas de direito material, já que predominantemente 
é responsável por fixar condutas que, sendo confirmadas pelo agente, 
implicarão nas sanções determinadas na mesma norma que descreveu a 
conduta. No entanto, há normas de cunho processual inseridas no contexto 
(ou fora do contexto) do Código Penal, como por exemplo a que define os 
critérios para fixação da pena (art. 59) ou a que regula a ação penal (art. 
100). A primeira, cuida de atividade processual do juiz, que atenderá aos 
critérios ali entabulados para dosar a pena, situando-a entre o mínimo e o 
máximo previstos em lei. A segunda, cuida do direito de ação no âmbito 
penal, que poderá ser exercido pelo Ministério Público ou pelo ofendido, 
como veremos oportunamente. 
Devemos ressaltar, ainda, que a definição útil à Teoria Geral do 
Processo refere-se a um direito processual em sentido estrito, porque 
tratamos apenas das normas que regulam o processo que se desenvolve no 
âmbito judicial, mas não devemos nos esquecer daquelas normas que 
regulam, por exemplo, o processo administrativo e legislativo. Ao conjunto 
dessas normas processuais, envolvendo o processo judicial e extrajudicial, 
chamamos de direito processual em sentido amplo. 
O direito processual em sentido estrito (leia-se processo que se 
desenvolve perante o Judiciário) é dividido entre nós em processo civil, 
processo penal e processo do trabalho. A doutrina os define assim: 
a) o direito processual civil é um sistema de princípios e leis que 
regulamentam o exercício da jurisdição, responsável pela apreciação e 
julgamento das pretensões (litigiosas ou não) fundadas em normas de direito 
privado (civil e comercial) ou de direito público (tributário, administrativo, 
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constitucional)9. Por exclusão, disciplina o exercício da jurisdição em ações 
não penais e não trabalhistas. 
b) o direito processual penal é o “ramo do direito público que consiste no 
conjunto sistemático de normas e princípios que regula a atividade da 
jurisdição, o exercício da ação e o processo em matéria penal, bem como a 
tutela da liberdade de locomoção, quando o direito penal aplicável, positiva 
ou negativamente, é o direito penal comum.10” 
c) o direito processual do trabalho é o “conjunto de princípios, normas e 
instituições destinados a regular a atividade dos órgãos jurisdicionais do 
Estado na solução dos conflitos, individuais ou coletivos, entre 
trabalhadores e empregadores.11” 
Vale destacar àquele que inicia seus estudos de direito processual, que 
a doutrina faz um importante alerta: a distinção entre direito material e 
direito processual deve ser entendida como mera colocação didática, porque 
não há como dividir em dois compartimentos totalmente isolados as normas 
de uma ou de outra categoria. Na verdade, existem normas materiais com 
nítido caráter processual, servindo de instrumento para a disciplina da 
cooperação entre os indivíduos e seus conflitos, servindo de critério para a 
atividade do juiz. Assim, devemos entender que tanto as normas materiais 
como as processuais pertencem a um todo (o direito), mas podem ser 
distinguidas em relação ao seu alcance, apesar da existência de uma região 
cinzenta e indefinida na fronteira que as divide. 
 
5.1. Fontes do direito processual 
 
Tradicionalmente as fontes do direito são classificadas em materiais e 
formais. As fontes materiais ou primárias devem ser entendidas como os 
fatores da vida social responsáveis por orientar o legislador na criação das 
normas jurídicas, por influenciar em seu conteúdo e sua dimensão 
reguladora. Tais fatores sociais podem ser de ordem econômica, geográfica, 
moral, religiosa, técnica, histórica ou referem-se a valores jurídicos (justiça, 
paz e segurança). O direito de família, por exemplo, tem em suas normas 
forte influencia de fatores morais e religiosos, enquanto o direito tributário 
sofre influencia indiscutível dos fatores econômicos. 
As fontes formais ou secundárias são a própria manifestação concreta 
do direito positivo, são os meios pelos quais o direito se expressa, tornando-
se conhecido. Essa função é exercida por fontes formais estatais e não-
estatais. No primeiro grupo está a lei, enquanto no segundo grupo estão o 
costume e a doutrina, por exemplo. 
 
9
 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. 1, p. 37-38. 
10
 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal, p. 72. 
11
 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho, p. 56. 
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Interessam ao nosso estudo a análise das fontes formais do direito, que 
na verdade serão as mesmas para o direito processual, porque sua 
exteriorização dá-se da mesma maneira, da mesma forma que para o direito 
penal, para o direito civil ou qualquer outro ramo do direito. 
No ordenamento brasileiro podemos considerar como formas de 
expressão do direito a lei (fonte principal), a analogia, o costume e os 
princípios gerais do direito (fontes secundárias). Porém, devemos incluir no 
rol das fontes formais do direito processual a doutrina e a jurisprudência 
(fontes secundárias). 
 
5.1.1 A lei como fonte formal principal do direito processual 
 
A Constituição Federal determina que “ninguém será obrigado a fazer 
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II), 
contemplando que a lei é a primeira fonte do direito e, por consequência, do 
direito processual. Mas a concepção de lei nos termos que nos interessam 
deve ser feita levando em consideração a própria Constituição Federal e 
algumas das espécies normativas arroladas por ela no art. 59: emendas à 
Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas e medidas 
provisórias. Também devemos inserir nesse rol as Constituições Estaduais e 
as leis estaduais12. 
A Constituição Federal,como trataremos adiante, é a mais importante 
fonte do direito processual brasileiro, porque nela encontramos regras para a 
Organização Judiciária do país e inúmeros princípios processuais. 
Determina também que à União compete privativamente legislar sobre o 
direito processual (art. 22, I), de modo que prepondera a legislação emanada 
do Legislativo Federal. No entanto, poderão os Estados e o Distrito Federal 
legislar concorrentemente com a União sobre “a criação, funcionamento e 
processo do juizado de pequenas causas13” (art. 24, X, CF) e sobre 
“procedimentos em matéria processual” (art. 24, XI, CF). Nas Constituições 
Estaduais também encontramos disposições de ordem processual, porque 
nelas está definida a competência da Justiça dos Estados (art. 125, § 1º, 
CF), bem como nas leis de Organização Judiciária dos estados, responsáveis 
por disciplinar a estrutura e organização dos poderes judiciários (incluindo 
regras para a carreira dos magistrados e auxiliares da justiça), por indicar a 
divisão do território dos Estados em comarcas e fixar a competência dos 
juízos. 
Na legislação ordinária federal encontramos uma infinidade de leis 
extravagantes que disciplinam matéria processual, como a Lei nº 1.533/51, 
 
12
 Importante: lei municipal não é fonte formal do direito processual. 
13
 O termo “juizado de pequenas causas” não é utilizado pela atual legislação, embora tenha sido em outros 
tempos (Lei nº 7.244/84). O termo em uso é “juizados especiais cíveis e criminais”, conforme se apura da Lei nº 
9.099/95. 
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que cuida do mandado de segurança. Porém, as normas mais utilizadas na 
prática encontram-se codificadas, de modo que são conhecidas por sua 
designação popular. São elas: o Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/73), o 
Código de Processo Penal (Decreto-lei nº 3.689/41), o Código de Processo 
Penal Militar (Decreto-lei nº 1.002/69), a Consolidação das Leis do Trabalho 
(Decreto-lei nº 5.452/43) e o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), estes dois 
últimos consagrando parte ao direito material e parte ao direito processual. 
Os Tribunais estão autorizados pela Constituição Federal (art. 96, I, a) a 
elaborar seus regimentos internos, observadas normas de processo e as 
garantias processuais das partes, podendo disciplinar a competência e o 
funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos. 
Assim sendo, esses regimentos devem ser incluídos como fontes formais do 
direito processual14, assim como os tratados e convenções internacionais, 
quando cuidarem de matéria processual. 
Para finalizar, cumpre observar que a Emenda Constitucional nº 45, de 
2004, autorizou o Supremo Tribunal Federal a criar, de ofício ou por 
provocação, súmula com efeito vinculante, isto é, obrigatória para os demais 
órgãos do Judiciário e para a administração pública direta e indireta. Assim, 
havendo a possibilidade de tal espécie de súmula versar sobre matéria 
processual deve ser incluída, ao lado da lei, como fonte formal primária do 
direito processual. 
 
5.1.3 As fontes formais secundárias do direito processual 
 
Enquanto a lei e as súmulas vinculantes devem ser vistas como as 
principais fontes formais do direito processual, temos outras fontes 
classificadas como secundárias ou subsidiárias: costumes, analogia, 
princípios gerais do direito, doutrina e jurisprudência. 
O direito processual brasileiro é essencialmente formalista, ou seja, 
suas disposições estão previstas preponderantemente na legislação 
positivada, de modo que não se permite aos sujeitos que participam do 
processo (juiz, partes e seus advogados) inovar através da criação ou 
modificação de atos processuais já regulados pelo legislador (sistema de 
legalidade das formas processuais). Podem alguns até creditar a essa 
vinculação a causa do maior dos males do direito processual brasileiro: a 
demora na resposta judicial. 
Por outro lado, devemos perceber que o formalismo existente no direito 
processual brasileiro impede que atos processuais sejam praticados ao 
 
14
 Para exemplificar: o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça cuida da composição, organização e 
competência do próprio tribunal (arts. 1º ao 60), da atuação do Ministério Público no âmbito do STJ (arts. 61 ao 
65), das questões envolvendo a atividade processual no Tribunal (arts. 66 ao 315) e dos serviços 
administrativos (arts. 316 ao 327). Fica claro que qualquer atividade que se vá realizar perante esse Tribunal 
Superior deverá passar, obrigatoriamente, pela análise de seu Regimento Interno. 
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arrepio das garantias processuais, garante-se aos litigantes o direito de 
participar em igualdade de condições da discussão e solução do conflito, 
evita-se a surpresa e a informalidade, que até são capazes de dar ao 
julgamento rapidez, mas podem afastar o seu resultado efetivo daquilo que 
seja justo. Podemos dizer que até mesmo a informalidade e a simplicidade 
dos atos devem ser autorizadas por lei, como ocorre nos Juizados Especiais 
Cíveis (art. 2º, da Lei nº 9.099/95). 
Assim, alguns autores chegam a afirmar que a divisão das fontes do 
direito processual em fonte formal e material existe, mas com outro 
significado. Seriam formais as fontes que possuem força vinculante, sendo 
obrigatórias para todos (a lei) e responsáveis pela criação do direito positivo. 
Seriam materiais aquelas que não têm força vinculante, servindo apenas 
para esclarecer o verdadeiro sentido das fontes formais15. 
Preferimos a classificação até agora apresentada, com algumas 
adaptações dessa última opinião, de modo que temos a lei e as súmulas 
vinculantes do Supremo Tribunal Federal como fontes formais principais – 
como já exposto – e como fontes formais secundárias ou subsidiárias, 
aquelas que não criam o direito processual, porque só o faz a própria lei, 
mas têm função de revelar o real significado das normas processuais, 
servindo ao operador do direito como fonte de interpretação e integração do 
direito processual. São elas, os costumes, analogia, princípios gerais do 
direito, doutrina e jurisprudência. 
 
5.2. Eficácia da norma processual no espaço 
 
A atividade processual é exercida em nome da pacificação social, 
responsabilidade do Estado que a realiza através da atuação dos órgãos do 
Poder Judiciário. Então, podemos concluir com exatidão que a atividade 
jurisdicional é um dos pilares da soberania nacional, de modo que ao 
permitir a interferência de normas estrangeiras em sua atividade 
compositiva processual, estará o Estado abrindo mão de sua independência 
em relação a outros ordenamentos. A aplicação das normas de direito 
processual, em âmbito espacial, é regida pelo princípio da territorialidade, 
impondo a aplicação da lex fori. 
O Código de Processo Civil (art. 1º), por exemplo, determina que “a 
jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o 
território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece.” No 
art. 1.211, primeira parte, dispõe que: “Este Código regerá o processo civil 
em todo território brasileiro”. O mesmo ocorre com o Código de Processo 
 
15
 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, vol. 1, p. 15. Há outros autores que fazem uma 
divisão ainda diferente das que apresentamos, considerando fontes abstratas do direito processual as do 
direito em geral, e fontes concretasas específicas do direito processual (Cf. PACHECO, José da Silva, op. cit., p. 
76). 
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Penal (art. 1º) ao disciplinar, com algumas ressalvas: “o processo penal 
reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código.” Por isso mesmo a 
Constituição Federal fixou a competência privativa da União para legislar 
sobre normas de direito processual, válidas em todo o território nacional. 
A manutenção da soberania a que fizemos menção, somente tem razão 
no sentido de impedir que normas de direito processual estrangeiro venham 
a regular processos de competência do Poder Judiciário brasileiro. Porém, os 
atos processuais realizados no exterior e que possuam reflexo no Brasil 
poderão ser reconhecidos e validados por autoridade judiciária local, desde 
que compatíveis com nosso ordenamento, como ocorre com a homologação 
da sentença estrangeira a cargo do Superior Tribunal de Justiça, conforme 
determina o art. 105, I, alínea i, acrescentada pela Emenda Constitucional 
nº 45/2004. 
Na realidade, a questão da soberania é regulada por uma via de mão 
dupla, como aponta a doutrina, porque não há qualquer proibição de que a 
lei processual brasileira vá além dos limites territoriais do país e seja 
aplicada por juízes de outro Estado soberano. Tal impedimento vem das leis 
dos outros países, que também repelem a aplicação de lei processual que 
não a sua16. No direito italiano, v.g., também vigora a territorialidade para 
aplicação da lei processual, como ilustra Giuseppe Chiovenda: “como lei 
reguladora das atividades processuais, a lei processual tem uma aplicação 
circunscrita ao território do Estado, em que elas se exercem (e ao de suas 
colônias, caso não sejam reguladas por leis especiais). Nossa lei permite 
incondicionalmente aos estrangeiros agir na Itália, mas, perante as 
autoridades italianas, procede-se de acordo com a lei processual italiana, 
ainda que estrangeiros sejam os litigantes.17” 
Adotando tal regra, o direito brasileiro instituiu a unidade processual 
em todo o território nacional, ou seja, as normas reguladoras do processo 
serão as mesmas em todo o país, não havendo distinção daquilo que se 
aplica no estado da Bahia daquilo em vigor no Rio Grande do Sul. Não mais 
vigora entre nós a ideia contida na Constituição de 1891, que criou a 
dualidade da legislação processual, competindo à União legislar sobre o 
direito processual da justiça federal (art. 34, nº 23) e dos estados membros 
sobre o processo em geral (art. 63), fazendo surgir os códigos estaduais de 
processo. 
A Constituição Federal de 1988 não deixou dúvidas quanto à 
competência para legislar sobre direito processual, atribuindo 
privativamente tal função à União (art. 22, I). Não quis dizer, porém, que os 
estados membros não tenham competência para legislar sobre matéria 
processual com eficácia em seus territórios, porque cumpre-lhes legislar 
sobre as custas dos serviços forenses (art. 24, IV), procedimentos em matéria 
processual (art. 24, IX), assistência jurídica e defensoria pública (art. 24, 
 
16
 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. 1, p. 90. 
17
 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, vol. 1, p. 96. 
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XIII), além de poderem legislar sobre normas de organização da Justiça 
Estadual (arts. 125 e seguintes). 
 
5.3. Eficácia da norma processual no tempo 
 
O Código Civil francês (1804) já estabelecia em seu art. 2º, que “a lei só 
dispõe para o futuro, não tem efeitos retroativos”. Implica em dizer que a lei 
não é criada para disciplinar fatos pretéritos, estendendo seus efeitos apenas 
aos fatos ocorridos após sua entrada em vigor, regra essa que conhecemos 
como irretroatividade da lei. 
Há casos, no entanto, em que admite-se a retroatividade da lei, como 
nas hipóteses expressamente consagradas pela Constituição Federal em seu 
art. 5º, XXXVI (retroatividade permitida desde que não sejam prejudicados o 
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada), além do conhecido 
exemplo do direito penal, em que a norma poderá retroagir para beneficiar o 
agente (art. 2º, parágrafo único, CP). 
Para o direito processual há uma disciplina legislativa razoável, que 
resolve parte da discussão de direito intertemporal. Por exemplo, o Código de 
Processo Penal (art. 2º) determina que “a lei processual penal aplicar-se-á 
desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei 
anterior”. Já o Código de Processo Civil (art. 1.211, segunda parte), 
disciplina que suas disposições, ao entrar em vigor, “aplicar-se-ão desde logo 
aos processos pendentes”. 
Assim, o direito processual brasileiro adota o sistema do isolamento dos 
atos processuais, uma vez que a lei nova não atinge os atos processuais 
praticados e seus efeitos, sendo aplicada aos atos ainda não praticados. Esse 
sistema parece-nos melhor do que outros também existentes, como o da 
unidade processual, que considera o processo um todo, de modo que a lei em 
vigor no início do processo deverá ser aplicada até seu final; e o das fases 
processuais, que divide o processo em fases exatas e cada uma delas poderá 
ser regulada por uma determinada lei. 
Esse sistema pode ser contrariado pelo legislador, em situações 
excepcionais, visando uma melhor aplicação da normal processual, pois nem 
sempre a disciplina trazida pela lei nova é a melhor solução. 
Por exemplo, ao editar a “nova lei de falências” (Lei nº 11.101/95) o 
legislador extinguiu o instituto da concordata nos moldes estabelecidos pela 
lei anterior (Decreto-lei nº 7.661/45). Ora, se fosse aplicável a nova lei aos 
processos de concordata em andamento a solução deveria ser a extinção de 
todos eles por sentença judicial, porque se o instituto desapareceu os atos 
processuais a ele aplicáveis também deixaram de existir. 
A solução encontrada nesse caso aproxima-se do sistema da unidade 
dos atos processuais e está prevista no art. 192 da Lei nº 11.101/05: “Esta 
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não lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados 
anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do 
Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945”. 
Outras situações que merecem atenção são aquelas que têm sua 
dimensão perpetuada no tempo, de modo que poderão situar-se em 
intervalos regidos por duas leis distintas. Os prazos processuais, por 
exemplo, podem ter início sob a vigência de uma lei e terminarem sua 
contagem na vigência de outra lei. Os recursos podem ser regulados por uma 
lei quando nasceu efetivamente o direito da parte de reclamar da decisão 
judicial, mas no momento em que for exercer na prática o seu direito, a lei 
em vigor é outra. 
Em tais casos, a aplicação da lei nova não é a melhor solução, porque 
tanto a situação prática que proporcionou o início da contagem do prazo 
quanto a que fez nascer o direito ao recurso, estavam sob o império da lei 
antiga, de modo que esta deverá ser observada na disciplina do ato 
processual a ser praticado. Não se deve indagar de benefício ou prejuízo 
trazido pela lei nova, como ocorre no direito penal, pois não se permite a 
retroatividade da lei nova em direito processual. 
 
6. Teoria Geral do Processo 
 
A Teoria Geral do Processo é disciplina introduzida no currículo dos 
cursos jurídicos brasileiros pela Resolução nº 03, de 25 de fevereiro de1972, 
do Ministério da Educação. Trata-se de atitude que veio a contemplar o 
domínio da chamada corrente unitarista do processo, que entende não haver 
diferença substancial entre o direito processual civil e o direito processual 
penal, que “não passam de faces de um mesmo fenômeno, ramos de um 
mesmo tronco que cresceu por cissiparidade18”. Nas palavras de Carnelutti, 
o direito processual é substancialmente uno e “o processo civil se distingue 
do processo penal não porque tenham raízes distintas, mas pelo fato de 
serem dois grandes ramos em que se bifurca, a uma boa altura, um tronco 
único19.” 
Contrapondo-se ao pensamento unitarista, há a corrente dualista do 
processo, representada por autores como Vicenzo Manzini, Eugenio Florian, 
Leo Rosenberg, Karl Heinz Schwab e Peter Gottwald, no direito estrangeiro; 
no Brasil a teoria é defendida por nomes como Ovídio Baptista da Silva e 
Djanira Radamés de Sá. Para tais autores, uma teoria geral do processo deve 
ser elaborada considerando cada um dos grandes ramos do direito 
processual, de modo que os estudiosos do processo civil, o processo penal e 
o processo do trabalho devem elaborar, para cada um, a sua própria teoria 
geral. 
 
18
 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, vol. 1, p. 19-20. 
19
 Cf. ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos de teoria geral do processo, p. 37. 
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No direito pátrio, a concepção unitária é que mereceu acolhida 
majoritária. Teria ela sido anunciada por Francesco Carnelutti em 1950, na 
obra Per una Teoria Generale del Proceso. Porém, mesmo em seu Sistema di 
Diritto Processuale Civile, publicado em 1936, já anunciava que “a ciência do 
direito processual não alcançará seu ápice enquanto não se haja, 
solidamente, construído uma parte geral, em que os elementos comuns a 
todas as formas de processo encontrem a sua elaboração.20” 
Em resumo, o pensamento unitarista pode ser vislumbrado em sua 
essência no magistério de Giovanni Leone, para quem as bases do direito 
processual são comuns tanto ao processo civil quanto ao penal, em três 
aspectos: ambos têm por objetivo a atuação do Judiciário na solução da lide; 
em ambos o Judiciário só irá intervir com sua força após o exercício do 
direito de ação por parte do autor; e em ambos há a presença de três sujeitos 
processuais: o autor, o réu e o juiz21. 
Frederico Marques, em seu valoroso Ensaio, apontava para o fértil 
intercâmbio existente entre o processo civil e o processo penal, valorizando 
ainda mais a unidade científica: “se o processo penal recebeu (ou vem 
recebendo) do processo civil seiva dogmático-jurídica para um fecundo 
florescimento científico, que assim substitui o débil e raquítico 
desenvolvimento doutrinário que anteriormente acusava, – o processo civil 
por outra parte, encontrou no processo penal substância publicística melhor 
preparada para a sua construção sistemática como ciência jurídica do direito 
público, e disciplina científica, destinada a metodizar as regras e princípios 
da atividade estatal incumbida de aplicar as normas da ordem jurídica às 
relações de direito privado.22” 
Contudo, falar em unidade do direito processual não significa 
estabelecer absoluta identidade entre o processo civil e o processo penal, 
nem tampouco entender que este possa ser absorvido por aquele. O que se 
pretende com a Teoria Geral do Processo é, apenas, estabelecer o que seja 
comum entre os vários ramos do processo. Aliás, a doutrina 
tradicionalmente comenta esta discussão referindo-se tão somente ao 
processo civil e penal. Contudo, o estudo da Teoria Geral do Processo deve 
alcançar também o processo trabalhista. 
Seguindo este raciocínio, Cândido Dinamarco conceitua a disciplina 
como sendo “um sistema de conceitos e princípios elevados ao grau máximo 
de generalização útil e condensados indutivamente a partir do confronto dos 
diversos ramos do direito processual.23” Na mesma linha o pensamento do 
mexicano Niceto Alcála-Zamora y Castillo, para quem a Teoria Geral do 
Processo seria “o estudo e exposição de conceitos, instituições e princípios 
comuns aos distintos ramos processuais, isto é, os componentes do tronco 
 
20
 Cf. PACHECO, José da Silva. Curso de teoria geral do processo, p. 2. 
21
 Cf. ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos de teoria geral do processo, p. 37. 
22
 MARQUES, José Frederico. Ensaio sobre a jurisdição voluntária, p. 4-5. 
23
 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instrumentalidade do processo, p. 59. 
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de que partem todas elas.24” 
Dos conceitos resta indiscutível que não se pretendeu nem se deve 
pretender unificar o direito processual através da Teoria Geral do Processo, 
porque seu objetivo é simplesmente fornecer ao estudante conceitos gerais 
sobre os ramos do direito processual, que têm em suas particularidades o 
maior obstáculo para qualquer tentativa de unificação. Basta a análise da 
extensa legislação pertinente a cada um dos citados ramos para que 
rapidamente se abandone tal propósito. 
Vale aqui uma última observação que envolve a cultura jurídica 
equivocada que nasceu em torno do ensino da Teoria Geral do Processo no 
Brasil. Em nosso caso, a legislação processual tratou de fazer da figura do 
juiz o centro gravitacional do fenômeno processo, significando que qualquer 
medida a ser ordenada durante a atividade processual seria de sua iniciativa 
e às partes não era concedida autonomia para praticarem atos diversos 
daqueles ordenados pelo magistrado. A consequência para tal tratamento 
centralizador leva-nos a acreditar que o estudo que fazemos atualmente no 
Brasil é de uma Teoria Geral do Processo Jurisdicional, porque 
desenvolvemos durante décadas a ideia de que o processo ocorre apenas no 
âmbito do Judiciário. 
Não obstante, temos a presença do processo na esfera do Legislativo 
(processo legislativo), Executivo (processo administrativo) e até dos 
particulares (procedimento arbitral e aqueles respeitantes ao processo 
desenvolvido na realização dos negócios jurídicos). Aliás, a própria 
Constituição Federal indica a existência de processo em âmbito judicial e 
extrajudicial, ao garantir o contraditório e a ampla defesa aos litigantes em 
processo judicial e aos interessados em processo administrativo (art. 5º, LV). 
 
6.1. Conteúdo da Teoria Geral do Processo 
 
Com o desenvolver da ciência processual, que ocorreu lenta e 
gradativamente, a necessidade da nova disciplina foi ganhando corpo e, 
atualmente, a grande maioria das instituições de ensino superior no Brasil a 
incluíram em suas grades curriculares. Também não há estudioso do 
processo que não reconheça a sua importância, o que levou à produção de 
excelentes obras versando sobre o tema. 
No entanto, longo caminho teve que ser percorrido para que o conteúdo 
da Teoria Geral do Processo fosse definitivamente delimitado. É certo que 
trata-se de uma disciplina teórica envolvendo conhecimento comum a vários 
ramos do direito processual, o que significa dizer que a amplitude do temário 
torna-se inevitável. Então, como fixar o conteúdo da disciplina sem torná-lo 
amplo em demasia e fugir do objetivo inicial? Como limitar o conteúdo e não 
 
24
 Cf. PACHECO, José da Silva. Curso de teoria geral do processo, p. 2. 
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torná-lo insuficiente para

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