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DIREITO À SAÚDE - O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO PODER JUDICIÁRIO NA EFETIVAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

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Luane Silva Nascimento*
DIREITO À SAÚDE: O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO 
E DO PODER JUDICIÁRIO NA EFETIVAÇÃO 
DE POLÍTICAS PÚBLICAS
RIGHT TO HEALTH: THE ROLE OF THE PROSECUTOR AND 
THE JUDICIARY IN EFFECTIVE PUBLIC POLICY
EL DERECHO A LA SALUD: EL PAPEL DE LA FISCALÍA Y DEL 
PODER JUDICIAL EN LA EFECTUACIóN DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Resumo: 
O presente ensaio tem como objeto o direito à saúde e suas medidas
extrajudiciais de efetivação. Para que possamos discorrer sobre o
tema, apresentamos o surgimento dos direitos fundamentais, consi-
derados historicamente, bem como o processo de reconhecimento
pelos diplomas internacionais e a constitucionalização pelos Estados,
buscando promover ligeira conceituação e salientando sua funda-
mentalidade. Outrossim, citamos meios que têm sido adotados para
sua promoção, como o ativismo judicial e a atuação do Ministério Pú-
blico por meio de requisições administrativas. Vale ressaltar que não
temos como intento esgotar os assuntos aqui abordados, mas sim
estimular a pesquisa, visando difundir os meios extrajudiciais aptos
à concretização do direito à saúde.
Abstract:
This paper has as its object the right to health and their extrajudicial
measures of effectiveness. For we can discuss the topic we will pre-
sent the emergence of fundamental rights considered historically as
well as the process of international's diplomas recognition and the
constitutionalization by States searching to promote quickly concepts
and pointing out their fundamentality. Moreover, we will quote means
that have been adopted for its promotion as judicial activism and the
* Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas com menção em Direito Constitucional
pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal. Especializada em
Direito Civil e Processo Civil pela UniEvangélica. Graduada em Direito pela Facul-
dade Anhanguera, de Anápolis. Advogada. 
role model of prosecutors through administrative requests. Please
note that we do not propose to exhaust the issues addressed here,
but, intending to encourage research disseminating extrajudicial
means ables to achieve the right to health.
Resumen:
Este trabajo tiene por objeto el derecho a la salud y sus medidas ex-
trajudiciales de efectuación. Así, para que podamos discutir el tema,
presentamos el surgimiento de los derechos fundamentales, consi-
derados históricamente, así como el proceso de reconocimiento in-
ternacional de los diplomas internacionales y su constitucionalización
por los Estados promoviendo una breve conceptualización y desta-
cando su fundamentalidad. Además, vamos a citar a los medios que
se han adoptado para su promoción, como el activismo judicial y la
función de la Fiscalía a través de peticiones administrativas. Vale re-
saltar que no tenemos la intención de agotar los temas tratados aquí,
sino fomentar la investigación y difundir los medios extrajudiciales
capaces de lograr la concreción del derecho a la salud.
Palavras-chaves:
Direitos fundamentais sociais, concretização, requisição administrativa.
Keywords:
Fundamental social rights, achievement, requisition management.
Palabras clave: 
Derechos sociales fundamentales,concreción, solicitud administrativa.
INTRODUÇÃO
 O pensamento referente à dignidade da pessoa humana
sempre esteve presente nas sociedades, “mesmo as mais primitivas,
seja por razões religiosas, seja pelo desenvolvimento de doutrinas fi-
losóficas, como o jusnaturalismo, que remonta a Grécia antiga”(LIMA,
2003). O evento da constitucionalização garantiu mais concretude
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aos direitos fundamentais, contudo, esses ainda são tomados por
normas programáticas, fazendo-se necessária a edição de outro dis-
positivo para que possam ser exercitados com acuidade. 
 Observando o cotidiano, podemos constatar que a população
carece da efetivação de políticas públicas. Ainda, a assistência que
existe é prestada precariamente. Com todo o alvorecer das reivindica-
ções que têm sido pleiteadas por um país voltado ao fornecimento de
educação, saúde e outros bens essenciais de qualidade à população,
gostaríamos de apresentar uma visão crítica e alternativa ao processo
judicial, enquanto o Poder Público não assume as rédeas. A atuação
judicial, sem dúvida, tem sido instrumento útil e eficaz para a equali-
zação dessas condições e por muito tempo isso tem sido objeto de
discussão. O entendimento destoante reside em que a atividade ju-
dicial não teria o condão de determinar o exercício de direitos sociais,
obrigando o Estado a providenciar o que o requerente necessita sob
a ordem judicial emanada, acarretando a judicialização da política1. 
 Desde há muito essa circunstância, importada ‘às avessas’
do direito norte-americano, então denominada como “ativismo judi-
cial”, tem sido debatida. O receio que existia (e ainda existe, apesar
do tratamento diferenciado concedido hoje) de o Poder Judicial in-
terferir na esfera típica dos Poderes Executivo e Legislativo, legife-
rando sobre dados assuntos ou interferindo no cumprimento das
políticas públicas, ainda é latente.
 Em que pese a importante referência e abrangência do tema
em questão, gostaríamos de poder elucidar outra ótica que, por
vezes, se encontra sombreada pela doutrina e cuja atuação não é
tão divulgada, apesar de muitas vezes se mostrar tão efetiva quanto
e mais atuante que o próprio âmbito judicial.
 O Ministério Público, como instituição pública e represen-
tante da sociedade que é, tem o dever de pleitear ações que dimi-
nuam a desigualdade, promovam o acesso dos hipossuficientes e
defendam os interesses metaindividuais, dentre tantas atribuições
que lhe são inerentes. 
 O presente enredo visa demonstrar algumas das funções
desempenhadas pelo Ministério Público, especialmente no estado de
Goiás, dando enfoque às medidas extrajudiciais executadas visando
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1 Nesse sentido conferir: Santos (1987).
a concretização do direito à saúde e de outras políticas públicas, em
detrimento da ausência de leis ou quaisquer outras normas que re-
gulamentem o referido direito. 
 Eis que o Ministério Público se manifesta nesses casos ins-
taurando procedimentos administrativos que permitem o acesso do
cidadão ao tratamento ou medicamento adequado sem que haja a
necessidade de ingressar com processo judicial, muitas vezes de al-
tíssimo custo e completamente inviável. Essa medida, além de se
tornar eficaz, evita a sobrecarga de ações contenciosas que o Poder
Judiciário tem enfrentado.
 Fulcrados nesse entendimento, apresentamos uma via al-
ternativa ao cansativo e moroso processo judicial para pleitear o for-
necimento de medicamentos ou a viabilização de tratamentos de alto
custo pelo governo, seja na esfera municipal, estadual ou federal, in-
clusive solidariamente, mediante a emissão de requisição adminis-
trativa pelo Ministério Público.
 
BREVE RELATO SOBRE O IRROMPER DOS DIREITOS FUNDA-
MENTAIS E O PROCESSO DE CONSTITUCIONALIzAÇÃO
 A discussão sobre os direitos naturais do homem inerentes à
sua condição de homem em si (estado de natureza) transpôs épocas,
contudo, tais direitos foram acolhidos pela primeira vez por um legis-
lador nas Declarações de Direitos dos Estados Norte-americanos e
na Revolução Francesa (pouco tempo depois). Os direitos do homem
irromperam, no século XVIII, com a Declaração Universal dos Direitos
do Homem, conquistada por meio da luta travada contra o absolutismo
e o arbítrio do poder. Com as Revoluções Liberais (mormente as re-
voluções americana, em 1776, e francesa, em 1789, já citadas) ini-
cou-se a fase da constitucionalização dos direitos fundamentais,
passando estes de reivindicações políticas para normas jurídicas2. A
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2 “Se a Inglaterra forneceuos primeiros instrumentos processuais sem os quais não se
poderia falar de direitos fundamentais, foram a França e os Estados Unidos que mode-
laram o Estado Constitucional moderno, colocando em prática as idéias iluministas que
os filósofos da época teorizavam. Tudo isso já no final do Século XVIII” (LIMA, 2005).
partir dessa positivação dos direitos fundamentais, definidos num deter-
minado tempo e lugar, foram atribuídos aos indivíduos direitos jurídico-
institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente3,
aptos a legitimar a reclamação de seu cumprimento e efetivação pe-
rante o Poder Público. 
 Desde muito discute-se o conceito, a abrangência e a efeti-
vidade dos direitos do homem, especialmente em razão de sua abs-
tratividade. Bobbio (1992) assim o disse, na obra A Era dos Direitos,
ocasião em que reportamos a dificuldade por ele aduzida outrora.
Para ele, formular o conceito de direitos do homem é agir em redun-
dância, já que, a priori, podem ser definidos como “os que cabem ao
homem enquanto homem”, porém, se for dada visão apenas quanto
a seu estatuto desejado, dir-se-ia que os “direitos do homem são
aqueles que pertencem, ou deveriam pertencer, a todos os homens,
ou dos quais nenhum homem pode ser despojado”. Assim, se se
acrescentar a abordagem do conteúdo a esse conceito, há a inclusão
de termos avaliativos, traduzindo que “direitos do homem são aque-
les cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoa-
mento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização,
etc.” (BOBBIO, 1992). 
 Entretanto, nem assim ele considera que seja possível dar
contornos nítidos aos direitos do homem e, além disso, atribuir-lhes
fundamentos absolutos ou não em razão de sua noção imprecisa.
Acima de tudo, devemos considerar que o fundamento (BOBBIO,
1992) dos direitos varia de acordo com a época vivida, e, por esse
motivo, o que era essencial quando da sua proclamação absoluta
no século XVIII pode não ser elencado na mesma conjectura em
razão das variações cotidianas, condições históricas, classes no
poder e carecimentos contemporâneos. 
 Para Bobbio (1992), os direitos do homem são, indubitavel-
mente, um fenômeno social, e a proliferação de seus ideais ocorreu
a partir da passagem dos direitos de liberdade (liberdades negativas)
para os direitos políticos e sociais que requerem uma intervenção di-
reta e ativa do Estado. Em um segundo momento, identificamos a
passagem da consideração do indivíduo humano uti singulus para
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3 Gomes Canotilho (2003) define os direitos fundamentais como “os direitos do
homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente”.
sujeitos diferentes do indivíduo (como a família, as minorias étnicas e
religiosas e toda a humanidade em seu conjunto e, até mesmo, a con-
sideração para além dos sujeitos dos homens, como os animais. Num
terceiro momento, a passagem ocorreu do homem genérico (do
homem enquanto homem) para o homem específico, ou tomado na
diversidade de seu status social com outros critérios de diferenciação
(como a idade, o sexo, as condições físicass etc.), que, por sua natu-
reza, não permitem tratamento igual e igual proteção (BOBBIO, 1992). 
 Verificamos que John Locke foi o grande inspirador da De-
claração de Direitos do Homem, com sua influência ideológica do es-
tado de natureza em que todos são iguais no gozo da liberdade, no
sentido de que nenhum indivíduo tenha mais ou menos liberdade que
o outro, cuja consagração verificamos no artigo 1º da Declaração Uni-
versal4. Todavia, referida igualdade não é aplicada aos direitos sociais
e políticos, uma vez que diante deles os indivíduos são iguais só ge-
nericamente. Aqui há diferença de indivíduo para indivíduo e de gru-
pos de indivíduos para grupos de indivíduos. Podemos citar como
exemplo a restrição do direito de voto dos menores e as diferenças
de tratamento no âmbito dos direitos sociais, até mesmo como forma
de distinção entre os indivíduos e os grupos de indivíduos. 
 Nesse patamar, foram estipuladas, a princípio, três dimen-
sões5 de direitos baseados nos ideais tracejados na revolução fran-
cesa, quais sejam, liberdade, igualdade e fraternidade (BOBBIO,
1992). A primeira dimensão de direitos foi marcada pela conquista
de liberdades reivindicadas “‘contra’ ou ‘face’ ao Estado” (HAARS-
CHER, 1997), no âmbito dos direitos individuais6 tradicionais (direitos
civis e de participação política, direitos de liberdades, direitos de par-
ticipar politicamente na esfera estatal e ser reconhecido enquanto ci-
dadão), em que impõe-se uma postura puramente negativa do
4 Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. 
Acesso em: 20 mar. 2013.
5 Nesse interím, sublinhamos, apenas com o intuito de levantar a questão, a visão
daqueles que sustentam a “dimensão dos direitos fundamentais”, e não “gerações”,
como dissera outrora Karel Vasak, já que não há sucessão de uma geração a outra
de direitos (LIMA, 2005).
6 Guy Haarscher destaca que a primeira geração define-se a partir de um individualismo
comum a toda a concepção dos direitos do homem, e, ao mesmo tempo, a partir de um
individualismo específico, que tem a marca de uma época especial da história econô-
mico-social da Europa.
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Estado7, ou seja, a abstenção de certos comportamentos diante do
cidadão (PRADO, 2007). 
 Em um segundo momento há o destaque para os direitos
de segunda dimensão8, assim entendidos pelo seu caráter político-
social, também chamados de direitos sociais traduzidos, basica-
mente, nos direitos sociais, culturais e econômicos condizentes com
o ideal de igualdade, ocasião em que foi consagrada a efetivação de
políticas públicas pelo Estado, transmutando da imagem abstencio-
nista para a atuação direta de implementação e realização de pres-
tações que visassem o bem-estar social e a prioridade de melhores
condições de vida do cidadão (HAARSCHER, 1997). É o Estado
atuando em prol da sociedade por meio da implementação e efeti-
vação de políticas públicas de fornecimento de serviços e condições
mínimas de sobrevivência e dignidade à pessoa humana. 
 Cumpre ressaltar que George Marmelstein Lima (2005)
aduz que não podemos entender, equivocadamente, que os direitos
de primeira dimensão seriam sempre direitos negativos, não onero-
sos, enquanto os direitos de segunda dimensão seriam, em todos
os casos, direitos a prestações. Segundo ele, essa falsa distinção
seria a causa do enfraquecimento dos direitos sociais e de sua de-
corrente efetivação.
 Em outro plano reside a terceira dimensão de direitos con-
cernentes ao ideal de fraternidade e que consagram os direitos glo-
bais considerados coletivamente, dentre os quais podemos destacar
o direito à paz, ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o
patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação etc.
Guy Haarscher (1997) caracteriza a reivindicação desses direitos li-
mitada a vagas exigências morais e, por esse motivo, quanto mais
vagas forem essas reivindicações, “mais fluidos são os limites que
se lhes procura impor, mais liberdade de acção terão, e menos com-
prometidos se sentirão por proclamações de consequências tão be-
nignas”, sendo suscetíveis à apreciação dos déspotas. Hodiernamente
já se fala em outras dimensões dos direitos fundamentais, como
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7 Cuida-se da reivindicação formulada ao Estado para que limite seu poder, que “fique à porta”
do círculo reservado à autonomia do indivíduo. Diz respeito às liberdades entendidas como
freedoms from, que implicam uma emancipação do domínio estatal (HAARSCHER, 1997).
8 Os direitos do homem de segunda geração são decorrentes da transformação do pre-
ceito “freedoms from” dos direitos de primeira geração para os “freedoms to”. 
podemos verificar no que diz respeito ao direito dequarta dimensão,
que consagra o direito à democracia, o direito à informação e o direito
ao pluralismo. 
 De qualquer forma, a proteção e a efetivação dos direitos
sociais está intimamente ligada à intervenção ativa do Estado, de
onde decorreu a organização dos serviços públicos, que ocasionou
o surgimento de uma nova forma de Estado, qual seja, o Estado so-
cial9. Diante de tais fatos, verificamos que a postura tomada em re-
lação aos direitos fundamentais é alvo de evoluções gradativas que
acompanham as transformações ocorridas na sociedade e a junção
entre eles é cada dia mais necessária. Notamos que, ao passo que
um direito é consagrado, ele se afeta a outros direitos que são, igual-
mente, essenciais à sua própria existência. 
 Quando falamos da evolução dos direitos fundamentais re-
montamos aos exemplos de direitos consagrados em sede da pri-
meira geração e que, ao desenrolar da história, tomaram novo
sentido, de acordo com as demais gerações de direitos, justificando,
com isso, a ausência de sucessão entre os direitos, mas, na verdade,
a ampliação de sua perspectiva de acordo com o marco de novas
gerações. Podemos citar como exemplo o direito à saúde, que pas-
sou por diversas fases e ainda não fora completamente sedimen-
tado. Em princípio, a saúde era vista sob a óptica individualista, na
qual as pessoas detinham o direito de o Estado assegurar a vida do
indivíduo contra os infortúnios então existentes ou puramente a não
violação da sua integridade física. Depois, eis que surge o contexto
social em que o Estado é incitado a desempenhar a busca da igua-
lização social e a prestação de serviços de saúde pública, como
construir hospitais e fornecer medicamentos. Em um terceiro plano,
a saúde alcança o teor solidário e humanista em que os Estados
mais ricos ajudam os mais pobres a melhorar a qualidade de vida
de toda população (LIMA, 2003). 
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9 Com o Estado de Direito Social assiste-se a uma socialização dos direitos fundamentais
ou, com o mesmo significado, a uma fundamentalização dos direitos sociais, econômicos
e culturais, surgindo a dimensão prestadora dos direitos fundamentais. [...] O Estado
social é aquele que aceita assumir os custos de satisfação de certas necessidades co-
lectivas (não de todas as necessidades), na medida do indispensável, para assegurar
aos que não podem pagar as prestações os mesmos direitos a que têm acesso aqueles
que podem pagar (cf. RIBEIRO, 2009).
 Com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos do
Homem por 48 Estados, em 10 de dezembro de 1948, na Assem-
bleia Geral das Nações Unidas, surge um sistema de valores que,
pela primeira vez na história, é “universal, não em princípio, mas de
fato, a medida em que o consenso sobre sua validade e sua capa-
cidade para reger os destinos a comunidade futura de todos os ho-
mens foi explicitamente declarado” (BOBBIO, 1992). A Declaração
Universal não teve por fim apresentar nenhuma pretensão definitiva,
inclusive porque “os direitos do homem são direitos históricos, que
emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria
emancipação e das transformações das condições de vida que
essas lutas produzem” (idem, ibidem). Entretanto, sua abrangência
e afirmação perante a comunidade internacional foi um marco im-
prescindível à consagração dos direitos do homem, em que o caráter
normativo transcendeu as fronteiras, passando a constar dos orde-
namentos jurídicos internos e sendo atribuído mais relevo e empe-
nho ao seu cumprimento, apesar das fraquezas que ainda subsistem
e merecem melhor atenção até mesmo na atualidade.
 O eventual marco produzido por tal acontecimento trouxe à
baila várias discussões sobre os direitos sociais, inclusive sobre sua
conceituação. Não podemos abranger todas as concepções atribuí-
das a essa geração de direitos, porém, destacamos um conceito
atual e conciso, formulado por George Marmelstein Lima (2005),
acerca dos direitos sociais. Para ele a definição de direitos econômi-
cos, sociais e culturais pode ser extraída da seguinte maneira: 
os direitos econômicos, sociais e culturais são aqueles que se
fundamentam na solidariedade, na igualdade e na dignidade da
pessoa humana, visando (a) a uma melhor qualidade de vida,
(b) à equalização das oportunidades e (c) à redução das desi-
gualdades sociais, quase sempre através da prestação de bens
ou serviços referentes às necessidades básicas, como alimen-
tação, saúde, moradia, educação, assistência social etc. para as
pessoas em situação de desvantagem socioeconômicocultural.
 É com essa breve compreensão do irromper dos direitos,
sobretudo os direitos sociais, e sua decorrente conceituação, que
passamos à análise do direito à saúde em si, como foco do presente
ensaio. 
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DIREITO À SAÚDE: CONCEITO E FUNDAMENTALIDADE
 O direito à saúde e outra série de direitos conexos, como ao
meio ambiente, etc., foram reconhecidos nas constituições, e tam-
bém nas distintas declarações de direitos, como o que se denomina
de “segunda dimensão dos direitos fundamentais”. A participação do
Estado na promoção e tutela da saúde da população mediante a am-
pliação dos sistemas públicos de saúde e o progressivo reconheci-
mento e positivação de um direito à saúde fizeram parte das
características políticas do denominado Welfare State10. Os primeiros
ordenamentos constitucionais que reconheceram o direito à saúde
foram o México (1917), a constituição alemã de Weimar (1919) e a
constituição espanhola (1931) (AÑóN, 2009).
 Ainda é complexo e pouco provável formular um conceito
do direito à saúde de forma consolidada ou limitada, uma vez que a
cada dia mais controvérsias são debatidas. Podemos destacar, a
priori, a colocação desse direito em diversos diplomas internacionais,
como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Inter-
nacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção
Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação
Racial, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de
1988, dentre tantos outros (AÑóN, 2009). Podemos citar, outrossim,
a Constituição da Organização Mundial da Saúde, que dispôs, em
seu preâmbulo, o direito de todas as pessoas desfrutarem de forma
elevada e de alto nível11 a saúde, sem distinções de raça, religião,
crenças políticas, condição social ou econômica12 (AÑóN, 2012). 
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10 Trata-se do Estado em que o governante proporciona o bem-estar de seus cidadãos
por meio de leis sociais. Relação de contradição entre os direitos de primeira geração
(que consagram as liberdades dos cidadãos e a não intervenção estatal) com os direitos
de segunda geração (consagradores da concretização de políticas públicas pelo Estado
e exigência de um Estado mais atuante em prol do cidadão). 
11 Cumpre esclarecer que o conceito de “alto nível de saúde” leva em conta tanto as con-
dições biológicas e socioeconômicas essenciais da pessoa, considerando que o Estado
não pode garantir a proteção contra todas as formas de mal na saúde do ser humano
(AÑON, 2009).
12 Disponível em: http://apps.who.int/gb/bd/PDF/bd47/EN/constitution-en.pdf. Acesso em:
1º jul. 2013.
 Dos textos anteriormente referidos podemos depreender
que a saúde tem como pontos basilares a observância de pelo
menos três elementos, dispostos pela Declaração Universal dos Di-
reitos Humanos, consistentes no (1) direito a um nível de vida ade-
quado, que assegure a saúde e o bem-estar; (2) direito à assistência
médica e aos serviços sociais necessários; e (3) direito ao seguro-
saúde, em casos de doença que incapacite ou promova a perda dos
meios de subsistência por meio do trabalho, em razão de circuns-
tâncias alheias à vontade do indivíduo (AÑóN, 2009).
 A despeito de tantas controvérsias quecercam o conceito
de “direito à saúde”, a Organização Mundial da Saúde a definiu como
um “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não ape-
nas a ausência de doença ou enfermidade” (LOUREIRO, 2007).
Destaca-se que desde então esse conceito não sofreu emendas pela
OMS e vige até hoje. Gracia (1988, p. 277 apud AÑóN, 2009) prefere
dizer que não é possível alcançar tal condição, uma vez que o Estado
não dispõe de meios suficientes para garanti-los. Defende, ainda,
que a OMS seria pouco realista e capaz de gerar várias frustações
à medida que nenhuma sociedade seria capaz de gerar pleno gozo
de bem-estar físico, psíquico e social. Em uma posição também crí-
tica, Berlinguer (2002, p. 175 apud AÑóN, 2009) observou que a
saúde não é nem um estado nem é perfeição, trata-se de uma situa-
ção de equilíbrio que se faz durante o transcorrer do tempo.
 Carlos Lema Añon (2009) adota o conceito de Cortina que,
diferentemente dos posicionamentos anteriormente mencionados, en-
tende que a saúde pode ser vista como: a experiência de bem-estar
e integridade do corpo e da mente, caracterizada por uma ausência
aceitável de condições patológicas e, consequentemente, da capaci-
dade de a pessoa perseguir suas metas vitais e estar em atividade
no seu contexto social e laboral habitual. Para João Carlos Simões
Gonçalves Loureiro (2007), a construção de um conceito de saúde
“compreende também um conjunto de critérios (morfológico, etioló-
gico, funcional, utilitário, comportamental) que permitem recortar uma
noção de saúde e, consequentemente, uma aproximação à doença”.
 Há que se observar, outrossim, que a saúde é compreen-
dida pela conjugação de certos elementos, dentre eles a disponibili-
dade, a acessibilidade, a aceitabilidade e a qualidade. No que diz
respeito à disponibilidade, poder-se-á dizer que trata-se da existência
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de um número suficiente de estabelecimentos, bens e serviços pú-
blicos de saúde e centros de atenção, bem como programas de
saúde. Quanto à acessibilidade, cuida-se do acesso aos estabeleci-
mentos, bens e serviços de saúde disponível a todos, sem quaisquer
distinções. Já a aceitabilidade supõe que os estabelecimentos, bens
e serviços respeitem a ética médica e que sejam culturalmente ade-
quados (condizentes com a cultura das pessoas, das minorias, das
comunidades), etc. Por fim, a qualidade se refere à adequação dos
meios de exercício da saúde sob o ponto de vista médico, científico
e de boa qualidade (AÑóN, 2009). 
 Comparativamente13, a Constituição da República Portu-
guesa tratou de sistematizar o tema “saúde” no artigo 64º 14. O texto
constitucional prevê a proteção do direito à saúde, bem como os di-
reitos de defendê-la e promovê-la conferidos a todos os cidadãos.
Segundo a diretriz de João Carlos Loureiro, o cuidado matricial pelas
pessoas alicerça-se no princípio fundante da dignidade humana, que
a CRP acolhe logo em seu artigo 1º. Destaca, ainda, que a proteção
é um elemento fundamental, correspondendo a uma função tradicio-
nal do poder político, que pode ser “sintetizada na plástica imagem
de S. Irineu, que Vieira magistralmente tratou no Sermão de Santo
António: trata-se de evitar que os peixes grandes devorem os mais
pequenos” (LOUREIRO, 2008)15.
 Relativamente ao direito brasileiro, a Constituição da Repú-
blica Federativa do Brasil16, de 05 de outubro de 1988, foi decretada
e promulgada e consiste, substancialmente, no texto constitucional
mais protetor e abrangente que a história do Brasil conhece. O direito
à saúde fora proclamado como direito social disposto no artigo 6º
(Capítulo II – Dos Direitos Sociais) e encontra-se espalhado por todo
o corpo normativo (inclusive na Seção II, do Capítulo II, do Título VIII
– Da Ordem Social, artigos 194 usque 200). Foi a partir daqui que a
tutela pelo acesso à saúde e a fiscalização do cumprimento de políticas
públicas teve mais concretude, sendo possível, inclusive, o requerimento
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13 Para aprofundar a questão, vide Santos (1987).
14 Disponível em: http://dre.pt/comum/html/legis/crp.html. Acesso em: 06 jul. 2013.
15 Conferir as notas referenciais que João Carlos Loureiro (2008) tratou cuidadosamente
esclarecendo os pontos cruciais deste trecho.
16 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso
em: 27 mar. 2013.
de medidas satisfativas que assegurem o acesso à saúde e, conse-
quentemente, a tutela efetiva do direito à vida, direitos esses funda-
mentais elevados à condição de cláusula pétrea. 
 Diante de tudo isso, é inquestionável que o evento da “cons-
titucionalização” dos direitos fundamentais, além de dotá-los de alta
carga de normatividade, concedeu maior âmbito de tutela perante
os órgãos Jurisdicionais, já que, ao passo que uma “questão – seja
um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público – é
disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, poten-
cialmente, em uma pretensão jurídica que pode ser formulada sob a
forma de ação judicial” (BARROSO, online). Referidas normas cons-
titucionais, ao serem postuladas em juízo, poderão, inclusive, receber
certa ampliação ao serem aplicadas mediante postura do Poder Ju-
diciário, que visa contemplar o texto constitucional impondo condutas
ou abstenções ao Poder Público não sistematizadas. 
MINISTÉRIO PÚBLICO E PODER JUDICIÁRIO – MEDIDAS DE
CONCRETIzAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE
 Antes de adentrarmos propriamente no desempenho do Mi-
nistério Público diante das circunstâncias ensejadoras da atuação
ativista, cumpre-nos elucidar brevemente o conceito de ativismo ju-
dicial, expor algumas de suas características e relacioná-lo com a
concretização do direito à saúde.
a. Ativismo Judicial – breves considerações
 Até a promulgação da Constituição de 1988, o Poder Judi-
ciário no Brasil filiava-se inequivocamente à linha da auto-contenção
judicial (BARROSO, online) , que é o oposto do ativismo judicial. De
acordo com essa linha, segundo Luiz Roberto Barroso (idem), o
Poder Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos ou-
tros Poderes, cabendo aos juízes e tribunais: (i) evitarem aplicar di-
retamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito
de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador
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ordinário; (ii) utilizarem critérios rígidos e conservadores para a decla-
ração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abste-
rem-se de interferir na definição das políticas públicas. Por esse e
tantos outros motivos (as conquistas de direitos como o voto facultativo
para maiores de 16 e menores de 18 anos, a implementação do SUS
– Sistema Único de Saúde do Brasil, etc.) a CRFB/88 pode ser con-
siderada como a primeira Constituição democrática brasileira.
 Luiz Roberto Barroso (online) elucida que a ideia de ativismo
judicial está associada a uma “participação mais ampla e intensa do
Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com
maior interferência no espaço de atuação dos outros dois poderes”.
Basicamente, trata-se da imposição de condutas ou abstenções ao
Poder Público para resguardar direitos fundamentais em matéria de
políticas públicas. Cita-se, como exemplo mais notório, a distribuição
de medicamentos e determinação de realização de tratamentos me-
diante decisão judicial. 
 Cada vez mais nos deparamos com decisões judiciais, seja
na Justiça Estadual ou Federal16, seja em sede originária ou recursal,
determinando à União, ao Estado ou ao Município (inclusive solida-
riamente) o custeio de medicamentos ou tratamentos de alto custo
que não estão inclusos nas listas ou protocolos do Ministério da
Saúde ou das Secretarias de Saúde. Contudo, há quem ressalte
como ponto negativo do ativismo judicial a exibição das dificuldades
enfrentadas pelo Poder Legislativo.Além disso, há três objeções que
poderão ser opostas: (i) os riscos para a legitimidade democrática (já
que os juízes, desembargadores e ministros não são agentes públicos
eleitos); (ii) politização indevida da justiça (que sustentava que direito
é política e a superestrutura jurídica seria uma instância de poder e
dominação); e (iii) os limites da capacidade institucional do Judiciário
(baseada na separação tripartida dos poderes e na não intervenção
48
16A título exemplificativo, colacionamos a seguinte decisão proferida pelo Tribunal Regional
Federal da 5ª Região. Ressalte-se que nessa esteira tem se manifestado o Poder Judiciário
em geral, incluse o Supremo Tribunal Federal. TRF5. Apelação / Reexame Necessário -
APELREEX14044/AL. Proc. N.º 200880000034518. Terceira Turma. Data do Julga-
mento: 19/07/2012. Relator:Desembargador Federal Geraldo Apoliano. Ementa: CONS-
TITUCIONAL E CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DEVER DO ESTADO.
HIPOSSUFICIENTE. RISCO À VIDA COMPROVADO. óBITO DO AUTOR. EXTINÇÃO
DO FEITO. DIREITO INTRANSMISSÍVEL. Disponível em: http://www.trf5.gov.br/Jurispru-
dencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1. Acesso em: 08 jul. 2013.
de um poder no outro) (BARROSO, online). De acordo com André
Karam Trindade e Fausto Santos de Morais (apud CITTADINO,
2004), o protagonismo do Poder Judiciário poderia ser visto positi-
vamente se a atividade exercida pelos juízes não dependesse de
juízos subjetivos fundados na ponderação de valores, não violasse
o equilíbrio do sistema político e não resultasse em práticas arbi-
trárias que colocam em risco os pilares estruturais da democracia
constitucional: a garantia dos direitos fundamentais e a preserva-
ção do regime democrático e da soberania popular. 
 Em consonância com J. J. Gomes Canotilho17 (2010)
mesmo quando os juízes se podem assumir tendencialmente
como ‘legisladores negativos’ (ao declararem a inconstitucionali-
dade de normas) ou criadores de direito (ao elaborarem ‘normas’)
para a decisão do caso, os juízes estão vinculados à constituição
e à lei, à distribuição funcional de competências constitucionais, à
separação de competências e ao princípio democrático. 
 Tudo isso como limites ao ativismo.
 A despeito de serem questões de relevo, cumpre observar-
mos que o ativismo pode ser interpretado favoravelmente se consi-
derarmos que a própria Constituição atribuiu legitimidade ao Poder
Judiciário, especificamente ao Supremo Tribunal Federal, para julgar
e invalidar decisões daqueles que foram eleitos pelo povo baseados,
essencialmente, na fundamentação18 racional de suas decisões de
acordo com a Constituição. 
49
17 CANOTILHO, J. J. Gomes. O activismo político-judicial no estado ponderador. Texto
distribuído no programa de doutoramento “Direito Justiça e Cidadania no Século XXI”,
apud PORDEUS E SILVA, Jussara Maria. Ativismo Judicial e o papel do Ministério Público
Brasileiro na efetivação das políticas públicas: o caso do Amazonas. In: OLIVEIRA, Hum-
berto Machado de. Ativismo Judicial. Curitiba: Editora Juruá, 2010. p. 255-295. (Esclare-
cemos que não foi possível localizar o texto original na base de dados da Universidade
de Coimbra ou de qualquer outra publicação disponível em Portugal, contudo, o referido
texto consta do livro Constituição e Processo. Entre o direito e a política. Coordenado
por Felipe Machado e Marcelo Cattoni. Editora Fórum. E pode ser adquirido pelo site
http://www.editoraforum.com.br/ebooks/. Acesso em: 10 jul. 2013).
18 Artigo 93, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Dis-
ponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompi-
lado.htm. Acesso em: 29 jun. 2013.
 Sob outro enfoque, podemos salientar que direito não é po-
lítica no sentido de não permitir escolhas livres, tendenciosas ou par-
tidárias e, por fim, não há óbice que os Poderes Legislativo, Executivo
e Judiciário exerçam controle recíproco sobre as atividades de cada
um e desempenhem funções atípicas às suas próprias. Além disso,
o juiz está vinculado à lei e, regra geral, deve respeitar as escolhas
legislativas. “A argumentação jurídica deverá centrar-se, portanto, na
tentativa de demonstrar a compatibilidade entre a solução judicial e
a solução legislativa. É a famosa ‘moldura kelseniana’” (LIMA, 2010).
 Delineadas as objeções anteriormentes citadas, cumpre-nos
ressaltar ainda que ativismo judicial e judicialização, apesar de serem
muito próximos, não são iguais. Para Boaventura de Sousa Santos
(2003), a postura de judicialização da política leva à politização da
justiça, e isso consiste “num tipo de questionamento da justiça que
põe em causa, não só sua funcionalidade, como também a sua cre-
dibilidade, ao atribuir-lhe desígnios que violam as regras da separa-
ção dos poderes dos órgãos de soberania”. Jussara Maria Pordeus
e Silva (2010) destaca que dentre os defensores dessa corrente (nor-
mativa) estão “os teóricos Dworkin e Cappelletti. Entre os que são
favoráveis, mas desde que impostos limites, temos Habermas e Ga-
rapon. Existem ainda os que são contra na esteira de Ely”19.
 Com base em manifestações a favor e contra o ativismo,
nos afiliamos ao pensamento de Luiz Roberto Barroso (online), que
afirma ser o ativismo judicial um “antibiótico poderoso, cujo uso deve
ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer
da cura”. Ressalta ainda que a expansão do Judiciário não deve des-
viar a atenção do real problema brasileiro que atinge a democracia,
ou seja, a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade
do Poder Legislativo.
 Arrematando a questão, o Ministro Gilmar Mendes, quando
50
19 Esclarecemos, contudo, que referidas menções de autores se prestam aos fi-
liados da corrente normativa do ativismo judicial, e que tivemos a pretensão de
apenas exemplificar alguns dos grandes nomes que discutem ou discutiram a ma-
téria em relevo. Sublinhe-se, outrossim, que, de acordo com o pensamento de
Werneck Viana, as correntes normativas podem ser analisadas a partir de dois
eixos, o substancialista (que tem entre seus afiliados Dworkin e Cappelletti) e o
procedimentalista (sustentado, especialmente por Habermas e Garapon). Além
dessas premissas há várias discussões e controvérsias que poderiam ser trazidas
aqui, no entanto, nos restringiremos ao campo já abordado.
do julgamento da Suspensão da Liminar 47 – Pernambuco, suscitou
muito bem o posicionamento manifestado por Robert Alexy20 quanto
ao tema abordado. Assim sendo, destacamos: 
Considerando os argumentos contrários e favoráveis aos direitos
fundamentais sociais, fica claro que ambos os lados dispõem de
argumentos de peso. A solução consiste em um modelo que leve
em consideração tanto os argumentos a favor quanto os argu-
mentos contrários. [...] De acordo com essa fórmula, a questão
acerca de quais direitos fundamentais sociais o indivíduo definiti-
vamente tem é uma questão de sopesamento entre princípios. De
um lado está, sobretudo, o princípio da liberdade fática. Do outro
lado estão os princípios formais da competência decisória do le-
gislador democraticamente legitimado e o princípio da separação
dos poderes, além de princípios materiais, que dizem respeito so-
bretudo à liberdade jurídica de terceiros, mas também a outros di-
reitos fundamentais sociais e a interesses coletivos. 
 Por fim, o ativismo possui uma via dupla de interpretação,
e, quando bem compreendido, incentiva a emergência de institucio-
nalidades vigorosas e democráticas e reforça a estabilização da cria-
tiva arquitetura constitucional. Todavia, se mal compreendido, o
ativismo se torna propício à denúncia de um governo de juízes, de
uma justiça de salvação, concernente ao objeto específico a ser jul-
gado. Com isso, pode levar a concepções de uma justiça que abdica
da defesa daintegridade do direito, podendo se tornar a ruína de seu
instrumento (PORDEUS e SILVA, 2010).
b. Âmbito de atuação do Ministério Público - previsão constitu-
cional e legal
 Em meio a toda essa questão de legitimidade do Judiciário
para atuar em consonância com o ativismo judicial, suscitamos a
51
20 Citado por Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal Brasileiro,
quando da lavratura do acórdão de Agravo Regimental na Suspensão de Limi-
nar 47, referente ao Estado do Pernambuco. Disponível em: http://www.jusbra-
sil.com.br/filedown/dev3/files/JUS2/STF/IT/SL_47_PE_1272708885409.pdf.
Acesso em: 08 jul. 2013.
postura sublinhada ao órgão Ministérial que, igual ao Poder Judiciá-
rio, ampliou seu âmbito de atuação e o desempenho de suas ativi-
dades em prol dos cidadãos considerados coletiva e isoladamente.
 Com a redemocratização do Estado Brasileiro, o Ministério
Público expandiu institucionalmente, aumentando a relevância de
sua atuação fora da área estritamente penal. Em suma, essa rede-
mocratização fortaleceu e estendeu o Poder Judiciário, bem como
aumentou a demanda por Justiça na sociedade brasileira (BAR-
ROSO, online). Ao ser instituída a atribuição de zelo da Constituição
Federal ao Ministério Público e dar efetividade às políticas públicas
de atendimento e concretização dos valores e fins sociais, principal-
mente no que tange ao âmbito do interesse público, constatamos
que o referido órgão (com previsão no artigo 127, da CRFB) cuida-
se de instituição permanente e essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime de-
mocrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
 Destacamos a Lei Complementar 75/1993 que dispôs sobre
a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da
União. Dispomos também da Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público Brasileiro (Lei n. 8.625/1993), que trata sobre as normas ge-
rais para a organização da instituição e dá outras providências. Essa
lei tem o condão de traçar as linhas gerais de atuação do Ministério
Público Estadual, com base na Constituição Federal, e especificar a
repartição interna de atribuições e de seus órgãos. Referida lei não
impede a edição de leis estaduais que visem regulamentar a institui-
ção do Ministério Público naquele âmbito. No estado de Goiás, con-
tamos com a Lei Complementar 25/1998, que regulamentou sua
atuação. A partir dessas considerações, averiguamos que, uma vez
determinado pela CRFB/88 e demais leis regulamentares, o Minis-
tério Público é um órgão dotado de capacidade postulatória que atua
em defesa e na guarda dos interesses e direitos dos indivíduos e da
sociedade, considerados isolada ou coletivamente. 
 Prima facie, cumpre destacarmos que esse “interesse”
abarca a consagração de duas categorias de interesse público. Se-
gundo a dicção de Hugo Nigro Mazzilli (2012), o interesse público
segue a seguinte dicotomia: interesse público primário e interesse
público secuandário (cf. ALESSI, 1960 apud MAZZILLI, 2012). Por
esse viés extraímos que o interesse público primário é o interesse
52
social (o interesse da sociedade ou da coletividade como um todo –
o bem geral, alvo de proteção do Ministério Público) e o secundário
se refere ao modo pelo qual os órgãos da Administração veem o in-
teresse público. É incontroverso o reconhecimento da legitimidade
do Ministério Público para atuar em defesa do interesse público pri-
mário e nos casos de interesse transindividual ou metaindividual (que
residem entre o interesse público e o interesse privado). 
 A Constituição de 1988 ampliou o rol de ações em que o Mi-
nistério Público agirá tanto como legitimado ordinário como extraor-
dinário (citamos como exemplo a propositura de ações civis públicas
– com base na Lei 7.347/1985, atuação no âmbito do processo civil,
a defesa dos interesses difusos e coletivos –, proteção ao meio am-
biente, ao consumidor, ao patrimônio cultural, ao patrimônio público
e social, tombamento, interposição de ações cautelares e ações in-
dividuais, ação penal, bem como instauração de inquéritos civis, for-
mulação de termos de ajustamento de conduta, emissão de
notificações, requisições e solicitação para o cumprimento de dever
de informação, dentre tantas outras). Depreendemos ainda da dicção
do artigo 5821, da LC 25/1998, inciso VII, que compete às Promotorias
de Justiça “expedir notificações e requisições e instaurar proce-
dimentos investigatórios nos casos afetos à sua área de atua-
ção”. Segundo esse preceito, o Ministério Público possui atribuição
para expedir extrajudicialmente notificações e requisições afetos à
sua área de atuação. 
 Consta, outrossim, do âmbito de atuação do Parquet, a
Coordenação do Centro de Apoio Operacional à Saúde – CAO
Saúde –, que tem como função auxiliar no planejamento, na imple-
mentação e na avaliação da atividade de fiscalização e provocação
da atuação dos responsáveis pela construção do SUS, interagindo
para obter a efetivação de políticas públicas que sejam condizentes
com a realidade dos usuários do sistema, especialmente objetivando
a otimização de serviços e ações de saúde, com a qualidade e pres-
teza que atendam às necessidades da sociedade. Nota-se que a
cada dia o Ministério Público e o Poder Judiciário demonstram seu
53
21 O artigo 58 da Lei Complementar 25/1998 estipulou as atribuições do Promotor de
Justiça Goiano, além daquelas já previstas pela Constituição Federal, tanto no desem-
penho de medidas judiciais quanto extrajudiciais necessárias ao bom funcionamento da
justiça e a proteção da sociedade e do cidadão, ambos compreendidos em sentido lato.
papel atuante na concretização dos valores e fins sociais, principal-
mente no que tange aos direitos sociais.
 Tal qual no ordenamento jurídico brasileiro, o Ministério Pú-
blico português detém a atribuição de estabelecer parcerias com ou-
tras instituições estatais, entidades privadas ou entidades da
sociedade civil, numa fase prévia à instauração de um processo ju-
dicial, permitindo-lhe deter um papel determinante na articulação
entre os meios formais e informais de resolução de conflitos. Essa
conduta permite mais acesso do cidadão ao direito e à justiça, espe-
cialmente se considerarmos que o primeiro órgão judicial que o ci-
dadão tem contato é o Ministério Público (DIAS, online).
O MINISTÉRIO PÚBLICO E SEU PAPEL NA REqUISIÇÃO DE
MEDICAMENTOS E TRATAMENTOS DE ALTO CUSTO EM
BENEFÍCIO DO CIDADÃO 
 O Ministério Público tem se manifestado cada dia mais atuante
na salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos considerados
em sentido lato. A priori, cumpre salientarmos que fora conferida atribui-
ção institucional pela Magna Carta de 1988 ao referido órgão, concendo-
lhe poder para reivindicar em prol da sociedade e em defesa de todos
os que dele necessitarem. Uma vez delineadas as premissas básicas
concernentes à previsão legal e às atribuições do Ministério Público para
atuar em prol do cidadão, discutimos agora o papel desempenhado pela
instituição na requisição de medicamentos e tratamentos de alto custo,
a serem financiados pelo estado, na esfera administrativa.
 O Ministério Público pode atuar por meio de recomenda-
ções, termos de ajustamento de conduta e, quando imprescindível,
ações civis públicas. Tais condutas visam as tutelas difusa, coletiva
ou individual indisponíveis da população na área da saúde pública,
por meio de medidas extrajudiciais ou judiciais, bem como do exer-
cício de atividades indutoras de políticas públicas. Nesse sentido, é
possível ainda que o Ministério Público impetre mandado de segu-
rança pleiteando judicialmente que o órgão Público realize a medida
necessária para assegurar o cumprimento do direito à saúde de um
54
só indivíduo, de acordo com as circunstânciasdo caso concreto (para
que o Judiciário determine a viabilização do tramento médico de alto
custo ou para que o estado forneça os medicamentos que a parte
não tem acesso na rede de saúde pública22 e não dispõe de meios
financeiros para adquiri-los). O órgão Ministerial detém legitimidade
para pleitear as medidas que envolvam o direito à saúde, atuando
em prol do cidadão, desempenhando seu papel de fiscal da lei e re-
querendo, na esfera administrativa, diretamente perante o Ente Fe-
derativo responsável, o cumprimento de políticas públicas. É a dicção
do artigo 26, I, da Lei 8.625/1993.
 Conforme podemos observar em linhas pretéritas, a saúde,
como direito fundamental-social23-24 que é, insere-se no rol de incumbência
55
22 São disponibilizadas informações sobre as patologias e as clínicas tratadas pelo com-
ponente especializado da assistência farmacêutica desempenhada pela Câmara de Me-
dicamentos de Alto Custo – Juarez Barbosa, Estado de Goiás. Disponível em:
http://www.sgc.goias.gov.br/upload/links/arq_607_ListaAdeApatologiasA-ASite.pdf.
Acesso em: 12 jul. 2013. Igualmente, podemos verificar a lista dos medicamentos dis-
pensados pela Câmara de Medicamentos de Alto Custo – Juarez Barbosa, em Goiás-
BR. Disponível em: http://www.sgc.goias.gov.br/upload/links/arq_402_Listade
MedicamentosSITE.pdf. Acesso em: 12 jul. 2013. 
23 O Supremo Tribunal Federal Brasileiro tem proferido reiteradas decisões manifestando
seu posicionamento quanto ao dever do Poder Público financiar os tratamentos e fornecer
os medicamentos de alto custo para a população, uma vez que se trata de incumbência
do estado zelar pela saúde. Com base no entendimento do STF extraímos, outrossim, o se-
guinte conceito: a saúde “[t]raduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja
integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe
formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a ga-
rantir, aos cidadãos, [...] o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica
e médico-hospitalar [...] – O direito à saúde além de qualificar-se como direito fun-
damental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucio-
nal indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera
institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mos-
trar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que
por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. [...] DISTRIBUIÇÃO
GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial
da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas
carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos funda-
mentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concre-
ção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das
pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a
consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade.Precedentes
do STF”. (STF. 2ª Turma, RE-AgR n.º 271286/RS, j. de 12/09/2000, DJ de 24/11/2000,
Rel. Ministro Celso de Melo) (sem grifos no original). 
24 Fala-se ainda no caráter fundamental-social que foi atribuído à saúde. Nesse sentido, 
e tutela pelo Ministério Público. 
 Com vistas a agilizar a viabilidade dos tratamentos médicos,
bem como a disponibilização de medicamentos para o cidadão que
necessita, o Ministério Público busca por vezes a esfera administra-
tiva e a formulação de convênios com o Poder Público, a fim de ace-
lerar o fornecimento e atendimento da necessidade do cidadão, seja
criança, adulto, portador de necessidades especiais ou idoso (a ser
desempenhada de acordo com a repartição de atribuições entre as
Promotorias de Justiça). Essa prática tem sido bem quista pelo Poder
Judiciário Goiano, que tem decidido de forma firme e reiterada a favor
do poder de requisição extrajudicial, por meio de procedimento ad-
ministrativo presidido pelo Ministério Público em favor do cidadão,
fulcrado no artigo 26, inciso I, da Lei 8.625/199325. 
 Cuida-se do exercício do poder de instauração de procedi-
mentos administrativos em que o poder de requisição está inserido.
56
tem o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás decidido em consonância com o STF sobre
a fundamentalidade que fora atribuída ao direito à saúde e mencionado sobre a legitimi-
dade ad causam do Ministério Público para atuar em nome do cidadão e a possibilidade
das requisições extrajudicias para efetivação do direito à saúde, já que este está afeto ao
Poder Público. Extraímos de um acórdão do referido Tribunal de Justiça o seguinte po-
sicionamento exarado pelo Supremo Tribunal Federal: “Daí por que o Supremo Tribunal
Federal fixou o entendimento de que, ‘o direito à saúde, como está assegurado no artigo
196 da Constituição, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas
no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele’, como se extrai do RE nº
261.268/RS, de Relatoria do eminente Min. Moreira Alves, publicado na data de
05/10/2001”. No que pertine à atribuição de requisição do Ministério Público extraímos:
“De igual modo, também é patente que o representante do Ministério Público, am-
parado pelo inciso I do art. 26 da Lei n 8.625/93, goza de atribuição para requisitar
ao Poder Público, através de procedimento pertinente, o fornecimento de medi-
camentos aos cidadãos que deles necessitem”. (TJGO, 2ª Câmara Cível – Duplo
Grau de Jurisdição n.º 18.016-2/195 (200804093207), Rel. Desembargador Márcio de
Castro Molinari) (sem grifos no original).
25 Infere-se, outrossim, da jurisprudência do TJGO o seguinte entendimento: “É sabido
competir ao Ministério Público a instauração de inquéritos civis e qualquer outro procedi-
mento para proteção de direitos indisponíveis, conforme dispõe o art. 129 da CF/88 e ar-
tigo 26, inciso I da Lei nº 8.625/93. [...] O dispositivo acima não deixa dúvidas de que o
parquet agiu legalmente, pois como constata-se, no exercício de suas funções poderá
instaurar procedimento administrativo, sendo o ofício requisitório parte integrante do
mesmo. Ademais, somente requisitou-se ao Secretário de Saúde que cumprisse o seu
desiderato, portanto, requisitou-se de direito. [...]” (TJGO, 2ª Câmara Cível, Duplo Grau
de Jurisdição n.º 11.645-1/195 (200502783839), Rel. Desembargador Ari Ferreira de
Queiroz, j. 11/04/2006, DJ 14755 de 11/05/2006). E nesse sentido poderíamos expor vá-
rias decisões proferidas por aquele Tribunal de Justiça e o entendimento do Supremo
Tribunal Federal quanto ao direito à saúde. 
A requisição traz em si, segundo próprio Parecer Técnico-Jurídico n.
02/2009 expedido pelo Centro de Apoio Operacional do Cidadão –
CAODC –, uma ideia de ordem, um comando coercitivo, do qual o
requisitado não possui o “poder discricionário a respeito do seu cum-
primento, devendo fazê-lo, sob pena de incorrer em sanções que
podem ser de ordem administrativa, até a ordem penal26, com previ-
são típica, inclusive”27, diferentemente do requerimento e da solicita-
ção que incluem a ideia de pedido. Conforme dito alhures, o artigo
129 da Constituição Federal atribuiu ao Ministério Público o poder de
requisição de informações e documentos aptos a instruir procedimen-
tos administrativos presididos por ele. Em tese, esse mandamento
por si só não legitimaria o Parquet a requisitar ao Poder Público de-
terminando o cumprimento de deveres constitucionalmente conferidos
ao próprio Poder Público, como a tutela do direito à saúde por meio
do fornecimento de medicamentos e viabilização de tratamentos. 
 Contudo, com a edição da Lei n. 8.625/199328, o artigo 26,
inciso I, dispôs dentre as atribuições do Ministério Público a de ins-
taurar procedimentos administrativos e, inclusive, requisitarinforma-
ções, exames periciais e documentos de autoridades federais,
estaduais e municipais, bem como órgãos e entidades da adminis-
tração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Nesse sen-
tido, os Tribunais têm exarado decisões conferindo, além dessas, a
possibilidade de o Ministério Público requisitar o fornecimento de me-
dicamentos e a viabilização de tratamentos de alto custo, inclusive
em benefício do cidadão. Tudo sacramentado pelo caráter funda-
mental que a saúde possui e que já fora demonstrado na visão do
Supremo Tribunal Federal. 
 Entretanto, diz-se que o Ministério Público não detém tal atribui-
ção (essa postura é tomada principalmente pelos entes estatais ao se
57
26 Essa punição “penal” que é referida já foi questionada e exarado o posicionamento de
que o Ministério Público não detém poder sancionatório, por esse motivo não requer que
conste do ofício de requisição a expressão “imposição de sanções legais pelo descum-
primento” , uma vez que somente poderão ser tomadas as medidas cabíveis caso o ente
estatal se omita ou se mantenha inerte à requisição formulada pelo Parquet. 
27 Parecer Técnico-Jurídico n. 02/2009. “Poder de requisição do Ministério Público”. Centro de
Apoio Operacional do Cidadão. Disponível em: http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/
2/docs/poder_de_requisicao_de_medicamento_do_mp_02-2009.pdf. Acesso em: 01 abr. 2013. 
28Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8625.htm. Acesso em: 11 jul. 2013.
manifestarem nas ações protocolizadas em substituição do cidadão pelo
Parquet, ocasião em que alegam a ilegitimidadead causam, a insuficiên-
cia de recursos públicos para o cumprimento das decisões, o pacto fe-
derativo e a observância do princípio da reserva do possível).
 Não obstante as afirmações supramencionadas sustenta-
das pelo Poder Público e pelos opositores à figura do ativismo judi-
cial, entendemos que tanto o Poder Judiciário (por meio das decisões
que determinam ao ente estatal a concretização de políticas públicas
e o atendimento amplo ao direito à saúde assegurado ao cidadão),
quanto o Ministério Público (por meio da instauração de procedimen-
tos administrativos e requisições de fornecimento de medicamentos
que não constam das listas de medicamentos de acesso público e
distribuição gratuita e a viabilização de tratamentos que o cidadão
não tem acesso por meio do Sistema Único de Saúde – SUS) têm o
condão de determinar ao ente estatal, comprovada a necessidade
do medicamento para a garantia da vida do paciente, que o forneça,
restabelecendo a saúde do cidadão e preservando a dignidade da
pessoa humana acima de tudo, porquanto a saúde é um direito so-
cial, um dever do estado e uma garantia inderrogável do indivíduo,
sendo indisponível por se traduzir em pressuposto essencial à qua-
lidade de uma vida digna.
 Nessa esteira, a Administração Pública tem o dever, e não
a faculdade, de fornecer medicamentos indispensáveis ao trata-
mento de doença grave que comprometa a vida do indivíduo. É o
mandamento dos artigos 152 e 153, da Constituição do Estado de
Goiás29.
 Norberto Bobbio já enunciava que o grande problema dos
direitos do homem não é tanto justificá-los, mas sim protegê-los. Re-
fere-se a um problema não filosófico, mas sim político. Nesse pata-
mar insere-se a discussão acerca da possibilidade de determinação
do cumprimento de políticas públicas por meio da atuação judicial e
do papel essencial do Ministério Público nessa luta.
58
29 Disponível em: http://www2.ucg.br/flash/leiscodigos/CEG.pdf. Acesso em: 02 abr. 2013.
CONCLUSÕES
 A partir de todo esboço realizado, gostaríamos de encerrar
manifestando o juízo formado no transcorrer da pesquisa. A atuação
ministerial é legítima e pertinente. Conforme podemos depreender
do texto, há previsão legal que concede a atribuição e a interpretação
extensiva dada e feita em prol da população. Além disso, o Ministério
Público, como instituição do povo que é, está perfeitamente incum-
bido dessa obrigação e de representar e defender aqueles que ne-
cessitam. As requisições administrativas realizadas, por meio da
expedição de ofício, solicitando ao Poder Público que forneçam me-
dicamentos ou viabilizem tratamentos de alto custo, têm se mostrado
bastante eficazes e, a cada dia, beneficiam mais pessoas carentes
acometidas de moléstias incomuns e graves, não abrangidas pelo
atendimento oferecido pelo Sistema Único de Saúde ou não cons-
tantes das listas de medicamentos de alto custo disponibilizadas
pelos governos. Além desse método, a cada dia mais convênios são
firmados entre as Promotorias, Procuradorias e os Municípios, os
Estados e a União, a fim de facilitar os procedimentos e a execução
das medidas pleiteadas sem que haja a necessidade de instauração
de processo judicial. Com isso, poupa-se tempo, o que é significante
para o enfermo que aguarda a decisão que pode sentenciá-lo à
morte, é menos burocrático e mais acessível ao cidadão. Desafoga-
se o Judiciário, atende-se à necessidade do hipossuficiente e ganha-
se nos acordos firmados e na eficácia das medidas contestadas.
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