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Teoria da História Aula 09 Os direitos desta obra foram cedidos à Universidade Nove de Julho Este material é parte integrante da disciplina, oferecida pela UNINOVE. O acesso às atividades, conteúdos multimídia e interativo, encontros virtuais, fóruns de discussão e a comunicação com o professor devem ser feitos diretamente no ambiente virtual de aprendizagem UNINOVE. Uso consciente do papel. Cause boa impressão, imprima menos. Aula 09: O Renascimento e as concepções históricas do humanismo Objetivo: Entender a importância dos pensadores humanistas na retomada de uma compreensão da história humana baseada nos interesses e aspirações dos homens. O contexto do Renascimento Conforme o historiador francês Jean Delumeau (1994), o Renascimento constituiu-se na “promoção do Ocidente numa época em que a civilização da Europa ultrapassou, de modo decisivo, as civilizações que lhe eram paralelas” (DELUMEAU, 1994, p. 20). De fato, o tempo do Renascimento não foi somente resgate artístico ou estético do mundo antigo, particularmente da civilização greco-romana. Tal conceito oculta valores e ações importantíssimas que colocaram a Europa à frente dos outros povos e civilizações, no contexto do surgimento do capitalismo comercial. A Europa encontrava, assim, novos caminhos de organização social e política e, especialmente, uma fonte de enriquecimento jamais conhecida anteriormente. Há que se ressaltar que tal quadro de modernização, chamado por Delumeau de “promoção do Ocidente”, não se deu em todos os recantos da Europa na mesma velocidade e intensidade. Boa parte das regiões da Europa ainda permaneciam, nos séculos XIV, XV e XVI, ruralizadas e voltadas para uma economia de subsistência. O foco dessa promoção será encontrado nas cidades-estados1 italianas, como Gênova, Veneza e Florença. Aliás, esta última cidade se tornou o principal epicentro do capitalismo comercial italiano bem como o núcleo de destaque das reflexões sobre as relações entre a história e a política. O enriquecimento impressionante dos burgueses italianos transformou a realidade política e social das referidas cidades. Tais comerciantes não somente dominaram a cena econômica, mas tornaram-se os mandatários políticos, constituindo famílias tradicionais de governantes, como ocorreu com os Médici em Florença. As cidades foram modernizadas e embelezadas para propiciar espaços de afluência dignos desses governantes. Os artistas foram adotados pelos ricos burgueses, que viam neles, mais do que escultores e pintores, visionários e inventores na busca da inovação técnica que interessava ao capitalismo comercial. Mais importante, porém, era a necessidade de controlar as populações urbanas e de alguma forma responder aos seus anseios de participação política e de atenção social, em pleno contexto da migração intensa de camponeses para as regiões citadinas. A instauração da república em Florença, no início do século XV, já indicava os novos caminhos dessas sociedades estabelecidas nas cidades-estados. O papel do humanismo em suas relações com o capitalismo A filosofia humanística caracterizou-se como uma nova forma de pensar o mundo, a sociedade e a história. Os humanistas, ao contrário do que se pensa popularmente, não eram pensadores ateus ou negadores da religião. Embora houvesse humanistas que desprezavam a religião, em sua maioria eram homens ligados à igreja ou simplesmente pessoas de fé, que justificavam sua visão exaltadora do homem – daí, humanismo – a partir de uma compreensão teológica cristã. Segundo essa teologia, Deus criara o mundo e escolhera o homem como a sua maior obra, tendo-o colocado como coroa da Criação. A razão para essa primazia do homem estaria na imagem e semelhança com a divindade, o que faria do homem uma espécie de pequeno deus. A criatividade humana seria resultante dessa identidade com o Criador. O humanismo era a matriz filosófica de pensadores do século XVI como Erasmo de Rotterdam, Martinho Lutero e João Calvino, todos eles ligados às transformações religiosas que também abalaram o mundo do Renascimento em diferentes lugares da Europa. Mais importante do que tudo: o humanismo deu suporte às ideias do capitalismo e às necessidades da sociedade burguesa que se formava, na medida em que exaltava genericamente o homem, independentemente de sua condição social. O humanismo auxiliou a sociedade burguesa a superar a noção de poder e de riqueza nobiliárquica2, tida por séculos como resultado de determinação divina. Nesse novo contexto, seria possível ao homem alcançar a riqueza material e ascender socialmente, pelo menos enquanto princípio filosófico. Na verdade, o tempo histórico do capitalismo comercial, com seu discurso de reabilitação do homem, promoveu apenas uma classe, justamente a burguesa, negando às demais, na prática, tal privilégio. Maquiavel, Guicciardini e a História Para exemplificar os efeitos do pensamento humanístico nas cidades italianas de poderoso capitalismo comercial, tomemos o exemplo de Florença ao longo do século XVI e do governo dos Médici. Esse contexto de tentativas de equilibrar a sociedade florentina, tensionada pelo poder dos burgueses que a governavam e por uma população urbana cada vez mais exigente, viu surgir humanistas locais que se notabilizaram pela agudez de sua visão histórica. Josep Fontana (1998) aponta as figuras de Nicolau Maquiavel (1469-1527) e de Francesco Guicciardini (1483-1540) como emblemáticas, enquanto participação dos humanistas nos negócios e interesses políticos presentes na cidade de Florença. Sobre o primeiro, afirma: “Maquiavel defendeu uma utilização política da História, como ferramenta imprescindível para uma arte racional de governar. (...) Maquiavel ambicionava uma espécie de corpo doutrinal político, elaborado a partir da História” (FONTANA, 1998, p. 45). O que isso significa? Por evidente, que o político e diplomata florentino, homem experimentado nas negociações com potentados estrangeiros em nome da república de Florença, entendia a importância das relações de poder e sua aplicação na vida de populações que tinham deixado de ser facilmente submetidas. Estudioso da história dos povos, compreendia o passado como uma forma de aplicar lições práticas, e não somente morais, ao presente. Finalmente, entendia Maquiavel que o governante seria um grande beneficiário dessas lições práticas da história. Essa foi uma das razões de ser para sua mais conhecida obra, O Príncipe. Ao governante precavido, nada melhor do que olhar para o passado em busca de inspiração e orientação, para evitar o erro que derruba as monarquias e abala as aristocracias autoconfiantes. No caso de Guicciardini, Fontana (1998) destaca: “Diante de Maquiavel, Guicciardini nega-se a crer nas interpretações globais do passado e na possibilidade de usar-se o conhecimento da sociedade, adquirido através delas, para se predizer o futuro” (FONTANA, 1998, p. 47). Opondo-se portanto à Maquiavel, Guicciardini, também um político experiente a serviço de Florença, não via a história como um lastro político para auxiliar os governantes. No entendimento de Fontana, Guicciardini representaria nesse embate a visão conservadora, de quem não alimentava desejos de mudanças e confia demasiadamente na continuidade do poder pela simples razão de já ser poder. Independentemente da oposição teórica desses dois humanistas em relação à utilização do passado como cartilha de práticapolítica, nota-se em suas posturas a completa sujeição à ideia de que a ação do homem é decisiva – mais do que isso, é de sua alçada exclusiva – na definição dos rumos do presente. Portanto, naquilo que se constituirá em passado e, em consequência, em história. Os humanistas foram combatidos pela Igreja Católica. Foram detestados pelos monarcas absolutistas. Foram, enfim, refutados pelas visões mais conservadoras de sociedade em seu próprio tempo. Traziam, porém, consigo, a semente de uma compreensão histórica laica3 que se opunha, mesmo que não direta ou propositadamente, às ideias de um intervencionismo divino na sociedade dos homens. Conclusão O pensamento dos humanistas do Renascimento faz um contraponto às ideias de uma história determinada de fora para dentro. Não significa que todos os humanistas foram tão importantes para a renovação do pensamento histórico. Muitos deles continuavam encantados com uma história cíclica e com os ensinos morais que trazia ao presente, propiciando assim as condições ideais para a manutenção das oligarquias no poder. É inegável, no entanto, que os humanistas florentinos trouxeram para o debate o problema de uma história relevante para a construção de um presente republicano. Por isso, mais próximo das aspirações populares. Saiba Mais Cidades-estado1: Fenômeno já presente no mundo antigo, caso das cidades gregas Atenas e Esparta, e também de Roma – talvez a mais grandiosa de todas –, caracterizavam-se por serem politicamente independentes e economicamente autossuficientes, caso também das cidades-estados italianas do Renascimento. Nobiliárquica, nobiliárquico2: Tudo aquilo que tem relação com a nobreza ou que concerne a ela. Laica, laico3: Em sentido mais técnico, tudo aquilo que está fora ou se opõe ao âmbito religioso ou eclesiástico. REFERÊNCIAS DELUMEAU, J. A civilização do Renascimento. Lisboa: Estampa, 1994. FONTANA, J. História: análise do passado e projeto social. Bauru: EDUSC, 1998. LAMBERT, P.; SCHOFIELD, P. (org.). História: introdução ao ensino e à prática. Porto Alegre: Penso, 2011.
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