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Katie Arguello (Do Estado social ao Estado penal: invertendo o discurso da ordem)

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Do Estado social ao Estado penal: invertendo o discurso da ordem
(Katie Argüello)
 Liberdade apenas aos mercados!
Com as novas tecnologias empregadas no meio de trabalho, a mão de obra humana tornou-se desnecessária. A utilização de máquinas no meio de produção tornou-se uma fonte de lucro muito mais elevada para os capitalistas, pois produzem em larga escala, e dificilmente causam problemas para as empresas. 
Com essa forma de produção, e acumulação de capital, constata-se uma crise socioeconômica, pois muitos indivíduos encontram-se desempregados, e consequentemente em uma desigualdade visível diante de outras classes sociais, e para buscar sanar essas diferenças procuram na criminalidade o caminho mais fácil para atingir os seus objetivos. 
Destarte, e como assinala Katie, “o Estado deve limitar-se ao papel de coadjuvante no cenário de sua própria desconstituição: eliminar o sistema de proteção social, controlar os gastos públicos, reduzir impostos e taxas, flexibilizar o mercado de trabalho (permitir ao mercado o emprego de um mínimo de trabalhadores, extraindo-lhes o máximo de produtividade”.
Insegurança difusa
Atualmente, as questões dos cidadãos buscam ser solucionadas através do Direito Penal. É falho da sociedade acreditar que é através da criminalidade que se encontra a verdadeira raiz da insegurança. Muitos políticos, tanto da esquerda, quanto da direita, empregam em seus discursos a construção de mais prisões, o aumento do número de policiais nas ruas, e leis mais rigorosas, eliminando assim o aumento do crime, e proporcionando mais tranquilidade para os cidadãos de bem.
Essas elites políticas estão cientes de que não é possível prometer uma existência estável para os seus cidadãos, mas buscam através dos seus discursos convencerem as pessoas de que é possível tentar sanar boa parte da criminalidade, e claro, render muitos votos com essas promessas.
Hipertrofia do Estado penal
Como já citado, a fim de conter o aumento da criminalidade causado pela exclusão social, pelo desemprego, pela imposição do trabalho precário, e pela retração da proteção social do Estado, busca-se cada vez mais um discurso político acerca da proteção dos cidadãos de bem, afastando assim as classes potencialmente perigosas.
Muitos políticos, na Europa e na América Latina, se prontificaram à importação de técnicas agressivas de segurança, como as dos Estados Unidos, entre elas, a tolerância zero. Na América Latina, muitos candidatos defendem que para a solução dos problemas atuais da sociedade seria a volta do suplício, muito citado no livro Vigiar e punir, do Michael Foucault. 
Com o enfraquecimento do Estado social, e da desregulamentação da economia, há um aumento considerável das desigualdades, e consequentemente da criminalidade. Os cidadãos de bem acreditam que a solução seria o fortalecimento do Estado penal.
O baixo índice de desemprego americano dos anos 90 comparado ao dos países europeus é, em parte, um resultado do elevado índice de encarceramento nesse período. Em 1995 quase 5% da população adulta se encontravam sob tutela penal (ARGUELLO, 2013, p. 07)
Esse discurso de que o fortalecimento do Estado penal seria a solução acabam prejudicando as classes ditas inferiores. A maioria desses integrantes não tem condições financeiras de estudar, e atualmente o que se exige no mercado de trabalho é exatamente a qualificação, sendo assim, acabam sendo prejudicados, pois sem estudos não há oportunidade de emprego. Seria necessário o investimento em políticas públicas, pois mesmo que não eliminasse totalmente as taxas de crime, com certeza solucionaria em boa parte.
Enfoque criminológico-crítico
A criminologia positivista tradicional preconiza que determinados indivíduos são propensos a praticar delitos, seja pelas suas características físicas, como assevera Cesare Lombroso, e até mesmo pelos fatores socioambientais.
É visível que o sistema penal se baseia no caráter seletivo, pois é atribuído o status de criminoso aos indivíduos concentrados nos setores mais vulneráveis da sociedade, ou seja, a classe baixa.
A criminalidade deve ser reconhecida como um “bem negativo” (Sack), desigualmente distribuído na sociedade, segundo uma hierarquia de interesses estabelecidos pelo sistema socioeconômico e a desigualdade social (ARGUELLO, 2013, p. 11).
Assim, as classes subalternas acabam encobrindo as ilegalidades praticadas pelas classes dominantes. As sanções penais prejudicam os indivíduos mais pobres, pois dificilmente conseguem voltar para a sociedade sem ser ainda mais criticado, além de ter mais dificuldade para conseguir um trabalho, pelo menos digno. 
Finalidades subjacentes ao cárcere
Na sociedade capitalista, segundo Rusche e Kirchheimer, o sistema penitenciário depende, sobretudo, do desenvolvimento do mercado de trabalho: a abundância da força de trabalho está relacionada à desvalorização da vida humana para o sistema punitivo, o qual se utiliza fartamente da pena de morte e das mutilações dos corpos de suas vítimas (como na Baixa Idade Média). Em momentos de escassez da força de trabalho, no entanto, os métodos punitivos se transformam, em face da necessidade de explorá-la por meio da pena de prisão (como no período do mercantilismo do século XVII) (ARGUELLO, 2013, p. 13).
Vigiar e punir, do Michael Foucault, foi um marco fundamental para o avanço da criminologia crítica, pois investiga o sistema de pensamento subjacente à idéia de que a prisão seja considerada, desde o fim do século XVIII, o mais racional, e eficaz meio para punir as ilegalidades em uma sociedade. Assim, os mecanismos que possibilitaram o sucesso do aparelho disciplinar, segundo Foucault, foram à vigilância hierárquica, a sanção normalizadora, e o exame. 
Como já citado, o indivíduo que vai para a prisão dificilmente volta para a sociedade, pois o encarceramento aumenta as taxas de criminalidade em vez de reduzi-la, provocando assim a delinquência, e à reincidência. Dessa forma, transforma o infrator ocasional em delinquente habitual.
As teses de Rusche e Kirchheimer (aspecto econômico-político) e de Foucault (aspecto disciplinar e ideológico-político) são conclusivas para compreender que a rejeição/exclusão praticada por meio do sistema penal é parte integrante da produção social do crime (...) Como assinala Cirino dos Santos, é possível verificar a centralidade da prisão e da fábrica e sua relação de dependência recíproca nas sociedades capitalistas, pois a prisão tem por objetivo “transformar o sujeito real (condenado) em sujeito ideal (trabalhador), adaptado à disciplina do trabalho na fábrica, principal instituição da estrutura social”. (ARGUELLO, 2013, p. 17). 
Atualmente, na sociedade capitalista, empregar os métodos da Baixa Idade Média na qual os condenados eram mortos, e até mesmo mutilados, não seria a opção mais viável, principalmente nas prisões privadas, pois os condenados são utilizados como meio de trabalho escravo, sendo assim, trabalham longas jornadas, recebem muito pouco, e diminuem o tempo de pena. No entanto, quando voltam para a sociedade dificilmente irão conseguir emprego de forma rápida, e fácil. Apesar de terem uma renda guardada com os trabalhos dentro das prisões, com o intuito de se restabelecer, ele não é o suficiente, dessa forma, não conseguiriam se sustentar sem praticar delitos. 
Como assevera Cirino dos Santos, “a prisão funciona não apenas como aparelho disciplinar, mas também como aparelho jurídico econômico, que cobra a dívida do crime em tempo de liberdade suprimida”.
Fábricas de exclusão
Como citado no item anterior, às instituições carcerárias (prisões, colônias penitenciárias, etc.) tornou-se uma alternativa para a população inassimilável ao mercado de trabalho.
Essa força de trabalho dentro das prisões serve como uma forma de extrair elevadas taxas de mais-valia, principalmente nos países ricos, pois podem trazer as multinacionais a comodidade de explorar a mão-de-obra escrava legalmente
O sistema de full-scale management das prisões americanase inglesas, associado à degeneração do Estado social em Estado penal e à criminalização da pobreza, segundo Cirino dos Santos, não apenas confirma a relação do binômio cárcere/fábrica de Melossi e Pavarini, como evidencia sua evolução para a “simbiose fábrica/cárcere” (ARGUELLO, 2013, p. 19).
As prisões ainda continuam sendo o foco das elites políticas, que buscam em seus discursos convencer as pessoas de que elas necessitam de segurança dentro da sociedade, e para isso o Direito Penal deve ser rígido, ou seja, atuar como prima ratio.
Para os países pobres, a força de trabalho escravo dentro das prisões é considerado um privilégio, diante do contingente de desempregados que estão na sociedade.
As fábricas fora das prisões são excludentes, visto que a maioria da mão de obra é realizada através de máquinas, abrindo assim espaço para muitos desempregos. A classe considerada baixa dificilmente terá uma qualificação mais elevada diante da classe alta, ou média, dessa forma, não irá ter tanto espaço de trabalho, pelo menos não de forma digna.
Da política penal à política de defesa dos direitos fundamentais
O sistema penal é muito seletivo, sendo assim, quem é mais atingido por ele é a classe baixa.
A mídia, na maioria das vezes, distorce a realidade mostrando que a criminalidade em determinados lugares é muito elevado, o que não condiz com a realidade. Discursos a respeito do apoio à pena de morte, seja ele político, ou não, acaba influenciando muitas pessoas, principalmente as que não convivem no meio Judiciário. 
É necessário investir em políticas públicas, e principalmente respeitar os direitos fundamentais dos condenados, pois ao invés de ressocializar esses indivíduos, mostram que é mais simples praticar delitos do que viver em sociedade como cidadãos de bem.
O Direito Penal não deve intervir como prima ratio, mas sim de maneira mínima, respeitando as garantias constitucionais de cada indivíduo. Ser muito rígido não diminui a criminalidade, visto que as maiores causas desses delitos é o desemprego. 
Considerações finais 
O Sistema Penal apesar de contar com diversas ideologias e suas formas de aplicação na teoria, na prática continua sendo discriminatório e estigmatizante diante das classes sociais mais inferiores, assim as pessoas pobres são comparadas a figura do criminoso, inclusive muitos deles pensam da mesma forma. 
Segundo Vera Regina Pereira de Andrade, “estas representações estão enraizadas nas agências do sistema penal e no senso comum da sociedade formando um verdadeiro preconceito de criminalidade.”
Diante do que foi exposto no presente trabalho, é necessário investir em políticas públicas, e aumentar a oportunidade de emprego, visto que, umas das principais causas da criminalidade é o desemprego. 
Acreditar que aumentar as prisões, e até mesmo que todos os problemas devem ser resolvidos pelo Direito Penal é falho, pois ele deve intervir minimamente, e o aumento da população carcerária trataria superficialmente a criminalidade, pois ao invés de ressocializar o condenado, irá causar ainda mais revolta, e quando retornar para a sociedade praticará novos delitos. 
A questão não é eliminar o sistema penitenciário, mas como já citado, investir em políticas públicas, principalmente na educação, oferecendo oportunidades a todas as pessoas, seja da classe baixa, média, ou alta. 
Destarte, o Direito Penal deve ser encarado como ultima ratio, a solução não é afastá-lo, mas sim aplicá-lo de forma que se aproxime dos ditames da Constituição Federal. É preciso modificar todo o ordenamento da sociedade com o intuito de acabar ou minimizar as desigualdades sociais, afim de que possa ser mais igualitária, visto que quanto maior a efetivação de bem estar social, oportunidades iguais e justiça social, menor é a presença do Estado Penal na vida dos cidadãos.

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