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Do descobrimento à independência

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HISTÓRIA DA MODA NO BRASIL
DO DESCOBRIMENTO À INDEPENDÊNCIA
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Cândido Portinari, Descobrimento do Brasil, 1956.
Quando os portugueses chegaram aqui encontraram uma variedade imensa de povos indígenas, com mais de 170 línguas, com estimativa de 8,5 milhões de pessoas.
Os índios formavam um grande número de nações, algumas com as dimensões e a população dos países europeus da época, e de costumes, língua e hábitos tão variados como estes países.
Só no fim do século XX, quando restavam cerca de 300 mil índios sobreviventes esta diversidade começou a ser estudada. (CALDEIRA, 1997, p.09)
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A carta que o escrivão Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei D. Manuel durante a primeira semana após o descobrimento é considerada o primeiro documento da história do Brasil.
Sobre os índios, Caminha escreveu:
"Andam nus sem nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma cousa de cobrir nem mostrar suas vergonhas e estão acerca disso com tanta inocência como têm de mostrar no rosto. (...)Eles porém contudo andam muito bem curados e muito limpos e naquilo me parece ainda mais que são como as aves ou alimárias monteses que lhes faz o ar melhor pena e melhor cabelo que as mansas, porque os corpos seus são tão limpos e tão gordos e tão fremosos que não pode mais ser." Referindo-se também à nudez das índias: "(...) Ali andavam entre eles três ou quatro moças bem novinhas e gentis, com cabelo mui pretos e compridos pelas costas e suas vergonhas tão altas e tão saradinhas e tão limpas das cabeleiras que de as nós muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha."
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Pintura Corporal
Embora os portugueses dissessem que os índios andavam nus, nada mais estranho para estes que tal ideia. Não sentiam necessidade de cobrir o corpo, mas as pinturas corporais funcionavam como um código social: cada uma delas indicava uma situação específica (guerra, nascimento de filhos, ritos, luto, etc.). Para os que conheciam o código, a pintura informava mais sobre seu estado e condição que as roupas europeias. 
Índios apiacás com suas pinturas corporais, aquarela do séc. XIX.
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Padrões representavam a espinha de peixe, a casca do jabuti, os rastros da cobra, do veado e da onça eram comuns a muitas tribos. (CALDEIRA, 1997, p.11)
Grafismos das aldeias Karajá. localizadas nos estados de Tocantins e Mato Grosso, no Brasil Central.
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SÉCULO XVI
O Brasil começou sua história sob o signo no vermelho, cor de grande importância no Renascimento europeu.
Os colonizadores portugueses em suas primeiras expedições perceberam justamente a existência de uma árvore – na linguagem dos nativos ibirapitanga ou pau-vermelho – que propiciava resultados muito semelhante ao tingimento com gerança ou ruiva-dos-tintureiros-da-india, planta originária do Oriente que já era conhecida na Europa graças às suas propriedades corantes em vermelho intenso e brilhante. 
De fato, por aqui o vermelho das tinturas e das tangas era produzido com o corante obtido da árvore nativa, a qual recebeu o nome adotado na Europa de brésil, a cor de brasa. Tempos depois a árvore foi batizada de pau-brasil (...) A exploração sistemática das potencialidades dessa árvore se mostrou um empreendimento econômico que justificava a ocupação humana do território e a criação de uma estrutura administrativa local (...) (CHATAIGNIER, 2010, p.19-20) 
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Árvore pau-brasil, detalhe do tronco.
Candido Portinari, Pau-brasil, 1938.
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(Com a colonização) um novo perfil começava a ser desenhado; valores antes desprezados transformavam-se em necessidades quase imediatas: uma delas era a questão do vestuário e sua manutenção para os colonos e degradados que aqui chegavam. 
Havia também a possibilidade de os colonos aqui radicados venderem para os membros do governo português estabelecidos no Brasil os ricos e preciosos tecidos – a grande maioria oriunda do Oriente – pilhados ou adquiridos por eles como intermediários de piratas e corsários. Comércio ilegal, visando grandes lucros, de mercadoria de grande valor, como sedas, rendas, tapeçarias e adornos. (CHATAIGNIER, 2010, p.22-23) 
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Nesta época é quase nula a presença de mulheres portuguesas no país recém-descoberto. As primeiras portuguesas aqui chegadas erram órfãs oriundas de orfanatos de Portugal. Na segunda década dos quinhentos, aportaram prostitutas com o objetivo de procriar com os homens que aqui se estabeleciam. 
Faltam bases científicas para estabelecer com precisão um padrão de vestuário adotado no Brasil desse período. 
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Masculino
As principais características do vestuário português no século XVI tinham influência da Espanha.
O gibão com basques curtas e mangas amplas acolchoadas.
Calções curtos e volumosos. 
Rufos sobre a gola do gibão e rendas nos punhos.
Beca sem mangas por cima do gibão. Capas que iam até os joelhos. 
Meias e sapato baixos de bico largo.
Bigodes e cavanhaques. 
D. Manuel I
D. Sebastião I.
...Entretanto podemos conceber os trajes dos colonizadores da seguinte maneira:
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Feminino
As roupas femininas eram confeccionadas com suas partes separadas – uma espécie de saia e blusa -, sem decotes frontais, acrescidas de caudas curtas.
Com vestes íntimas mais encorpadas. O corpete fazia parte da indumentária interna feminina, este tinha enchimentos que dissimulavam os seios, a cintura era bem marcada.
Rufos arrematavam os degolos dos vestidos. 
Na cabeça toucas finas e rendadas ou pequenos chapéus. 
Sapatos com bico entre quadrado e arredondado.
Isabel de Valois
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A Muralha foi uma minissérie exibida pela Rede Globo em 2000, em comemoração aos 500 anos. É baseada no romance homónimo de Dinah Silveira de Queiróz, a trama aborda o desbravamento europeu do território brasileiro por volta de 1600. Escrita por Maria Adelaide Amaral, João Emanuel Carneiro e Vincent Villari, direção de Denise Saraceni. Com Alessandra Negrini, Leandra Leal, Mauro Mendonça, Leonardo Brício, Maria Luísa Mendonça, Maria Maia, Vera Holtz. Figurinos de Emília Duncan.
 
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SÉCULO XVII
Durante o século XVII, o Brasil foi invadido por frotas estrangeiras, em busca de um eldorado de riquezas. A Holanda, uma grande potência marítima e comercial tinha interesses coloniais. 
Uma vez que o pau-brasil esgotava suas potencialidades, os portugueses investem na monocultura de cana-de-açúcar. 
O colonizador precisava de um novo tipo de mão-de-obra, os índios não se sujeitaram a escravidão por questões culturais. A solução encontrada foi a importação, em larga escala da mão de obra africana, em regime de escravidão. O negro tinha capacidade mais desenvolvida para o trabalho em lavoura uma vez que em sua terra de origem participavam ativamente das atividades rurais. 
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A veste dos escravos
As vestes coloridas e cheias de referências culturais ficaram do outro lado do Atlântico. Os negros escravizados chegaram no Brasil praticamente nus e expostos a doenças e fome em razão dos maus-tratos dos traficantes que os empilhavam como animais em porões dos navios negreiros. 
Observa-se que as indumentárias utilizadas pelos escravos no Brasil, bem como as que vestiam em suas terras natais eram feitas de algodão. 
Trapos de tamanhos variados formando faixas enroladas entre a cintura e a parte superior das pernas, como se fosse um saiote ajustado (...) O protótipo da tanga (...) algo que escondiam as partes íntimas. (CHATAIGNIER, 2010, p.36)
Mulheres reais 06
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Na virada do século XVII para o XVIII, surgiu uma calça curta parecida com as bermudas atuais, usada pelos homens de todos os níveis socioeconômicos. Até mesmo os escravos vestiam-na em versões rústicas (...) poderiam ser combinadas com camisetas de malha que também eram conhecidas pelos negros como abadá. Mas, na verdade, os escravos trabalhavam com o dorso nu. 
Johann Moritz Rugendas: Negro e Negra N'uma Fazenda, século XIX.
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Os trajes usados pelas negras ou crioulas mostravam características dos dois continentes.
De um modo geral, elas usavam o corpete, não tão ajustado como o utilizado pelas mulheres brancas ou mesmo afrouxando para permitir melhor locomoção e trabalho. Sobre ele, vestiam uma blusinha curta, ambos recobertos por xales e lenços grandes, lisos ou listrados. Saias compridas franzidas ou com pequenas pregas. (CHATAIGNIER, 2010, p.38)
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Johann Moritz Rugendas, roda de capoeira, século XIX.
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A rainha de Portugal Maria Francisca Isabel de Sabóia – princesa francesa que casou com o rei de Portugal D. Afonso VI – levou à corte portuguesa a moda da França. 
No Brasil, a moda de Paris chegou indiretamente. 
Não havia busca de bom gosto no vestir da maioria da população (...) a elite oriunda de Portugal – a minoria da população – começava, no entanto, a se vestir nesse período de maneira mais elegante e luxuosa. 
Mesmo diante de leis alfandegarias restritivas, havia sempre possibilidade de chegar ao Brasil, por meio de contrabando, cargas de modelos recém-lançados em Paris, além de assessórios e arsenais de beleza e perfumes. (CHATAIGNIER, 2010, p.43-45)
Rainha Maria Francisca Isabel de Sabóia. 
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Século XVIII
O século do Rococó, reafirma os valores franceses na moda iniciados na corte de Luís XIV e que encontra ressonância nos reinados seguintes, até a jovem rainha Maria Antonieta, a sofisticação e o luxo imperam, a etiqueta torna-se regra de civilidade e a distinção é a palavra de ordem. 
A ópera influencia o vestuário francês com carga teatral muito distante da realidade portuguesa.
D. João V
Brincos portugueses, designados como Custódias por existir uma peça na parte central que sugere o ostensório, usado no culto da Igreja Católica. São também chamadas relicários “relicairos”, e “brasileiras”. 
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Rainha D. Maria I, reinado de 1777 a 1816, e o rei consorte D. Pedro III.
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O ciclo do ouro, refere-se à descoberta de lavras e jazidas de ouro na região onde hoje se localiza o Estado de Minas Gerais, especialmente no Arraial do Tijuco, nome antigo de diamantina. Lá reinou Chica da Silva, mulata muito alta e corpulenta, sedutora e com a cabeça raspada sobre a qual colocava uma cabeleira (como se dizia em tempos idos, a peruca). Casada com o feitor português João Fernandes, seus vestidos eram finos e ricos, encomendados na Europa, e suas joias de ouro, além de diamantes com altos quilates, conforme falava o povo, “acendiam nas noites escuras”. (CHATAIGNIER, 2010, p.56-57)
Chica da Silva em dois momentos, representada pela atriz Zezé Mota (1976) e por Tais Araújo (1996).
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Igreja de São Francisco de Assis, 
Ouro Preto.
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Devido a exploração do ouro, a imigração portuguesa aumentou, muitos desses portugueses eram ricos, conhecedores dos hábitos europeus mais apurados e com informação de moda.
Entretanto, a moda que aqui chegava era chamada de terceira mão: inspirada em Paris, confeccionada em Portugal e trazida para o Brasil.
E os modelos usados pelas damas eram copiados pelas brasileiras sem muito cuidado e com algumas diferenças, como o costume de imitar babados, rendas e fitas.
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	“ A mulher mais bem arrumada que pude ver por aqui portava uma saia de chita, uma florida e folgada de musselina, com profundos folhos e com uma gola do mesmo tecido pregada por cima. O espartilho ou corpete não fazia parte do traje, mas somente uma faixa de veludo vermelho enrolada diversas vezes na cintura. O seu cabelo estava para trás, fixado com vários pentes: havia brincos nas orelhas e uma espécie de garça, ou melhor, uma massa de ouro maciço, cravejada de diamantes, ornando a sua cabeça; no pescoço, trazia várias correntes finas de ouro e, nos pulsos, uns braceletes de grande espessura, do mesmo material – em cada um deles havia ouro suficiente para dois. Um par de chinelos do mesmo tecido da faixa completava a vestimenta”. 
	Relato da inglesa Jemima Kindersley (1741-1809), na qual descreve os trajes de uma mulher em Salvador, Bahia, no século XVIII.
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A Europa do século XVIII testemunhou avanços no desenvolvimento têxtil, culminando na primeira Revolução Industrial. A evolução das manufaturas no Brasil foi prejudicada em 1785 quando a rainha D. Maria I ordenou o fechamento das fábricas e teares brasileiros. Em terra brasileira só era permitido fabricar tecidos grossos para roupas de escravos. 
Dessa forma, os tecidos utilizados no Brasil eram importados ou contrabandeados. 
Por aqui, dois tecidos eram populares, a chita e a xila, um xadrez semelhante ao vichy. 
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Século XIX
Com a ameaça de perder Portugal para Napoleão, D. João decide transferir toda a corte para o Brasil em 1808. Uma das suas primeiras decisões em solo brasileiro é abrir os portos para países amigos, o que aumenta o comércio internacional, anteriormente restrito à Portugal. O rei muda o Brasil da categoria de colônia para reino unido, e implementa uma série de projetos culturais, artísticos, científicos e comerciais. 
Candido Portinari, 
A Chegada de Dom João VI à Bahia, 1952.
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Carlota (Joaquina), as filhas princesas e outras damas da corte tinham desembarcado com as cabeças raspadas ou cabelos curtos, protegidos por turbantes, devido à infestação de piolhos que havia assolado os navios durante a viagem. Tobias Monteiro conta que, ao ver as princesas assim cobertas, as mulheres do Rio de Janeiro tiveram uma reação surpreendente. Acharam que aquela seria a última moda na Europa. Dentro de pouco tempo, quase todas elas passaram a cortar os cabelos e a usar turbantes para imitar as nobres portuguesas. (GOMES, 2007, p.145)
Cena do filme Carlota Joaquina, Princesa do brasil, 1997.
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E que moda pisou na terra firme da cidade no século XIX? O modelo dominante era o usado em Paris, em sua grande maioria constituída, nessa época, por vestidos na linha império (...) essa foi a primeira manifestação legítima de moda no Brasil, logo copiada e usada pelas mulheres brancas de todas as faixas etárias. Não tardou muito para as escravas alforriadas ou aquelas que recebiam roupas das amas também vestissem o traje do momento. (CHATAIGNIER, 2010, p.77)
Jean-Baptiste Debret. Damas da Corte.
Mulheres reais 03
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D. João VI determina então o incentivo de profissionais com capacidade de inventar e manusear máquinas especialmente destinadas às manufaturas de algodão, lã e seda, para recuperar o tempo perdido. 
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Os desenhos do pintor austríaco Thomas Ender, que em 1817 chegou ao Brasil com a princesa Leopoldina, mostram os homens e mulheres paulistas usando chapéus de feltro, de cor cinza e abas largas, presas a copa por cordéis. O casaco e as calças eram de algodão escuro. Botas folgadas de couro cru, tingidas de preto, ficavam seguras abaixo do joelho por correia e fivela (...) Nas viagens pelo interior a cavalo ou em comboios de mulas, protegiam-se do frio e da chuva usando um poncho azul, comprido e amplo, com abertura por onde enfiavam a cabeça. (GOMES, 2007, p. 128)
Thomas Ender
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(Na segunda metade do século XIX) fez-se necessária a presença de profissionais de várias especialidades, em particular aqueles que poderiam oferecer certo conforto e até mesmo luxo. Nossas marquesas, condessas, duquesas e elite econômica, necessitavam dos serviços e produtos luxuosos desse novo mercado emergente. (CHATAIGNIER, 2010, p.78-79)
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CALDEIRA, Jorge, e outros. Viagem pela História do Brasil. São Paulo: Editora Schwarcz, 1997.
CHATAIGNIER, Gilda. História da Moda no Brasil. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010.
GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.
Prof. Flávio Bragança

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