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Resenha: A terra dos meninos pelados, Graciliano Ramos

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Universidade Federal de Uberlândia 
 Instituto de Letras e Lingüística 
 
Carolina Salvino Corrêa 
Resenha do livro: A terra dos meninos pelados, de Graciliano Ramos 
 
A Terra dos meninos pelados é uma obra de literatura infanto-juvenil, publicada por 
Graciliano Ramos em 1937, ano em que o autor acabara de ser liberto da prisão em Ilha 
Grande, no Rio de Janeiro. O livro recebeu o Prêmio de Literatura Infantil, concedido 
pelo Ministério da Educação, no mesmo ano de sua publicação. 
A personagem protagonista do livro, Raimundo – Dr. Raimundo Pelado, como era 
chamado pelos vizinhos – era um menino diferente dos outros meninos. Seus olhos 
eram um preto e outro azul e em sua cabeça não havia nenhum cabelo, ou seja, 
Raimundo era heterocromo e era careca. A aparência da personagem causa certo choque 
de início por possuir características visuais não comuns entre crianças de sua idade. A 
partir daí, podemos observar que Raimundo não é um menino qualquer, é diferente. 
Mas será que “ser diferente” é uma coisa ruim? Até que ponto somos iguais e 
diferentes? 
A real história se inicia quando Raimundo, após fazer vários desenhos na rua, volta para 
sua casa e passa pelo seu quintal. A partir desse momento, o mundo palpável se 
distancia da personagem e ele entra no mundo imaginário, desenvolvido pelos seus 
desenhos. Raimundo, de seu quintal, chegara à cidade de Tatipirun e ali foi se 
adentrando. Nesta cidade, todos tinham características semelhantes às de Raimundo. 
Logo na entrada, ele depara-se com um carro que, segundo ele, era bem esquisito. 
Possuía dois olhos grandes, um azul e outro preto, ao invés dos faróis. O automóvel 
conversou com a personagem e logo continuaram a passear mais pela cidade descoberta. 
Nesse primeiro acontecimento da cidade de Tatipirun, pode-se observar que a 
personagem cria, em seu imaginário, coisas animadas e inanimadas com características 
visuais iguais as suas, com mais foco na cor de seus olhos, pois, para ele, as cores de 
seus olhos é algo normal. O ponto em questão aqui é: como se dá o imaginário da 
criança a partir de suas noções de igualdade e diferença. Acredito que esta obra traz 
muitas reflexões a partir do ponto de vista da personagem principal. 
Raimundo continua andando pela cidade, encontrando com outras diversas personagens 
e vivendo situações que nos fazem refletir, como por exemplo, em: 
“- Faz favor. 
- Não se incomode, agradeceu o pequeno. A senhora é muito educada. 
- Tudo aqui é assim, respondeu a laranjeira. 
- Está se vendo. A propósito, por que é que a senhora não tem espinhos? 
- Em Tatipirun ninguém usa espinhos, bradou a laranjeira ofendida. Como se 
faz semelhante pergunta a uma planta decente? 
- É que sou de fora, gemeu Raimundo envergonhado. 
Nunca andei por estas bandas. A senhora me desculpe. Na minha terra os 
indivíduos de sua família têm espinhos.” (RAMOS, Graciliano. p.3) 
O que se vê aqui é que, mesmo Raimundo tendo em seu subconsciente uma noção de 
igualdade avançada em relação a de seus vizinhos, ainda é corrompido pelas ideias do 
senso comum em seu consciente. Ao alegar à laranjeira que veio de fora e que 
desconhece estas bandas, a personagem mostra sua capacidade de ver a opinião do 
coletivo causar certo conflito – de forma positiva, claro – com sua própria opinião. A 
construção do imaginário é histórica, cultural e também ideológica. 
Segundo Vygotsky (1991), quando a criança reproduz o comportamento social de um 
adulto em seus jogos está fazendo uma combinação do real com sua ação fantasiosa, 
isto porque a criança tem como necessidade a reprodução do cotidiano do adulto, o qual 
ainda não pode fazer como gostaria, busca em seu faz de conta obter conhecimentos 
antecipados do mundo ao seu redor. De acordo com a definição deste estudioso, a 
personagem reproduz um cotidiano extremamente fantasioso ao qual gostaria de viver 
em suas relações interpessoais. 
O imaginário das crianças as leva para movimentos de mudanças e descobertas, 
instigando-as a criticarem e argumentarem. Nos capítulos quatro e cinco do livro, 
Raimundo encontra-se com muitos meninos que vestem túnicas coloridas e possuem os 
mais diferentes aspectos visuais, porém todos eram carecas com olhos um azul, outro 
preto. De início, ficou receoso para se enturmar, então sentou em uma pedra ali perto. 
Um dos meninos veio puxar assunto, perguntando de onde vem Raimundo. Ele 
responde que vem de uma terra de gente feia e cabeluda, com olhos de uma cor só. 
Nesta frase fica claro que a personagem não tem problemas com sua imagem, ele gosta 
de sua aparência e não lhe incomoda o fato de não ser igual aos outros meninos de sua 
idade. Tanto que, em sua opinião, o que realmente é feio não são sua careca e seus olhos 
coloridos e sim aquele monte de cabelo e aqueles olhos da mesma cor das outras 
pessoas. 
Aceitar a si mesmo e sentir-se confortável com sua aparência em meio a tantos padrões 
impostos pela sociedade não me parece uma tarefa fácil para ninguém e ainda mais para 
uma criança. Vejo que a obra também nos permite repensar nossas próprias 
características – e as mais pessoais/individuais – em relação a um padrão de beleza 
imposto, aprendendo a valorizá-las e as fazendo procurar por essas características nas 
outras pessoas, como forma de identificação. 
Voltando à história, após encontrarem com a princesa Caralâmpia e viverem mais 
aventuras naquela terra imaginária, Raimundo decide que precisa voltar para sua cidade. 
A partir daí, o livro caminha para o final. Todos da terra de Tatipirun lamentam sua 
volta, insistindo para que Raimundo fique. 
“- Volte para viver conosco, pediu Caralâmpia. 
- É, pode ser. Se acertar o caminho, eu volto. E trago meu gato para vocês 
verem. Não deixe de ser princesa não, Caralâmpia. Você fica bonita vestida de 
princesa. Quando eu estiver na minha terra, hei de me lembrar da princesa 
Caralâmpia, que tem um broche de vaga-lume e pulseiras de cobras-de-coral. E 
direi aos outros meninos que em Tatipirun as cobras não mordem e servem para 
enfeitar os braços das princesas. Vão pensar que é mentira, zombarão dos meus 
olhos e da minha cabeça pelada. Eu então ensinarei a todos o caminho de 
Tatipirun, direi que aqui as ladeiras se abaixam e os rios se fecham para a gente 
passar.” (RAMOS, Graciliano. p. 21) 
Raimundo, ao prever a reação de seus vizinhos quando for falar de sua fantástica 
aventura, afirma que mesmo assim ensinará a eles o caminho de Tatipirun. Pode-se 
interpretar a frase “ensinar o caminho de Tatipirun” como uma metáfora, que significa 
ensinar a enxergar com outros olhos, desembaçando um pouco esses mesmos olhos que 
apenas enxergam a imagem da superfície – remetendo à opinião do senso comum. É 
como se Raimundo fosse ensiná-los a refletir, repensar suas atitudes e fazê-los entender 
o porquê dos julgamentos. Dessa forma, vemos que a personagem tem abertura e 
segurança para expor sua opinião e tentar passar um valor moral aos outros, que já se 
encontram com os mesmos fossilizados e cheios de preconceitos. 
O livro não possui uma leitura muito fácil, muitas palavras não são acessíveis ou que 
pertencem ao vocabulário de uma criança. Acredito que, mesmo sendo um livro de 
literatura infanto-juvenil, Graciliano Ramos o tenha escrito, talvez, com intenções bem 
mais além que simplesmente contar uma historinha sobre igualdade e diferença para 
crianças. Uma das leituras mais famosas dessa obra diz que se pode afirmar que o olho 
esquerdo diferente de Raimundo indica a tendência comunista do autor que dá ênfase na 
diferença entre pessoas. Talvez o público alvo de Graciliano não seja apenas as 
crianças, mas, também, o governo. 
 
Referências bibliográficasCINTRA, Sandra R. R. A construção do imaginário infantil. In: 
http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=2027 
MELLO, Itiane E. O imaginário do cotidiano escolar. In: 
file:///C:/Users/User/Downloads/apoio%202.pdf 
RAMOS, Graciliano. A terra dos meninos pelados. In: 
http://colegiosuperstar.com.br/v2/paradidaticos/Novela.pdf 
VYGOTSKI, L. S. A formação social da mente. Livraria Martins Fontes Editora Ltda. 
São Paulo - SP 1991. 4ª edição brasileira.

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