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A metáfora da casa humana e a dimensão lúdica

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A DIMENSÃO “LÚDICA” E A METÁFORA DA “CASA HUMANA”
Edward Neves M. B. Guimarães
A grandeza, a delicadeza e as maravilhas da criação revelam a face amorosa do “Deus da Vida”. Este cria por amor, com amor e para o amor. Deus não é captado, nas ricas tradições de sabedoria, como uma “pura emanação de energia” ou um “Ser absoluto” inacessível, indiferente e distante da vida. A pessoa de fé, quando contempla admirada a beleza da criação, experimenta uma presença amorosa que em tudo se anuncia. 
Os olhos da fé percebem, por trás de todas as criaturas, a transcendência do “sorriso” de Deus. Então, degusta, na fé, a gratuidade terna do “Deus Emanuel” ou, nas palavras de Juvenal Arduini, experimenta “a presença amorosa impulsionadora do Deus estradeiro conosco”. Saboreia, dentro de si, o chamado divino para acolher o dom de ser co-criadora: cuidar, defender e promover a dignidade da vida. Alegrar-se com os companheiros de caminho. Acolher as possibilidades oferecidas pela generosidade da vida. E, sobretudo, participar da comunhão amorosa com Deus.
A pessoa de fé quando contempla a vida humana experimenta a delicadeza e a sabedoria do próprio Criador. Se pudéssemos comparar a vida humana com uma construção, diríamos que cada “morada humana” é como uma casa de dois andares. 
O PRIMEIRO ANDAR E SUAS INSTIGANTES JANELAS
O primeiro andar da casa é a nossa dimensão biológica. Nele há cinco belas “janelas” profundamente lúdicas. Cada uma delas tem o poder de nos fazer experimentar o prazer de viver. São as janelas dos nossos “sentidos”. 
A primeira destas janelas é formada por nossos olhos (a janela do ver). Desta janela é gostoso surpreender-se diante da beleza das formas de cada flor, fruto, raiz ou semente. Observar e distinguir os matizes do verde no campo e na floresta. Contemplar o brilho da luz crescente na aurora ou minguante no crepúsculo. Enxergar, através de uma simples fotografia, as marcas no coração provocadas por uma experiência vivida ao longo de viagem em família. Admirar a beleza de uma obra de arte.
A segunda é constituída por nossos ouvidos (a janela do escutar). Esta janela dá acesso a muitas dimensões de prazer. Escutar a harmonia da canção preferida. Acolher e deixar-se penetrar pelo timbre da voz ou pelo som do pulsar do coração da pessoa amada. Extasiar-se diante do primeiro choramingar do filho que nasce. Apreciar a sinfonia do canto dos pássaros, o som ritmado de uma cachoeira ou das ondas do mar quando se arremessam contra os rochedos. Reverenciar o badalo dos sinos ou o toque do berrante.
A terceira é composta por nossas narinas (a janela do olfato). É agradável inebriar-se pelo perfume de cada uma das diferentes flores. Acolher em nossas narinas o odor de cada prato que está sendo preparado na cozinha. Discernir o cheiro característico de cada tipo de vinho ou o aroma gostoso do café da manhã. Sentir o odor agradável do incenso que eleva a Deus a nossa prece. 
A quarta é a tecida pela boca e pela língua (a janela do sabor). É maravilhoso saborear a ceia do Natal ou o apetitoso almoço de Páscoa em família. Provar das comidas típicas de uma determinada região ou cultura estrangeira. Degustar as delícias das guloseimas na casa da vovó. Compartilhar um deleitoso chocolate numa noite fria ou um sorvete numa tarde tropical. Dar um beijo gostoso e sentir o hálito da pessoa amada. Poder cantar e comunicar o que está dentro de nós.
A quinta janela é formada pelo maior órgão do corpo humano, a pele (a janela do tato). É extraordinário sentir as sensações produzidas pela troca de afeto, brotada do toque, do abraço, do carinho e da intimidade cultivada com a pessoa amada. Receber uma massagem nos pés depois de um longo dia árduo e difícil. Sentir frescor do corpo depois de um mergulho gostoso no mar. Renovar-se através da magia de um banho. Entregar-se completamente na cama depois de uma longa jornada de trabalho.
Todo o nosso corpo é testemunha do fato de que fomos criados para sentir em nós o pulsar da vida. Saborear cada momento de nossa existência. Experimentar cada passo da jornada da vida. 
Nesse sentido, não podemos nos esquecer, que a tristeza, o desgosto, o desprazer, a dor... essas realidades difíceis e constantes também fazem parte da totalidade da vida. Mas, a nossa natureza biológica é apenas o primeiro andar. Somos bem mais do que um corpo sensibilizado pelas cinco janelas dos sentidos.
O SEGUNDO ANDAR E SUAS SURPREENDENTES JANELAS
Há pessoas que passam a totalidade de seus dias apenas no “primeiro andar” da própria casa. Levam uma vida prazerosa, mas humanamente limitada, bruta. Os animais possuem as mesmas janelas do “primeiro andar”, mas o ser humano tem algo a mais. Para atingirmos esta meta, desenvolvermos as ricas possibilidades que vida oferece e ampliarmos os nossos horizontes de realização, importa encontramos a escada e ascendermos ao “segundo andar”, a nossa dimensão cultural. No andar de cima há quatro grandes “janelas”. Estas têm o poder de transformar, significar e ampliar a nossa forma de experimentar e compreender a vida.
A primeira é formada pelo senso da beleza (é a janela da estética, da arte). Esta janela descortina amplos horizontes na experiência dos sentidos. Educa-nos para o discernimento, oferecendo-nos critérios para hierarquizar as diversas manifestações do belo. Por exemplo, com essa janela aberta percebemos mais beleza na pessoa do que nas coisas. Que a criança que dorme na marquise, mesmo desfigurada, encarna mais beleza que a imponência arquitetônica do prédio que a abriga. Esta janela nos leva a pergunta pelo sentido que atribuímos a beleza. A estética aguça a sensibilidade para buscar o próprio sentido da experiência humana diante do belo.
A segunda é constituída pelo senso da verdade (é a janela da filosofia, do conhecimento verdadeiro de cada dimensão da vida). Esta janela mantida fechada empobrece o nosso viver. Equivaleria a apaixonar-se pela superfície sem experimentar a profundidade de cada realidade. Quando abrimos esta janela tornamo-nos mais críticos e menos ingênuos, mais exigentes e menos arrogantes, mais indagadores e menos acomodados. Descobrimos a alegria de ser um eterno aprendiz. Tornamo-nos apaixonados pela busca da verdade. Percebemos que a felicidade não está no fim do caminho, mas no próprio jeito de caminhar.
A terceira é a composta pelo senso da bondade (é a janela da ética, da força do bem). Quando abrimos esta janela toda a nossa casa é iluminada. Aprendemos que o bem é aquilo que nos realiza em plenitude a nossa humanidade. Além disso, avaliamos que todo prazer adquire sentido humano apenas quando gera o bem e promove a vida. Com esta janela aberta, passamos a avaliar as nossas atitudes. Não queremos mais viver de qualquer jeito. Experimentamos o desejo de ser a cada dia uma pessoa melhor. Desejamos participar da construção de uma sociedade mais justa, generosa, fraterna e solidária.
A quarta janela é envolvida pelo senso do mistério, da busca pelo sentido último (é a janela da religião). Uma pessoa pode viver sem religião e até sem a busca do sentido da vida. Mas tudo torna-se tão diferente quando abrimos esta janela. A vida adquire novo significado, pois, mistura em sua compreensão o dom e a missão (tarefa). Percebemos que a vida não é fruto do acaso e que há uma razão para estarmos aqui. Sentimo-nos chamados há algo além do ciclo natural da vida: nascer, crescer, reproduzir e morrer. Nossos horizontes são ampliados para além da pura materialidade da vida, dos fatos, no tempo e no espaço. Tornamo-nos mais transcendentes, mais confiantes de que não estamos sozinhos. Abrimo-nos para a experiência de que a vida é mais. Ela não caminha simplesmente para o fim, para a morte. Acolhemos, no mais profundo de nós, que há uma meta, há um Sentido Maior, que a tudo perpassa e ilumina e para o qual todos caminham, Deus. 
Então percebemos que não basta uma vida de prazer... importa levarmos uma vida que tenha sentido, que nos realize enquanto pessoas. Descobrimos através da dimensão lúdica que a nossa grande tarefaforma o telhado da casa: aprender a amar. 
O TELHADO DA “CASA HUMANA”
Toda casa tem sua cobertura. Casa “sem teto” é casa que falta o essencial. Tornar-se-ia inóspita, sem a mínima capacidade de abrigar pessoas e protegê-las das intempéries da vida. Perderia a própria função ou razão de ser. Nas “casas humanas” o telhado é o amor. A experiência maior dessa vida é, de fato, sentir-se amado e aprender a amar, com cada vez maior profundidade. 
Na busca de aprender a amar, duas realidades dão fundamento e sustentação à nossa casa: a vida em família e os diversos níveis da amizade. Nelas descobrimos o verdadeiro prazer de viver com a certeza de que fomos criados por amor, com amor e para o amor. Deus é amor, portanto, aprendamos a amar! A título de conclusão, a você leitor, os versos...
INSPIRAÇÃO MATINAL
Edward Guimarães
Que todo o seu ser (seus olhos, seus ouvidos, suas narinas, sua língua e sua tez) continue...
Apaixonado com as surpresas diárias da vida (não deixe que a pressa impeça a sabedoria), 
Fascinado com a beleza do sorriso humano (captado de modo especial no rosto inocente das crianças ou sereno dos idosos), 
Paralisado diante do caminho trilhado pelas lágrimas (até mesmo dos desconhecidos ou marginalizados), 
Seduzido pela magia estonteante do nascente, do poente, da lua ou das noites estreladas, 
Enamorado de cada uma das infinitas flores, frutos e sementes (não se esqueça das raízes, às vezes, escondidas e dedicadas a simplesmente possibilitar e sustentar a vida), 
Encantado com a diversidade incontável das formas de manifestação da vida (algumas precisam ser vistas através da lente do microscópio ou da dor da picada), 
Mas, especialmente, maravilhado com as possibilidades sempre novas de captar, de modo ímpar e original, a arte teimosa de acreditar e brincar de ser feliz...
Que a presença amorosa de Deus seja experimentada como impulso vital para o amor, o cuidado e a justiça.
O autor é mestre em Teologia Sistemática pela FAJE – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. É professor de Filosofia e Cultura Religiosa da PUC – Minas e de Ensino Religioso do Colégio Loyola. É coordenador do Curso de Teologia Pastoral do Centro Loyola de Espiritualidade, Fé e Cultura. É professor de Teologia do IRPAC – Instituto Regional de Pastoral Catequética e membro da Comissão de catequese do Regional Leste II.
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