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SOC-Acesso ao Direito e Justiça

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Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
1
Acesso ao Direito e à Justiça
Brasileiros na Perspectiva de Gênero/Sexualidade, 
Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
Observatório da Justiça Brasileira
2
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva de Gênero/
Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade/ Profa. Dra. 
Marlise Matos et al - Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Ciências 
Humanas, 2010/2011.
128 p. 
ISBN: 978-85-62707-26-1
CDD: 340.11
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
3
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS AMÉRICA LATINA 
OBSERVATÓRIO DA JUSTIÇA BRASILEIRA 
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS – UFMG 
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
 
Acesso ao direito e à justiça brasileiros na perspectiva 
de gênero/sexualidade, raça/etnia: entre o Estado e a 
comunidade
Instituição proponente:
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Autora
Profa. Dra. Marlise Matos et al
(NEPEM/CIFG/DCP/UFMG)
Belo Horizonte
Setembro de 2011
Observatório da Justiça Brasileira
4
Observatório da Justiça Brasileira
Leonardo Avritzer
Coordenador Geral Observatório da Justiça Brasileira
Criado em fevereiro de 2010, o Observatório da Justiça Brasileira (OJB) integra o 
Centro de Estudo Sociais América Latina (CES-AL), com sede no Departamento de Ciência 
Política da Universidade Federal de Minas Gerais (DCP-UFMG), tendo também como 
parceiro o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
O Observatório da Justiça Brasileira desenvolveu nesta sua primeira etapa1, cinco 
pesquisas: I) Para uma nova cartografia da justiça no Brasil, desenvolvido pelo DCP-UFMG; 
II) Controle de constitucionalidade e judicialização: o STF frente à sociedade e aos Poderes, 
desenvolvido pela Sociedade Brasileira de Direito Público; III) Judicialização e equilíbrio 
de poderes no Brasil: eficácia e efetividade do direito à saúde, desenvolvido pela PUC/RS; 
IV) Acesso ao direito e à justiça: entre o Estado e a comunidade, desenvolvido pelo DCP-
UFMG; e V) Judicialização do direito à saúde: o caso do Distrito Federal, desenvolvido 
pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. 
A proposta do Observatório da Justiça Brasileira, que, por ora, se concretiza neste 
conjunto de relatórios é desenvolver análises sobre o sistema de justiça brasileiro, visando a 
orientar o Ministério da Justiça através da Secretaria de Reforma do Judiciário em suas políticas 
públicas e reformas normativas, bem como apresentar sugestões para o aperfeiçoamento do 
sistema de justiça nacional.
Assumindo o pressuposto de que por mais imperfeito que seja nosso sistema jurídico 
não podemos ignorar os avanços institucionais adquiridos ao longo dos anos, colocamo-nos 
o desafio de aportar conhecimentos e propor reformas no aprimoramento deste.
1 Todos eles financiados pela Secretaria de Reforma do Judiciário.
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
5
Expediente
Instituição Proponente
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Coordenadora
Profa. Dra. Marlise Matos
(NEPEM/CIFG/DCP/UFMG)
Pesquisadoras/es
Ana Carolina Ogando - (Doutoranda DCP)
André Drumond (Doutorando DCP)
Breno Cypriano - (Doutorando DCP)
Walter Loschi - (Doutorando DCP)
Mariana Prandini Fraga Assis - (Doutoranda NSSR, NY)
Marjorie Marona - (Doutoranda DCP)
Bolsistas 
Andréa Regina Marques Reis - (Graduação Psicologia, PUC Minas)
Clara Cazarini Trotta - (Graduação Ciências Sociais, UFMG)
Clarissa Tavares de Oliveira Endo - (Graduação Ciências Sociais, UFMG)
Liliane da Conceição Rosa da Silva - (Graduação Ciências Sociais, UFMG)
Lucas Chaves Winter - (Graduação Direito, UFMG)
Michele Cristina de Assis Dutra - (Graduação Ciências Sociais, UFMG)
Thiago Coacci Rangel Pereira - (Graduação Direito, PUC Minas)
Projeto Gráfico, Diagramação e Capa
Leandro Carlos de Toledo
Observatório da Justiça Brasileira
6
ÍNDICE
Introdução ........................................................................................................................ 9
O Contexto Histórico -Teórico do Acesso à Justiça no Brasil ........................................... 13
Revelando Desigualdades: O Direito como Sistema de Poder ..................................... 20
Teoria Crítica do Direito .................................................................................................... 23
A identidade racial e de gênero dos agentes de justiça ...................................................... 23
Contribuições Feministas e de Pensadores das Relações Racias sobre o Direito .............. 24
Criminologia Crítica e as Relações de Gênero .................................................................. 29
Estudos Brasileiros Sobre Violência e Gênero .................................................................. 31
Acesso à Justiça e o Tema da Raça/Etnia....................................................................... 34
O Juciciário e as “Comunidades Tradicionais” .................................................................. 35
Identidade Racial e a Porta de Entrada no Sistema de Justiça: O Poder Policial .............. 36
No Meio Judicial, o Viés das Decisões Judiciais em Primeira Instância ........................... 38
A Absolvição dos Crimes de Racismo em Tribunais de Segunda Instância ...................... 39
A Composição Sociorracial da População Carcerária ....................................................... 41
Os Marcadores de Diferenças de Raça/Etnia e Gênero/Sexualidade: construções 
históricas e políticas e a importância do contexto coletivo de opressão ...................... 42
Por uma Teoria da Opressão dos Grupos ...................................................................... 55
Aspectos da Complexidade no campo das opressões - a discriminação interseccional .... 59
Estado e Opressão Marcada nas Instituições ..................................................................... 61
O Objeto Pesquisado - os acórdãos e seus respectivos marcadores de diferenças naquilo 
que estes conforam uma evidência da opressão de grupos/minorias .......................... 63
Os principais descritores da pesquisa
Algumas Pistas para a Pesquisa sobre Dano Moral e determinada ressalvas de conteúdo ...... 82
A Metodologia de Trabalho ............................................................................................. 85
A Justiça especializada e a comum e a discussão de gênero, sexualidade, raça e 
etnia ................................................................................................................................ 90
Justiça do Trabalho ............................................................................................................ 91
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
7
Justiça Eleitoral .................................................................................................................. 94
Justiça Militar ..................................................................................................................... 95
Justiça Estadual (Comum - Criminal) ................................................................................ 95
Os Primeiros Dados Coletados........................................................................................ 97
À Guisa de Conclusões muito Preliminares ................................................................... 109
Referências Bibliográficas ............................................................................................... 121
Observatório da JustiçaBrasileira
8
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1: Comparação dos acórdãos selecionados com o universo de acórdãos, por justiça e 
por tribunais (2009, Dados da Justiça Criminal ainda parciais) ........................................ 98
Tabela 2: Distribuição dos acórdãos por justiça e por tribunais (Dados PARCIAIS para os 
acórdãos da justiça criminal) ............................................................................................. 99
Tabela 3: Distribuição (PARCIAL) dos acórdãos por justiça de acordo com a temática, 
2009.................................................................................................................................... 100
Tabela 4: Distribuição (PARCIAL) dos acórdãos por justiça de acordo com sexo do(a) 
relator(a) (dados PARCIAIS) 2009 .................................................................................... 102
Tabela 5: Distribuição do Resultado do acórdão segundo existência de voto contrário ao 
relator/a (dados PARCIAIS para a justiça criminal), 2009 ................................................ 103
Tabela 6: Distribuição do Resultado do acórdão segundo sexo do(a) relator(a), para a temática 
de gênero, naqueles acórdãos de decisão unânime da Justiça Criminal, (dados PARCIAIS), 
2009.................................................................................................................................... 104
Tabela 7: Resultado do acórdão segundo sexo do(a) relator(a), para a temática de gênero, 
naqueles acórdãos de decisão unânime das Justiças especializadas, (dados PARCIAIS) 
2009.................................................................................................................................... 104
Tabela 8: Resultado do acórdão segundo o tipo de justiça, (dados PARCIAIS) 2009. ...... 105
Tabela 9: Principais palavras-chave segundo tipo de justiça, (dados PARCIAIS) 2009. .. 106
Tabela 10: Direção do voto dos(as) relatores(as) mais atuantes na Justiça Criminal, (dados 
PARCIAIS) 2009 ............................................................................................................... 107
Tabela 11: Resultado dos acórdãos por estado, segundo o tipo de justiça (2009) ............. 108
Tabela 12: Valor das indenizações segundo temática, para Justiça especializada, (dados 
PARCIAIS) 2009 ............................................................................................................... 109
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
9
Introdução 
Este é um trabalho escrito a várias mãos2 e, em certa medida, um trabalho ainda 
incompleto. Escrito a várias mãos porque é fruto de demorado, instigante, mas fastidioso 
trabalho coletivo de levantamento e coleta de dados que não existem compilados desta 
forma em nosso país. Além do mais é fruto também de um reforço no inventariar, não menos 
trabalhoso, de recortes teóricos e analíticos de fontes ainda mais plurais e distintas que vão 
desde os estudos sobre judicialização da política até levantamentos de relatório nacionais 
e internacionais sobre acesso a justiça em suas interfaces com as dimensões de gênero, 
sexualidade, raça e etnia. Os campos disciplinares consultados e aqui tratados também 
são plurais: o mais evidente é o das ciências sociais (Sociologia, Antropologia e Ciência 
Política), mas fizemos fronteira óbvia com os estudos do Direito e da Psicologia Social. O 
trabalho ainda está incompleto porque mesmo após quase um ano de pesquisas não nos foi 
possível finalizar a primeira parte dos levantamentos de acórdãos judiciais, especialmente 
aqueles oriundos da Justiça criminal, portanto estes dados e suas análises aqui apresentados 
são parciais e não integralmente conclusivos. Mesmo assim arriscamos a oportunidade 
de publicação por entendermos que é uma oportunidade para abrir o diálogo com outros 
parceiros que possam vir a se interessar no desenho e resultados desta investigação em curso.
Em nosso país, têm sido cada vez mais debatidos os aspectos relacionados à 
democratização do Estado. Partimos do pressuposto de que o “acesso à justiça brasileira” é 
um direito fundamental de todo o cidadão e cidadã, independentemente de seu sexo, gênero, 
sexualidade, cor de pele, raça, etnia, classe social, grupo de origem etc. Contudo, quanto mais 
nos aprofundamos no estudo dessas temáticas, mais percebemos o quanto estão eivadas de 
complexidades. Indiscutível também é a percepção de que a possibilidade de exercer esse 
direito está diretamente relacionada à realidade socioeconômica das pessoas, assim como às 
características adscritivas que serão o alvo de nossa investigação aqui – gênero/sexualidade 
e raça/etnia –, e, certamente, à qualidade do serviço jurisdicional prestado pelas nossas 
instituições de justiça (estatais e não estatais) – no caso desta investigação: os Tribunais de 
Justiça e Turmas Recursais de seis estados da federação – Distrito Federal, Ceará, Minas 
Gerais, Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo-, que deveriam garantir e também administrar 
tal direito, apenas para citar aqueles elementos mais óbvios. Mesmo assim, é importante que 
se diga que tais temáticas ainda não se constituíram num tema efetivamente prioritário da 
agenda pública, e mesmo da agenda das políticas públicas de inclusão social, em nosso país.
É verdade, contudo, que em muitos países temos alcançado uma maior capacitação 
econômica, por exemplo das mulheres e população negra, através de legislação progressista 
que tem proibido as práticas discriminatórias, garantido igual remuneração, licenças e 
afastamentos em função da maternidade e da paternidade, e maior proteção contra o assédio 
sexual no local de trabalho, por exemplo. É já uma realidade a constatação de que os mais 
2 Agradecemos a disponibilidade inestimável de Marcia Cristina de Almeida Castro, advogada e colaboradora de 
primeira hora, sobretudo no momento inicial do desenho desta pesquisa bem como na discussão de seus primeiros 
passos. Sua contribuição também foi crucial para termos chegado a estes resultados.
Observatório da Justiça Brasileira
10
diferenciados governos, de distintos matizes ideológico-partidários, não tratam a violência 
contra as mulheres, negros e negras como um “assunto privado”, sendo que temos leis em 
todas as regiões do planeta proibindo este flagelo em suas muitas manifestações3. Há também 
a conquista de alguma legislação que tem como foco proibir – em patamares diferenciados - 
a discriminação baseada no sexo, na raça e/ou na orientação sexual no que diz respeito, por 
exemplo, à herança e a outros aspectos importantes da cidadania, leis de igualdade dentro 
do mercado de trabalho e vinculadas a garantias de direitos de família, assim como algumas 
políticas públicas para se assegurar que as mulheres e as meninas, as negras e negros, 
os indígenas e os homossexuais possam ter acesso a bens e serviços públicos, incluindo 
saúde e educação de modo a que também possam contribuir de modo efetivo para avanços 
significativos no padrão de vida de toda a população. 
Parece-nos claro, então, que aspectos relacionados à perspectiva de uma reforma 
judiciária e do sistema de justiça brasileiros também precisariam estar associados a um 
componente essencial que é inerente à investigação que se relata aqui: como promover uma 
maior democratização desse acesso aos sistemas judiciários? O que se poderia fazer para 
transformar a realidade de um acesso ainda limitado? Quem deveria ser responsável por isso? 
A quem, por sua vez, as ações estatais deveriam se dirigir? Por quê? Como? Quais seriam 
seus potenciais beneficiários? Quais aspectos da gestão judicial e da prestação jurisdicional 
precisam ser revistos? O que a infra-estrutura do sistema judiciário tem a ver com isso? 
Para além de processos propriamente institucionais, quaisseriam as principais mudanças 
culturais a serem perseguidas em relação à sociedade e aos diversos atores vinculados 
ao âmbito dos sistemas judiciais, quais sejam juízes, advogados, operadores do Direito e 
comunidade em geral? Não vamos, claro, responder a todas estas perguntas com a finalização 
desta investigação, certamente. Mas vamos ter com certeza um caminho melhor pavimentado 
de respostas, mesmo provisórias que poderão nos balizar bem melhor o olhar.
Ao alvorecer do século XXI, o Estado brasileiro, após um processo rico e intenso 
de redemocratização levado a cabo ao longo das três últimas décadas do século anterior, se 
depara com enormes desafios que têm disputado espaço no processo recente de construção 
de uma agenda propriamente político-social no âmbito dos governos. Em 1998, Robert 
Dahl definiu em seu livro Sobre a democracia, que as democracias contemporâneas, em 
dimensões de alta escala, necessitariam de seis instituições básicas para serem consideradas 
democracias de fato. São elas: (1) funcionários eleitos; (2) eleições livres, justas e freqüentes; 
(3) liberdade de expressão; (4) fontes de informação diversificadas; (5) autonomia para as 
associações, e; (6) cidadania inclusiva. O autor passou a cunhar de democracia poliárquica 
aqueles sistemas políticos contemporâneos dotados destas seis instituições. Em países que 
são hoje chamados democracias, existiriam todas as seis instituições. Podemos supor (como 
maior ou menor dificuldade) que as cinco primeiras características estão já presentes no 
Brasil. Mas podemos afirmar, com tranqüilidade, que o Brasil é um país onde a cidadania é 
3 O mesmo infelizmente não procede para o tratamento da homossexualidade: ela ainda é criminalizada em 
aproximadamente 70 países e em alguns, inclusive, com pena de morte.
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
11
efetivamente inclusiva? Sabemos que crescer e desenvolver, para além de ser desafiante às 
nossas estruturas e instituições econômicas e democráticas, significa igualmente superar as 
fortes e profundas desigualdades sociais e políticas que o país (e seus respectivos governos) 
alimentou ao longo de séculos. Só assim poderá concretizar-se, de fato, uma cidadania 
inclusiva através da expansão e vivência real dos direitos exercidos de fato e não apenas na 
letra da lei. Também só assim poderemos nos declarar efetivamente democráticos.
Tal agenda político-social enfrenta níveis muito diferenciados de disputas e tensões 
que, em última instância, se depara com o desafio de ir além das questões afeitas ao campo de 
uma justiça exclusivamente de caráter distributivo, com impasses na ampliação e afirmação 
dos direitos humanos de nossas minorias. Referida agenda é respaldada, sobretudo, 
por uma consciência, que vem se disseminando pelo país, de que precisamos promover 
mudanças sociais ancorados em princípios inequívocos de inclusão, pluralismo, igualdade, 
reconhecimento, respeito e valorização das diferenças, de modo a promover formas de 
autonomia e emancipação ainda pouco experimentadas aqui. O caso do acesso à justiça de 
segunda instância pelos coletivos subalternizados de gênero e sexualidade, raça e etnia que 
estudaremos aqui é emblemático neste sentido.
O exercício pleno da cidadania pressupõe, então, que em situações de direito violado 
os/as cidadãos/ãs possam ter acesso aos serviços ofertados pelas instituições públicas 
para fazer valer seus direitos fundamentais à reparação e/ou responsabilização judicial. 
Entende-se também que seria imprescindível facilitar o acesso tanto às instituições formais 
de reparação e responsabilização, quanto àqueles espaços de prevenção e resolução de 
conflitos onde as pessoas, independentemente de qualquer característica adscrita, possam 
ter contato com mais informações qualificadas e compreender quais seriam os recursos 
jurídicos e/ou administrativos cabíveis em seu caso. Desta forma, entendemos que o 
“acesso à justiça” nesta pesquisa compreende o direito de que sejam eliminados todos os 
obstáculos que impedem a consecução desses processos, incluindo-se ai a possibilidade de 
inclusão cidadã e democrática por via da prestação jurisdicional. Nesse sentido, parece-nos 
importante ressaltar, especialmente quando tematizarmos os marcadores de diferenças tão 
pouco compreendidos como aqueles que se vinculam às vicissitudes relacionadas a gênero e 
sexualidade ou à raça e etnia, que é necessário um verdadeiro novo processo de alfabetização 
jurídica a ser perseguido em diferentes níveis institucionais e societários. Isso para que seja 
de fato possível diminuir e mesmo eliminar os altos custos econômicos requeridos para se 
aceder aos sistemas judiciais e administrativos do Estado, promover a criação concreta de 
redes de articulação entre a demanda e a prestação de serviços jurídicos gratuitos, assim 
como melhorar a oferta dos serviços de justiça na medida em que se promova um processo 
de abertura das consciências à compreensão de que elementos como gênero/sexualidade, 
raça/etnia, não pertencem apenas a pequenos grupos vulneráveis e subalternos, mas são 
características partilhadas por todos os cidadãos e todas as cidadãs brasileiras.
Observatório da Justiça Brasileira
12
É assim que compreendemos o acesso concreto à prestação jurisdicional como um 
efetivo mecanismo de participação e cidadania no âmbito das esferas públicas (estatais e não 
estatais) que poderia, inclusive, vir a compensar o efeito de deterioração ou impedimento de 
acesso em outros canais institucionais de representação dos interesses coletivos em nosso país. 
Nesse aspecto, fenômenos recentes de “judicialização das relações sociais”, dos freqüentes 
conflitos sociais, podem tender a ativar processos de discussão mais extensos sobre o formato 
que as políticas públicas vêm adotando no Estado brasileiro. Têm sido muito freqüentes, no 
Brasil, as situações em que o Poder Judiciário assume a tarefa de verificar o cumprimento de 
preceitos jurídicos tanto no desenho quanto na execução dessas políticas públicas, sobretudo 
aquelas de caráter social. O caso muito recente da aprovação, por unanimidade, pelo Supremo 
Tribunal Federal, da igualdade de direitos para as parcerias homoafetivas e homoconjugais é 
apenas o caso mais recente nesta agenda de tensas disputas. Claro está que o recurso às vias 
judiciais não poderia e não deveria ser compreendido como o único canal ou ainda o centro 
das estratégias para se efetivar e garantir direitos no país, mas apenas como mais um de seus 
pontos de apoio, que teria seu foco primordial nos processo políticos e sociais mais amplos e 
complexos da democratização do Estado e mesmo da própria sociedade4.
Ao longo dessa investigação foi possível já identificar, sobretudo, o papel que 
desempenham os juízes e seus órgãos colegiados na construção de posições e descrições de 
certos grupos e de sujeitos. Chamaremos aqui essas descrições de “dispositivos discursivos”, 
na forma como os entende Foucault (1999) e será através destes dispositivos que poderemos 
perceber qual seria o tipo de sensibilidade jurídica, social e política que tais atores do 
sistema de justiça brasileiro vêm construindo e consolidando para responder aos reclamos 
provenientes daqueles setores “menos favorecidos”, no contexto de múltiplos conflitos 
sociais que têm ocorrido no Brasil nesses últimos anos. As bases institucionais do Poder 
Judiciário, na figura de seus magistrados, têm sido capazes de lidar com esses conflitos de 
quais formas? Através de quais mecanismos ou dispositivos mais hegemônicos? Por quê?
Nossas análises preliminares já nos permitem perceber e mesmo reconhecer a 
importância que têm as pessoas investidas de seu papel judiciário, especialmente os 
colegiados de juízes. Elas também possibilitam compreender através de quais estratégias taiscoletivos profissionais vêm significando os conflitos associados aos marcadores de diferenças 
que investigamos aqui. Nesse sentido, é importante que apresentemos a partir de quais vieses 
teórico-analíticos situamos, nessa pesquisa, tais marcadores. Mas antes disso discutimos, de 
forma breve, alguns aspectos centrais do contexto histórico e teórico que emolduram o debate 
sobre o acesso à justiça em nosso país.
4 Caberia aqui igualmente mencionar que existe um outro tipo de movimento que surge no Brasil e também no 
mundo que é justamente contrário à judicialização dos conflitos. A cada dia mais, a justiça se vê sufocada com um 
volume enorme de processos, por isso busca incentivar soluções destes através de estratégias não judiciais, a exem-
plo da mediação e da arbitragem. Apenas a título de esclarecimento mencionamos o cão da Itália que acabou de 
promulgar uma lei obrigando que todas as causas civis devam necessariamente passar por uma mediação anterior. 
Parece-nos que o Brasil segue caminho similar. Existe inclusive uma Campanha Nacional Pela Conciliação e uma 
Política Nacional de Conciliação, promovida pelo próprio poder Judiciário. Mais informações: http://www.tjmg.jus.
br/conciliar/campanhas/atual.html
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
13
O Contexto Histórico - Teórico do Acesso à Justiça no Brasil
O acesso à justiça é direito fundamental garantido pelo artigo 5º, inciso XXXV, da 
Constituição de 1988. Por essa razão, tem aplicação imediata, exigindo-se, do intérprete, 
atividade hermenêutica que conduza ao entendimento que o acesso à justiça não é apenas 
acesso ao prédio do Judiciário, às suas dependências físicas, de custas baratas e até com 
dispensa ou isenção de custas, por meio de advogados pagos pelo Estado (defensorias 
públicas) ou dispensa da presença do advogado. Trata-se, essencialmente, de realização 
efetiva da Justiça, como valor sem o qual o ser humano não pode sobreviver. Segundo 
Bobbio:
“Deve-se recordar que o mais forte argumento adotado pelos reacionários 
de todos os países contra os direitos do homem, particularmente contra os 
direitos sociais, não é a sua falta de fundamento, mas a sua inexeqüibilidade. 
Quando se trata de enunciá-los, o acordo é obtido com relativa facilidade, 
independentemente do maior ou menor poder de convicção de seu 
fundamento absoluto; quando se trata de passar à ação, ainda que o 
fundamento seja inquestionável, começam as reservas e as oposições. O 
problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é 
tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema 
não filosófico, mas político. Com efeito, o problema que temos diante de 
nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não 
se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza 
e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou 
relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para 
impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente 
violados”. (BOBBIO, Norberto. A Era do Direito, p. 24/25, negritos 
nossos)
Todas as Constituições brasileiras enunciaram o princípio da garantia da via judiciária. 
Não como mera gratuidade universal no acesso aos tribunais, tão cara aos ideais românticos 
do individualismo liberal, mas como garantia universal de que a via judiciária está franqueada 
para defesa de todo e qualquer direito, tanto contra particulares como contra poderes públicos, 
independentemente das capacidades econômicas de cada um.
Parece-nos, contudo, ilusória a simples garantia formal, abstrata e universal do 
acesso ao Judiciário, quando tantos são os obstáculos que se interpõem à efetiva reparação 
aos direitos violados no Brasil. Entende-se que tal garantia constitucional somente se 
aperfeiçoará se, além de não haver exclusão legal da apreciação judicial, isto é, se além da 
garantia formal de não ser excluído da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça a 
direito, ocorrer a real reparação do direito violado, ou o impedimento que a ameaça ao direito 
se concretize. Isto é, que haja acesso à justiça e, posteriormente, seja conferida eficácia à 
decisão judicial. Cabe mencionar aqui uma precisão conceitual que nos é importante: a 
Observatório da Justiça Brasileira
14
diferenciação entre “acesso à justiça” e “acesso ao sistema jurídico”. Acessar o sistema 
jurídico refere-se exclusivamente a um tipo de acesso apenas formal, como ingressar com 
um processo etc. O “acesso à justiça” como o estamos tratando aqui é mais complexo e 
amplo do que tal dimensão formal e pode, inclusive, ser realizado por meios não jurídicos e 
diz não só do processo/procedimento, mas também daqueles que seriam (ou deveriam ser) os 
seus principais resultados. Formalmente, a igualdade perante a Justiça está assegurada pela 
Constituição, desde a garantia de acessibilidade a ela (art. 5º, XXXV). Mas, faticamente, essa 
igualdade não existe para milhares de brasileiros/as:
“(...), pois está bem claro hoje, que tratar ‘como igual’ a sujeitos que 
econômica e socialmente estão em desvantagem, não é outra coisa senão 
uma ulterior forma de desigualdade e de injustiça” (CAPPELLETTI, 
Processo, Ideologia e Sociedad, p. 67). 
É de fato real que, no Brasil, sejam tamanhas as dificuldades enfrentadas para a obtenção 
da prestação jurisdicional, que poucos a conseguem? Quem são aqueles “privilegiados” que 
conseguem ter o efetivo acesso e ter de fato julgadas as suas lides no país? As dimensões de 
gênero/sexualidade e raça/etnia têm algum impacto no acesso à prestação jurisdicional? 
Segundo José Renato Nalini (Juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo e 
Diretor Adjunto da Escola Nacional da Magistratura): “Em lugar da orgulhosa proclamação 
da vítima: ‘Vou procurar por meus direitos’, o que se vê aqui é a ironia do infrator: ‘Vá 
procurar por justiça’. Sabem todos como funciona a Justiça: A proliferação de decisões 
ilegais e de arbitrariedades significa que a administração e outros centros de poder 
(incluindo os privados) se sentem relativamente impunes em face das suas irregularidades”. 
Para o magistrado, há ao menos três causas, dentre as muitas que representam obstáculo à 
ampliação do acesso à Justiça no Brasil, que têm afetado profundamente tal dinâmica: (a) o 
desconhecimento do Direito; (b) a pobreza e (c) uma visão bastante singular da lentidão do 
processo.
Sabemos todos que os pobres têm acesso precário à justiça, sabemos igualmente que 
dentre os pobres, os/as negro/as, as mulheres e o/s homossexuais são aquelas/es em pior 
situação de desvantagens. Alguns carecem de recursos para contratar bons advogados, outros 
têm menor acesso às informações em geral e há ainda situações claras de menor oportunidades 
de compreensão de informações sobre direitos e exercício de cidadania. O patrocínio gratuito 
(através das Defensorias Públicas), onde e se existente, ainda se revela igualmente deficiente 
e lento no Brasil, dado o baixo número de profissionais e a precariedade estrutural enfrentada 
pela instituição. A idéia principal que norteia esta pesquisa é a de que algumas mulheres, 
homossexuais e a população negra têm acesso precário à justiça no Brasil, porque, entre 
outros motivos, são fortemente discriminados, estão oprimidos e/ou desinformados e carecem 
de recursos para contratar bons advogados e quando contratam ou conseguem Defensores, a 
resposta judicial às suas disputas é lenta e frequentemente tardia. Desta forma, as barreiras 
econômicas e de reconhecimento simbólico se somam ao elevado custo da justiça, que inclui 
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
15
custas processuais, honorários de advogado e riscos de sucumbência5.Ademais, entendemos também que a justiça tardia pode ser interpretada efetivamente 
como injustiça ou inacesso à justiça. Não há justificativa para que haja uma justiça rápida 
para uns e uma justiça lenta para outros. Justiça rápida para uns e justiça lenta para outros é a 
expressão cabal de injustiça. Perguntamos: o poder Judiciário brasileiro “discrimina pobres, 
homossexuais, mulheres e negros” ao negar-lhes efetivo acesso e solução efetiva quando 
conseguem acessá-lo? Ela discrimina de modo ainda mais significativo as mulheres negras, 
por exemplo?
Vimos como esta discriminação está vedada pela Constituição brasileira, na medida 
em que todos são iguais perante a lei. Mas uma prestação jurisdicional lenta ou a existência 
de obstáculos ao acesso da justiça não seriam, em si, violadoras do direito constitucional 
de acesso à justiça concreta? Quando direitos são violados, sabemos que é fundamental a 
atuação judicial, que deverá, fazendo valer a garantia do acesso à justiça, dar uma resposta 
rápida e fulminante, decidindo com imparcialidade a questão entre as partes litigantes e 
reconhecendo o direito à reparação. 
Nosso Estado Democrático de Direito deve ser entendido como um sistema de 
princípios e regras processuais que devem aperfeiçoar a ordem jurídica. Ao lado da legitimação 
da atuação estatal, o Estado deve estar aberto às reivindicações que lhes são dirigidas. 
Pretendemos estabelecer algumas bases para a recente compreensão da representação 
política e do acesso às esferas decisórias, incluindo as da justiça, como instrumentos de 
inclusão social e política, ademais de meios de promoção de mais justiça social. Este se 
constitui em um dos maiores desafios da recente poliarquia brasileira. Entendidos como 
aspectos fundamentais para a erradicação das injustiças que afetam as sociedades ao redor do 
mundo, novos conceitos e práticas de representação e participação políticas – ou a constatação 
de sua efetiva lacuna - no momento contemporâneo, ainda de um modo lento, vêm facilitando 
a ampliação da participação nos governos e nos demais postos de decisão, não só através de 
si mesmas, mas aliadas à presença estratégica da sociedade civil. Assim, assegura-se de um 
modo mais eficiente a possibilidade da inclusão de demandas históricas de distintos grupos 
minoritários na agenda púbica de debates. 
Nos parece claro igualmente que hoje é urgente pensar a promoção e o acesso à justiça 
a partir do modo como os grupos sociais – em suas mais diversas dimensões e perspectivas, 
nomeadamente gênero, raça, sexualidade, etnia, geração, nacionalidades etc. – experimentam 
(ou não) uma estrutura institucional e real de oportunidades e de liberdades que, na 
conjuntura atual, deveriam estar apresentadas e difundidas pelo Estado. Tratar do tema da 
5 Lembramos ainda que alguns direitos para essas minorias nem sempre estão expressos no texto da Lei, muitas 
decisões estão ainda na dependência da interpretação de um advogado e/ou de um juiz que corroborem com esses 
ideais. As situações vividas como as do de aborto de anencéfalos, da mudança de sexo no registro civil por uma tran-
sexual, ou até mesmo a união entre pessoas de mesmo sexo, antes da decisão do STF, são exemplares neste sentido.
Observatório da Justiça Brasileira
16
justiça hoje ignorando a configuração e dinâmica concreta das sociedades contemporâneas, 
desconhecendo as experiências e as demandas que estas vêm trazendo atualmente, apresenta 
como conseqüência inevitável a produção tanto de um sistema teórico fechado em si mesmo 
(fundamentalmente abstrato e irrelevante para a análise da vida política na prática), quanto 
num formato de Estado e de gestão pública (e em suas diferentes instituições) refratários e 
distanciados das demandas societárias concretas. Assim, o reconhecimento simbólico dos 
grupos minoritários e a ampliação e consolidação de seus direitos humanos é uma dimensão 
relevante na busca efetiva pela justiça e pela democracia nos Estados contemporâneos. 
Ademais, além da promoção das políticas distributivas, é crucial fazer valer políticas mais 
incisivas de reconhecimento simbólico-cultural e de representação política, como formas 
para se alcançar maior justiça.
A conciliação entre o significado meramente formal do Estado de Direito com os 
procedimentos de atuação social, transforma-se, por sua vez, efetivamente em um dilema 
para o Estado. De um lado, estão os direitos individuais e as reservas limitativas do próprio 
Estado; do outro, as inúmeras reivindicações contra a sua ineficiência, lentidão e passividade, 
quanto à própria estrutura social e econômica. A construção, de fato, de algo como um 
Estado Democrático de Direito deve se balizar no sentido da proteção aos direitos dos 
governados e não uma mera leitura formal da norma, destituindo-a de qualquer eficácia. O 
conceito de Estado moderno vincula-se, essencialmente, aos princípios da igualdade e da 
liberdade, inicialmente, meramente formais. Atualmente, o constitucionalismo proclama a 
essencialidade da efetividade, da materialidade de tais princípios com vistas ao alcance da 
justiça. A liberdade e igualdade não podem ficar figuradas somente na retórica: impõe-se 
igualdade e liberdade reais, efetivas, começando pela plena e efetiva proteção jurisdicional 
dos direitos humanos ou a possibilidade do acesso à justiça e à reparação quando o direito 
for violado.
De fato, o que se discute por intermédio da problematização do tema do acesso 
à justiça brasileira é também a própria questão da cidadania e da inclusão/exclusão — e 
da democracia, em última instância —, que mais do que direitos universais, legalmente 
instituídos, requer e implica necessariamente a disponibilização e a generalização de recursos 
necessários ao seu exercício e garantia. Em outras palavras, é a democratização do Judiciário 
que se coloca em xeque.
Segundo Junqueira (1996, p. 01), “Resenhar as investigações que têm sido produzidas 
sobre acesso à Justiça - tema cuja amplitude permite incluir toda e qualquer investigação 
sobre o Poder Judiciário e sobre formas alternativas de resolução de conflitos - é, portanto, 
(re)escrever, a partir de um novo recorte, a trajetória da sociologia do direito brasileira e a 
sua vinculação a discussões político-jurídicas presentes na história recente do Brasil”. Ou 
seja, ainda que entendamos que não existe ainda uma produção totalmente sistemática na 
área de convergência entre os temas do Direito e da Sociedade, seria impossível (e mesmo 
desnecessário) proceder a este esforço aqui nesta pesquisa. No entanto, ainda que não o 
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
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façamos de modo exaustivo, alguns dos elementos centrais que têm permeados os debates a 
este respeito estão assinalados abaixo.
Importa salientar que o interesse dos pesquisadores brasileiros sobre este tema se 
iniciou nos anos 80, diretamente vinculado ao movimento que havia começado na década 
anterior em diversos países do mundo, o “access-to-justice movement”, o qual, no plano 
acadêmico, havia justificado o Florence Project, coordenado por Mauro Capelletti e Bryant 
Garth com financiamento da Ford Foundation (1978). A principal referência teórica no 
âmbito desta discussão sobre o acesso à justiça foi o trabalho de Cappelletti e de Garth 
(1978)6. Os autores reportam a existência de três ondas sucessivas que teriam constituído o 
que se denominou, conforme enunciado, movimento de acesso efetivo à justiça. A primeira 
onda teria como característica uma expansão da oferta da assistência judiciária aos setores 
mais pobres da população. A segunda teria sido marcada pela incorporação dos interesses 
difusos ou coletivos, o que levou à revisão de noções tradicionais do processo civil. 
Finalmente, a terceira decorreu e, ao mesmo tempo, englobou as duas anteriores,expandindo 
e consolidando tanto o reconhecimento quanto a presença no Judiciário, de atores até então 
excluídos, desembocando num aprimoramento ou numa modificação das suas instituições, 
seus mecanismos, procedimentos e pessoas envolvidas no processamento e na prevenção de 
disputas experimentadas na sociedade. 
Em que pese o empenho dos autores em relativizar a ênfase exclusiva nas cortes, em 
ressaltar a necessidade de se atentar para a demanda de justiça e para as diferentes formas 
e condições em que ela se expressa, há algumas premissas que permeiam as análises e que 
cabem ser destacadas7. Uma delas é a da legitimidade da instituição judiciária enquanto 
instância que detém a autoridade para dirimir disputas de naturezas diversas. Tomada como 
dada, a crença nesta legitimidade implica perceber a judicialização dos conflitos como um 
anseio natural e efetivo da população, que acorreria prontamente à justiça uma vez eliminadas 
as barreiras ao seu ingresso. Associa-se a esta cadeia de noções prévias uma certa visão 
de que os recursos de apropriação da justiça como um direito são igualmente distribuídos 
pela sociedade. Deste modo, rompidos os limites institucionais, os indivíduos ou grupos, 
independentemente de sua posição social, estariam aptos a reconhecer e a recorrer à justiça a 
fim de resolver seus conflitos, o que fariam de forma crescente desde que fossem conscientes 
de seus direitos enquanto cidadãos. Junqueira, entretanto, nos adverte:
6 Mauro Cappelletti & Bryant Garth, Access to justice: the worldwide movement to make rights efective. A gene-
ral report, in Mauro Cappelletti & Bryant Garth (dir.), Access to justice. A world survey (Milan, Alphenaandenrijn, 
Dott. A. Giuffrè; Sijthoff and Noordhoff, 1978. v.1, b.1, p.3-124).
7 Em um texto mais recente, O acesso à justiça e a função do jurista em nossa época, in Anais da XIII Conferência 
Nacional da OAB (s/l, s/e, 1990. p. 123-40), Mauro Cappelletti observa, à página 140, que, diferentemente de uma 
perspectiva mais tradicional, que insistia em tratar do direito unicamente pela ótica dos produtores — legisladores, 
juízes, funcionários públicos — e de seus produtos — a lei, o provimento judicial e o ato administrativo —, a abor-
dagem do acesso consiste em dar prioridade ao consumidor do direito e da justiça.
Observatório da Justiça Brasileira
18
“No entanto, a análise das primeiras produções brasileiras revela que a 
principal questão naquele momento, diferentemente do que ocorria nos 
demais países, sobretudo nos países centrais, não era a expansão do welfare 
state e a necessidade de se tornarem efetivos os novos direitos conquistados 
principalmente a partir dos anos 60 pelas ‘minorias’ étnicas e sexuais, mas 
sim a própria necessidade de se expandirem para o conjunto da população 
direitos básicos aos quais a maioria não tinha acesso tanto em função 
da tradição liberal-individualista do ordenamento jurídico brasileiro, 
como em razão da histórica marginalização sócio-econômica dos setores 
subalternizados e da exclusão político-jurídica provocada pelo regime pós-
64”. (JUNQUEIRA, 1996, p.01)
Como sabemos, o caso brasileiro não acompanhou a dinâmica das etapas e do 
processo analisado (e descrito anteriormente) por Cappelletti e Garth a partir da metáfora 
das três “ondas” do access-to-justice movement. Ainda que durante os anos 80 o Brasil, tanto 
em termos da produção acadêmica como em termos das mudanças jurídicas, também tivesse 
“participado da discussão sobre direitos coletivos e sobre a informalização das agências de 
resolução de conflitos, aqui estas discussões são [foram] provocadas não pela crise do Estado 
de bem-estar social, como acontecia então nos países centrais, mas sim pela exclusão da 
grande maioria da população de direitos sociais básicos, entre os quais o direito à moradia e 
à saúde” (idem: p. 02).
Junqueira analisa dois subtemas que nortearam os estudos na área aqui no Brasil. 
Um primeiro vinculado ao acesso coletivo à Justiça e outro relacionado às investigações 
sobre as possíveis formas estatais e não-estatais para a resolução de conflitos individuais (tais 
como os novos mecanismos informais que passaram a ser designados por Juizados Especiais 
de Pequenas Causas). Em relação ao primeiro eixo, para o Brasil, não se tratava de buscar 
procedimentos jurídicos mais simplificados e alternativos aos tribunais como instrumentos 
de garantia do acesso à justiça e de diminuir as pressões resultantes de uma “explosão de 
direitos que ainda não havia acontecido” (p. 02), mas de serem analisadas as demandas por 
direitos coletivos e difusos (já que o Direito e a Justiça brasileiros estavam organizados e 
estruturados para lidar com os direitos individuais) que ganharam a cena da esfera pública 
brasileira através da mobilização dos novos movimentos sociais rearticulados no país a partir 
da segunda metade da década de 70.
Impunha-se naqueles momentos a força da noção de pluralismo jurídico (SANTOS, 
1977) que dava destaque às fraturas e às desigualdades experimentadas pelos diferentes 
segmentos sociais brasileiros, que se contrapunha diretamente à pressuposição de uma 
sociedade homogeneizada onipresente nas análises sobre direito estatal. Na seqüência de 
sua retomada histórica, destaca-se a importância das invasões urbanas ocorridas no país, 
especialmente na cidade do Recife, que foram analisadas por Joaquim Falcão (1981). Este 
último torna-se, então, referência nas discussões ao final dos anos 80:
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
19
“[o] acesso das classes sociais majoritárias à Justiça é um dos aspectos 
necessários, a partir do qual se pode pensar numa base social e política 
que dê ao Judiciário a independência que procura. (...) Neste sentido, a 
contribuição do Judiciário à redemocratização implica não negar-se a lidar 
com os conflitos do padrão emergente. Ao contrário, implica reconhecê-los 
e tentar equacioná-los. Um passo, entre os muitos necessários, é admitir a 
possibilidade de representação coletiva” (FALCÃO, 1981, p. 20).
Ainda sob os auspícios e os desdobramentos da contribuição de Boaventura de Sousa 
Santos e da “Escola de Recife”, a PUC Rio assume protagonismo nas pesquisas, desta vez 
no âmbito dos direitos difusos (e não dos direitos básicos como em Recife), passando a 
analisar as formas de encaminhamento e resolução de conflitos coletivos em três associações 
de moradores de classe média do Rio de Janeiro - Jardim Botânico, Gávea e Laranjeiras. 
Nesses casos, ficou evidenciada a utilização do Poder Judiciário apenas como último recurso 
na resolução de conflitos, quando já estavam esgotadas todas as possibilidades de negociação 
através dos demais Poderes – o Executivo e o Legislativo.
No que tange ao segundo eixo temático a autora destaca a produção da Dissertação 
de Mestrado de Luciano Oliveira, que fora voltada para uma análise das práticas “judiciais” 
da polícia como estratégias que minimizam a violência legalmente prevista, geradas em 
função do hábito das classes populares de “dar queixa no distrito”, buscando a resolução de 
seus problemas interindividuais de natureza pessoal. Oliveira identificava em seu trabalho a 
existência e persistência de uma prática histórica das camadas populares, legalizada inclusive 
durante um período pelo Código Criminal do Império, que atribuía à polícia a competência 
para apreciar pequenos delitos de natureza pessoal. Este tipo de demandas evidenciava, de 
fato e mais uma vez, a situação real de inacessibilidade do Judiciário às classes empobrecidas 
da população brasileira.
É assim que quase simultaneamente, no Rio de Janeiro e em São Paulo, surgem 
trabalhos voltados para o tema das agências judiciais informais de resolução de conflitos. Em 
São Paulo, Maria Cecília MacDowell dos Santos (1989) publica algumasconsiderações para o 
desenvolvimento de uma pesquisa empírica sobre os Juizados Informais de Conciliação (JIC) 
e “no Rio de Janeiro, o grupo da PUC Rio dá continuidade aos seus trabalhos de investigação 
voltando-se para a análise de novas agências de resolução de conflitos, tais como os Juizados 
de Pequenas Causas, de Nova Iguaçu e do Centro, a Promotoria de Bairro e a Comissão de 
Consumidores da Câmara dos Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro” (idem, p.08). Nesta 
segunda vertente, a preocupação fundamental já não era então a luta por direitos coletivos, 
mas sim a urgência de se alargar a cultura cívica no Brasil, entendida esta em função das 
expectativas construídas pelos indivíduos em relação ao governo e às suas instituições.
De fato, em países como o Brasil, é fundamental a expansão da oferta, a melhoria 
da qualidade e da eficiência, e a redução dos custos dos serviços judiciários, tornando-os 
efetivamente acessíveis, em particular aos setores de baixa renda, reduzindo o fosso entre 
a justiça e a população. Como mostra pesquisa coordenada por Vianna, Carvalho, Melo e 
Observatório da Justiça Brasileira
20
Burgos (1997), esta percepção vem ganhando força mesmo entre agentes centrais do campo 
judiciário, como os juízes. Dela resultaram, por exemplo, movimentos como o do chamado 
direito alternativo — em que alguns magistrados pregam a necessidade de que a justiça se 
volte para a defesa dos segmentos sociais inferiores —, ou associações como a dos Juízes 
para a Democracia. Foi também ela, em grande parte, que deu base a iniciativas como a 
criação de um órgão de assistência judiciária como a Defensoria Pública, e de instâncias 
mais ágeis, informais e isentas de custos, como os juizados de pequenas causas, atualmente 
substituídos pelos juizados especiais cíveis e criminais. Iremos nos debruçar agora sobre 
algumas interfaces do Judiciário com estes marcadores de diferenças (gênero/sexualidade 
e raça/etnia) que já foram investigadas, pesquisadas e analisadas na literatura das ciências 
sociais e humanas brasileiras. Trata-se ainda de um levantamento inicial que não tem 
pretensões de esgotar toda a literatura que se debruçou sobre estas temáticas. Também a 
seguir identificamos uma posição que é aquela compartilhada pelos grupos de pesquisadores 
que aqui se alinharam: recorremos à perspectiva de uma Teoria Crítica do Direito e da Justiça, 
com fortes contornos feministas, para delimitar nosso escopo de interpretação dos sentidos 
empíricos aqui delineados.
Revelando Desigualdades: O Direito como Sistema de Poder
Um paradigma crítico para compreender qualquer doutrina, seja ela política, social, 
moral, ou legal, se baseia no pressuposto de que o poder está imbricado em todas as estruturas 
(adiante tematizamos este ponto a partir de uma perspectiva relacional e microfísica do poder, 
recorrendo à contribuição inegável de Foucault nesta perspectiva). Outra dimensão conceitual 
importante neste trabalho refere-se ao campo dos estudos pós ou des-colonialistas que ao 
propor o conceito de “colonialidade” insistem igualmente no quanto as nossas instituições 
(assim como gênero e sexualidade e raça e etnia) estão também atravessados pelo poder. 
No que tange aos estudos feministas de caráter pós-colonialistas é importante chamar 
atenção para a contrubuição de C. Mohanty (1984), em um artigo que já se tornou célebre - 
Under Western Eyes: Feminist Scholarship and Colonial Discourses -, procurou identificar 
nos textos de feministas ocidentais aquilo que ela definiu como a “ produção da ‘mulher 
do terceiro mundo’ como um sujeito monolítico” (MOHANTY, 1984, p. 333, tradução 
livre), a partir da construção crítica de três princípios norteadores: (a) a afirmação de que 
“ as mulheres” se constituem em um grupo coeso e homogêneo, com interesses e desejos 
idênticos; (b) o usos acrítico de metodologias particulares de análise que visem “ provar” 
a existência desta universalidade e de sua correlata validade para os estudos de diferentes 
países (especialmente tendo-se como referência a permanência da dominação patriarcal e da 
opressão das mulheres como um fenômeno global) e; (c) estes dois aspectos anteriores, por 
gerarem a noção homogênea de opressão das mulheres como um único grupo, definiriam por 
via de conseqüência uma imagem/representação específica das mulheres do terceiro mundo 
(aqui estaria ainda em jogo um construção de relações de força onde a definição hegemônica 
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
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de poder é reduzida a jogo binários de estruturas entre quem possui poder – homens – e 
aqueles que não o possuem – as mulheres, especialmente aquelas do terceiro mundo). Sua 
proposta, inicialmente vigorosa e original, teve repercussões imediatas no mundo acadêmico 
já que, provocativamente, a obra localizava o feminismo acadêmico dentro do contexto 
global de dominação política e econômica do “primeiro mundo”. 
Com o artigo e a crítica, a autora procurou evidenciar modos de apropriação e de 
codificação de conhecimentos acadêmicos sobre as mulheres (especialmente as não ocidentais 
e aquelas do “terceiro mundo”), forjados a partir de categorias analíticas desenvolvidas 
exclusivamente pelas teóricas anglo-saxãs e europeias. No mesmo artigo há a insistência da 
autora em reforçar a necessidade (já naquele momento) da formação/construção de estratégias 
de coalizão entre as dimensões de gênero, sexualidade, classe, raça/cor e nacionalidade 
na construção de tradições acadêmicas feministas contra-hegemônicas, que estariam em 
contraponto com as propostas (monolíticas) ocidentais. A autora, ao considerar as práticas 
tradicionalmente acadêmicas (o ler e o escrever, sejam críticos ou textuais) como inscritas em 
relações políticas, dá o devido destaque ao fato de “como” as teorias (feministas) ocidentais 
estariam construindo uma representação distorcida, estável, ahistórica e reducionista a 
respeito das mulheres e dos feminismos do terceiro mundo como: sexualmente limitadas, 
ignorantes, pobres, não escolarizadas, tradicionais e conservadoras, voltadas essencialmente 
para o doméstico e a família, dependentes e vitimizadas pelo sistema sócio-econômico etc.
A denúncia de Mohanty, justamente, situa-se na necessidade de identificar nestas 
estratégias, que aparentemente seriam apenas de enunciação, como os feminismos e algumas 
teorias ocidentais estariam se apropriando e efetivamente “colonizando” (portanto, oprimindo 
ou suprimindo), as complexidades fundamentais e os conflitos que seriam inerentes e que 
marcam a vida das mulheres de classes, sexualidades, raças, religiões, culturas e castas tão 
diferentes, em prol de uma visão binária e reducionista8, e as alocando invariavelmente na 
categoria de “as outras”. Já o convite que ela nos faz é o de se pensar como o feminismo 
acadêmico ocidental (assim como outros tipos de saberes) deveria(m) enfrentar o desafio 
de se situar e de examinar o papel efetivo que tem desempenhado no contexto econômico e 
político global.
Numa outra perspectiva mas dentro desta abordagem, desta vez insistindo sobre 
a importância das questões étnicorraciais, a colonialidade do poder pode ser entendida, 
segundo Quijano (2005), como a classificação social da população mundial de acordo 
com uma ideia inicialmente convencionalizada do que seja “raça”. Nesta perspectiva, a 
raça termina por ser considerada uma “[...] construção mental que expressa a experiência 
básica da dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes 
do poder mundial, incluindo sua racionalidade específica, o eurocentrismo” (QUIJANO, 
2005, p. 227-228). Tal construto “raça”, segundo Colaço e Damázio (2010) acabou por ser 
8 Está claro que na construção destas homogeneizações que as características de contraponto que identifica e 
qualificaas mulheres ocidentais, por oposição, seriam: mulheres escolarizadas, modernas, com controle sobre seus 
próprios corpos e sexualidade e liberdade e autonomia para tomar as próprias decisões. 
Observatório da Justiça Brasileira
22
assumido “pelos conquistadores como o principal elemento constitutivo, fundacional, das 
relações de dominação que a conquista exigia. Assim foi classificada a população da América 
e, posteriormente, do mundo, a partir desse novo padrão de poder. Trata-se do princípio 
organizador que estrutura as múltiplas hierarquias do sistema-mundo a partir de centros de 
poder e de regiões subalternas” (p. 92).
 Neste sentido, o patriarcado europeu e as noções européias de sexualidade, 
epistemologia e espiritualidade foram exportadas para o resto do mundo através da expansão 
colonial, transformadas assim nos critérios hegemônicos que iriam racializar, classificar e 
patologizar a restante população mundial de acordo com uma hierarquia de raças superiores 
e inferiores. (GROSFOGUEL, 2008, p. 124).
Assim, a perspectiva de superioridade/inferioridade além de estar na base do conceito 
de superioridade de gênero e étnicorracial também implicaria uma superioridade epistêmica. 
O conhecimento produzido pelo homem branco é geralmente qualificado como “científico”, 
“objetivo” e “racional”, enquanto aquele produzido por homens de cor (ou mulheres) é 
“mágico”, “subjetivo” e “irracional” (DELGADO, 2007). Essa dimensão, a colonialidade do 
saber, não apenas estabelece o eurocentrismo como perspectiva única de conhecimento, mas 
também descarta as outras produções intelectuais.
Tendo como nosso norte orientador a compreensão de que o Direito e suas instituições 
correlatas (a exemplo dos Tribunais e dos seus acórdãos que vamos investigar aqui) são 
instituições e sistemas de poder igualmente atravessados pelas clivagens das diferenças de 
gênero/sexualidade e raça/etnia, localizamos este esforço de pesquisa em campos disciplinares 
múltiplos onde encontramos as teorias feministas e os dos estudos pós ou des-colonialistas. 
Neste sentido, nosso conhecimento aqui produzido é um conhecimento de “fronteira” entre 
arcabouços acadêmicos igualmente diversos: Antropologia, Sociologia, Ciência Política, 
Psicologia Social e Política em sua interface com os estudos jurídicos. Sabemos que foi a 
partir dos anos 80 que se desenvolveu o paradigma da articulação entre história, sujeitos e 
do poder, tendo entre seus focos estudar a maneira como o poder e a história podem vir a 
determinar e se inscrever nos processos legais. Nos 90, a Antropologia Jurídica anglo-saxã 
buscou aprofundar o duplo papel da legalidade apontado pelos trabalhos anteriores, de forma 
que o Direito pode ser ao mesmo tempo um instrumento de dominação e um espaço para 
resistência (SIERRA; CHENAUT, 2002).
Para estes autores, a partir da crítica da visão formalista do Direito, ou seja, da ideia 
de conceber o legal vinculado ao Direito estatal, impulsionada pelo pluralismo jurídico, 
resulta de grande interesse para avançar em uma interpretação sobre os sistemas de regulação 
vigentes nas distintas sociedades. Surge uma heterogeneidade de abordagens, temas e 
enfoques ressaltando o quanto este é um campo de investigação dinâmico que necessita ir 
além de apenas uma disciplina fechada em si mesma.
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
23
Aqui, buscaremos compreender a relação do sistema legal com as diversas hierarquias 
de gênero/sexualidade e raça/etnia, entendendo que essas não podem ser separadas de outras 
hierarquias e desigualdades, como por exemplo, as de classe. Isso porque elas fazem parte 
de um sistema maior de poder e de opressão, que pode ou não ser mantido e/ou reproduzido 
através das estruturas institucionais – formais e informais - do direito. A análise oferecida 
nesta subseção está dividida em três partes que representam dois grandes eixos: o enfoque 
teórico guiado por discussões conceituais travadas na academia e um enfoque empírico guiado 
por análises de gênero/sexualidade e raça/etnia, sobretudo, no sistema penal brasileiro. Sendo 
assim, primeiramente, apresentamos como as novas críticas ao sistema legal foram criadas a 
partir de uma definição que alinha o sistema legal com um canal ideológico que detém poder. 
Segundo, faremos uma breve síntese das contribuições das/dos teóricas/os feministas e do 
campo das relações raciais a esse mesmo debate. Já no segundo eixo, examinaremos mais 
especificamente a justiça criminal e finalizaremos, na terceira seção, com uma breve síntese 
de alguns estudos no Brasil que buscaram identificar o papel do sistema penal na reprodução 
de rígidos papéis de gênero, particularmente no que tange à violência de gênero e às relações 
étnico-raciais.
A Teoria Crítica do Direito 
Um dos princípios básicos subjacentes aos estudos designados de teoria crítica do 
direito (critical legal studies - CLS) é que o direito está diretamente implicado em instituições 
e padrões ideológicos que ordenam e mantêm certas estruturas na sociedade (COLLINS, 
1987). O movimento iniciou-se nos anos 70 nos Estados Unidos como um contraponto aos 
estudos sobre direito e sociedade na Universidade de Winsconsin (TUSHNET, 1991). Os 
intelectuais que compunham o movimento concordavam em termos gerais que o direito é 
política, dado que o direito é uma forma de “atividade humana na qual conflitos políticos 
são trabalhados de forma a contribuir com a estabilidade da ordem social” (TUSHNET, 
1991, p. 1526). Apesar de sua diversidade interna, em que críticas orientadas por gênero/
sexualidade e raça/etnia também se encontravam, o movimento de teoria crítica do direito 
buscava desenvolver: (1) certas técnicas desconstrucionistas para mostrar a falta de diferença 
entre discursos legais e discursos morais e políticos, e; (2) críticas à sociologia do direito 
baseadas nos trabalhos de Marx e Weber (TUSHNET, 1991). Para esse movimento, a virada 
crítica significava olhar para o papel e a relação do direito com a lógica e as contradições por 
detrás das instituições na sociedade que estruturam diversas formas de desigualdades.
A identidade racial e de gênero dos agentes de justiça
Uma das formas de investigarmos o acesso diferencial à justiça por grupos identitários 
é a medida com que estes ocupam postos e cargos no sistema de justiça. Este será um 
Observatório da Justiça Brasileira
24
primeiro objeto de breve análise aqui. Acerca desta dimensão, o primeiro relatório bianual 
produzido pelo LAESER/UFRJ (Laboratório de Análises Estatísticas, Históricas e Sociais, 
2007-2008) fornece dados acerca da identidade racial e de gênero da alta magistratura 
brasileira9. Seguindo a classificação por sexo e por «raça ou cor» utilizada pelo IBGE, dos 
72 membros da alta magistratura, 56 foram identificados pelos pesquisadores como homens 
brancos (78%), 12 como mulheres brancas (16%), dois como homens pretos (3%), e dois 
como homens amarelos (3%).
Decerto que os mecanismos que atuam na seleção da alta magistratura são tanto 
técnicos quanto políticos, mas a sua composição demonstra muito bem o quadro social 
elitista do qual o Poder Judiciário faz parte. Três quartos do quadro de ministros do judiciário 
é formado pelo grupo identitário mais privilegiado política e culturalmente, homens brancos. 
Um trabalho interessante de se fazer, mas que foge ao espectro de nossa pesquisa, seria 
comparar a composição identitária das diversas instituições que formam o sistema de Justiça 
no Brasil – os corpos policiais e as instâncias judiciárias, ao menos. Uma tal investigação 
nos permitiria responder em que medida o sistema judiciário no Brasil reflete e é formado em 
consonância com a pluralidade e a diversidade identitária do país – indicando, portanto, os 
diversos níveis de democratização que convivemna composição desta dimensão do acesso 
à justiça.
Contribuições Feministas e de Pensadores das Relações Raciais sobre o 
Direito
Os intelectuais ligados a uma perspectiva crítica do direito, particularmente as 
vertentes ligadas às críticas feministas e das relações raciais, ressaltam que o direito serviu 
e serve como um lócus político de alienação e opressão. Mas, paradoxalmente, ele também 
pode servir como um espaço de transformação (TUSHNET, 1991). Ou como Kimberlé 
Crenshaw enfatiza, “o poder social que delineia a diferença não precisa ser um poder de 
dominação, pode, ao contrário, ser uma fonte de empoderamento social e reconstrução” 
(1991, p. 1242). Seguindo esse mesmo intuito e refletindo sobre a atualidade brasileira, 
Piovesan (2003, apud IZUMINO, 2004) argumenta que a ordem jurídica abarca tensões 
ilustrativas, por um lado, de uma visão mais progressista e, por outro lado, de uma visão 
mais conservadora e reacionária. Essa tensão entre valores é contida na ordem jurídica que 
reúne “num mesmo sistema normativo instrumentos jurídicos contemporâneos e inovadores 
(como a Constituição Federal) e outros anacrônicos como o Código Civil e o Código Penal 
de 1940”. Diante da perspectiva androcêntrica na qual o direito se encaixa, Piovesan (2003) 
sugere duas formas de desafiar tal lógica. Em primeiro lugar, é necessário mudar o ensino 
jurídico para transformar o perfil conservador dos agentes jurídicos. Em segundo lugar, 
9 No Brasil, as instituições que compõem a alta magistratura são, Supremo Tribunal Federal, Supremo Tribunal 
de Justiça, Superior Tribunal Militar, Tribunal Superior do Trabalho e Tribunal Superior Eleitoral. É possível que um 
juiz ou juíza acumule funções em mais de uma dessas instituições, o que foi considerado quando da pesquisa citada, 
que contou cada juiz ou juíza apenas uma vez, independentemente do número de cargos que ocupava.
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
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precisamos investir em mudanças que criam uma doutrina jurídica capaz de visualizar o lugar 
da mulher, do/as homossexuais e dos/as negros/as na sociedade e perceber como o poder está 
intrinsecamente ligado às relações de gênero, sexualidade, raça e etnia. 
É precisamente a partir da visão salientada por Piovesan (2003) que as teóricas 
ligadas aos estudos feministas do direito (feminist legal studies) buscaram enfatizar que 
as desigualdades de gênero/sexualidade e raça/etnia são perpetuadas e reproduzidas pelo 
sistema legal que se legitima por uma lógica masculina, heterossexual e branca construída 
através de princípios como universalidade e neutralidade (FINEMAN, 2005; CONAGHAN, 
2000). Em termos gerais, essa perspectiva busca colocar tais hierarquias no centro dos 
estudos do direito, explorando o seu papel em manter um status desigual para as mulheres e 
os demais grupos historicamente excluídos. Ou seja, tais críticas convergem ao entender de 
que o direito guia presunções sobre papéis de gênero/sexualidade, raça/etnia já que pode ser 
considerado como uma extensão dos sistemas capitalista, patriarcal, racista e heteronormativo 
de opressão (ANDRADE, 1999, 2007; CONAGHAN, 2000). Duas contribuições que 
surgem destes debates feministas incluem: (1) a crítica da dicotomia do público e privado, 
ligada, por sua vez, aos rígidos papéis de gênero/sexualidade e questões afeitas ao papel da 
interseccionalidade neste processo (discutiremos este conceito mais adiante); (2) o papel da 
justiça criminal na perpetuação destes papéis. 
A lógica dicotômica estruturadora dos papéis de gênero/sexualidade e raça/etnia, 
estendeu-se tanto para a produção científica quanto para a produção de normativa estatal. 
Nesse sentido, podemos pensar que a produção jurídica funciona como um mecanismo capaz 
de legitimar certas hierarquias de poder. Isso porque o próprio sistema legal tem implicações 
políticas. Feministas (PATEMAN, 1989; FRASER, 1986; OKIN, 1998; WALBY, 1990) 
têm apontado que o público e privado não devem ser apenas considerados como uma mera 
dicotomia, precisamente porque as práticas e ações do público são inteiramente influenciadas 
pelas práticas e ações do privado e vice versa. As assimetrias presentes nas duas esferas 
são, em grande medida, resultado da valorização diferenciada conferida aos dois espaços. 
A configuração histórica e filosófica da esfera privada como o lugar por excelência do 
“feminino” levou a que questões associadas com a família fossem consideradas como uma 
questão privada. Seguindo o famoso lema de que o pessoal é político, Martha Fineman (2005) 
chama atenção para o fato de que a família é altamente regulada e controlada pelo Estado, 
já que as leis definem “quem pode casar com quem, quais relacionamentos são legítimos 
ou legais, quais são as responsabilidades e qual é o papel da família” (p. 413-414). Desse 
modo, a lei serve, sobretudo, para legitimar, cristalizar e perpetuar certos papéis tanto dentro 
da família quanto fora dela. 
Cabe ressaltar que a naturalização dos papéis de gênero/sexualidade e raça/etnia é 
fundamentada por uma premissa heterossexual e racista. Portanto, o simbolismo que a família 
tradicional carrega em si é duplo. Tanto Collins (1998) quanto Fineman (2005) concordam 
que o sentido conferido à tradicional família representa não somente uma construção 
Observatório da Justiça Brasileira
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ideológica, mas também um princípio de organização social capaz de influenciar a construção 
de identidades, com implicações para mulheres e homens, cruzando as fronteiras de classe, 
raça e sexualidade. Exploraremos pelos menos três problemas oriundos dessa simbologia e 
estrutura de poder. 
Em primeiro lugar, a função da família nessa perspectiva, de acordo com Fineman, 
cria problemas para além da reprodução de papéis de gênero. A função tradicional da família 
como um lugar de dependência emocional e física e como uma panacéia para os mais 
diversos problemas sociais retira a responsabilidade do estado de intervenção neste espaço 
(FINEMAN, 2005). 
Em segundo lugar, se os papéis de gênero da família tradicional seguem padrões de 
interação patriarcais, eles também estabelecem um ideal hegemônico e heteronormativo do 
que significa a masculinidade. O sistema patriarcal que permeia a ordem jurídica cristaliza 
uma definição de masculinidade pautada por uma constante tentativa de diferenciá-la do 
que é o ideal “feminino”, levando, portanto, nas piores circunstâncias, a atos de exclusão, 
manipulação, exploração, e violência (HARRIS, 2000). Enquanto isso não indica que 
todo homem ocupará sempre uma posição dominante e que as mulheres estarão sempre 
em uma condição de subordinação (WALBY, 1990, p. 20), teóricas feministas e teóricas 
queer têm mostrado que tal busca para alcançar o ideal da masculinidade influencia não 
somente a relação entre homens e mulheres, mas também e, de maneira importante, a relação 
entre homens e homens. Tal ideal cria uma tensão e ambigüidade nas ações e relações de 
gênero. Como a teórica queer Eve Kosofsky Sedgewick (1990, apud HARRIS, 2000, p. 
787) argumenta, inicialmente os homens temem sua própria homossexualidade quando 
se relacionam com outros homens, já que esses são os espaços em que se espera que eles 
demonstrem toda sua virilidade. Segundo, há um reservatório de violência capaz de surgir 
deste regime que dita específicos padrões de ações. Instâncias de violência atreladas a essas 
visões de masculinidades10 resultam de experiências em que homens sentem-se ameaçados 
por outros homens e mulheres ou quando grupos de homens encenam conjuntamente atos 
de violência. Portanto, devemos lembrar que o conceito de gênero nos permite compreender 
como as estruturas e práticas de subordinação que operam no público e no privado não somente 
fazem as mulheres sofrerem, mas os homens também, mesmo que sejaem graus e níveis 
diferentes (HIRSCHMANN, 2003). As famílias tradicionalmente burguesas, patriarcais e 
monogâmicas reproduzem também as hierarquias associadas à sexualidade e a raça/etnia. 
Este modelo hegemonizado de família claramente obscureceu e invisibilizou outros formatos 
familiares, a exemplo das famílias homoafetivas (MATOS, 2000) e das famílias de escravos.
No que tange ao tema étnicorracial, basta lembrar como o Estado brasileiro, no 
final do século XVIII e início do XIX, desenvolveu uma política de imigração em massa 
para atrair famílias de imigrantes europeus em detrimento das famílias dos ex-escarvos, 
10 Angela Harris (2000 p. 780) ressalta que existem diversos tipos de masculinidades já que os homens estão divi-
didos por raça, etnia, classe, religião, e sexualidade e que tais masculinidades também influenciam sobre diferentes 
relações de aliança, dominação e subordinação.
Acesso ao Direito e à Justiça Brasileiros na Perspectiva 
de Gênero/Sexualidade, Raça/Etnia: Entre o Estado e a Comunidade
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oferecendo lotes de terra para que se estabelecessem como pequenos/as proprietários/as 
agrícolas (alemães/ãs e italianos/as em Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Para o Estado 
de São Paulo, a política imigratória foi de obter mão de obra para a lavoura do café. Os/As 
imigrantes pobres recebiam passagem e transporte para as fazendas. A escolha da imigração 
em massa tinha intenção de substituir o trabalho escravo, pois a escravidão estava em crise e 
nenhum interesse público havia sobre as famílias de ex-escravos. 
Ainda neste sentido cabe lembrar que alguns avanços de pesquisas antropológicas 
favoreceram uma abordagem totalizante das sociedades ditas “primitivas”. A população 
negra e indígena historicamente foi classificada como tal, no Brasil e em todo mundo 
ocidental, tendo seus modelos de organização societária e cultural sido diminuídos em 
importância e caracterizados, no mínimo, como “atrasados”. A antropologia evolucionista 
buscava comparar traços culturais e instituições de várias sociedades para formular hipóteses 
sobre a evolução de determinada instituição. Por exemplo, a comparação entre regras de 
casamento e parentesco de diversas “sociedades primitivas” possibilitou que Morgan (1980) 
elaborasse sua teoria sobre a evolução do casamento que passaria por fazes distintas: (a) uma 
suposta etapa de “promiscuidade primitiva”, (b) evoluindo depois para o “matriarcado”, (c) 
depois para o patriarcado, (d) em seguida para a poligamia e, por fim, (f) a monogamia que, 
enquanto forma de organização familiar ocidental, seria tida como a forma mais “avançada”. 
Os desdobramentos deste tipo de raciocínio são obviamente processos de subalternização e 
alienação. No Brasil, sabe-se que os casamentos inter-raciais são mais comuns do que em 
outras sociedades multirraciais e que tais uniões, por meio do processo de miscigenação racial 
que começou no período colonial, continuam a existir. Contudo, os poucos estudos existentes 
no país sobre este tema instigante nos mostram que aproximadamente 80% dos casamentos 
no Brasil são racialmente endogâmicos e que tal padrão está longe do que seria esperado se 
os marcadores de cor ou raça fossem, de fato, totalmente irrelevantes na seletividade dos 
casados (BERQUÓ, 1991, LAZO, 1988; SCALON, 1992, SILVA, 1987 e 1991).
Outro problema que surge desse foco na família tradicional e que nem sempre é 
considerado, mas de importância para a pesquisa que se propõem aqui, é como a família 
envolve questões de interseccionalidade. Patricia Collins (1998) chama atenção para o fato 
de que as presenças de hierarquias de gênero, riqueza, idade e sexualidade dentro da família 
são paralelas às hierarquias presentes na sociedade. O que a imagem da família tradicional 
faz é reforçar a naturalização dessas relações com implicações para a naturalização da 
autoridade masculina e a invisibilidade de sexualidade gay, lésbica e bissexual (COLLINS, 
1998). O mesmo ocorre para as hierarquias de raça/etnia tanto dentro quanto fora da família, 
particularmente no que tange os estereótipos que tendem a naturalizar a inferioridade intelectual 
de negros e negras. Como já referimos acima, tais hierarquias influenciam as identidades 
tanto fora quanto dentro da família. O papel das discriminações associadas a distintos e 
hierarquicamente valorados modelos de famílias, têm levado as pesquisas sobre mobilidade 
social e raça a dar destaque ao papel da filiação racial na transmissão intergeracional das 
desigualdades sociais. Os resultados apontam não só para as menores taxas de mobilidade 
Observatório da Justiça Brasileira
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ascendente para os estratos médios e altos, experimentadas pelos não brancos, como também 
para as maiores dificuldades encontradas pelas famílias não brancas de classe média para 
transmitir aos filhos as posições sociais conquistadas (SILVA, 1981; HASENBALG, 1985; 
CAILLAUX, 1994; HASENBALG E SILVA, 1999, OSÓRIO, 2004). Parece-nos claro 
então que características tais como número de membros da família, sua renda, condições 
de moradia, escolaridade da pessoa de referência e tipo de família modificam a estrutura de 
oportunidades dos indivíduos. Invariavelmente, em nosso país, são as famílias oriundas da 
população negra e indígena que, devido às suas determinações históricas de subordinação e 
opressão, se mantêm alijadas deste processo de competição pelas oportunidades existentes.
Desta forma, as condições da família têm sido consideradas pelos/as estudiosos/as 
do tema como um importante indicador – senão o mais importante - na composição das 
desigualdades sociais, justamente por agregar características econômicas, sociais e culturais. 
O número de membros da família, principalmente o número de pessoas com menos de quinze 
anos, a presença ou ausência de cônjuge, o grau de instrução dos pais e mães, além da renda 
familiar, são, pois, determinantes fundamentais para a formação da nova geração11.
Ante toda essa evidência acumulada na pesquisa sociológica e demográfica dos 
últimos tempos, o ônus da prova está com aqueles que tentam desfazer o elo causal entre 
racismo, discriminação e desigualdades raciais. Se as desigualdades raciais no Brasil não são 
produto de racismo e discriminação, qual é a teoria ou interpretação alternativa para dar conta 
das desigualdades constatadas?
Feministas têm mostrado que dentro da família as hierarquias de gênero com 
implicações no direito também se manifestam, muitas vezes, através de questões ligadas ao 
divórcio e ao abuso e/ou violência de gênero. O impacto fora da família novamente remete 
a discussões da ligação entre as ações no privado e no público, já que o papel moral que a 
mulher deverá sustentar se estende para além da esfera doméstica. Aqui cabe lembrar também 
como a moralidade desejada dentro das bordas familiares e nas práticas e instituições da 
sociedade tende a limitar e/ou controlar a autonomia da mulher. Além disso, representa uma 
base que paradoxalmente é utilizada para julgar as mulheres que demandam do sistema penal 
em casos de violência de gênero (ANDRADE, 2007). 
Se pensarmos na construção da identidade individual e da família tradicional como 
unidades que constroem uma nação, no sentindo de constituição de uma família nacional, 
conseguimos perceber como os pressupostos de heterossexismo e da heteronormatividade são 
transportados para esse nível também (COLLINS, 1998). As hierarquias são reproduzidas ao 
mesmo tempo em que certas questões historicamente relegadas à esfera privada continuam 
invisíveis. Tomamos o exemplo dado por Collins sobre violência e a resistência de lidar com 
as suas formas de manutenção de poder. Ele utiliza exemplos comuns nos Estados Unidos, 
11 No Brasil, a renda familiar per capita das famílias com pessoas de referência branca é quase o dobro da renda 
per capita das famílias chefiadas por pretos/as e pardos/as;

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