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DIREITO CONSTITUCIONAL – JOÃO PAULO LORDELO 1 CONSTITUCIONALISMO Sumário: 1. Noções Gerais 1.1. Alocação do Direito Constitucional 1.2. Conceito de Constitucionalismo 2. Fases históricas do Constitucionalismo 2.1. CONSTITUCIONALISMO ANTIGO 2.2 CONSTITUCIONALISMO MEDIEVAL 2.3 CONSTITUCIONALISMO MODERNO 2.3.1 CONSTITUCIONALISMO CLÁSSICO OU LIBERAL 2.3.1.1 As principais idéias que aproveitamos dos Constitucionalismos 2.3.1.2. Estado de Direito ou Estado Liberal 2.3.1.3. Experiências do Estado de Direito ou Estado Liberal 2.3.2 CONSTITUCIONALISMO MODERNO SOCIAL 2.3.2. Estado Social 2.4. CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO/NEOCONSTITUCIONALISMO 2.4.1. Características do Neoconstitucionalismo 2.4.2. Marcos fundamentais para se chegar ao neoconstitucionalismo 2.4.3. Pós-‐positivismo 2.4.4. Dimensões dos Direitos Fundamentais 2.4.5. Estado Democrático de Direito 2.5. CONSTITUCIONALISMO DO FUTURO 1. Noções Gerais 1.1. Alocação do Direito Constitucional O Direito é uno e indivisível, devendo ser estudado como um grande sistema. A divisão que conhecemos entre ramos de direito público e privado foi uma opção didática, desenvolvida por Jean Domat. O Direito Constitucional seria de direito público. A idéia de codificação civil como reguladora das relações privadas foi fortalecida com o liberalismo clássico, do Estado Liberal ou de Direito, a partir da criação dos direitos de primeira dimensão (fundados no valor liberdade). O Estado de Direito foi seguido pelo Estado Social (fundado em direitos de segunda dimensão, com base no valor igualdade, em sua acepção material), e pelo Estado Democrático de Direito (fundado em direitos de terceira dimensão, fundados nos valores solidariedade e fraternidade). Hoje, apesar da suposta utilidade didática da dicotomia entre direito público e privado, não é mais adequado falar em ramos do direito, mas em um verdadeiro escalonamento verticalizado e hierárquico de normas, apresentando-‐se a Constituição como norma de validade de todo o sistema (inclusive do direito civil, para passa por um processo de descodificação – com a criação de microssistemas – e despatrimonialização, em razão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas), situação essa decorrente do princípio da unidade do ordenamento e da supremacia da Constituição (força normativa da Constituição, de Konrad Hesse). 1.2. Conceito de Constitucionalismo Constitucionalismo é a evolução histórica do Direito Constitucional. Ele gravita em torno das seguintes idéias básicas: i. Separação de poderes ii. Garantia de direitos iii. Princípio do governo limitado DIREITO CONSTITUCIONAL – JOÃO PAULO LORDELO 2 Karl Loewenstein, um dos maiores constitucionalistas, afirma: “a história do constitucionalismo não é, senão, a luta do homem político pela limitação do poder absoluto”. O constitucionalismo surgiu, assim, como uma reação ao absolutismo, contendo regras de limitação do poder autoritário e de prevalência dos direitos fundamentais1. Canotilho, por sua vez, conceitua o constitucionalismo moderno como uma “técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos”, como uma teoria normativa da política. A economia funcionou como um fator decisivo para a evolução do Direito Constitucional. Pergunta-‐se: qual é o conceito de constitucionalismo? Segundo NOVELINO, o constitucionalismo nada mais é senão uma história da evolução do Direito Constitucional. Em um sentido amplo, o constitucionalismo surge desde o primeiro Estado (todo Estado teria uma Constituição -‐ em sentido bem amplo). Acontece que o termo “constitucionalismo”, tecnicamente, também é utilizado de maneira estrita. Segundo UADI LAMMÊGO BULOS: • Em sentido amplo ! “Constitucionalismo é o fenômeno relacionado ao fato de todo Estado possuir uma Constituição em qualquer época da humanidade, independentemente do regime jurídico adotado”. • Já em sentido restrito ! “É a técnica jurídica de tutela das liberdades, surgida nos fins do Séc. XVIII, que possibilitou aos cidadãos exercerem, com base em constituições escritas, os seus direitos e garantias fundamentais”. Ensina ALEXANDRE DE MORAES: “A origem formal do constitucionalismo está ligada às Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, em 1787, após a Independência das 13 Colônias, e da França, em 1791, a partir da Revolução Francesa, apresentando dois traços marcantes: organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio da previsão de direitos e garantias fundamentais”. Explica PEDRO LENZA: “Canotilho identifica vários constitucionalismos, como o inglês, o americano e o francês, preferindo falar em ‘movimentos constitucionais’. Em seguida, define o constitucionalismo como uma ‘teoria ou ideologia que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-‐social de uma comunidade’”.KILDARE GONÇALVES CARVALHO, por seu turno, vislumbra tanto uma perspectiva jurídica como uma sociológica: " Em termos jurídicos, reporta-‐se a um sistema normativo, enfeixado na Constituição, e que se encontra acima dos detentores do poder; " Sociologicamente, representa um movimento social que dá sustentação à limitação do poder, inviabilizando que os governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução do Estado’. ANDRÉ RAMOS TAVARES identifica quatro sentidos para o constitucionalismo: 1 Nas palavras de Kildare Gonçalves Carvalho, citado por Pedro Lenza, o constitucionalismo “em termos jurídicos, reporta-‐se a um sistema normativo, enfeixado pela Constituição, e que se encontra acima dos detentores do poder; sociologicamente, representa um movimento social que dá sustentação à limitação do poder, inviabilizando que os governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução do Estado”. DIREITO CONSTITUCIONAL – JOÃO PAULO LORDELO 3 " Movimento político-‐social com origens históricas bastante remotas que pretende, em especial, limitar o poder arbitrário; " Imposição de que haja cartas constitucionais escritas; " Propósitos mais latentes e atuais da função e posição das constituições nas diversas sociedades; " Evolução histórico-‐constitucional de um determinado Estado. Arremata LENZA: “os textos constitucionais contêm regras de limitação ao poder autoritário e de prevalência dos direitos fundamentais, afastando-‐se da visão autoritária do antigo regime”. 2. Fases históricas do Constitucionalismo 2.1. CONSTITUCIONALISMO ANTIGO Essa fase começa na Antiguidade, passando pela Idade Média, e termina no final do séc. XVIII. Não aprofundaremos nessa fase, pois somente envolve vestígios do constitucionalismo. Constitucionalismo hebreu Grécia Roma A primeira experiência de Constitucionalismo ocorreu no Estado hebreu (era um estado teocrático e os poderes do soberano eram limitados pela Igreja Durante breves e brilhantes centúrias, existiu um regime político absolutamente constitucional: a democracia direta das Cidades-‐Estados gregas, no século V. Aqui, o poder era dividido entre todos os cidadãos. Também havia limites ao poder do Estado, sobretudo na fase da República (antes do império). Destaca-‐se aqui o valor liberdade (limitada aos patrícios, logicamente). Segundo alguns autores, a única experiência realmente importante para o constitucionalismo clássico estudo foi a inglesa: a experiência constitucional do Rule of Law. Contudo, a doutrina majoritária coloca essa experiência constitucionalismo na era medieval. Entre os antigos, o constitucionalismo já se apresentava, de modo geral, como técnica de limitação do poder. São características do constitucionalismo antigo: • Inexistência de constituições escritas, prevalecendo acordos de vontade; • As leis poderiam ser mudadas sem maiores formalidades; • Vigorava a irresponsabilidade governamental. Os imperadores não estavam obrigados a seguir as normas jurídicas. 2.4 CONSTITUCIONALISMO MEDIEVAL (SÉC V ATÉ O FIM DO IMPÉRIO ROMANO DO ORIENTE) É engano pensar que, na Idade Média, o constitucionalismo teria sido sufocado. Muito pelo contrário! Encontram-‐se neste momento as mais claras apologias ao poder limitado dos governantes. Vejamos: i. a MAGNA CARTA DE 1215, outorgada na Inglaterra, pelo rei João Sem Terra, filho de Henrique II, representa o grande marco do constitucionalismo medieval, protegendo diversos direitos individuais. DIREITO CONSTITUCIONAL – JOÃO PAULO LORDELO 4 ii. Estatuto ou Nova Constituição de Merton (1236); iii. Petition of Rights (1628); iv. Habeas Corpus Act (1679); v. Bill of Rights (1689) e o; vi. Act of Settlement (1701). Vejamos as principais características do constitucionalismo nesse período: • Predomínio da concepção jusnaturalista de constituição; • Existência de autênticas constituições não escritas; • Idéia de que a autoridade dos governantes era fundada num contrato com os súditos. Deus seria o árbitro do seu fiel cumprimento; • Os cidadãos, ao menos teoricamente, não poderiam ser submetidos ao poder arbitrário. Aqui, iniciou-‐se o RULE OF LAW. Na Inglaterra surgiu uma expressão (recentemente cobrada em certame do MP/MG) chamada rule of law. Tal expressão possui origem na Magna Carta inglesa (1215), documento precursor de todas as futuras Declarações de Direitos, já que representa, breve síntese, a necessidade de submissão do governo às leis. Tal expressão é traduzida como “governo das leis”, em substituição ao governo dos homens. Trata-‐se de um pressuposto básico da Democracia, marco do constitucionalismo, donde se extraem as seguintes contribuições: a) Limitação ao poder arbitrário (apesar de não ter uma constituição escrita, muitos pactos foram celebrados entre cidadãos e governantes, com o escopode limitar o poder arbitrário: sujeição à lei e ao parlamento etc.). b) Igualdade dos cidadãos ingleses perante a lei Artigo: Você sabe o que significa o princípio "rule of law"? -‐ Lilia Loffredo 20/08/2008 Autor: Lília de Castro Monteiro Loffredo; A resposta à indagação remonta à primeira manifestação concreta do constitucionalismo: a Magna Carta Libertatum. Na Inglaterra, ano de 1215, o Rei João Sem Terra foi coagido pelos barões ingleses a prometer obediência à Magna Carta Libertatum, por eles idealizada. Esse precioso documento pode ser considerado o principal precursor de todas as futuras Declarações de Direitos, eis que representa a autoridade do governo exercida em concordância com as leis existentes. José Joaquim Gomes Canotilho entende que mesmo com as variações do princípio "rule of law" no tempo, o instituto contém quatro dimensões bem nítidas: The rule of law significa, em primeiro lugar, na seqüência da Magna Charta de 1215, a obrigatoriedade da observância de um processo justo E legalmente regulado, quando se tiver de julgar e punir os cidadãos, privando-‐os de sua liberdade e propriedade. Em segundo lugar, IMPORTA NA proeminência das leis e costumes do país perante a discricionariedade do poder real. Por conseguinte, aponta para a sujeição de todos os actos do executivo à soberania do parlamento. E, Por fim, Rule of Law terá o sentido de igualdade de acesso aos tribunais por parte dos cidadãos a fim destes aí defenderem os seus direitos segundo os princípios de direito comum dos ingleses (Common Law) e perante qualquer entidade (indivíduos ou poderes públicos). Analisando a questão mais a fundo, verifica-‐se que o "rule of law" tem como verdadeiro substrato o princípio da legalidade. Nessa esteira de DIREITO CONSTITUCIONAL – JOÃO PAULO LORDELO 5 pensamento, tem-‐se que um Estado que não respeita os direitos humanos ou, até mesmo, não se pauta na democracia pode muito bem existir sem o princípio "rule of law". Todavia, trata-‐se de preceito considerado pressuposto lógico da Democracia, que se revela como verdadeira garantia contra o despotismo ao se firmar como suporte legal ao Estado Democrático de Direito. 2.3. CONSTITUCIONALISMO MODERNO Inaugura-‐se a partir do surgimento da Constituições escritas. 2.3.1 CLÁSSICO OU LIBERAL Começa no final do séc. XVIII, com as revoluções liberais (francesa e norte-‐americana), e vai até a Primeira Guerra Mundial (1914). Até então, não existia Constituição escrita, mas simplesmente baseada nos costumes. A primeira Constituição escrita que existiu foi dos EUA, em 1787, seguida da Constituição francesa de 17912. Com a Constituição escrita surge a rigidez constitucional (processo mais solene, com dificuldade de alteração de suas normas). A Constituição rígida, por sua vez, é caracterizada pela supremacia, surgindo a idéia de supremacia da Constituição. Escrita ! Rigidez ! Supremacia Muitos autores entendem que o Constitucionalismo só surgiu nessa fase, com a Constituição rígida e suprema. Nessa fase do Constitucionalismo surgiram os direitos de primeira dimensão3: direitos fundamentais relacionados com o valor liberdade4, elegendo-‐se o povo como o titular legítimo do poder (pela Revolução Francesa). A primeira dimensão de direitos é formada por direitos civis ou políticos5. 2.3.1.1. As principais idéias que aproveitamos dos Constitucionalismos A) Norte-‐americano i. Supremacia da Constituição # o jogo político é protagonizado pelos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo e organizado pela Constituição. Os norte-‐ americanos perceberam que, para a Constituição efetivamente determinar as regras do jogo entre os Poderes, teria que estar acima deles. Daí surgiu a idéia de Poder Constituinte, que se refere à Constituição, e Poderes Constituídos, que são os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário; 2 A Constituição francesa não foi a primeira constituição escrita na Europa, mas a Constituição polonesa, que surgiu um pouquinho antes. 3 Não se utiliza mais a expressão “geração”, para manter a idéia de que as dimensões coexistem. 4 Pois esse era o interesse da luta da burguesia, que buscava proteger os direitos à liberdade e propriedade, contra a arbitrariedade do monarca. 5 Para ilustrar, a Constituição americana, que data de 1787, época do Constitucionalismo clássico ou liberal, quando surgiu, somente consagrava direitos civis, razão porque chamam os direitos constitucionais de civil rights lá. DIREITO CONSTITUCIONAL – JOÃO PAULO LORDELO 6 ii. Garantia Jurisdicional # define que o Poder Judiciário será responsável por garantir a supremacia da Constituição. Os norte-‐americanos escolheram o Poder Judiciário para defesada Constituição porque era o Poder mais neutro, do ponto de vista político, em comparação com os Poderes Executivo e Legislativo. O controle de constitucionalidade surgiu aqui, em função da garantia jurisdicional (controle difuso feito pelo juiz Jonh Marshall, em 1803). iii. Federalismo, República como forma de governo, Etc. B) Francês i. Garantia de Direitos ii. Separação de Poderes Essas ideias estão muito claras no art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (a declaração da revolução francesa, de 1789): Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição. 2.3.1.2. Estado de Direito ou Estado Liberal O Estado de Direito surge até um pouco antes do constitucionalismo clássico, no Rule of Law inglês, mas é nessa época que ela fica institucionalizado. A partir do constitucionalismo clássico, começa a haver predomínio do positivismo jurídico sobre o jusnaturalismo, surgindo a idéia de Estado de Direito. O Estado de Direito substituiu o modelo de Estado anterior, absolutista, chamado de Estado de Polícia. O Estado de Direito está ligado à idéia de “império da lei”, opondo-‐se ao império dos homens. CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DO ESTADO LIBERAL: i. Os direitos fundamentais correspondem aos direitos da burguesia – seriam os direitos à liberdade e propriedade. O Estado liberal é essencialmente abstencionista, não intervindo nas relações sociais, laborais, econômicas, mas somente se preocupando com a proteção da liberdade e da propriedade. Nessa época, liberdade e propriedade só apresentavam caráter formal, e não a dimensão material, adotada na atualidade. Desde essa época, a intervenção (restrição) dos direitos fundamentais só era possível por meio de lei. Daí vemos que o princípio da legalidade já estava presente. ii. A limitação do poder do Estado pelo Direito se estende ao soberano – no Estado de Direito não havia ninguém acima da lei: todos estavam sujeitos à lei e à Constituição. iii. Princípio da legalidade da Administração Pública – Ela só podia atuar com base em lei. DIREITO CONSTITUCIONAL – JOÃO PAULO LORDELO 7 iv. O Estado se limita à defesa da ordem e segurança públicas – isso porque o Estado liberal é abstencionista. No campo econômico, o Estado de Direito é mínimo6. 2.3.1.3. Experiências do Estado de Direito ou Estado Liberal O Estado de Direito teve três concretizações/experiências importantes: A. Experiência da Rule of Law – foi um Estado de Direito que aconteceu na Inglaterra, na Idade Média. Foi “o Governo das Leis”, em substituição ao “Governo dos Homens”. Característica principal: desenvolvimento do devido processo legal em sua dimensão substantiva (noção de que o processo tem que ser justo e adequado). B. Experiência do Rechtsstaat – ocorreu na Prússia, no séc. XVIII. (trad. literal é Estado de Direito). Característica principal: impessoalidade do poder (ou seja, dentro do Estado, todos estão limitados pelo que a lei determina). C. Experiência do État Légal – ocorreu na França, depois da Revolução Burguesa. Característica principal: estabelecimento de normas por legisladores eleitos democraticamente. Apenas na França o direito tinha que ser criado por legisladores eleitos, na Alemanha não havia essa previsão. O État Légal corresponde ao Estado de Direito. Nessa época vigia o positivismo jurídico da Escola da Exegese. Os revolucionários franceses não confiavam nos juízes, razão porque a hermenêutica seria de subsunção. A função do juiz era meramente revelar aquilo que a lei dizia. O juiz só podia interpretar literalmente, e não aplicando uma interpretação conforme a Constituição. OBS: Experiência do État du Droit – ocorreu na França, após o État Legal. Ele corresponde ao que chamam na Alemanha de Verfassungsstaat (Estado Constitucional) e não ao Estado de Direito, como pode parecer. QUESTÃO: Trate do devido processo legal no Rule of Law, no État Legal e Rechtsstaat. 2.3.2 CONSTITUCIONALISMO MODERNO OU SOCIAL7 Teve uma duração curta, existindo no período entre-‐guerras (1918-‐1945). Esse novo Constitucionalismo surgiu em razão da crise econômica e financeira pela qual o mundo passava, em decorrência do esgotamento fático do Constitucionalismo Liberal, incapaz de atender as demandas por direitos sociais. O Estado abstencionista é, assim, substituído pelo Estado intervencionista. Nessa fase do Constitucionalismo, o rol de direitos fundamentais é aumentado, surgindo a segunda dimensão de direitos fundamentais, ligados ao valor “igualdade”. Essa é a igualdade material, pois a igualdade formal já existia na época do Constitucionalismo Clássico. 6 Teoria da mãoinvisível, de Adam Smith, principal teórico do campo econômico do Estado Liberal. Na visão de Adam Smith, o Estado deve ter apenas três deveres: (i) proteger a sociedade contra a violência e a invasão externa; (ii) estabelecer uma adequada administração da Justiça; (iii) erigir e manter obras e instituições que não sejam objeto de interesse privado. 7 O Constitucionalismo Moderno (denominação de Marcelo Novelino) também é chamado por Pedro Lenza e Uadi Lammêgo de Constitucionalismo Moderno. Esses autores não distinguem a fase do Constitucionalismo Moderno entre os Estados de Direito/Liberal e Social, como faz Marcelo Novelino, que trata desses Estados como fazendo parte, respectivamente, das fases do Constitucionalismo Clássico e Moderno. Para Pedro Lenza e Uadi Lammêgo, tanto o Estado de Direito quanto o Estado Social estão insertos na fase do Constitucionalismo Moderno. DIREITO CONSTITUCIONAL – JOÃO PAULO LORDELO 8 Os direitos de segunda dimensão são conhecidos como direitos sociais, econômicos e culturais. Os direitos ligados ao valor liberdade eram direitos individuais. Já os direitos de segunda geração são coletivos. Os direitos de segunda dimensão e o Constitucionalismo moderno tiveram como documentos marcantes a Constituição do México, de 1917, e a de Weimar, de 1919. Essas Constituições influenciaram a criação da Constituição brasileira de 1934. No Constitucionalismo Moderno, surge um novo modelo de Estado para substituir o Estado de Direito/Liberal: o Estado Social. 2.3.2.1. Estado Social O Estado Social tenta superar a dicotomia paradoxal entre a igualdade política (todos tinhas direitos) e a desigualdade social (as pessoas viviam de formas diferentes). O Estado Social mantém sua adesão ao capitalismo, e isso o diferencia do Estado Socialista/Proletário, que adota o comunismo ou o socialismo. CARACTERÍSTICAS DO ESTADO SOCIAL: i. Intervenção no domínio social, econômico e laboral – ao contrário do Estado Liberal, que deixava que a liberdade de concorrência cuidasse dessa parte. ii. O Estado assume um papel decisivo na produção e distribuição de idéias iii. Garantia de um mínimo de bem estar social – por isso muitos o chamam de Estado do Bem Estar Social ou Welfare State. O Estado de Bem Estar Social costuma criar um salário social. No Brasil temos isso: o benefício assistencial (não previdenciário) pago para incapazes ou maiores de 65 anos que tiverem renda familiar per capita menor de ¼ do salário mínimo. iv. Estabelecimento de um grande convênio global de estabilidade econômica – Keynes foi o principal teórico econômico do Estado Social. Por isso, esse pacto (acordo global de estabilidade econômica) é chamado de keynesiano. v. Aumento do grau de complexidade da interpretação do Direito – A partir de meados do séc. XIX, Savigny estabelece cânones hermenêuticos que passaram a ser aplicados, em adição à interpretação literal, propagada pelos exegetas. A interpretação seria realizado por meio dos seguintes métodos interpretativos: a. literal ou gramatical; b. histórica; c. lógico e sistemático. O elemento teleológico (busca a finalidade da norma) não foi desenvolvido por Savigny, pois não há necessidade de fixação dele como elemento autônomo, uma vez que quando se utiliza os demais métodos interpretativos, já se está buscando a finalidade da norma. 2.4. CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO OU NEOCONSTITUCIONALISMO DIREITO CONSTITUCIONAL – JOÃO PAULO LORDELO 9 Alguns autores, brasileiros, espanhóis e latino-‐americanos têm chamado essa fase de neoconstitucionalismo. Essa fase do constitucionalismo é fundada do paradigma jurídico do pós-‐positivismo, em se busca não mais apenas atrelar o constitucionalismo à idéia de limitação de poder político, mas, acima de tudo, buscar a eficiência da Constituição. Seu modelo normativo é AXIOLÓGICO8, porque enquanto o caráter ideológico do constitucionalismo moderno era apenas limitar o poder, o caráter ideológico do neoconstitucionalismo é o de concretizar direitos fundamentais. CONSTITUCIONALISMO MODERNO NEOCONSTITUCIONALISMO Hierarquia formal entre normas constitucionais e infra Finalidade: Limitação de poder Hierarquia entre normas baseada em valor (axiológica) Finalidade: Concretização dos direitos fundamentais 2.4.1. Características do Neoconstitucionalismo Segundo Walber de Moura Agra, dentre as principais características do neoconstitucionalismo podem ser mencionadas: a) Positivação e concretização de um catálogo de direitos fundamentais b) Onipresença dos princípios e das regras c) Inovações hermenêuticas d) Densificação da força normativa do Estado e) Desenvolvimento da justiça distributiva (eficácia de direitos sociais) i. Normatividade da Constituição (Konrad Hesse) – Define que a norma constitucional tem status de norma jurídica, sendo dotadade imperatividade. os EUA já aceitavam a normatividade da Constituição desde sua Constituição de 1978, mas na Europa não havia essa preocupação, pois para os europeus os direitos fundamentais eram apenas diretrizes, às quais o Parlamento não estaria vinculado9. Hoje, a normatividade é indiscutível. ii. Supremacia Constitucional – essa característica também já existia desde as primeiras constituições escritas. Para ter supremacia formal, a Constituição tem que ser rígida e, para ser rígida, tem que ser escrita. iii. Centralidade da Constituição – essa característica também é denominada de Unipresença, Imperatividade, Superioridade, Ubiqüidade Constitucional. A Constituição passa a ser o centro do sistema jurídico, marcada por intensa carga valorativa. A centralidade da Constituição se reflete no fenômeno da Constitucionalização dos ramos específicos do Direito (ex: constitucionalização do direito civil). Expressões da centralidade da Constituição: a. Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais: quando os direitos fundamentais de primeira dimensão surgiram, tinham apenas eficácia vertical (somente o Estado era sujeito passivo). Os juristas começaram a perceber, no entanto, que a violação dos direitos fundamentais não ocorria somente na relação subordinada entre Estado e cidadãos, mas também na relação de coordenação, entre 8 No constitucionalismo moderno a diferença entre normas constitucionais e infraconstitucionais era apenas de grau, no neoconstitucionalismo a diferença é também axiológica. 9 Pois os europeus confiavam em seus parlamentares para defesa de seus direitos. DIREITO CONSTITUCIONAL – JOÃO PAULO LORDELO 10 particulares. Por isso desenvolveram a tese da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que impõe sua observância nas relações entre particulares. b. Filtragem Constitucional: Define que tudo deve ser interpretado a partir da Constituição, que servirá de norma de validade de todo o sistema, que deverá estar em consonância com seu espírito. Significa que as leis devem ser interpretadas à luz dos valores consagrados pela Constituição. Esse é o chamado princípio da interpretação conforme à Constituição. c. Rematerialização da Constituição: é uma característica comum às Constituições do pós-‐guerra. Significa que o conteúdo da Constituição foi revisto e ampliado. Novos direitos fundamentais foram incorporados às Constituições, que passaram a adotar, também, por exemplo, diretrizes políticas. Por isso, as Constituições passaram a ser prolixas10. É o chamado totalitarismo constitucional, segundo qual a Constituição passa a tratar de todos os assuntos minimamente importantes, assumindo, ainda, conteúdo programático11, característica da constituição dirigente de Canotilho12, que visa a encontrar mecanismos para a efetiva concretização dos valores consagrados na Constituição. d. Maior Abertura da Interpretação Constitucional: a interpretação constitucional evoluiu e hoje temos vários métodos específicos para a interpretação da Constituição. Os princípios são aplicados por meio de um método de sopesamento, da ponderação, e não pelo método da subsunção (aplicado sobre as normas-‐regras). O juiz tem que analisar, no caso concreto, o princípio que tem relevância maior. Não havendo um consenso do que venha a ser a decisão mais correta, a decisão torna-‐se mais subjetiva, com mais poder para o juiz. O juiz utiliza a fundamentação para decidir. e. Fortalecimento do Poder Judiciário: antes da Constituição de 1988, somente existia uma ação de controle de constitucionalidade abstrato, hoje temos 4. Nenhum outro país do mundo tem tantas formas de controle de constitucionalidade como o Brasil. Isso dá grande poder ao STF, que atua como legislador negativo. A ampliação dos legitimados para a propositura das ações de controle de constitucionalidade também auxiliou o fortalecimento do Poder Judiciário (Antes da CF/88, só o Procurado Geral da República podia ajuizar a representação de inconstitucionalidade). 2.4.2. Marcos fundamentais para se chegar ao neoconstitucionalismo 10 Nossa Constituição, por exemplo, é tão prolixa porque posterior à ditadura. 11 Normas programáticas são metas a serem atingidas pelo Estado, programas de governo. 12 Essa concepção de dirigismo estatal (de o texto fixar regras para dirigir as ações governamentais) tende a evoluir para o que André Ramos Tavares chama de dirigismo comunitário do constitucionalismo globalizado, que busca difundir a idéia da proteçãoaos direitos humanos e propagação para todas as nações. DIREITO CONSTITUCIONAL – JOÃO PAULO LORDELO 11 2.4.3. Pós-‐positivismo O pós-‐positivismo é o paradigma jurídico do constitucionalismo contemporâneo, como uma filosofia do Direito que surge após a Segunda Guerra Mundial, quando perceberam que a legalidade estrita poderiadar fundamento a muitas atrocidades (como ocorreu na Alemanha nazista, que era um Estado de Direito). O pós-‐positivismo passou a buscar a reaproximação entre o direito e a moral, ou seja, com a noção de justiça. Não representa um retorno ao jusnaturalismo, mas algo novo. Ela tenta ser um ponto intermediário entre o jusnaturalismo (direito natural, posto) e juspositivismo. Robert Alexy13 foi quem melhor definiu o pós-‐positivismo, a partir da identificação dos elementos dos dois paradigmas jurídicos que o antecederam: jusnaturalismo e positivismo. Um elemento que sempre estará presente em toda definição de Direito criada pelos jurnaturalistas: correção substancial, ou seja, que para ser direito, é necessário que tenha um conteúdo justo. A preocupação dos jusnaturalistas era com a justiça. “O direito extremamente injusto não é direito”, por falta de correção substancial (Robert Alexy). Contudo, não é qualquer injustiça que descaracteriza o direito. No positivismo jurídico, por sua vez, dois elementos estão sempre presentes nos conceitos de Direito desenvolvidos por seus teóricos: validade formal e eficácia social. A preocupação dos positivistas era com a segurança jurídica. Para composição de seu conceito de Direito, os pós-‐positivistas conjugam os três elementos mencionados pelo jusnaturalismo e juspositivismo: correção substancial (justiça em seu conteúdo); validade formal e eficácia social. CARACTERÍSTICAS DO PÓS-‐POSITIVISMO: a. Adequação entre positivismo e jusnaturalismo b. Reconhecimento do caráter normativo dos princípios – por contribuição de Ronald Dworkin e Robert Alexy, principais autores do pós-‐positivismo. Para a teoria do jusnaturalismo, princípio e norma eram diferentes: princípio seria diretriz, conselho, sem caráter vinculante, enquanto norma seria regra obrigatória e vinculante. Os positivistas continuaram a diferenciar princípio de norma. Os pós-‐positivistas passam a adotar a seguinte distinção: A norma jurídica é o gênero de que são espécies os princípios e as regras. 13 Robert Alexy é muito citado na jurisprudência do STF, a partir de 2003, por sua obra: Teoria dos Direitos Fundamentais. Ler! MARCOS FUNDAMENTAIS HISTÓRICO 1) Estado Constucional de Direito 2) Constuições a parr da 2ª Guerra Mundial 3) Redemocrazação FILOSÓFICO 1) Pós-‐posivismo (direito-‐éca) 2) Direitos Fundamentais TEÓRICO 1) Força normava da Constuição (Konrad Hesse) 2) Supremacia da Constuição (constucionalização dos direitos fundamentais) 3) Nova dogmáca da interpretação constucional DIREITO CONSTITUCIONAL – JOÃO PAULO LORDELO 12 Por isso diz-‐se que, enquanto no positivismo o principal protagonista era o legislador, no pós-‐positivismo o principal protagonista é o juiz, que aplicará os princípios com base em métodos hermenêuticos de ponderação de valores, extremamente subjetivos. 2.4.2. Dimensões dos Direitos Fundamentais No Constitucionalismo Contemporâneo surgem os direitos de terceira dimensão, ligados à fraternidade ou solidariedade. Hoje já se fala em direitos que quarta e quinta geração, mas a partir da terceira dimensão, há divergência da doutrina na classificação dos direitos. Classificação de Paulo Bonavides (rol exemplificativo dos direitos): o Primeira dimensão: direitos civis ou políticos, individuais, ligados aos valores burgueses da propriedade e, principalmente, da liberdade. o Segunda dimensão: direitos coletivos sociais, econômicos ou culturais, fundados no valor da igualdade material. o Terceira dimensão: direitos ligados ao valor fraternidade, solidariedade. Ex: direito ao meio ambiente; autodeterminação dos povos, direito ao progresso ou desenvolvimento; direito de comunicação, etc. São direitos transindividuais. DICA: Notar que as dimensões dos direitos constitucionais seguem a ordem da luta burguesa: “liberdade, igualdade e fraternidade”. o Quarta dimensão: são os direitos ligados ao valor “pluralidade”. Ex: democracia, informação e pluralismo. o Quinta dimensão: recentemente, Paulo Bonavides classificou a paz como direito fundamental de quinta dimensão. Pedro Lenza e André Ramos Tavares classificam a paz como direito de terceira dimensão. 2.4.5. Estado Democrático de Direito Esse é o Estado que surge com o neoconstitucionalismo. Ela tenta fazer uma conexão entre democracia e Estado de Direito, por meio do principio da soberania popular. O ordenamento introduz dispositivos que passam ao povo o poder. Art. 1º, Parágrafo único da CF. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. O Estado Democrático de Direito procura sintetizar as conquistas dos Estados Liberal e Social. Marcelo Novelino prefere utilizar a expressão “Estado Constitucional Democrático” no lugar de “Estado Democrático de Direito” em razãoda análise da idéia em torno da qual gira o Estado na Fase do Neoconstitucionalismo, já que o paradigma do império da lei (do Estado de Direito) mudou para força normativa da Constituição. CARACTERÍSTICAS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: i. Preocupação com a efetividade e com a dimensão material dos direitos fundamentais: enquanto a preocupação antes era com a consagração dos direitos na Constituição, agora busca-‐se que os direitos já consagrados sejam efetivados. DIREITO CONSTITUCIONAL – JOÃO PAULO LORDELO 13 No Estado Liberal, os direitos fundamentais tinham caráter meramente formal. No Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais passam a ter consagrados sua dimensão material: ex. direito à igualdade (como diminuição de desigualdades). ii. O direito deve ser exercido e organizado em termos democráticos: No Brasil, temos mecanismos de democracia direta e indireta (participação popular). iii. O legislador passa a ter, além das limitações formais, limitações materiais: o legislador não está limitado apenas em relação ao processo como elabora a lei, mas também ao conteúdo, a substância, das normas que cria. iv. A democracia não é apenas a democracia formal (vontade da maioria e eleições periódicas). Hoje, a democracia é vista em um sentido substancial. Além das acepções tradicionais da democracia, entra um componente novo: a garantia de direitos fundamentais para todos, inclusive para as minorias. 2.5. CONSTITUCIONALISMO DO FUTURO Os autores já estão falando no Constitucionalismo do futuro, que ainda não chegou, mas pode vir a ser. A idéia do constitucionalismo do futuro surgir há algumas décadas, quando foi realizado um congresso na América Latina em que foram discutidas as metas para o constitucionalismo no futuro. Alguns participantes escreveram artigos com base nessas discussões. O autor argentino José Roberto Dromi tem sido citado em concurso. O Constitucionalismo do futuro deve buscar um equilíbrio entre as conquistas do constitucionalismo moderno e os excessos do constitucionalismo contemporâneo. EXCESSOS DO NEOCONSTITUCIONALISMO: mais ponderação que subsunção; mais princípios do que regras; protagonismo do judiciário etc. Na realidade, o ideal é que haja um equilíbrio entre os Poderes, e entre normas e princípios. Com base em princípios, o juiz pode decidir da forma como bem entender, daí a importância das regras para conferirem segurança jurídica ao sistema. VALORES FUNDAMENTAIS QUE DEVEM NORTEAR O CONSTITUCIONALISMO DO FUTURO: i. Verdade – As Constituições não podem gerar falsas expectativas, somente devendo consagrar o que puder ser cumprido. ii. Solidariedade – É uma nova perspectiva da igualdade: solidariedade entre os povos, dignidade da pessoa humana e justiça social. iii. Consenso – A Constituição deverá ser fruto de consenso democrático. iv. Continuidade – As Constituições não devem ficar sofrendo reformas continuamente, como acontece hoje. Ao se reformar a Constituição, a ruptura não pode deixar de levar em conta os avanços já conquistados. v. Participação – Consagração da democracia participativa. vi. Integração – Criação de órgãos supranacionais que integrem os povos. vii. Universalização – Consagração de direitos fundamentais internacionais, fazendo prevalecer a dignidade da pessoa humana universalmente, afastando a desumanização.
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