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Mikhail Bakhtin - Dialogismo - Lucia Masini

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Sobre Mikhail Bakhtin 
 
Dialogismo 
Lucia Masini 
 
Vivendo também na efervescente e tensa Rússia pós-revolucionária, Bakhtin, durante os anos 
20, foi uma figura marginal no cenário intelectual russo, sendo conhecido por um pequeno 
círculo de amigos e admiradores. Aos olhos do ocidente, sua obra teve tardia e difícil 
penetração, por parecer dispersa, caótica e marxista. Somente com a publicação de boa parte 
de seus textos, em países da Europa e da América, é que Bakhtin passou a ser compreendido e 
considerado um dos mais importantes pensadores do séc. XX. 
Avesso a vinculações a correntes acadêmicas específicas, Bakhtin reuniu em torno de si 
intelectuais de diferentes áreas para um incessante debate cultural. Foram desses grupos 
heterogêneos, os chamados círculos de Bakhtin, que saíram importantes trabalhos, nas áreas 
de literatura, teoria lingüística, teologia, psicanálise, filosofia, produzidos muitas vezes em 
parceria com outros membros dos círculos. Entre eles destacam-se Volochinov e Medvedev . 
 
Tendo o dialogismo como espinha dorsal de sua obra, Bakhtin toma o homem sempre em sua 
relação com o outro. O ser bakhtiniano nunca é completo, fechado em si; sua existência 
depende do relacionamento com os outros, estabelecido dialogicamente. 
E como o diálogo é concebido na teoria bakhtiniana? 
Trata-se do diálogo inconcluso, o diálogo infinito e inacabável em que nenhum sentido morre 
(Bakhtin, 1974/1979: 413). Quando Bakhtin refere-se ao diálogo, situa-o em duas perspectivas 
de tempo: a pequena temporalidade, na qual se encontra o diálogo no seu sentido estrito, 
aquele realizado numa situação determinada, e a grande temporalidade, na qual se encontra o 
grande diálogo, em que: 
 
Não há uma palavra que seja primeira ou a última, e não há limites para o contexto dialógico 
(este se perde num passado ilimitado e num futuro ilimitado) (...). Em cada um dos pontos do 
diálogo que se desenrola, existe uma multiplicidade inumerável, ilimitada de sentidos 
esquecidos, porém, num determinado ponto, no desenrolar do diálogo, ao sabor de sua 
evolução, eles serão rememorados e renascerão numa forma renovada (num contexto novo). 
Não há nada morto de maneira absoluta. Todo sentido festejará um dia seu renascimento 
(Bakhtin, 1974/1979: 413-414). 
 
Em Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929), Bakhtin/Volochinov já abordavam esse tema, 
embora de outra forma. Nesse trabalho – como já foi dito anteriormente, de forte cunho 
marxista –, os autores afirmam que, diferentemente do que defendiam na época a filosofia 
idealista e a visão psicologista, todo signo é fenômeno do mundo exterior e tem caráter 
ideológico. A consciência é um fato sócio-ideológico (Bakhtin/Volochinov, 1929: 35). Os signos, 
criados nas interações sociais, dão forma à consciência humana individual. E a palavra, por 
acompanhar e apoiar todos os outros signos, constitui-se como o signo ideológico por 
excelência, privilegiado pela consciência e pela comunicação entre os homens na vida cotidiana. 
O modo de funcionamento de grupos sociais, a que os autores denominaram, com base em 
Plekánov (1922), psicologia do corpo social, realiza-se através da interação verbal. Nessa 
perspectiva, a palavra, para Bakhtin/Volochinov, penetra em todas as relações humanas, 
registra as lentas mudanças sociais e é determinada pelas relações de produção e pela 
estrutura sócio-política. A palavra como fruto de criação ideológica de cada época histórica tem 
sua sobrevivência como signo vinculada à ideologia do cotidiano. Desta se alimenta e ganha 
novos contornos. Ainda que, em uma determinada época, uma palavra, uma obra literária, por 
exemplo, pareça adormecida, é do vínculo com a ideologia de uma outra época que ela pode 
renascer. 
Esse é o diálogo ininterrupto de que fala Bakhtin, ao longo de sua obra, sendo portanto a base 
para sua tese de que a interação verbal constitui a realidade fundamental da língua 
(Bakhtin/Volochinov, 1929: 123). 
Contrários às teses do objetivismo abstrato – que concebe a língua como um sistema imutável 
de normas lingüísticas – e às do subjetivismo individualista – que vê a enunciação monológica 
como a realidade da língua - Bakhtin/Volochinov (1929: 124) entendem que a língua existe e 
evolui historicamente. Dessa forma, propõem a seguinte metodologia para seu estudo: 
 
1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se 
realiza. 
2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a 
interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na 
criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal. 
3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação lingüística habitual. 
 
O compromisso com a história, com a evolução ininterrupta da língua, fez Bakhtin dispensar 
especial atenção ao problema da significação de uma enunciação. Para ele e Volochinov, toda 
enunciação possui dois níveis de significação: tema e significação. 
Entende-se por significação os elementos que são reiteráveis e idênticos em uma enunciação. A 
significação pode ser considerada o estágio inferior da capacidade de significar. É a palavra 
cristalizada do dicionário, não por isso menos necessária para a atribuição de significado. Ela é 
a possibilidade para o estágio superior da capacidade de significar, isto é, o tema. Entende-se 
por tema o sentido completo de uma enunciação, dado não só pelos seus elementos verbais, 
como também e fundamentalmente pelos elementos extraverbais e pelo momento histórico a 
que a enunciação pertence. É isso que garante a multiplicidade de sentidos da palavra e põe 
em cena, ou melhor, evidencia a questão da compreensão. 
Na teoria bakhtiniana, toda e qualquer palavra dirige-se a alguém. Seu sentido só se completa 
na medida em que a compreensão se faz ativamente, em forma de réplica ao que foi dito. Essa 
atitude responsiva, segundo Bakhtin/Volochinov (1929), é a possibilidade de se garantir a real 
compreensão. 
Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra (Bakhtin/Volochinov, 1929: 132) e 
se isso é, de fato realizado, estamos diante de uma forma de diálogo. Quem enuncia quer 
resposta e esta provoca outras tantas que antecipa tantas mais. A ininterrupta cadeia da 
comunicação verbal traz em seus elos – os enunciados – a voz do outro, a voz de outrem como 
constitutiva da voz de cada locutor. 
Poderíamos dizer que a teoria bakhtiniana apresenta-nos uma concepção de linguagem como 
um imenso tecido, cujos fios adquirem novo colorido no decorrer da trama sempre em 
evolução. Cada fio, que embora à primeira vista possa parecer trançado com independência, 
carrega consigo ligações com inúmeros outros. Basta que tentemos puxá-lo, destacando-os dos 
demais, para observarmos as conseqüências do repuxo em outros pontos do tecido. A cada 
puxada, uma nova surpresa: abre-se um buraco num lado, um franzido num outro. E quando 
pensamos que um estrago instalou-se permanentemente por conta daquele fio repuxado, 
alguns leves esfregões e esticadas na área vizinha a esse fio produzem um novo trançado 
compacto, diferente por certo pois guarda a marca de sua singularidade, mas incorporado ao 
tecido original. 
Onde estaria o limite da voz de outrem na voz do locutor? Em sua concepção dialógica, Bakhtin 
relativiza a autoria individual. Segundo Roncari (1988), o próprio autor não marcava 
rigorosamente as palavras de outros autores, assumindo-as como idéias de uma época. 
Na fala cotidiana, por exemplo, segundo Bakhtin (1934-35), pelo menos a metade das palavras 
pronunciadas provém de outrem. Na fala de todo e qualquer locutor é possível se observarcitações ou referências àquilo que outros disseram ou ao que, de algum modo, foi veiculado 
publicamente (jornais, revistas, livros, leis, propagandas). E, nas palavras do autor, qualquer 
conversa é repleta de transmissões e interpretações das palavras dos outros (Bakhtin, 1934-35: 
139). A palavra do outro levada a um novo contexto evidencia o caráter dialógico da 
linguagem, na medida em que ganha sempre novo significado, seja ele uma pequena mudança 
de tom, seja uma distorção – proposital ou não – do que foi dito. 
O discurso citado, a voz do outro, ganha destaque na obra bakhtiniana por evidenciar aquilo 
que é realmente estrutural nela: a relação – sempre histórica – “eu-outro”. Dos 
desdobramentos do tema na teoria, destacamos aqueles pertinentes a esta pesquisa: a palavra 
autoritária e a palavra internamente persuasiva; o plurilingüismo social e as forças centrípetas e 
centrífugas da língua (discutidos em outro capítulo); os gêneros discursivos e as características 
do enunciado. 
Se, na fala cotidiana, aquilo que foi citado não sai dos limites superficiais da palavra (Bakhtin, 
1934-35: 142), isto é, não extrapola o âmbito de uma situação determinada, o mesmo não 
acontece quando o que está em foco é o processo de formação ideológica do homem. As 
palavras de outrem aqui não possuem apenas um caráter de transmissão de informações, 
idéias, regras etc., mas constituem a base da postura ideológica do homem perante o mundo. 
Essas palavras que nos colocam em contato com o mundo ideológico, segundo Bakhtin, são de 
duas naturezas: a da palavra autoritária e a da palavra internamente persuasiva. 
Por autoritária, entende-se a palavra que se impõe, que exige reconhecimento prévio e uma 
certa distância, com a qual nos relacionamos de modo absoluto: ou a aceitamos integralmente 
ou a recusamos por inteiro. Não há possibilidade de compreensão da palavra autoritária por 
meio das próprias palavras. Com ela, não há discussão; há somente o reconhecimento e 
assimilação incontestes. Estão no âmbito da palavra autoritária as instituições religiosas, 
políticas, educacionais e todas as que buscam o reconhecimento de sua autoridade. 
Já a palavra internamente persuasiva diferencia-se da autoritária, na medida em que seu 
processo de assimilação se dá no entrelace com as palavras próprias do locutor, com as nossas 
próprias palavras. Para Bakhtin (1934-35: 145-146), a palavra internamente persuasiva tem 
importância fundamental para o desenvolvimento de uma vida ideológica independente. É ele 
quem nos diz: 
 
A consciência desperta num mundo onde as palavras de outrem a rodeiam e onde logo de início 
ela não se destaca (...) No fluxo de nossa consciência, a palavra persuasiva interior é 
comumente metade nossa, metade de outrem. Sua produtividade criativa consiste 
precisamente em que ela desperta nosso pensamento e nossa nova palavra autônoma, em que 
ela organiza do interior as massas de nossas palavras, em vez de permanecer numa situação de 
isolamento e imobilidade. 
 
Com a palavra internamente persuasiva, reafirma-se a compreensão ativa e responsiva. Cada 
palavra é compreendida pelo ouvinte fazendo surgir uma nova palavra sua em resposta. 
Reacende-se aí o dialogismo inerente à palavra. 
Da história da consciência ideológica individual não fazem parte somente a palavra autoritária 
ou a palavra internamente persuasiva. É das interações dialógicas entre as duas categorias que 
a consciência se constitui. E é a luta entre elas com eventual prevalência de uma sobre a outra 
que determinará o grau de domínio da palavra do outro sobre nós e nossas possibilidades de 
libertação desse domínio. 
Essas possibilidades de libertação despertam, no homem que fala, a responsabilidade de 
prosseguir com a palavra do outro, questionando-a, acrescentando-lhe novos contornos (o que 
equivale a dizer o encontro com novos fios dialógicos), transformando-a. Pode-se dizer que os 
enunciados daquele que fala carregam em si a interação e o conflito entre suas próprias 
palavras e as de outrem. Para Bakhtin (1934-35: 92), essa orientação dialógica é própria de 
qualquer discurso vivo. O discurso como que vive na fronteira do seu próprio contexto e 
daquele de outrem. 
Todo discurso orientado pelo já-dito e também pelo vir-a-ser é, portanto, histórico, porque 
determinado socialmente, em épocas específicas. Para Bakhtin, cada época histórica tem sua 
linguagem, a linguagem de seus povos, de suas profissões, de suas instituições sociais. Esta 
idéia é a base do seu conceito de gêneros discursivos. 
Esboçado já em 1929, quando Bakhtin/Volochinov (1929: 43) observam que cada época e cada 
grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação sócio-ideológica, o 
conceito de gêneros do discurso ganha corpo em 1934-35 e é retomado em 1952-53/1979, 
quando Bakhtin também se dedica às características do enunciado verbal. 
Em 1934-35, o autor dá ênfase à relação do discurso com a conjuntura sócio-ideológica. Para 
ele, 
 
A vida social viva e a evolução histórica criam, nos limites de uma língua nacional 
abstratamente única, uma pluralidade de mundos concretos, de perspectivas literárias, 
ideológicas e sociais, fechadas; os elementos abstratos da língua, idênticos entre si, carregam-
se de diferentes conteúdos semânticos e axiológicos, ressoando de diversas maneiras no 
interior destas diferentes perspectivas (Bakhtin, 1934-35: 96). 
 
A idéia de uma língua única só existe, para Bakhtin, como um sistema abstrato de normas 
lingüísticas. Seu estudo não reflete, de modo algum, a evolução histórica da linguagem. Tire o 
discurso de sua orientação exterior e teremos somente seu cadáver nu nos braços a partir do 
qual nada saberemos, nem de sua posição social, nem de seu destino (Bakhtin, 1934-35: 99). 
Os gêneros discursivos são conceituados como linguagens socialmente típicas com vocabulário 
próprio e um sistema de acentos específicos . Em cada período da vida sócio-ideológica, 
convivem dialogicamente diversas linguagens. Para Bakhtin, a linguagem, em cada período 
histórico, é verdadeiramente pluridiscursiva. À convivência dialógica da linguagem de diversos 
grupos sócio-ideológicos, de diferentes momentos históricos, Bakhtin denominou plurilingüismo 
social, e é aí que reside a riqueza de seu estudo. 
Em 1952-53/1979, Bakhtin afirma que aprender a falar é aprender a dominar os gêneros 
discursivos, aprender a estruturar seus enunciados mais típicos. 
Sempre atribuindo importância ao estudo das mudanças históricas para a compreensão das 
mudanças nos gêneros e no interior do sistema da língua, Bakhtin dá ênfase, nesse estudo, 
àquilo que caracteriza o gênero – o enunciado – e adverte: ignorar sua natureza e 
particularidades é enfraquecer o vínculo entre a língua e a vida. É ele quem diz: A língua 
penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos 
enunciados concretos que a vida penetra na língua (Bakhtin, 1952-53/1979: 282). 
Aquilo que é fundamental para a teoria bakhtiniana – a relação dialógica – pressupõe uma 
língua, mas não existe no interior do sistema lingüístico. Assim, não são as palavras, nem as 
orações - como unidades de língua - as responsáveis pelo significado do enunciado. Este, 
sempre orientado pela interação social dos participantes da enunciação, compreende tanto a 
parte verbal quanto a extraverbal de uma dada situação de comunicação concreta e imediata. 
Somente o enunciado, e não a oração, dirige-se a alguém, pressupõe o outro, incita uma 
atitude responsiva em relação a enunciados anteriores, confirmando-os ou não, antecipando-
lhes futuras respostas. Daí o enunciado ser considerado a unidade real da comunicação verbal, 
o elo da cadeia da comunicação verbal.Suas particularidades que o definem como tal e o 
distinguem, portanto, da oração são: acabamento específico do enunciado; a expressividade do 
locutor e sua relação com os outros. 
O mais importante critério para o acabamento é a possibilidade de responder. Tal possibilidade 
está diretamente relacionada à totalidade do enunciado. Esta totalidade, segundo Bakhtin 
(1952-53/1979: 299), é determinada por três fatores, quais sejam, tratamento exaustivo do 
tema; intuito ou querer dizer do locutor; as formas típicas de estruturação do gênero, todos 
eles relacionados às esferas de comunicação verbal em que os sujeitos estão inseridos. Seja 
num simples diálogo seja na elaboração de um trabalho científico, o cuidado com tais fatores é 
imprescindível para o sucesso do enunciado. 
Bakhtin considera o mais importante deles as formas típicas de estruturação do gênero. O autor 
fala em escolha do gênero por parte do locutor em determinada situação de comunicação, no 
entanto não há escolha intencional por parte do falante. Há sim uma coerção, não da língua – 
como afirma Saussure - mas dos gêneros discursivos que penetram na vida e na consciência do 
falante . Nas palavras de Bakhtin (1952-53/1979: 302): 
 
Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de 
imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a 
extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim. (...) 
Se não existissem os gêneros discursivos e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los 
pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos 
enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível. 
 
É a partir do domínio que temos de gêneros discursivos diversos que saberemos lidar com a 
coerção dos mesmos sobre nós, que saberemos usá-los com criatividade e eficiência. 
Aquilo que caracteriza a expressividade do locutor é a relação valorativa do locutor com o 
objeto do enunciado. De acordo com o valor dado, temos a escolha de recursos lexicais, 
gramaticais e composicionais do enunciado. Novamente aqui estamos diante do enunciado com 
unidade real da comunicação verbal e não de unidades da língua. Não há, por exemplo, 
entonação expressiva numa oração. Quando isso acontece, já estamos no enunciado, pois tal 
entonação dirige-se a alguém, responde a algum outro enunciado. 
O fato de o enunciado dirigir-se a alguém coloca em evidência a figura do destinatário. O 
locutor quando elabora seu enunciado o faz pensando não só na resposta que está dando, mas 
também naquela que o outro elaborará como réplica. A tentativa de presumir a resposta do 
destinatário bem como sua posição social influem na elaboração do enunciado do locutor 
quanto à escolha dos recursos lingüísticos e construção composicional dentro de um dado 
gênero discursivo. 
Não existe enunciado sem que haja relação do locutor com o outro, considerando-se qualquer 
esfera de comunicação. 
Estar imerso num mundo dialógico, em que múltiplas vozes compõem a voz de cada um, em 
que cada locutor tem a responsabilidade de dirigir sua palavra a alguém, em que ser significa 
comunicar-se pelo diálogo e o diálogo, a própria ação (1929: 256-257) é o legado que Bakhtin 
deixou para a humanidade e um novo olhar para os pesquisadores das ciências humanas. 
 
Referências Bibliográficas 
 
Bakhtin, M. (1920-30/1979) O Autor e o Herói. In Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins 
Fontes. 
 
_____ (1929) Problemas da Poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Ed. Forense-Universitária. 
 
Bakhtin/ Volochinov (1929) Marxismo e Filosofia a Linguagem. São Paulo: Hucitec. 
 
Bakhtin, M. (1934/35) O discurso no romance. In Questões de literatura e de Estética – a teoria 
do romance. São Paulo: Hucitec. 
 
_____ (1952-53/1979) Os Gêneros do Discurso. In Estética da Criação verbal. São Paulo: 
Martins Fontes. 
 
_____ (1959-61/1979) O problema do texto nas áreas da lingüística, da filologia, das ciências 
humanas, tentativa de uma análise filosófica In Estética da Criação verbal. São Paulo: Martins 
Fontes. 
 
_____ (1965) A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento – O contexto de François 
Rabelais. Brasília: Hucitec. 
 
_____ (1974/1979) Epistemologia das Ciências Humanas In Estética da Criação Verbal. São 
Paulo: Martins Fontes.

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