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Entrevista Clínica e Diagnóstica - Robert Craig

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E61 Entrevista Clínica e Diagnostica / Eà. Robert J. Craig ;
Trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese.
- Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
442p.
1. Entrevistas em Psiquiatria I. Craig. Robert J II. Veronese, Maria
Adriana Veríssimo III.T.
C.D.D. 616.89
C.D.U- 616.89(079.5)
índices Alfabéticos paro o Catálogo Sistemático
Psiquiatria: Entrevistas 616.89(079.5)
(Bibliotecária Responsável: Neíva Vieira CRB-10/563)
ROBERT J. CRAIG
entrevista
clínica e
diagnostica
Tradução:
MARIA ADRIANA VERÍSSIMO VERONESE
Supervisão e Revisão Técnica da Tradução:
CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO
Psiquiatra. Professor Assistente da Faculdade de Medicinada UFRGS.
Professor do Curso de Especialização em Diagnóstico Psicológico
da PUC/RS
Colaboraram na revisão:
Maria Regina L. B. Osório, Fernando Lejderman «
Marcelo P. A. Fleck
PORTO ALEGRE / 1991
1
O Processo Clínico
de Entrevista
ROBERTJ. CRAIG, Ph.D.
Embora a entrevista clínica exista em todas as disciplinas da saú-
de mental, ela tem recebido, até o momento, uma atenção surpreen-
dentemente pequena na literatura. Grande parte dos textos clássicos
em psicologia e psiquiatria inclui um capítulo sobre o assunto (Steven-
son, 1959; Wiens, 1976). Foram realizadas pesquisas sobre a anatomia
de uma entrevista clínica (Matarazzo, 1965, 1978, Wiens e Matarazzo,
1983) e, mais recentemente, tem aparecido alguma literatura sobre en-
trevista, mas relacionada especificamente ao DSM-III-R (Endicott e
Spitzer, 1978; Hersen e Turner, 1985). O objetivo deste capítulo é ofe-
recer uma introdução básica ao processo clínico de entrevista. Os tópi-
cos incluem a maneira como pacientes e terapeutas abordam a entre-
vista, técnicas, fases e uma discussão sobre os últimos minutos de uma
entrevista inicial.
INTERAÇÕES SOCIAIS VERSUS
INTERAÇÕES CLÍNICAS
Uma entrevista clínica tem muito em comum com uma i[iteração
social e contém elementos da dinâmica dfade e da dinâmica de grupo;
contudo, há diferenças fundamentais entre uma entrevista clínica e ou-
Entreuiata Clínica e Diagnostica / 25
tros tipos de relacionamentos. Numa entrevista clínica, a maioria das
rrgms sociais de etiqueta não é aplicada. A conversa é centrada no
paciente e é predominantemente unidirecional. O relacionamento é
profissional, não-íntimo, e espera-se que a comunicação entre as par-
les seja relevante para a tarefa em questão. Há limites de tempo, lu-
gar e frequência da interaçào, impostos por ambas as partes. As decla-
rações do terapeuta vão muito além de um simples diálogo e há a de-
terminação de objetivos específicos e efeitos esperados como resulta-
do dessa interação clínica (Kanfer e Seheft, 1988).
MÉTODOS PARA A OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES
A maior parte da informação obtida em uma entrevista clinica
baseia-se no relato do paciente, juntamente com a observação clíni-
ca do terapeuta. Mas não devemos desconsiderar outras fontes de infor-
mação, tais como relatos adicionais de pessoas significativas, registros
sobre o caso, testagem psicológica ou entrevistas estruturadas suple-
mentares. Nosso foco neste livro será a entrevista individual com o
paciente, uma vez que ela é a fonte de informação mais comum e ao
mesmo tempo mais rica clinicamente.
ENTREVISTA ESTRUTURADA VERSUS
NÃO-ESTRUTURADA
As entrevistas podem ser estruturadas ou não-estruturadas. Entre-
vistas estruturadas incluem uma série de questões sobre áreas defini-
das de conteúdo. (Várias referências sobre entrevista estruturada são
fornecidas na seção III deste volume, de modo que não nos estendere-
mos sobre o assunto agora.) Entrevistas não-estruturadas são o tipo
mais comum nos settings clínicos. Em geral elas não têm um formato
rígido, mas não deixam de ter uma certa estrutura. A entrevista segue
uma sequência, como é descrito neste capítulo, e inclui áreas-chaves
de conteúdos, como podemos ver na seção III. Assim, há uma estrutu-
ra mesmo na entrevista não-estruturada.
26 / Robert J. Craíg
O SETTING FÍSICO
C) setíing físico de uma entrevista clínica e seu efeito sobre o pro-
cesso de entrevista é um assunto comumente negligenciado no treina-
mento, apesar de o ambiente físico ser um elemento importante em
qualquer entrevista clínica. O setíing físico ideal é aquele confortável
tanto para o paciente como para o terapeuta. 0 consultório deve ser
bem mobiliado, mantido em uma temperatura agradável e conter todos
os elementos necessários ao terapeuta para bem conduzir a entrevista
(tais como caneta, lápis, bloco de anotações ou gravador).
O terapeuta deve fixar um tempo suficiente para dedicar atenção
total ao paciente e completar a entrevista em uma sessão. Sempre que
possível devem ser evitadas interrupções. Chamadas telefónicas devem
ser transferidas, um aviso de "Não perturbe" deve ser afixado na porta,
ou os colegas devem ser avisados para não interromper durante a en-
trevista. Se o terapeuta não pode garantir que não haverá interrupções,
o paciente deve ser previamente informado sobre a possibilidade, mas
que tal risco seja mínimo. Devem ser mantidos sigilo e privacidade, o
que, às vezes, é difícil, como no caso da entrevista que precisa ser rea-
lizada à beira do leito do paciente. Contudo, todos os esforços devem
ser empenhados no sentido de respeitar a privacidade do paciente.
TIPOS DE ENTREVISTA
Existem diferentes tipos de entrevista, caracterizados pelo objeti-
VG em direção ao qual as entrevistas estão sendo conduzidas.
Entrevista de Tomada de Dados
O propósito da entrevista de tomada de dados é obter informa-
ções preliminares sobre um paciente em perspectiva. Esse tipo de entre-
vista geralmente ocorre em instituições, cujos propósitos incluem a de-
terminação da elegibilidade do paciente em termos do âmbito de atua-
ção da referida instituição. Outros objetivos da entrevista de tomada
de dados são (1) obter informação suficiente para apresentar o caso
em uma conferência clínica, (2) clarificar a natureza dos serviços que
a instituição oferece ou a natureza do tratamento que o paciente vai
receber, (3) comunicar as regras, regulamentos e política da instituição
ao paciente em perspectiva, (4) determinar o tipo de tratamento e o
Entrevisto Clínica e Diagnostica / 27
terapeuta mais indicado para o paciente, (5) obter informações gerais
para os registros da instituição e (6) determinar a indicação de recur-
sos mais adequados, caso seja necessário.
Entrevista da História de Caso
A história de caso é parte da maioria das entrevistas clínicas.
Quando há a necessidade de uma sequência mais detalhada e elabora-
da dessa história, a entrevista é conduzida com o único propósito de
rever a natureza dos conflitos do paciente em sequência histórica, com
o foco nos períodos críticos, antecedentes e desencadeantes. Entrevis-
tas de história de caso podem ser uma das mais ricas fontes de infor-
mação sobre o paciente. Histórias de caso podem também ser obti-
das através da família ou de amigos do paciente.
Exame do Estado Mental
0 exame de estado mental é realizado para determinar o grau
de prejuízo mental associado à condição clínica investigada. Entre as
áreas de conteúdo a serem avaliadas estão o raciocínio, pensamento,
juízo, memória, concentração, fala, audição e percepção. Este tipo
de informação é mais necessário quando os sintomas sugerem um dis-
túrbio psiquiátrico significativo, comprometimento neurológico ou abu-
so de drogas. O capítulo 15 apresenta uma descrição detalhada do
exame do estado mental.
Entrevistas de pré e pós-testagem
A testagem psicológica frequentemente é parte de uma avaliação
clínica. Contudo, é um erro comum julgar que um relatório clínico ba-
seia-se apenas em resultados de testes. Simplesmente aplicar um tes-
te e relatar os resultados demonstra um tipo de mentalidade psicomé-
trica que implica na perda de aspectos importantes do comportamen-
to do paciente. A avaliação psicológica atual incluia revisão dos regis-
tros sobre o paciente, consulta com membros importantes da equipe
e a entrevista clínica com o paciente. Alguns psicólogos preferem entre-
visiar o paciente antes da testagem, de modo a poder explicar a ele
ns razões para os testes e seus benefícios, assim como para discutir
(ispectns administrativos, tais como o local, a hora e o pagamento
il.i Ifsl.uicin. Quando a entrevista é realizada após os testes, o psicólo-
2H I líii!»«rf J Cralg
BO em geral já desenvolveu determinadas hipóteses como resultado da
listagem, desejando explorá-las melhor com o paciente, numa aborda-
gem tipo "testando-os-limites", de modo a avaliar a compreensão do
paciente em relação à informação apresentada.
Entrevista Breve de Avaliação
A entrevista breve de avaliação caracteriza-se por um formato fo-
cal e de tempo limitado. 0 terapeuta está interessado somente em uma
área específica e não considera outros elementos da entrevista, de ma-
neira a obter a informação desejada em curto período de tempo. Este
tipo de entrevista possui, entre outros, os seguintes propósitos: (1) ava-
liar o risco imediato de suicídio num paciente depressivo em crise, (2)
determinar a necessidade de internação involuntária em hospital psi-
quiátrico, (3) determinar se há necessidade de encaminhamento médi-
co, (4) determinar se o paciente pode ser tratado em regime ambulato-
rial e (5) determinar se ele é apto para prestar testemunho. A entrevis-
ta breve de avaliação é seguida por encaminhamento e o paciente pro-
vavelmente será submetido, em outro momento, à entrevista clínica tra-
dicional.
Entrevista de Desligamento
Alguns terapeutas realizam entrevistas formais de desligamento
com pacientes que estão concluindo um programa de tratamento em
regime de internação ou de ambulatório. O objetivo desse tipo de en-
trevista é conhecer o ponto de vista do paciente em relação aos beneff-
cios trazidos pelo tratamento, examinar os planos para pós-alta ou tra-
balhar qualquer problema não resolvido, anteriores à alta ou ao térmi-
no do tratamento.
Entrevista de Pesquisa
À medida que a pesquisa clínica torna-se crescentemente valoriza-
da, a entrevista de pesquisa é cada vez mais utilizada em settings clíni-
cos. Esse tipo de entrevista é específico para a natureza da pesquisa
desenvolvida. Geralmente ele é parte de um protocolo rígido, aprova-
do pelo comité revisor da instituição. Tal entrevista é realizada com a
permissão do paciente, que assina um documento atestando seu consen-
timento.
Entrevista Clínica e Diagnostica / 29
A ABORDAGEM DO PACIENTE NA ENTREVISTA
Uma entrevista clínica será influenciada pela motivação imedia-
ta do paciente ao buscar tratamento, o que, por sua vez, depende se
o paciente veio ou não voluntariamente, ou se foi encaminhado por
uma terceira parte. Um paciente voluntário, presume-se, é aquele que
percebeu um problema, fez tentativas infrutíferas de solucioná-lo, tal-
vez discutindo o assunto com amigos, ou utilizando outras formas de
auto-ajuda, e então procura ajuda profissional. A maioria dos pacien-
tes voluntários chega com a expectativa de que seus problemas serão
resolvidos com essa ajuda profissional. Portanto, é geralmente mais
fácil conseguir informações e estabelecer uma aliança terapêutica quan-
do o paciente busca tratamento espontaneamente. Quando o pacien-
te não veio de modo espontâneo, o nível de resistência tende a ser
mais elevado e é mais difícil estabelecer a aliança terapêutica. Cabe
ao terapeuta tentar trabalhar essa resistência e ao mesmo tempo con-
duzir a entrevista, de modo que a tarefa clínica possa ser realizada,
apesar da resistência.
Tanto em casos de procura espontânea como naqueles em que
o paciente é trazido a tratamento, seu propósito ou motivação na ses-
são vai influenciar o processo clínico. Mesmo quando o paciente pare-
ce ter vindo voluntariamente, pode haver motivos não revelados que
comprometem a pureza da entrevista clínica. Exemplificando: um ho-
mem que cometeu incesto pode buscar tratamento, mas seu verdadei-
ro motivo é apresentar uma fachada de arrependimento em uma audi-
ência judicial que se aproxima. Uma mulher pode vir a tratamento
buscando, ostensivamente, um alívio para a ansiedade e depressão
originadas por uma dor nas costas, resultantes de um acidente de tra-
balho, mas seu verdadeiro propósito pode ser aumentar suas chances
de receber uma compensação trabalhista, ao provar a incurabilidade
de sua condição e o sofrimento psicológico por ela causado. Um dro-
gadito pode buscar tratamento para esconder-se das pessoas a quem
deve dinheiro. Um esquizofrénico crónico pode querer se internar, re-
latando alucinações, delírios e ideação suicida, apenas para sair das
ruas e conseguir casa e comida. Certa vez realizei uma entrevista com
uma paciente que se queixava de insatisfação matrimonial. Quando
a entrevista terminou, a paciente perguntou-me se eu achava que ela
estava louca. Quando quis saber o motivo dessa pergunta, respondeu
que seu marido a julgava louca e que ela queria um atestado de um
profissional afirmando o fato de que era mentalmente sadia. Este era
MU verdadeiro propósito ao marcar a entrevista. Por isso, cabe ao te-
rnpeul.i descobrir o verdadeiro motivo de busca de atendimento, uma
HO / li,-l;;l J. Craig
vez que ele influenciará não apenas a entrevista, mas também futuras
tentativas de intervenção.
As expectativas do paciente também influenciarão a entrevista.
Uma família chegou ao consultório do terapeuta queixando-se do com-
para tratamento de sua filha e pedindo que o terapeuta lhe desse uma inje-
ção que a fizesse comportar-se. A família esperava que o remédio fos-
se dado e que resultasse num comportamento de obediência. Todos
os pacientes chegam à entrevista com certas expectativas sobre a con-
duta do terapeuta, o processo da entrevista e o resultado potencial. Se-
ria indicado corrigir, já na entrevista inicial, qualquer concepção errô-
tien sobre a natureza e o propósito da sessão. Simplesmente perguntar
nu paciente: "O que você acha que nós vamos fazer aqui?" ou "Você
sabe a razão desta entrevista?" é uma boa maneira de começar essa
rlnrificação.
A percepção do paciente sobre o terapeuta pode também influen-
Clor o rumo da entrevista, a informação oferecida na sessão e a respos-
tn do terapeuta ao paciente. O relacionamento entre paciente e tera-
peuta pode ser interpretado como o de pai e filho, professor e aluno,
Juiz e réu ou amante e objeto amado. Tais percepções podem tanto
lar transferências como uma percepção verdadeira do comportamento
do terapeuta. A visão que o paciente tem do terapeuta pode afetar to-
do o processo clínico. Não há uma maneira segura de avaliar essas per-
repções em uma entrevista inicial. Elas frequentemente não são verba-
lizadas nem discutidas, e o próprio paciente muitas vezes não está cons-
ciente delas. Apesar disto, é importante que o terapeuta compreenda
que tais percepções (sejam elas verdadeiras ou erróneas) existem e in-
fluenciam a interação dinâmica entre paciente e terapeuta durante o
processo da entrevista.
Em síntese, a condição voluntária ou involuntária do paciente, o
propósito da entrevista (manifesto ou latente), as expectativas do pacien-
te e sua percepção do terapeuta são fatores importantes, que influen-
ciam a maneira como o paciente vai se conduzir na entrevista.
A ABORDAGEM DO TERAPEUTA NA ENTREVISTA
Da mesma maneira que os pacientes chegam à entrevista com
suas predisposições, assim também acontece com os terapeutas. O pri-
meiro fator que influencia a abordagem do terapeuta na entrevista é a
sua orientação filosófica. Raramente o terapeuta começa a entrevista
como um quadro em branco. Os terapeutas possuem uma estrutura teó-
Entrevista Clínica e Diagnóstico / 31
rica que define as áreas de investigação, o método de investigação,
suas avaliações e objetivos. A entrevista, em uma perspectiva de siste-ma familiar, é bem diferente da entrevista de orientação comporta-
mental. O terapeuta de orientação psicodinâmica e aquele de orienta-
ção humanística e não-diretiva provavelmente vão oferecer avalia-
ções diferentes de uma situação clínica. (A natureza dessas diferenças
é explicada com mais detalhes na seção II deste livro.)
Valores e crenças pessoais são o segundo fator que determina a
abordagem do terapeuta na entrevista. O terapeuta vai selecionar,
do material oferecido peio paciente, aquilo que ele considera mais im-
portante. Tal seleção é realizada não só a partir de sua orientação co-
mo também a partir de seus valores e crenças relativos ao conteúdo
da investigação. Estudos têm demonstrado que a melhora dos pacien-
tes em psicoterapia está relacionada ao quanto eles compartilham ou
adotam os valores e crenças do terapeuta. Enquanto um terapeuta
pode valorizar muito a expressão de sentimentos, outro pode valori-
zar a disposição para a introspecção, ou ainda o desejo de investigar
antecedentes e consequências do comportamento. Estas áreas irão re-
ceber mais atenção por parte do terapeuta, porque ele acredita que
elas são mais importantes.
Um terapeuta tenta, conseqCientemente, compreender o pacien-
te e seu problema de maneira coerente com sua orientação teórica.
Assim, a maioria dos terapeutas faz um diagnóstico, mas a composi-
ção dessa avaliação difere nas principais filosofias teóricas. Um tera-
peuta pode descrever o problema como "pré-edípico", enquanto ou-
tro o descreve como "comunicação deficiente em uma díade disfuncio-
nal, objetivando manter um padrão de relacionamento dominante-sub-
metido" ou "reforço inadequado quando ele tentar ser assertivo" ou
"transtorno afetivo bipolar". De modo semelhante, o paciente pode
ser considerado narcisico, ou superadaptado ou necessitado de respos-
tas positivas incondicionais. Ao final da entrevista clínica o terapeuta
já fez algumas avaliações, tanto sobre o problema como sobre o pacien-
te. Com base nessa avaliação são definidos os objetivos e os métodos
de tratamento (Perry e cols., 1987).
Em resumo, o terapeuta aborda a entrevista baseado em uma
orientação filosófica e um conjunto pessoal de valores e crenças, tentan-
do então compreender o paciente e o problema. 0 estabelecimento
dos objetivos e o plano de tratamento, denominados avaliação ou diag-
nóstico, são baseados nessa compreensão.
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
Os terapeutas possuem um conjunto de técnicas que utilizam na
entrevista, independentemente da orientação teórica, e todos usam al-
gumas dessas abordagens. Sua orientação filosófica geralmente deter-
mina quais delas eles utilizarão mais e o grau de ênfase atribuído a de-
terminada técnica, mas, em verdade, tais técnicas todas são a base do
processo de entrevista. Nenhuma técnica é empregada excluindo as res-
tantes. De fato, elas são combinadas de modo a possibilitar uma entre-
vista dinâmica. Essas técnicas incluem o questionamento direto, a refle-
xão, a reexposição (paráfrase: colocar em palavras que possibilitem
uma melhor compreensão), o esclarecimento, a confrontação, a auto-
revelação, o silêncio, a explicação, a "reframing" (reestruturação cog-
nitiva), a interpretação e o humor (Tabela 1-1).
Questionamento
Esta é a técnica mais frequentemente empregada pelos entrevista-
dores clínicos. São feitas perguntas diretas ao paciente, em áreas deter-
minadas pelo entrevistador. O questionamento pode ser tanto direto
como em aberto. Uma pergunta direta pode começar com palavras co-
mo agora, o que e por que, implicando em uma resposta clara quan-
do é construída de forma a obter uma resposta "sim" ou "não". Per-
guntas desse tipo (por exemplo: "Quantos anos você tem?") são res-
pondidas brevemente pelo paciente, que então passa a esperar uma
outra pergunta por parte do entrevistador. Um número excessivo des-
sas perguntas tem um efeito regressivo. É melhor fazer perguntas em
aberto (tais como: "Como você se sente com esse comportamento de
seu cônjuge?"). Enquanto os terapeutas iniciantes usam predomlnante-
mente a técnica do questionamento direto, é necessário um terapeuta
experiente para a obtenção de um retorno máximo à pergunta feita,
mantendo ao mesmo tempo uma comunicação fluente.
Reflexão
Essa técnica requer que o entrevistador tenha a habilidade de re-
produzir o material cognitivo ou emocional do paciente, de modo a
mostrar-lhe que seus sentimentos ou declarações foram compreendidos.
Os terapeutas que adotam a abordagem rogeriana, centrada no clien-
te, tendem a empregar a reflexão como instrumento terapêutico, e têm
\\2 I HobtrtJ. Croig Entrevista Clínica e Diagnostica / 33
realizados contribuições clínicas e estudos relevantes para melhor com-
preensão da utilização da técnica e de sua eficácia. Da mesma forma,
(' necessária habilidade clínica para que essa técnica seja usada eficaz-
mente. O emprego excessivo da reflexão em uma entrevista é contra-
producente, porque muitas áreas importantes são deixadas de lado.
Reexposição (Paráfrase)
A reexposição simplesmente coloca em outras palavras, de ma-
neira mais clara e mais articulada, o que o paciente diz. Esta técnica
é também conhecida como "paráfrase" e faz com que o paciente sai-
ba que o terapeuta está prestando atenção. Ela se diferencia da refle-
xão em seu propósito. A reexposição é em geral empregada para faci-
litar a compreensão e para esclarecer, enquanto a reflexão é utiliza-
da como uma intervenção terapêutica.
Clarificação
A clarificação geralmente se faz pela utilização de alguma das ou-
tras técnicas (questionamento, paráfrase ou reexposição), mas seu pro-
pósito é auxiliar o paciente a compreender o que é dito na entrevis-
ta. Esta técnica raramente provoca uma reação defensiva no pacien-
te, porque a maioria dos pacientes deseja que o terapeuta compreen-
da os seus problemas e a sua perspectiva. Com a clarificação o tera-
peuta dá ao paciente a oportunidade de contar sua história de manei-
ra totalmente compreensível.
Confrontação
A confrontação é a técnica através da qual o terapeuta aponta
discrepâncias entre o que é observado e o que é falado. Às vezes ela
é empregada quando o paciente diz alguma coisa diferente daquilo
que o terapeuta está percebendo a respeito dele, ou quando suas de-
clarações são inconsistentes com relação ao seu comportamento habi-
tual. A confrontação é frequentemente utilizada com drogaditos e ou-
tros pacientes com transtornos de caráter, a fim de desfazer suas nega-
ções e defesas rígidas. Ela em geral produz o efeito de aumentar a an-
siedade e desencadear a negação e a evitação que ela buscava atingir.
A confrontação tornou-se uma abordagem discutível, em virtude dos
relatos negativos de algumas comunidades terapêuticas onde a técni-
/ Rebêrt J. Craig
ca foi empregada quase que exclusivamente. Embora esta técnica te-
nha beneficiado muitos pacientes nesses settings, ela provocava em
outros tantos uma barreira defensiva, de maneira que a abordagem
não produzia efeito.
A confrontação pode ser construtiva ou destrutiva. Ela é mais
benéfica quando baseada em conteúdos concretos, destituídos de hos-
tilidade, e focalizada em algum material que o paciente deveria referir
mas não o faz, em virtude de evitação consciente ou inconsciente. Te-
rapeutas inexperientes frequentemente têm dificuldade no uso da con-
frontação, por sua insegurança e falta de habilidade no manejo da
resposta do paciente se a técnica for mal-emprega da.
Auto-revelação
Com esta técnica, o terapeuta transmite ao paciente suas experi-
ências pessoais ou sentimentos. A auto-revelação procura facilitar a
auto-revelação do paciente na entrevista, em seu próprio benefício.
Estudos têm comprovado que a auto-revelação por parte do terapeu-
ta facilita a auto-revelação do paciente (Cozby, 1973). Contudo, es-
ta técnica deve ser empregada com parcimônia; do contrário, poderá
provocar umaexpectativa falsa no paciente. O terapeuta precisa ser
criterioso ao determinar quais informações devem ser reveladas, bem
como seu possível efeito no paciente.
Silêncio
Os terapeutas iniciantes encaram o silêncio como uma experiên-
cia terrível, resultado de sua inadequação como entrevistadores. Quan-
do o silêncio ocorre pela incapacidade do entrevistador de conduzir
a entrevista, estes sentimentos são válidos. Contudo, o silêncio pode
ser uma técnica de entrevista e um artifício terapêutico. O silêncio pro-
porciona ao paciente uma oportunidade de processar e compreender
o que foi dito, encaminhando a entrevista, assim, em direção positi-
va. O silêncio deve ser usado com propriedade e de modo a que o
paciente compreenda que há um motivo para ele. O motivo é geral-
mente facilitar a introspecção ou permitir ao paciente reassimilar suas
emoções depois de liberá-las.
,'U) / (íni.trl .;. Craig
Exploração
A exploração é a técnica pela qual o terapeuta investiga áreas da
vida do paciente que requerem um exame mais profundo. Ela também
pode ser empregada como um "teste-dos-limites", em que o terapeu-
ta tenta determinar o grau de insight do paciente, e o quanto ele preci-
sa ser pressionado para que possa experienciar um dado sentimento.
A maioria dos pacientes espera ser questionada sobre certas áreas e
atividades, e pode se perguntar (geralmente a si próprios) porque tais
áreas não foram examinadas na entrevista. Os terapeutas não devem
ter medo de explorar essas áreas, mesmo que elas possam ser encara-
das como delicadas.
"Reframing" (Reestruturação Cognitiva)
Esta técnica, denominada reframing ou reestruturação cognitiva,
faz com que o paciente e o terapeuta reafirmem suas crenças, atitudes
ou sentimentos de maneira mais realista. Ela proporciona uma perspec-
tiva nova de uma situação e serve para desfazer afirmações negativas
em relação a si próprio e pensamentos irracionais que com assiduida-
de acompanham um comportamento desadaptado. Ela pode promover
uma nova maneira de encarar as coisas e novos insighís, que podem
levar a mudanças no comportamento. Embora seja uma técnica eficaz,
ela não dispensa a prática e o desenvolvimento das habilidades do tera-
peuta, de modo a poder alcançar sua eficácia total.
Interpretação
Esta técnica tem sido considerada a sine qua non para os entrevis-
tadores clínicos. Com ela, o terapeuta oferece informações de um mo-
do que permite ao paciente explorar seu comportamento e compreen-
der sua motivação. Ela tem sua origem histórica no método psicanalíti-
co, que procura "tornar consciente o inconsciente". É a técnica mais
diffcil de ser alcançada, porque implica no domínio amplo da teoria
da personalidade e motivação, acompanhado de experiência supervisio-
nada. A maioria dos terapeutas, não obstante as suas convicções pesso-
ais (terapia centrada no paciente pode ser uma exceção}, usa a inter-
pretação de uma forma ou outra. Alguns confiam nela muito mais do
que nas demais. Terapeutas em treinamento deverão empregar esta
técnica com muito cuidado, somente quando estiverem seguros de que
a afirmação corresponde aos fatos e após consultarem seus superviso-
Entrevista Clínica e Diagnostica 1,37
res. Alguns pacientes simplesmente aceitam as afirmações do terapeu-
ta, acreditando em sua experiência, sabedoria e autoridade. Por esta
razão, devemos ser criteriosos e cuidadosos ao fornecer interpretações.
Humor
Estamos apenas começando a compreender o papel do humor
na avaliação clínica. Freud considerava o humor a forma de defesa
mais evoluída, mas não lhe deu um papel no trabalho terapêutico,
apenas o analisou. Contudo, o humor pode reduzir a ansiedade, facili-
tar o movimento terapêutico e enriquecer a entrevista. Como aconte-
ce com qualquer outra técnica, uma confiança excessiva nesta aborda-
gem dará ao paciente a impressão de que o terapeuta não está levan-
do a sério a entrevista. Esta é uma atitude inapropriada e não-profis-
sional. O íímíng é crítico na utilização desta técnica. O humor deve
ser empregado com o propósito básico de beneficiar o paciente.
AS QUALIDADES INTERPESSOAIS DO TERAPEUTA
Os terapeutas trazem consigo muito mais do que uma orientação
teórica, um conjunto de valores e crenças pessoais e uma história de
treinamento que permite um nível mínimo de competência que é enri-
quecido pela experiência subsequente. Eles trazem consigo, também,
um conjunto de características pessoais que, na opinião de alguns, é
mais importante do que qualquer técnica ou método teórico. A Tabela
1-2 lista estas características.
Tabela 1-2 Características Interpessoais do Terapeuta
Características Definição
Empáfia A capacidade de compreender o paciente a partir da perspecti-
va do paciente.
Autenticidade A liberdade de ser o que se é; ausência de falsidade.
Calor, A qualidade de ser aberto, responsivo e positivo em relação ao
Cordialidade paciente.
Respeito* A habilidade de levar os pacientes a reconhecerem que eles têm
o poder de modificar-se e de participar neste processo.
Consideração A habilidade de aceitar os pacientes, apesar de seu jeito, atitu-
Punltlva* des ou comportamento negativos.
• I 'c iMlwlthfnte houve erro na inversão no original, nas definições das 2 úliimas ca
. (N. R-)
MM / )(„(,.!( J. Cratg
FASES DA ENTREVISTA
Uma boa entrevista clínica desenvolve-se em fases progressivas
e estágios previsíveis, que são controlados pelo terapeuta. Vários auto-
res tentaram definir e nomear estas fases, mas foi Sullivan (1954), do
ponto de vista de um psiquiatra social, um dos primeiros a caracterizar
a entrevista como uma sequência de fases. Ele classificou estes está-
gios como: início formal, reconhecimento, investigação detalhada e tér-
mino. De acordo com Sullivan, ao concluir o início formal o terapeuta
já sabe por que o paciente veio à entrevista. O reconhecimento, o se-
gundo estágio, é o período da entrevista durante o qual o terapeuta
obtém um breve esboço do paciente. Sullivan acredita que isto leva
uns 20 minutos. Ao final deste estágio, Sullivan recomenda que o tera-
peuta diga ao paciente o que ele pensa ser a natureza do seu proble-
ma. Não se presume que o problema inicialmente identificado vá se
constituir no principal problema da vida do paciente; este pode de fa-
to emergir muito mais tarde, em sessões subsequentes. De acordo com
o autor, no entanto, a identificação de um problema dá ao paciente e
ao terapeuta um rumo a seguir e algo concreto sobre o qual trabalhar.
A investigação detalhada é o terceiro estágio e é o ponto da entrevis-
ta em que as impressões iniciais obtidas no segundo estágio são exa-
minadas mais profundamente. Segue-se a fase do término, durante a
qual o terapeuta sintetiza o que se viu na entrevista, dando ao pacien-
te sugestões de procedimento, fazendo uma avaliação final (prognósti-
co) e iniciando uma despedida formal.
Benjamin (1969), operando em uma perspectiva psicossocial, di-
vide a entrevista em três estágios principais: o início ou apresentação
do problema, seguido pelo desenvolvimento, no qual paciente e tera-
peuta concordam quanto ã natureza do problema, e o encerramento.
Kanfer e Scheft (1988), a partir de uma epistemologia comporta-
mental, dividiram a entrevista em estruturação dos papéis, formação
da aliança terapêutica, desenvolvimento do comprometimento com a
mudança, análise do comportamento, discussão dos ob)etlvos do trata-
mento e planejamento (ou execução).
A partir de uma perspectiva centrada no paciente, Rogers (1942)
descreveu da seguinte maneira os passos característicos de uma entre-
vista: o paciente vem em busca de ajuda; a situação é definida; e atra-
vés da aceitação, clarificação e da expressão de sentimentos positivos,
ocorre o desenvolvimento do insight.
Embora muitos terapeutas tenham tentado "captar as fases de
uma entrevista clínica, cada um o fez a partir de uma estrutura teóri-
Erttreulsta Clínicae Diagnostica / 39
ca específica. Cada um analisa esta questão de acordo com concep-
ções e teoremas oriundos de sua orientação filosófica.
A despeito de tais diferenças filosóficas, há estágios na entrevis-
la que a maioria dos terapeutas concordaria em serem os principais
pontos do processo. Primeiro há a introdução, que mais ou menos
corresponde ao início formal de Sullivan. A tarefa mais importante
desta fase é compreender a reação pela qual o paciente buscou a en-
trevista; a tarefa principal neste estágio é o desenvolvimento do rap-
port e o estabelecimento da confiança.
Em segundo lugar, há a fase de exploração, correspondente ao
reconhecimento e à investigação detalhada de Sullivan. A esta altura,
o terapeuta já formou uma impressão inicial, e a tarefa primordial é
desenvolver uma hipótese, consistente com sua orientação teórica,
que explique o problema apresentado e a adaptação psicológica ao
estresse precipitante, à luz dos aspectos históricos e de desenvolvimen-
to. Isto poderia ser descrito como "fixações", como "hierarquia fami-
liar desequilibrada", ou como "reforço negativo". A questão crucial
é formar uma hipótese que justifique os fatos principais do caso-,
O terceiro estágio é o teste da hipótese. Depois de a hipótese ter
sido formulada, o terapeuta realiza uma série de investigações adicio-
nais para testar a hipótese na entrevista, examinando outras áreas
ou situações da vida do paciente. Se a hipótese inicial é acertada, o
material emergente deve estar de acordo e deve comprovar a hipóte-
se principal. O segundo e o terceiro estágios são os mais difíceis pa-
ra os terapeutas iniciantes, devido à sua falta de experiência tanto
com o processo, quanto com a amplitude da análise qualitativa necessária.
Durante o quarto estágio é oferecido o feedback. Nele, o terapeu-
ta revela ao paciente os pontos mais importantes da avaliação. Este
estágio, que corresponde à fase de término de Sullivan, é muito fre-
quentemente ignorado, mesmo por terapeutas mais experientes que,
depois de fazerem inúmeras perguntas durante a entrevista, acabam
a sessão sem dizer nada ao paciente. Observe-se que isto geralmente
não acontece em entrevistas médicas. Nelas, o paciente queixa-se ou
descreve sintomas ao médico, que então lhe diz o que está errado (diag-
nóstico). Talvez sejam necessários outros exames para excluir várias
etiologias possíveis, mas o paciente geralmente deixa o consultório
do médico com alguma ideia sobre a direção em que o médico está
indo ao lidar com seu problema. Com excessiva frequência, uma en-
trevista de saúde mental não inclui este passo tão importante. Não
admira que muitos pacientes não retornem para sessões seguintes (Bae-
kfíland e Ludwall, 1975), uma vez que eles não acreditam que o tera-
peuta possa compreendê-los, compreender seus problemas, ou ambas
as coisas; portanto, o paciente não acredita que o terapeuta possa aju-
dá-lo. Este problema pode ser resolvido com facilidade pelo terapeuta,
simplesmente dizendo ao paciente, numa linguagem que ele possa com-
preender, o que, em sua opinião, está causando as dificuldades. Isto
permitirá ao terapeuta determinar a correção da avaliação e o nível
de resistência do paciente ao que é revelado.
A fase final é o término. A tarefa neste estágio é desenvolver um
plano de tratamento adequado a objetivos sobre os quais há concordân-
cia mútua.
INTERAÇÃO DINÂMICA
Uma entrevista é uma interação dinâmica entre paciente e terapeu-
ta. A natureza desta interação foi enfatizada por algumas orientações
(como a psicanalítica) e minimizada por outras (incluindo a comporta-
mental e não-diretiva). Apesar disto, tais processos transferenciais pre-
cisam ser compreendidos antes de que o terapeuta decida se vai ou
não trabalhé-los. Mesmo os rogerianos admitem que a transferência
se faz, apenas não acreditam que ela seja um aspecto importante no
tratamento. Os behavioristas acreditam que o relacionamento entre pa-
ciente e terapeuta é importante na medida em que facilita o desenvol-
vimento de estratégias com portam entais. Assim, todas as escolas reco-
nhecem a ocorrência de processos entre paciente e terapeuta, que pre-
cisam ser considerados e que podem vir a ser um ponto focal no tratamento.
OS ÚLTIMOS CINCO MINUTOS
Nós observamos anteriormente que o término é o último estágio
de uma entrevista clfnica. Essa fase merece ser discutida com maiores
detalhes.
Ao escutar fitas de entrevistas, gravadas por terapeutas em treina-
mento, fiquei horrorizado ao ver o modo como alguns deles encerraram
suas entrevistas. Esta fase tende a despertar ansiedade nos alunos, es-
pecialmente quando eles percebem que não a manejaram bem. É co-
mum a entrevista ser encerrada abruptamente, sem um final e sem que
sejam consideradas importantes informações clínicas que podem ser
obtidas nos últimos minutos. Da mesma maneira que um cirurgião, que
após completar a operação passa os últimos minutos suturando o feri-
mento, o entrevistador clínico precisa gastar os últimos minutos certifi-
/ HnlwrtJ. Cralg Entrevista Clínica e Diagnostica i 41
cando-se de que há um fechamento, prestando atenção aos importan-
tes processos que podem ocorrer neste momento e ocupando-se das
últimas tarefas que completarão a entrevista.
Há certas tarefas a serem cumpridas neste estágio da entrevista.
A esta altura, a análise foi feita, já foram estabelecidos os objetivos
e desenvolvido um plano de tratamento, com o qual o paciente con-
cordou. A última parte da entrevista deve ser dedicada à redução da
intensidade emocional do paciente e assegurar-se de que todas as in-
formações importantes foram apresentadas. Neste ponto, podem ser
feitas as seguintes perguntas: "Há alguma outra coisa que você consi-
dera importante e que queira me contar? Será que nós deixamos algu-
ma coisa de lado? Há alguma pergunta que você queira me fazer?"
Esta última pergunta pode ser a mais importante, porque ela permite
ao paciente esclarecer dúvidas importantes que porventura tenham
ficado. Neste momento, o terapeuta deve observar como o paciente
lida com o processo de separação na entrevista, porque isto pode aju-
dar o terapeuta a compreender como ele lida com tais questões na
vida real. Por fim, é preciso haver algum tipo de fechamento. O tera-
peuta pode querer agradecer ao paciente por haver participado da
entrevista ou por haver dividido com ele informações pessoais. Ou o
terapeuta pode dizer como se sente em relação à entrevista, agora
que ela terminou, ou, ainda, usar o tempo restante para lembrar ao
paciente alguns aspectos administrativos, tais como o dia e a hora
do próximo encontro.
Meu objetivo neste capítulo foi o de apresentar ao leitor alguns
dos elementos básicos de uma entrevista clínica. Minha esperança é
que o leitor possa ter aprendido alguma coisa com esta leitura e este-
ja motivado a ler todo o livro. Como esperamos que aconteça com
os pacientes. Como terapeutas, queremos que nossos pacientes apren-
dam alguma coisa a partir da entrevista inicial, que os motive a bus-
car uma maior compreensão de seus problemas.
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Entrevista Clínica e Diagnóstico / 43
3
Entrevista Psicanalítica
RALPH S. IENNARELLA, Ph. D.
EUZABETH FRICK, Psy. D,
A disciplina da psicanálise apóia-se no principio fundamental de
que os processos psicológicos inconscientes desempenham um papel
importante na determinação do comportamento humano. Os principais
objetivos do tratamento psicanalítico são a descrição, compreensão e
modificação dos processos inconscientes dlsruptivos, A investigação
psicanalítica tem empregado a entrevista diagnostica como o principal
método para avaliar a motivação inconsciente, o funcionamento psíqui-
co e a organização da personalidade. Este capitulo oferece uma revisão
detalhada das principais abordagens na entrevista diagnostica que são
apropriadas à investigação psicanalítica. Para ilustrar os aspectos bási-
cos das várias abordagens apresentaremos um caso clínico.
As abordagens na entrevista dividem-se em duas categorias gerais:
aquelas centradas na psicodinâmica e na estrutura íntrapsíqulca e aque-
las centradas nas relações objetais e no funcionamento interpessoal.
As primeiras formas de abordagem procuram avaliar o funcionamento
psicológico sobretudo através do exame das configurações e processos
intrapsíquicos (incluindo psicodinâmica, funções do ego e organização
estrutural). O segundo grupo avalia principalmente os padrões e transa-
ções interpessoais (como relacionamentos interpessoais, transferência
narcísica, a experiência do paciente em relacionamento terapêutico,
transferência e cqntratransferência) ao examinar o funcionamento psi-
cológico global. É importante observar que os aspectos considerados
na maioria destas abordagens diagnosticas estão incluídos em qualquer
Entrevista Clínica e Diagnostica I 61
avaliação psicanalftica mais abrangente. Contudo, certas tradições e
escolas psicanalíticas enfatizam a importância diagnostica de uma de-
terminada abordagem em relação às outras. É neste sentido que as
abordagens são discutidas e separadas.
PSICODINÂMICA E ESTRUTURA INTRAPSÍQU1CA
Freud (1923) introduziu o termo psicodinâmica para descrever
a interação entre os impulsos motivacionais e os processos psicológi-
cos que regulam, inibem e canalizam estes impulsos na produção do
comportamento humano. A entrevista psicodinâmica examina os dese-
jos ou motivos predominantes do paciente, medos inconscientes, obje-
tivos e padrões, defesas características e percepção da realidade exter-
na. O objetivo é avaliar o modo como estas facetas do funcionamen-
to psicológico são integradas, formam a base dos sintomas ou traços
de caráter do indivíduo e interferem com sua adaptação. Saul (1977,
1980) sugeriu uma linha para a entrevista diagnostica psicodinâmica
e, por conveniência, dividiu o material clínico em três grupos princi-
pais: dados de anamnese, atitudes emocionais conscientes e dados
da associação inconsciente.
Os dados de anamnese proporcionam uma revisão histórica, pas-
sada e presente, dos principais acontecimentos da vida. Uma comple-
ta compreensão da situação atua! de vida do paciente é vital para o
entendimento de como sua dinâmica básica e problemas emocionais
atuais interagem com o meio ambiente. A situação atual do paciente
é examinada tanto como uma criação do próprio paciente quanto co-
mo uma fonte de pressões e estímulos aos quais ele reage. A história
procura determinar em que medida o problema tem bases internas e
em que medida ele é uma reação ao estresse ambiental.
Incluídos na história estão a descrição do desenvolvimento dos
sintomas do paciente, as circunstâncias no seu início e o seu curso.
As circunstâncias que acompanham o desencadeamento dos sintomas,
em especial, podem revelar vulnerabilidades emocionais específicas.
Da mesma forma, os fatores que levaram o paciente a buscar trata-
mento em um momento determinado podem também indicar essas
vulnerabilidades.
Obter uma história de relacionamentos emocionais significativos
(• Inmbém crucial. Como regra, os relacionamentos vividos durante
ou seis primeiros anos de vida são da máxima importância. É duran-
te este período que se formam os padrões básicos de reação emocio-
/ J. Craig
nal e a essência das motivações do indivíduo. Influências emocionais
primitivas são examinadas no que se refere à sua intensidade, consis-
tência, duração e relação com a fase de desenvolvimento. Os investi-
mentos emocionais do paciente no passado, especialmente os da sua
primeira infância, são considerados como contendo a chave para a psi-
codinâmica atual.
O segundo grupo de material clínico diz respeito às atitudes emo-
cionais conscientes. Tal área abrange os principais sentimentos do pa-
ciente em relação a si e aos outros, atuais e durante a primeira infân-
cia. E importante que se obtenha também a compreensão do paciente
em relação a si mesmo e as queixas principais. Relativa a esta autoper-
cepção, temos a exploração da visão do paciente quanto ao seu futu-
ro, expectativas, medos e ambições.
Um foco adicional é dirigido às principais forças motivacionais
do paciente. O paciente geralmente tem certa consciência destas forças
e de sua influência. Pode-se ao paciente que lhe fale sobre seu desen-
volvimento sexual, a interação entre o desejo de dependência e inde-
pendência, sentimentos de inferioridade e motivações agressivas. Para-
lelamente a esta análise, avaliamos as forças, talentos e habilidades
do indivíduo.
0 terceiro grupo de material clínico, dados de associação incons-
ciente, é um indicador indireto e importante dos padrões motivacionais
mais profundos do paciente. As memórias primitivas e os sonhos são
extremamente reveladores. Em especial, os primeiros sonhos, sonhos
repetitivos e sonhos atuais, são dignos de nota. 0 sonho da noite que
antecede a entrevista pode ser particularmente informativo. É realiza-
da uma análise paralela das fantasias conscientes. Finalmente, as atitu-
des explícitas e implícitas do paciente em relação ao entrevlstador são
também examinadas, uma vez que são muito importantes para a com-
preensão das motivações atuais do paciente.
Como um breve exemplo: uma entrevista psicodinâmica pode
mostrar que um valentão agressivo e aparentemente arrogante é na
verdade um indivíduo tímido e inseguro, que foi continuamente repre-
endido e criticado por seu pai durante a infância, Tendo reprimido
seus sentimentos de medo e inadequação, ele tenta compensar sua inse-
gurança subjacente através de beligerância e hostilidade. Ele pode de-
safiar fisicamente homens mais fortes do que ele como um modo de
negar e afirmar simultaneamente seu sentimento de fragilidade psicológica.
Funcionamento do Ego
Bellak e colaboradores (Bellak e Hurvich, 1969, Bellak e cols.,
1973, Bellak e Fielding, 1978) enfatizaram que o exame das funções
Entrevista Clínica e Diagnóstico / 63
do ego é essencial para a avaliação diferencial do tipo e grau de psico-
patologia. Bellak acredita que o conceito de ego, enquanto parte do
modelo tripartido deego, íd e superego pode ser operacionalmente
definido por suas funções — em termos específicos da fragilidade ou
força adaptatíva do indivíduo. Juntamente com seus associados, Bel-
lak dedicou-se à identificação das 12 funções do ego, à especificação
de seus fatores componentes e ao desenvolvimento de critérios para
avaliar sua adequação adaptativa. O "pano-de-fundo" da avaliação
é a anamnese, onde se dá especial atenção à clarificação das queixas
principais, fatores desencadeantes e situação atual de vida (Bellak e
Faithorn, 1981). A história deve permitir a visualização dos ambien-
tes, pessoas significativas, acontecimentos, suas interações nos diferen-
tes momentos de vida, assim como o grau de impacto de tais circuns-
tâncias, pessoas e acontecimentos.
Uma cuidadosa avaliação das funções do ego, críticas no mane-
jo das vicissitudes da vida, é particularmente importante. Um perfil
dos recursos e deficiências do indivíduo, demonstrando o nível de fun-
cionamento em diferentes áreas, proporciona uma base para a com-
preensão e predição do comportamento. Bellak e colaboradores iden-
tificaram 12 funções específicas do ego: teste da realidade, julgamen-
to (juízo); sentido de realidade, regulação e controle de impulsos, afe-
tos e instintos; relações objetais; processos de pensamento, regressão
adaptativa a serviço do ego; funcionamento das defesas; barreira de
estímulos; funcionamento autónomo; função sintético-integradora e
domínio-competència. Para exemplificar como estas funções são ope-
racionalizadas em termos de material clínico, os principais componen-
tes clínicos de cada função serão brevemente resumidos.
Teste de realidade
O teste da realidade inclui a capacidade do indivíduo de distin-
guir os estímulos internos dos externos - isto é, a capacidade de dife-
renciar ideias e percepções. A função do ego de teste da realidade tam-
bém se refere à exatidão da percepção, incluindo a orientação no tem-
po e no espaço, e à capacidade de interpretar adequadamente os acon-
tecimentos externos. Um componente final é a exatidão do teste da
realidade interna, no que diz respeito ao nível de consciência do esta-
do interno e da disposição psicológica.
Juízo
O juí/o é avaliado em termos da antecipação das consequências
<|u uni determinado comportamento (como desaprovação social e cul-
(inlilllilfidc legal) e da extensão em que o comportamento reflete a
(A I HtilwlJ. Craig
consciência destas consequências. Avalia-se também o quanto o afeto
do indivíduo é adequado (congruente) à antecipação das consequên-
cias (ansiedade em relação a implicações legais), por exemplo.
Sentido de realidade
O sentido de realidade significa em que medida os acontecimen-
tos externos são vividos como reais e o grau com que o corpo, seu fun-
cionamento e o comportamento do paciente são experienciados como
familiares, não-importunos e como pertencendo (originando-se de) ao
se//. Além do mais, a avaliação desta função do ego inclui o nível de
auto-estima e o sentimento de estar separado do mundo externo e dos
outros indivíduos.
Regulação e controle de impulsos, afetos e instintos
A regulação e o controle de impulsos, afetos e instintos refere-se
à direção da expressão do impulso e à eficácia dos mecanismos de adia-
mento e controle. A força dos impulsos, afetos e instintos é evidencia-
da nos sonhos, fantasias, na experiência consciente e no comportamen-
to motor manifesto. Esta função do ego também se refere ao grau de
tolerância à frustração e ao modo como os instintos são canalizados
através de ideação, expressão afetiva ou comportamento manifesto.
Relações objetais
As relações objetais levam em consideração o modo e o grau de
relacionamento com os outros. É importante também o quanto as rela-
ções atuais são modeladas de forma adaptativa ou não a partir de rela-
ções antigas. A constância do objeto é outro aspecto que devemos con-
siderar, em termos da capacidade do indivíduo de evocar imagens gra-
tificantes dos outros quando se sente frustrado.
Processos de pensamento
Os processos de pensamento dizem respeito à adequação das fun-
ções que orientam adaptativamente e tornam possível o pensamento,
como atenção, concentração, antecipação, formação de conceitos, me-
mória e linguagem. Está incluída também a influência do processo pri-
mário e secundário no pensamento — isto é, o grau em que o pensa-
mento é organizado e orientado de acordo com considerações de reali-
dade. E isto se refere à extensão em que o pensamento é ilusório ou
autista e ao grau de "frouxidão" dos processos associativos.
Entrevista Clínico e Diagnostica j 65
Regressão adaptativa
A regressão adaptativa a serviço do ego demonstra a capacida-
de de reduzir a acuidade perceptiva e conceituai, com a concomitan-
te incrementação na consciência de material pré-consciente. Este pro-
cesso é seguido por nova organização deste material, aumentando o
potencial adaptativo como resultado de tal integração criativa.
Funcionamento das defesas
O funcionamento das defesas leva em consideração o grau em
que as operações defensivas adaptativas ou não influenciam a idea-
ção, o afeto e o comportamento. Ele requer a avaliação da eficiência
do repertório de defesa perante diferentes estressores e é evidencia-
do pelo grau de emergência da ansiedade, depressão e outros afetos
disfóricos.
Barreira de estímulos
A barreira de estímulos indica o limiar, a sensibilidade e a consci-
ência que o indivíduo tem em relação aos estímulos das variadas mo-
dalidades sensoriais. A avaliação do funcionamento da barreira de es-
tímulos também diz respeito à natureza das reações aos vários nfveis
de estimulação sensorial - em termos da extensão da desorganização
ou do retraimento provocado e dos mecanismos de manejo e defesas
acíonadas.
Funcionamento autónomo
O funcionamento autónomo é avaliado de acordo com o grau
de prejuízo dos mecanismos de autonomia primária, como distúrbios
funcionais da visão, audição, intenção, linguagem, memória, aprendi-
zagem ou funcionamento motor. Também é avaliado o grau de prejuí-
zo da autonomia secundária, incluindo transtornos nos padrões de há-
bitos, habilidades complexas adquiridas, rotinas de trabalho, hobbies
e interesses.
Função sintético-integradora
O funcionamento sintético-integrador inclui a eliminação de con-
tradições no ego - isto é, a capacidade de conciliar ou integrar discre-
pAnclae em atitudes, valores, afetos, comportamentos e auto-represen-
Inções. Ele também se refere ao grau em que é mantida a continuida-
de no comportamento, como a capacidade de completar uma ativida-
(!c pl.incj.ida. Outro componente é a capacidade de relacionar e inte-
()(> / U.•!••;! .1 Craig
grar os diferentes aspectos dos acontecimentos psíquicos e comporta-
mentais, não necessariamente em conflito, de modo a aumentar a adap-
tação. Por último, o funcionamento sintético-integrador refere-se ao
grau de manutenção da estabilidade e do nível de organização, quan-
do as condições externas mudam repentina ou desagradavelmente, de
modo estressante.
Domínio-competência
0 domínio-competência baseia-se na declaração do indivíduo so-
bre sentimentos de adequação, manifestos e conscientes. Também nos
referimos à sua expectativa de sucesso e à experiência subjetiva de de-
sempenho afetivo. Em outras palavras, é feita uma avaliação de como
o indivíduo sente-se em relação a como ele age e o que pode realizar
eficazmente.
A Entrevista Estrutural
Kernberg (1975, 1976) acredita que a compreensão das caracterís-
ticas estruturais intrapsíquicas do paciente contribui muito para a preci-
são do diagnóstico. O id, ego e superego são estruturas que integram
dinamicamente os processos mentais de operações defensivas e de rela-
ções objetais internalizadas. Kernberg aplica conceitos estruturais na
análise dos conflitos instintivos e da organização intrapsíquica predomi-
nante no paciente e propõea existência de três amplas organizações
estruturais: neurótica, borderllne* e psicótica. Kernberg afirma que
além dos fatores biológicos,familiares, psicodinâmícos ou psicossociais
que contribuem para o desenvolvimento de um distúrbio específico,
os efeitos interativos de todos estes fatores refletem-se na estrutura psí-
quica global do indivíduo.
Kernberg (1984) desenvolveu uma abordagem que utiliza uma "en-
trevista estrutural" como método diagnóstico.A premissa da qual ele
parte é que o foco do entrevistador nos principais conflitos do pacien-
te provocará tensão suficiente para fazer emergir a organização estrutu-
ral do funcionamento mental. O entrevistador combina o tradicional
exame-mental com uma avaliação de orientação analítica focada na in-
teração paciente-terapeuta. O objetivo da entrevista é fazer emergir,
de maneira hábil, a patologia do paciente, ao mesmo tempo demonstran-
do respeito e preocupação com sua realidade emocional.
* Fronteiriça ou limítrofe. (N. T.)
Entrevista Clinica e Diagnostica / 67
A avaliação da organização estrutural baseia-se principalmente
no grau de integração da identidade (a integração do self do das re-
presentações de objeto), nos tipos de defesa predominantes (primiti-
vos versus maduros) e na capacidade de teste da realidade (prejudica-
da versus intacta). A entrevista estrutural centra-se no esclarecimen-
to, confrontação e interpretação dos conflitos de identidade, mecanis-
mos de defesa e distorções da realidade que o paciente revela na inte-
ração com o entrevistador. Kernberg define o esclarecimento como
uma exploração cognitiva, não-desafiadora, dos limites de consciência
dos pacientes sobre suas produções. Através da confrontação, o entre-
vistador descreve ao paciente aqueles aspectos dos dados que indicam
a presença de funcionamento conflitivo, operações defensivas, repre-
sentações contraditórias do self e dos objetos e diminuída consciência
da realidade. O entrevistador utiliza a interpretação numa tentativa
de explicar a natureza contraditória dos dados, propondo defesas e
motivos inconscientes que fazem o contraditório parecer lógico. A inter-
pretação da transferência também é empregada na confrontação e
no esclarecimento da interação entre o paciente e o entrevistador.
Kernberg dispensou muita atenção às características clínicas e
diagnosticas dos principais critérios estruturais. A integração da iden-
tidade refere-se a duas qualidades das representações do self e dos
objetos. Primeiro, há uma diferenciação das representações do self
em relação às representações de objeto, possibilitando a manutenção
das fronteiras do ego e uma separação clara entre o self e os outros.
Segundo, todas as imagens do self e as imagens do objeto, tanto "bo-
as" quanto "más", foram integradas em um conceito abrangente do
self e dos outros. A entrevista estrutural é uma situação experimental
na qual a extensão da integração do self e a percepção dos objetos
pode ser explorada e testada. A falta de integração da identidade,
ou a difusão da identidade, é representada clinicamente por um con-
ceito insuficientemente integrado do self e das pessoas significativas.
Para ilustrar, Kernberg (1984) descreve uma mulher que estava des-
gostosa com os homens que "queriam apenas usar as mulheres co-
mo objetos sexuais". Ela havia se esquivado às propostas sexuais de
um chefe anterior e evitava contatos sociais por causa das aproxima-
ções sexuais predatórias dos homens, mas havia também trabalhado
por algum tempo como uma "coelhinha" da Playboy. Quando confron-
tada com a contradição entre suas afirmações e sua escolha de traba-
lho, a paciente reagiu com surpresa.
Outro aspecto estrutural estritamente relacionado refere-se à quali-
dade das relações objetais*. O importante aqui são a estabilidade e a
profundidade dos relacionamentos do indivíduo com os outros, manifes-
tadas por cordialidade, preocupação, empatia, compreensão e capaci-
dade de manter um relacionamento quando ele é sujeito a conflito ou
frustração. A qualidade das relações objetais depende muito da integra-
ção da identidade, e as disfunções tornam-se imediatamente aparentes
na interação do paciente com o entrevistador. Kernberg afirma que
tais interações são tipicamente breves, mas altamente diagnosticas, per-
mitindo a avaliação da organização estrutural.
Como mencionamos anteriormente, outro critério da organização
estrutural é a natureza do repertório defensivo do indivíduo. Opera-
ções defensivas mais evoluídas baseiam-se na repressão e nos corres-
pondentes mecanismos de formação reativa, isolamento, anulação, inte-
lectualização e racionalização. Tais mecanismos agem para proteger o
ego de conflitos intrapsíquicos, através da rejeição de um impulso, de
sua representação ideativa ou de ambos, pelo ego consciente. Opera-
ções defensivas primitivas baseiam-se na dissociação e em outros meca-
nismos relacionados a ela, como a idealização, identificação projetiva,
negação, onipotência e desvalorização. Estes mecanismos protegem o
ego do conflito através da dissociação. Isto é, experiências contraditó-
rias que envolvem o self e outros significativos são mantidas ativamen-
te separadas, num esforço para reduzir a ansiedade relativa a estes conflitos.
0 terceiro critério estrutural importante identificado por Kernberg
é o teste de realidade, definido pela capacidade de diferenciar o self
do não-sel/, de distinguir as origens intrapsíquicas das origens externas
de percepções e estímulos, além de avaliar realisticamente os conteú-
dos do próprio-afeto, comportamento e pensamento, em termos de
normas sociais comuns. O teste de realidade é representado clinicamen-
te pela ausência de alucinações e delírios, pela ausência de comporta-
mentos, conteúdos de pensamento e afetos estranhos ou inadequados,
bem como pela capacidade de empatizar com as Impressões de outra
pessoa a respeito de si e de esclarecê-las. Kernberg afirma que a entre-
vista estrutural oferece a oportunidade ideal de avaliar o teste de reali-
dade. Por exemplo, se a interpretação de um mecanismo de defesa pri-
mitivo resulta na melhoria de funcionamento imediato do paciente, is-
to reflete a manutenção do teste de realidade. Se a mesma Intervenção
* No Brasil, particularmente no Rio Grande do Sul, relações objetnls significam as
primitivas relações de objeto (intrapsíquicas), de acordo com os conceitos teóricos
da assim chamada "Escola Kleiniana". Para um exame abrangente e crítico, recomen-
damos Greenberg & Mitchell, Object relations in psychoanalytlc theory, Harvard,
1983. {N. T.)
(iH / Hubeil J. Cralg Entrevista Clínica e Diagnostica / 69
conduz à deterioração do funcionamento imediato do paciente, isso
indica a perda do teste de realidade.
Kernberg (1984) resumiu a diferenciação da organização estrutu-
ral (neurótica, borderline e psicótica) em termos dos principais crité-
rios estruturais (integração da identidade, operações defensivas e tes-
te da realidade). Os neuróticos apresentam uma identidade integrada,
fazem uso da repressão e de outras defesas evoluídas e demonstram
a capacidade de avaliar profunda e realisticamente a si mesmos e aos
outros. Os borderhne caracterizam-se por difusão da identidade, pelo
predomínio da dissociação e de outros mecanismos de defesa menos
evoluídos, assim como pela inconstância na adequada testagem da re-
alidade. Os psicóticos possuem representações do self e de objetos
deficientemente delimitadas e pode haver uma identidade delirante.
Além disto, eles tendem a usar mecanismos de defesa primitivos e sua
capacidade de testar a realidade está gravemente prejudicada.
RELAÇÕES OBJETAIS E
FUNCIONAMENTO INTERACIONAL
Sullivan (1953, 1954) encarava o processo de entrevista como
um diálogo entre o paciente e o terapeuta, visando compreender o
paciente através da consciência de seus relacionamentos interpessoais,
de seus sentimentos e pensamentos relevantes.O entrevistador era
considerado não apenas um examinador distanciado, mas também
um "observador-participante". O paciente e o entrevistador exami-
nam e esclarecem os principais acontecimentos da vida do paciente.
Baseadas em tal exploração são feitas formulações a respeito dos rela-
cionamentos interpessoais do paciente e de seu funcionamento emo-
cional. Estas formulações são, então, testadas e comprovadas pelo
exame mais minucioso das experiências do paciente, de vários pontos
de vista e em diversos tipos de relacionamentos interpessoais (Chap-
man, 1978).
Sullivan centrou seu sistema teórico e técnicas clínicas nos relacio-
namentos interpessoais. Ele sugeriu que as pessoas levam consigo,
em seus relacionamentos interpessoais, tendências doentias origina-
das em relacionamentos íntimos durante a infância e a adolescência.
As distorções paratáxias levam o indivfduo a lidar com uma pessoa
como se esta fosse alguma outra pessoa de seu passado. Assim, tende-
mos a repetir padrões de sentimentos e comportamentos que foram
desenvolvidos em nossos anos de formação.
70 / HvhtrtJ. Cralg
Sullivan acreditava que cada entrevista deveria ter um formato in-
cluindo quatro componentes gerais: início, reconhecimento, investiga-
ção detalhada e término. Os quatro estágios não ocorrem rigidamente
e são uma maneira de observar e organizar os acontecimentos interpes-
soais e relacionamentos, e de avaliar o modo como o paciente maneja
seus problemas interpessoais. O início frequentemente começa com a
investigação da dificuldade que levou o paciente a buscar ajuda. Esta
entrada é nada mais nada menos do que um convite a falar. O objeti-
vo é começar a estabelecer a entrevista como um processo interpesso-
al onde os sentimentos de auto-estima e valor pessoal são apoiados.
No reconhecimento, o entrevistador e o paciente observam mais
amplamente a vida do paciente. O propósito principal é chegar a uma
compreensão básica do paciente como indivíduo edas experiências
que maldaram sua personalidade e seus problemas. E realizado um in-
ventário da história de vida do paciente e de seu atual ajustamento.
Sullivan sugere um exame dos relacionamentos da infância, ajustamen-
to na escola, experiências da adolescência, história vocacional, ajusta-
mento sexual, atividades sociais e hábitos pessoais. Em todas estas áre-
as são enfatizados os relacionamentos interpessoais e o seu colorido
emocional. Durante o reconhecimento, o entrevistador também obser-
va as reações do paciente ao processo de entrevistas, incluindo as res-
postas emocionais às áreas discutidas e o tipo de relacionamento inter-
pessoal estabelecido com o en*revistador. Este último aspecto conside-
raria, por exemplo, a rigidez do paciente versus a sua flexibilidade ao
lidar com o entrevistador e as tendências do paciente a ser controlador,
desconfiado, passivo, evasivo e assim por diante,
A investigação detalhada é uma exploração mais profunda da vi-
da e dos problemas do paciente. Na verdade, Sulllvíin vê a investiga-
ção detalhada como um procedimento exploratório extensivo de psico-
terapia. O paciente e o entrevistador procuram saber um que medida
os problemas interpessoais atuais são uma continuação de formas ina-
daptadas de interação que tiveram início em relaciona mentos anterio-
res. De maneira geral, acredita-se que perguntas sflo mais úteis do que
declarações, porque as perguntas dirigem a atenção do paciente ao te-
ma em questão e abrem novas áreas de debate. Sullivan acreditava
que muitos entrevistadores deixam de examinar material importante e
que este material pode ser perdido permanentemente.
0 término de uma entrevista consiste em uni breve sumário ou re-
capitulação do que foi conseguido. Sullivan sustenta que o paciente de-
ve obter algum benefício em cada entrevista e deve sentir que alguma
coisa foi conseguida mesmo que pequena. O sumário não é uma prele-
ção, mas um diálogo em que ambos participam. Assim, o paciente tem
Entrevista Clínico e Diagnostica / 71
n oportunidade de corrigir alguma afirmação do terapeuta e ambos
podem discutir as opiniões e os comentários do paciente.
O narcisismo e o "Self"
Kohut (1971, 1977) propõe uma abordagem teórica e clínica úni-
ca para o diagnóstico e o tratamento da patologia narcísica, que foi
sintetizada por Basch (1980) e Doroff (1979), entre outros. De acor-
do com Kohut, o transtorno nuclear desta patologia é a ausência da
estrutura psicológica que normalmente mantém um autoconceito unitá-
rio e estável, e um sentimento adequado de auto-estima. Considera-
se que pacientes narcisistas tenham falhado no desenvolvimento dos
passos necessários à formação da coesão do self e da auto-estitna.
Os relacionamentos interpessoais, ou relações objetais, de tais pacien-
tes são caracterizados pelo uso dos outros (objetos) como se//-objetos.
Isto é, os objetos funcionam como um substituto da estrutura psicoló-
gica ausente na regulação da coesão do self e da auto-estima. No con-
texto da situação terapêutica, estes pacientes transferem suas deman-
das ao terapeuta, demandas que estão a serviço das necessidades des-
tes se//-objetos. Kohut fala das transferências como transferências de
se//-objetos e as vê como a tentativa inconsciente do paciente de rea-
tivar e completar tarefas de desenvolvimento obstaculizadas.
Kohut identificou duas linhas de desenvolvimento paralelas, que
juntas determinam a auto-estima. Referiu-se a esses aspectos do self-
coesivo como o "self arcaico grandioso" e a "imago parental idealiza-
da". 0 se// grandioso manifesta-se pela expectativa da pessoa de ser
o centro do universo e de que tudo e todos existam apenas para aten-
der às suas necessidades. Kohut denominou este tipo de transferência
de se//-objetos de transferência especular e caracterizou três subtrans-
ferências. A transferência de fusão representa o mais primitivo estágio
do narcisismo. Nela, o terapeuta é sentido como fisicamente separa-
do mas não distinto psicologicamente. 0 paciente não percebe o tera-
peuta como uma pessoa com fronteiras psicológicas próprias. O pacien-
te tenta manter o sentido do self, tratando o terapeuta como um obje-
to a ser controlado e usado como lhe convier. Essa subtransferência
á característica de pacientes que consideram como um direito funda-
mental poder chamar o terapeuta quando bem entenderem.
A transferência de alter-ego, ou gemelar, demonstra um nível
mais elevado no desenvolvimento narcisista. A separação psicológica
<\o terapeuta é reconhecida, mas não a sua individualidade. O pacien-
le mantém seu autoconceito assumindo implicitamente que suas opi-
nldes, crenças e objetivos são idênticos aos do terapeuta. Isto pode
Tl I Hobert J. Croig
ser observado, por exemplo, no paciente que fica muito decepcionado
com o terapeuta quando este não aprecia um determinado estilo literá-
rio que o paciente admira.
Na transferência especular propriamente dita, a separação e a in-
dividualidade do terapeuta são reconhecidas. Contudo, o paciente só
é capaz de sentir-se valorizado quando julga que o terapeuta o aprova.
O terapeuta é importante na medida em que ele espelha ou reflete o
sentido do saber do paciente. Assim, o terapeuta que não reage com
admiração ao novo guarda-roupa do paciente, pode ser considerado
como incapaz de se importar.
Em resumo, as várias formas de transferência especular recapitu-
lam as necessidades que aparentemente não foram satisfeitas quando
o paciente era mais jovem. 0 paciente, não possuindo um sentido de
identidade, quer que o terapeuta lhe conceda um sentido de pessoa
que tem valor, é apreciada e funciona adequadamente. Se o tratamen-
to transcorre bem, a conceitualização grandiosa do self ê modificada,
e a grandiosidade transforma-se em um saudável sentido de auto-estima.
A transferência idealizada representa a necessidade do paciente
de fundir-se com o terapeuta de modo a adquirir a sua onisciência e
onipotência.Paralela ao conceito grandioso do self como todo-podero-
so está a experiência de ser cuidado pelo terapeuta, visto como ideal,
o que dá ao paciente um sentido inclusivo de bem-estar. O paciente
sente o terapeuta como uma fonte de bem-estar e espera que ele lhe
dê tudo o que quer. Um exemplo seria o paciente que, em uma sessão
inicial, declara enfaticamente que ele "sabe" que o terapeuta é capaz
de "compreender tudo" sobre ele. A identidade e a auto-estima do pa-
ciente podem ser asseguradas através da união com o terapeuta admi-
rado. O processo terapêutico transforma a idealização não questiona-
da da infância e promove o desenvolvimento de uma capacidade madu-
ra de dedicar-se aos outros e a causas que transcendem os interesses
mais estreitos do eu. A idealização do paciente converge para Identifi-
cações com outras pessoas não absorventes nem destrutivas.
Para Kohut, o diagnóstico da patologia narcísica de caráter se faz
através de uma análise experimental - geralmente através do curso ex-
perimental do tratamento terapêutico. Uma vez que os pacientes com
transtornos narcísicos parecem estar aprisionados no self grandioso
ou na imago parental idealizado, ou em ambos, o processo terapêuti-
co vai progressivamente demonstrando a Impossibilidade de integração
de tais organizações psicológicas primitivas ao restante da personalida-
de. Isto é, o estabelecimento espontâneo de uma das transferências
narcisistas estáveis é o melhor e mais confiável sinal diagnóstico de pa-
tologia narcísica, em que o terapeuta é considerado um self objeto ide-
alizado ou refletido, em vez de um objeto separado e completo. O tera-
Entrevista Clínica e Diagnostica / 73
peuta chega à compreensão deitas necessidades através das pistas
que o paciente lhe dá em suas associações e comportamentos.
Goldbert (1978) desenvolveu este tipo "esperar-e-ver" de abor-
dagem diagnostica. Na sessão inicial, o terapeuta avalia a "pronti-
dão" para a transferência e o tipo de relacionamento que está emer-
gindo. É também importante um exame da integração da identidade
do paciente. Por exemplo, o movimento regressivo do paciente em
direção à fragmentação intensifica-se, tornando-se mais facilmente re-
versível (evidenciando a difusão de identidade do borderline) ou ele
se torna mais maleável, mais absorvido na transferência narcisista es-
tável (evidenciando 0 identidade mais integrada do indivíduo narcisis-
ta)? Talvez o indicador mais comum ào início de transferência narci-
sista seja o relato do paciente de sintomas desconcertantes, tais co-
mo atuação sexual, episódios hipocondríacos, comportamento irritan-
temente arrogante, humor depressivo doloroso e sentimentos de esva-
ziamento em fins-de-semana e em outros momentos de interrupção
do tratamento. Compreende-se este quadro sintomático como refletin-
do uma fragmentação parcial do self em consequência da ruptura da
transferência narcisista.
Análise da Transferência
Em uma série de trabalhos sobre o conceito de transferência,
Gíll (1979, 1982, 1984, 1985) afirma que a maior parte do trabalho
analítico deveria centrar-se na interpretação de como o "paciente ex-
periência o relacionamento com o terapeuta" (PERT)*, no aqui-e-ago-
ra. Segundo Gill, este tipo de intervenção cria a oportunidade de um
tipo especial de experiência interpessoal com o terapeuta - que inter-
rompe padrões interacionais repetitivos e ínadaptados e que, portan-
to, possibilita insight e mudanças adaptativas. No centro do sistema
teórico e da abordagem técnica de Gill encontramos uma consistente
e rigorosa avaliação e conceitualização do PERT.
Hoffman e Gill (1986) estabeleceram mais seis proposições bási-
cas nesta abordagem. (1) A compreensão e a interpretação do PERT
é um aspecto crítico do processo psicanalítico e é o que distingue o
método analítico. (2) Os processos diagnósticos e terapêuticos são
mais bem realizados através de boas interpretações do PERT. (3) A
exploração do PERT em que paciente e terapeuta colaboram é de fun-
damental importância e explica de que maneira seu relacionamento
" "Piolanfl experience oí lhe relationship with lhe therapist" (PERT) (N. T.)
74 / U,ú,,;l,l. Craig
atual reflete os padrões conflituosos anteriores. (4) O terapeuta intura-
ge continuamente com o paciente e sempre contribui para o PERT.
Assim, o PERT, embora tenha suas origens no passado do paciente, é
relevante para a situação atual com o terapeuta e não é definido so-
mente como uma "distorção" do paciente em relação ao comportamen-
to do terapeuta. (5) Grande parte do PERT é conflitiva, com o pacien-
te oscilando entre o desejo de mostrar e esconder muitos de seus aspec-
tos. As comunicações do paciente, em vista disto, são formações de
compromisso que resultam na comunicação mascarada do PERT. (6)
A tarefa básica do terapeuta é ajudar a descobrir os significados laten-
tes desta comunicação mascarada. O terapeuta explora tais significa-
dos através da interpretação ativa ou encorajando diretamente o pacien-
te a elaborá-los.
Gill (1983) propõe três princípios gerais relevantes para a avalia-
ção do PERT no contexto das interações face a face com o paciente.
Em primeiro lugar, uma vez que o núcleo da patologia do paciente ma-
nifesta-se na interação interpessoal imediata com o terapeuta, este de-
ve estar sempre atento e pronto a investigar o PERT. Os terapeutas
não podem tomar como certo que a forma como vêem a interação
aqui-e-agora com o paciente é igual à do paciente. Gill considera o pro-
cesso interpretativo - isto é, a atribuição de um significado ao compor-
tamento - um empreendimento altamente arbitrário. Mais uma razão,
segundo ele, para que os terapeutas façam mais perguntas e menos in-
terpretações.
Em segundo lugar, o terapeuta deve estar sempre atento e pron-
to a considerar associações, não explicitamente ligadas ao relaciona-
mento, como alusões mascaradas referentes a ele. Gill menciona sobre-
tudo dois mecanismos. O deslocamento refere-se às alusões que o pa-
ciente faz ao PERT via discussão de determinadas questões com uma
terceira pessoa. Como uma simples ilustração, um comentário de uma
paciente sobre como seu pai foi intrusivo, pode ser uma expressão in-
direta do fato de ter experienciado o terapeuta como intrusivo. A iden-
tificação também entra em jogo quando o paciente atribui a si mesmo
atitudes que ele acredita que o terapeuta tenha em relação a ele. Por
exemplo, um paciente que manifesta desprezo por SUH mulher pode es-
tar comunicando sua impressão de que o terapeuta o despreza. Gill res-
salta que observar as implicações dos relacionamentos exiernos na rela-
ção terapêutica não é negar a significação independente destes outros
relacionamentos. Ao contrário, a ênfase no relacionamento terapêuti-
co baseia-se na premissa de que o PERT é paralelo às experiências
do paciente em outros relacionamentos.
Em terceiro lugar, é inevitável que o terapeuta, em maior ou me-
nor grau, atenda às expectativas anteriores do paciente. Este está con-
Entrevista Clinica e Diagnostica I 75
tlnuamente pressionando o terapeuta, de uma forma ou outra, para
enquadrá-lo em seu modo característico de relacionar-se. Os terapeu-
tas devem, portanto, estar conscientes de seus comportamentos e de
como eles podem estar afetando o paciente. De modo mais específi-
co, Gill afirma que todos os aspectos do PERT têm alguma conexão
com estímulos reais na situação terapêutica. Cada interpretação do
PERT deve ser feita com o espirito de reconhecer e respeitar a plausi-
bilidade da experiência do paciente, a partir da informação que este tem.
Comunicação Inconsciente
Langs (1973, 1983, 1985) propôs uma estrutura abrangente pa-
ra a entrevista inicial, baseada em seu estudo da comunicação deriva-
tiva inconsciente, tentando integrar os principais aspectos das aborda-
gens analíticas discutidas até o momento. As áreas específicas de ava-
liação incluem a natureza do

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