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História do Direito - Armando Soares de Castro Formiga

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1 
 
 
 
 
 
HISTÓRIA DO 
DIREITO 
ARMANDO SOARES DE CASTRO FORMIGA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Palmas, 2014 
 2 
SUMÁRIO 
 
1. 
INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO 
DIREITO 3 
2. 
IUS ROMANUM 14 
3. 
INSTITUIÇÕES E COSTUMES 
JURÍDICOS DOS INDÍGENAS 
BRASILEIROS AO TEMPO DA 
CONQUISTA 16 
 
 
 3 
1. 
 
INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO DIREITO 
Texto base da aula introdutória à disciplina do professor 
Armando Soares de Castro Formiga 
 
 
1. RELEVÂNCIA DA HISTÓRIA DO 
DIREITO NOS CURSOS JURÍDICOS. 
Quando se delineia o percurso historiográfico 
da História do Direito, o estudante logo ob-
servará que esta é uma ciência relativamente 
moderna. A conclusão pode ser obtida ao fo-
lhear alguns trabalhos de origem alemã 
(BRUNNER, 1906, p.18), espanhola 
(UREÑA Y SMENJAUD, 1906, p. 43), itali-
ana (SALVIOLI, 1921, p. 15) ou mesmo por-
tuguesa. Precoces, os franceses (FLEURY, 
1674) mostram certo pioneirismo nos estudos 
da jus-historiografia em textos que remontam 
a segunda metade do século XVII. 
Durante anos, a produção literária dos histo-
riadores costumava se prender quase que ex-
clusivamente às crônica dos fatos e a biogra-
fia. Por sua vez, os jurisconsultos raramente 
investigavam os aspectos históricos de sua 
ciência. “Na Universidade professavam-se 
apenas, como é sabido, os direitos romano e 
canónico, e estes mesmos dentro de um crité-
rio dogmático”, como observa o português 
Merêa (2007, p.12), na lição inaugural do 
curso de História do Direito Pátrio (1920). 
No século XIX, uma preocupação histórico-
metodológica (com a interpretação dos fatos) 
ganhou uma projeção considerável. Estudio-
sos optaram por considerar aquele século 
como a linha delimitadora que passou a nor-
tear essa nova abordagem. Direcionando-se a 
análise histórica para o campo jurídico, o ju-
risconsulto tudesco Friedrich Carl von Savi-
gny desponta como um dos importantes re-
presentantes da corrente historicista (Escola 
Histórica do Direito), materializando-se com 
a teoria do Volksgeist. Remontando as ori-
gens do Direito às suas tradições, ele legitima 
– por outra via – a própria dogmática jurídica 
(REGO, 2012, p. 11-12). 
No mundo acadêmico, como descreve Thie-
me (1950, p. 288), “o historiador do Direito é 
tido frequentemente entre os juristas como 
um bom historiador e entre os historiadores 
como um bom jurista”. Ele apresenta-se co-
mo “a figura do sujeito errante que arrosta a 
carga do caminheiro fronteiriço”, incomo-
dando aos historiadores “pela sua mentalida-
de” ou sendo “motivo de alvoroço para os es-
tudiosos do direito pela sua vocação de retro-
agir o estado das questões” (FIGUEIREDO 
MARCO, 2008, p. 9). 
A História do Direito reveste-se de uma natu-
reza essencialmente científica. Na sua gêne-
se, mais do que a simples descrição, busca-se 
a explicação dos fenômenos jurídicos do pas-
sado. É preciso apurar por que nos diversos 
momentos históricos prevaleceram certos 
princípios, instituições e métodos, em vez de 
outros. Professa-se o aprofundamento dos 
motivos que se encontram na origem; ou que 
levaram à sua transformação (ALMEIDA 
COSTA, 2007, p. 27). 
Na opinião de Hespanha (2003), toda a dis-
cussão acerca do interesse pedagógico da 
História do Direito limita-se à simples afir-
mação de que a disciplina é, para os futuros 
juristas, uma disciplina formativa, que rara-
mente se diz exatamente por quê. Para o dou-
 4 
trinador português, a História Jurídica apre-
senta-se, verdadeiramente, como um saber 
formativo; mas de uma maneira que é dife-
rente daquela em que o são a maioria das dis-
ciplinas dogmáticas presentes nos cursos de 
Direito. Enquanto a dogmática, cria certeza 
acerca do Direito vigente, a missão da Histó-
ria do Direito é antes a de problematizar o 
pressuposto implícito e acrítico das discipli-
nas dogmáticas, ou seja, o de que o direito 
dos nossos dias é o racional, o necessário, o 
definitivo. A História do Direito realiza esta 
missão sublinhando que o direito existe “em 
sociedade” (situado, localizado) e que, seja 
qual for o modelo usado para descrever as 
suas relações com os contextos sociais (sim-
bólicos, políticos, econômicos, etc.), as solu-
ções jurídicas são sempre contingentes em re-
lação a um dado envolvimento (ou ambiente). 
Para exercer um papel crítico e tático nos 
cursos jurídicos, a História do Direito não 
pode ser lecionada de qualquer maneira. 
“Sem que se afine adequadamente a sua me-
todologia, a história jurídica pode sustentar – 
e tem sustentado – diferentes discursos sobre 
o Direito”, observa Hespanha (2003). Desta 
forma, a História do Direito pode desempe-
nhar um papel oposto àquele que se descre-
veu, ou seja, pode contribuir para legitimar o 
Direito estabelecido. 
Ao ter contato com a jus-historiografia, o aca-
dêmico desenvolve certo refinamento da sensi-
bilidade histórica, instrumento imprescindível 
ao político e ao estadista. Como estudante, ele 
obtém os dados, as conjecturas, as problemáti-
cas, os instrumentos e as teorias que, comple-
mentadas por uma extensa formação humanísti-
ca e jurídica, poderão fazer desabrochar, nos es-
píritos inteligentes preocupados, lúcidos, subtis 
e argutos, o espírito do tempo e a consciência do 
momento e, até, o rasgo do heroísmo, que é a 
capacidade de protagonizar a solo no palco 
da História (CUNHA, SILVA, SOARES, 
2005, p. 58-59). 
 
1.1 Historicidade do Direito 
É importante considerar, primeiramente, a 
questão da historicidade do Direito. Esta 
perspectiva histórico-cultural do Direito ga-
nha a atenção sobretudo pela importância 
metodológica que a compreensão sistemáti-
co-técnica oferece ao ensino, estudo e elabo-
ração de textos jurídicos. Como método, 
apresenta-se como exigência de ordem teóri-
co-prática a utilização da análise histórica 
dos institutos jurídicos, a partir dos antece-
dentes. A reflexão histórica oferece uma vi-
são panorâmica do conteúdo a ser estudado. 
O cariz histórico do Direito transcende a se-
quência descritiva do surgimento, evolução e 
extinção dos costumes, dos códigos, do pen-
samento jurídico ou fatos que delinearam cer-
to período de uma sociedade. Assim, a histo-
ricidade que reveste o Direito dá o sentido do 
humano, do que é vivo, dinâmico, em cons-
trução: a História do Direito incentiva a re-
flexão crítica do próprio Direito (autopoiéti-
co). 
Sem cesuras, a vivência humana produz sem 
parar história; história esta construída por fa-
tos coligidos e ordenados sob o metrônomo 
do historiógrafo, que os volta ao estudo me-
tódico, encadeando-os à semelhança de elos. 
Para Almeida Costa (2007, p. 24), “a orienta-
ção tradicional parte da ideia de sistema jurí-
dico como elemento aglutinador dos fenóme-
nos jurídicos de cada época e considera o es-
tudo da transformação desses sistemas o ful-
cro da História do Direito”. Assim, compre-
ende-se a história jurídica através de uma su-
cessão de sistemas, umbilicalmente ligados a 
vetores materiais e ideológicos. 
Por outro lado, a História do Direito como 
disciplina das Ciências Jurídicas instaura-se 
com o objetivo de determinar o contraponto 
entre o estável e o transitório das instituições, 
destacando-se não apenas o peculiar como 
“próprio de uma determinada visão tipica-
 5 
mente histórica”, mas também o atípico e 
permanente como fundamental (ALMEIDA 
COSTA, 2007, p. 24). 
O jus-historiador não pode se ater aos even-
tos ocasionais, mas deve revelar as estruturas 
sociais que permanecem ao longo do tempo. 
Assim, o conhecimentoda continuidade dian-
te das mudanças requer conhecimento das es-
truturas invisíveis à história cronológica dos 
eventos. 
Para Wieacker (1980, p. 4), a “missão cogni-
tiva” da História do Direito, como a de qual-
quer outra história, não se fundamenta no 
material previamente estabelecido dos dados 
e fatos históricos e na sua utilidade para o 
presente, “mas na historicidade da nossa pró-
pria existência”. 
O ensino das ciências jurídicas não pode “re-
cusar a devida atenção ao modo histórico de 
pensar o Direito e às diferentes formas como 
a história o foi pensando”, afinal, o Direito 
“não irrompe por actos solitários de génio, 
nem desaparece, fugidiamente, na noite do 
acaso”. Ele se insere num certo “contexto 
histórico constituinte e reconstituinte”. A 
própria natureza do Direito reclama que “se 
entenda vinculado à existência cultural e his-
tórica do homem” (FIGUEREDO MARCO, 
2008, p. 9). 
Um ponto deve ser levado em conta: esta his-
toricidade do Direito não deve viver sufocada 
sob o império do passado. Nem tudo se afere 
apenas pelas objetivações de caráter históri-
co-cultural. 
Basta invocar Castanheira Neves (1967, p. 
835), quando defende que não seria legítimo 
esquecer que “também o presente faz histó-
ria, ou que da mesma forma que o presente, 
em que somos, recebe por herança um passa-
do, também ele faz passado para o futuro, e 
fá-lo na medida, precisamente, em que trans-
cende as objectivações já realizadas e institui 
novos sentidos – aqueles sentidos que virão a 
ser em seguida a sua herança espiritual”. 
Neste viés, reconhece-se que a História do 
Direito oferece préstimos valiosos na com-
preensão da essência histórica do Direito; 
uma ciência cuja intenção normativa se reali-
za historicamente. Em meados do século XX, 
Mitteis (apud FIGUEIREDO MARCOS, 
2008, 10) atribui a esta disciplina um valor 
vital; um juízo formulado na década de 40 
que reverbera no contexto presente. 
Do estudo jus-historiográfico, surge um 
imensurável poder formativo que se revigora 
ao compasso das fases de inquietude do 
mundo jurídico. Este laboratório é perceptí-
vel no âmbito da União Europeia (UE), 
quando se busca pelo direito de cariz comuni-
tário uniforme, resultante de uma evolução 
histórica (ius commune) ou, ainda, o direito 
que integre numa leitura historicamente com-
preensiva de uma segunda idade do direito 
comum. 
Figueiredo Marcos (2008, p.11) pontua a im-
portância da cátedra que detém na Faculdade 
de Direito de Coimbra, destacando o vetor da 
reflexão crítica e problemática: 
À História do Direito está reservada, por ex-
celência, a missão de demonstrar que o direi-
to que vivemos em cada época nunca consti-
tui obra definitiva. Ganha assim um distanci-
amento em relação à norma que lhe permite 
assumir um princípio de reflexão crítica e 
problemática. Da História do Direito o estu-
dante receberá sempre uma preciosa dotação 
que o incentiva a um trabalho de constante 
repensamento, enquanto as disciplinas que no 
direito positivo fazem exclusiva profissão de 
fé tendem, muito naturalmente, a engolfar o 
jurista no estreito horizonte da ordem jurídica 
vigente, em busca de um perdurável ius cer-
tum. 
 
1.2 A História do Direito enquanto ci-
ência histórica 
Por volta do século XVI, quando o interesse 
na “erudição e no pó da arqueologia jurídica” 
 6 
(FIGUEIREDO MARCOS, 2008, p. 12) 
prende-se a um ambiente jurídico histórico-
concreto, negam-se as valorações meta-
jurídicas (eternas) das normas originadas em 
Roma. 
Entretanto, a História do Direito só torna-se 
um estatuto científico válido no século XIX, 
declarada a historicidade do direito inscrita 
entre os fenômenos históricos, e assim, logo 
adaptada ao modo histórico-crítico de assimi-
lação. 
Chegando a segunda metade do século XIX, 
a ciência histórica ganha certo privilégio, al-
mejando assimilar a ciência jurídica, direcio-
nada a ciência histórica do direito. Conside-
rando a Escola Histórica Alemã, que sugere, 
segundo Figueiredo Marcos (2008, p. 13), “a 
crença que, no rio revolto da história, nasce o 
que se pode nascer e salva-se o que deve sal-
var-se”, releva-se, a busca pelo atual direito 
(ou verdadeiro) e não a criação deste. Enfati-
za-se a ideia do direito como produto vivo de 
cada sociedade, representante silencioso da 
consciência comum do povo, resaltando e as-
sumindo um valor ontológico ao estudo his-
tórico do Direito. 
Como o fluxo da história não se estanca, o di-
reito positivo se via condenado a distanciar-
se da realidade jurídica. Desvalorizando a 
descrição pura e o gênero literário, buscava-
se explicações sobre fenômenos jurídicos de 
outras épocas, através da investigação histó-
rica e indagações filosóficas e culturais asso-
ciadas a natureza genética onde a história do 
direito se reveste. 
Apesar dessa especialização da história do di-
reito buscada por alguns historiadores, como 
ramo especializado da ciência histórica, for-
ma-se um paradoxo entre a história do direito 
dissolvida da história geral por ter seu objeto 
particular, mas, ainda assim, necessitar de 
uma visão geral histórica da sociedade em 
sua realidade histórico cotidiana. 
1.3 O direito histórico como ciência jurí-
dica 
No âmbito conceitualista da História do Di-
reito como Ciência Jurídica, é fácil observar, 
segundo Almeida Costa (2007, p. 27) três as-
pectos: o técnico (presente), o filosófico (fu-
turo) e o histórico (passado). 
Ao abranger um conjunto de normas vigen-
tes, disciplinando juridicamente uma socie-
dade ou vida social, com o intuito de inter-
pretar, sistematizar ou compreender a aplica-
ção, dessas em si mesmas, temos o direito em 
um âmbito dogmático ou técnico. 
A análise filosófica analítica do âmbito do di-
reito tem como objetivo colocar no meio ju-
rídico, problemas ou questionamentos que 
constituam dialeticamente o discurso filosó-
fico. Destaca-se primeiramente o problema 
do conhecimento, onde se questiona a valida-
de e a natureza do conhecimento humano. O 
problema do ser ou ontológico, que discute 
ou questiona a realidade nas suas variadas e 
diferentes estruturas. O problema do valor ou 
axiológico, questionando a hierarquia e o 
sentido dos fins de ação, e por fim, o campo 
ou problema metafísico (mesmos que sem 
verdadeira especificidade no âmbito do direi-
to), questionando o sentido último do mundo 
e da vida (ALMEIDA COSTA, 2007, p. 28). 
 
2 METODOLOGIA 
É importante compreender que a História do 
Direito não se reduz a um inventário, nem se 
limita a resolver os antecedentes históricos 
das instituições ora vigentes. Os estudos jus-
historiográficos se explicam não pela volta às 
antiguidades jurídicas, mas pelo fato de cons-
truir o único caminho para a compreensão da 
essência do Direito na forma que ele se mani-
festa atualmente (ARRACÓ, 1978, p. 17.). 
Para Formiga (2011, p. XX), a História do 
Direito “descreve e revela, pesquisa e escla-
rece, coordena e explica a vida jurídica de um 
povo e seus mais variados aspectos, embre-
 7 
nhando-se nas fontes, nos costumes, na legis-
lação que o rege, em todas as manifestações 
que permitem o aperfeiçoamento desse en-
tendimento como um todo”. Essa experiência 
resulta do conhecimento dos fatos ocorridos e 
das impressões maiores ou menores que estes 
nos deixaram. 
Na visão de Sebastião Cruz (1980, p. 280-
289), a Ciência Jurídica ou Jurisprudência 
expressa um saber complexo, misto de ciên-
cia no sentido científico, de técnica, de arte e 
de sabedoria. Sem esses elementos, o traba-
lhodo jurista estará consagrado ao fracasso. 
E como parte desta Ciência, a História do Di-
reito molda-se a este sentido. 
Como método, o argentino Ricardo Zorra-
quín Becú defende que o trabalho do histori-
ador se desdobra em três etapas: (a) investi-
gação; (b) ordenação dos feitos e documentos 
que lhe interessam; (c) exposição, que apre-
senta-se – por sua vez – de forma explicativa; 
sistemática; crítica. Atualmente, o historió-
grafo do Direito pode encontrar boa parte do 
trabalho já previamente investigado por outro 
pesquisador, que o precedeu ou que já havia 
publicado o documento. “Entretanto, não 
exime o jurista de realizar uma investigação 
mais profunda, porque sempre podemos en-
contrar-se novos dados”, alerta o professor 
(BECÚ, 1990, p.17). 
De fato, a primordial função do historiador 
reside em apresentar os resultados de uma in-
vestigação e suas próprias reflexões sobre o 
tema estudado; oferecer um relato ou narra-
ção dos acontecimentos; uma análise de seus 
motivos ou dos fins que seus autores se pro-
puseram, para explicá-los melhor e, por últi-
mo, as considerações mais gerais que surgi-
ram no processo, assim como o juízo que sur-
ja deste conjunto de fatos. 
Até recentemente, pontua Becú (1990, p. 16), 
a metodologia utilizada no estudo da jus-
historiografia que predominava se referia 
sempre às causas dos acontecimentos. Ao 
aplicar os sistemas das ciências naturais à 
História, os historiadores do Direito acredita-
vam que seria possível descobrir uma causa 
determinante para todo o fato histórico. Esta 
hipótese (hoje questionada) parece menos 
aplicável a ação humana que é essencialmen-
te livre. A psicologia – individual ou social – 
nos ensina, sem embargo, que os atos huma-
nos aparecem muitas vezes determinados por 
crenças, ideias, paixões ou interesses de toda 
a índole, os quais devem ser considerados os 
motivos de cada ação. E também determina-
do. 
Assim, defende Becú (1990, p. 17-18), o his-
toriador deve centrar-se nos motivos e nos 
objetivos dos acontecimentos para explicar 
melhor o processo que relata, sempre com 
base nos dados que lhe proporcionaram as 
fontes acessíveis. Como estudioso, ele pode 
ainda formular juízos acerca da época que es-
tudou. Entretanto, não deve se fundar em 
ideias atuais, com a pretensão de que os 
acontecimentos do passado se ajustem aos 
critérios contemporâneos. 
A história contempla o homem em sua con-
duta social. Esta atividade aparece determi-
nada por crenças, ideais e interesses, mas 
também, em grande parte, regulada por nor-
mas religiosas, morais e jurídicas. A História 
do Direito se propõe, como efeito, a conhecer 
as estruturas política, sociais e econômicas 
que cada comunidade teve nas distintas eta-
pas de sua existência. Para ser completo, uma 
pesquisa deve analisar também as razões de 
suas transformações (fontes materiais), o apa-
recimento de novas normas e estatutos (fon-
tes formais), o conteúdo jurídico dessas fon-
tes formais, sua vigência e as consequências 
de sua aplicação (BECÚ, 1990, p. 21-22). 
Não se pode estudar a História do Direito se-
não a partir da época em relação à qual re-
montam os mais antigos documentos escritos 
conservados. Esta época é diferente para cada 
povo, para cada civilização. 
 8 
Gilissen (2011, p. 31) observa que, antes do 
período histórico, cada povo já tinha, no en-
tanto, percorrido uma longa evolução jurídi-
ca. Esta pré-histórica do Direito escapa quase 
inteiramente ao conhecimento geral. Se os 
vestígios deixados pelos povos pré-históricos 
permitem ao especialista reconstituir, é certo 
que de uma maneira muito aproximada, a 
evolução militar, social, econômica e artística 
dos grupos sociais antes da sua entrada na 
história, estes mesmos vestígios não podem 
de forma alguma fornecer indicações úteis 
para o estudo das instituições. Assim, quando 
um povo entra na História, a maior parte das 
instituições civis já existia, tais como o ca-
samento, o poder paternal sobre os filhos, a 
propriedade, a sucessão, o testamento, a doa-
ção, diversos contratos. No domínio daquilo 
a que hoje se identifica como Direito Público, 
uma organização relativamente desenvolvida 
dos grupos sociopolíticos já havia se consoli-
dado em numerosos povos sem escrita. 
É imperativo distinguir pré-história do Direi-
to e a História do Direito, distinção que re-
pousa no conhecimento ou não da escrita. O 
aparecimento da escrita – e, em consequên-
cia, dos primeiros textos jurídicos – situa-se 
em época diferentes para as diversas civiliza-
ções. Desta forma, para os egípcios, a transi-
ção data entre o século XXVIII e XXVII an-
tes da nossa era; para os romanos, acontece 
entre os séculos VI ou V antes de Cristo; para 
os germanos/visigodos, somente no século V 
de nossa era; para certos povos da Austrália, 
da Amazônia, da Papuásia, da África Central, 
data do século XIX ou mesmo do século XX 
(GILISSEN, 2011, p. 31). 
 
3 NOVA PERSPECTIVA DO OBJETO 
DA HISTÓRIA 
O século XX é marcado por uma renovação 
metodológica dos estudos históricos. Esta 
nova linha faz justificar que o objeto da in-
vestigação histórica passasse por um altera-
ção, com o alargamento dos materiais e dos 
assuntos a serem considerados pelo pesquisa-
dor. 
Desta forma, ao afirmar-se que a História do 
Direito se integra nas ciências históricas, em 
geral, não pode se perder de vista que a pró-
pria noção e objeto da história foram subme-
tidos a um onda de revisionismo (BARBAS 
HOMEM, 2012, p. 23). 
Neste viés, Lopes (2009, p.3) observa que a 
nova história – que se apresenta no palco do 
século XX – começa por “deslocar seu centro 
de atenções de uma certa política, especial-
mente a política do Estado e do Estado Naci-
onal, voltando-se para a vida material”. Para 
o historiador é o “movimento do homem nes-
te espaço que lhe chama a atenção”. 
Ao contrário da historiografia anterior, em 
que o Estado aparece como principal ator, na 
nova história, o centro desta atenção é a vida 
material. E mais: é importante ponderar as di-
ferenças substanciais entre tempos e os luga-
res. Assim, “o historiador se aproxima das 
coisas com a surpresa e o assombro da dife-
rença”, dispara Lopes (2009, p. 3). 
As propostas metodológicas cristalizam-se 
em novas disciplinas, como (a) História das 
Ideias, (b) História da Linguagem, (c) Histó-
ria da Civilização Material, (d) História das 
Mentalidades Sociais. 
(a) História das Ideias – A disciplina da His-
tória das Ideias foi concebida e teorizada pelo 
filósofo norte-americano Arthur Lovejoy. 
Contrário ao processo de fragmentação dos 
estudos históricos das ideias por diversas 
áreas autônomas do conhecimento, tais como 
a Filosofia, Ciência e Literatura, mas igual-
mente opondo-se à perspectiva alemã de uma 
história da cultura ou do espírito, fundamen-
tada na unidade do sistema de pensamento, o 
Lovejoy (in Essays in the history of ideas, 
1948) delineou um estudo interdisciplinar ba-
seado em conceitos individuais como o de 
natureza. 
 9 
(b) História da Linguagem - Dentro da Histó-
ria do Pensamento Político, o inglês John 
Greville Agard Pocock considera migrar o 
objeto dos seus estudos para uma História das 
Mudanças da Linguagem. Assim, os conhe-
cimentos da linguística passam a ser utiliza-
dos como critério para observar os diferentes 
códigos linguísticos dos grupos sociais e po-
líticos. Na mesma linha de pesquisa, Michael 
Stolleis considera que a História das Ideias 
Políticas busca reconstituir os trilhos da lin-
guagem, através dos quaisé possível com-
preender a história. Mesmo não sendo neces-
sariamente a linguagem a substância da His-
tória, a proposição metodológica defende que 
toda a realidade humana só existe na medida 
em que é linguagem e só pode ser reproduzi-
da através da linguagem (STOLLEIS, 1990, 
p. 7-8). Em outros momentos, fala-se da lin-
guagem e das diferenças na utilização da lin-
guagem em face da diversidade de situações. 
(c) História da Civilização Material – Novos 
paradigmas revolvem a compreensão do con-
ceito de “civilização”, na tentativa de superar 
o binômio cultura-natureza. A nova formula-
ção procura justificar um esforço contínuo 
não apenas “para definir civilização e as dife-
renças qualitativas e quantitativas entre civi-
lizações”, mas ainda, “para explicar os últi-
mos desenvolvimentos da história mundial 
em torno de um pretenso choque de civiliza-
ções” (BARBAS HOMEM, 2012, p. 24-25). 
Neste prisma, a civilização apresenta seis 
elementos ou fatores, tais como a geografia, a 
organização social, a cultural, a tecnologia, a 
dinâmica interna e a dinâmica externa (AN-
TUNES, 1999, p.39). O francês Fernand 
Braudel, um dos mais importantes represen-
tantes da chamada Escola dos Annales, con-
ceitua por civilização material o conjunto de 
instrumentos e outros elementos utilizados 
para criar uma identidade social particular, da 
culinária à arte. 
 (d) História das Mentalidades Sociais – Cabe 
a Lucien Febvre, Georges Lefebvre e a Esco-
la dos Annales a inclusão, dentro do objeto 
da História das Mentalidades, de temas que 
buscam a compreensão dos sentimentos hu-
manos e de seus perfis psicológicos. 
É uma modalidade historiográfica que privi-
legia os modos de pensar e de sentir dos indi-
víduos de uma mesma época. Segundo Vo-
velle (1987, p. 15, 17, 24), trata-se do “estudo 
das mediações e da relação dialética entre, de 
um lado, as condições objetivas da vida dos 
homens e, de outro, a maneira como eles a 
narram e mesmo como a vivem o terror”; 
uma história centrada nas visões de mundo; 
uma história do sistema de crenças, de valo-
res e de representações próprios a uma época 
ou grupo. 
Esse tipo de literatura historiográfica ganhou 
adeptos e seguidores dentre historiadores e 
jus-historiadores. 
Os conceitos de civilização social e o de 
mentalidades sociais permitiram a emergên-
cia de inúmeras obras dedicadas a temas tão 
específicos, como a vida privada, a culinária, 
a sexualidade ou as atitudes perante a morte 
(BARBAS HOMEM, 2012, p. 25). 
 
4 ENSINO DA HISTÓRIA DO DI-
REITO NO BRASIL 
Ao contrário dos espanhóis, os portugueses 
não se preocuparam em fundar o ensino uni-
versitário no Estado do Brasil. Enquanto a 
Coroa de Leão e Castela promoveu – já no 
século XVI – a abertura de Universidades em 
suas terras americanas, totalizando 32 até 
1810, o rei de Portugal centralizou todo o co-
nhecimento lusitano em Coimbra. 
Os brasileiros eram obrigados a se deslocar à 
Europa para obter uma formação universitá-
ria em Leis ou Cânones. Assim aconteceu 
dos primórdios da ocupação, ainda no qui-
nhentos, até mesmo depois da inauguração do 
Império Brasileiro (1822). 
 10 
Entretanto, a idealização de estabelecer o en-
sino superior em nosso território remonta 
provavelmente ao ano de 1654, quando do 
ensejo holandês da implementação de uma 
Universidade no Recife. Em 1820, o ouvidor-
geral da comarca, Venâncio Bernardino 
Uchôa, encaminhou a D. João VI as ideias de 
fundação de uma Universidade em Pernam-
buco. 
No mesmo sentido, em 1821, o deputado 
pernambucano Muniz Tavares, nas Cortes 
Constituintes portuguesas, revelou um proje-
to criando a Universidade do Brasil, não lo-
grando êxito tal iniciativa, assim como a pro-
posta de Luiz do Rego, que também solicitara 
a formação da escola jurídica do Recife. Em 
1823, os deputados pernambucanos pleitea-
ram na cláusula décima terceira das ‘Instru-
ções’ da Câmara Municipal de Olinda a idea-
lização de uma Universidade naquele local 
(JOSÉ, 1997, p. 10-12). 
A partida do Rei de Portugal para Lisboa 
precipita os acontecimentos históricos. Em 
1822, Pedro, filho de João, usurpa a coroa do 
pai e torna-se imperador do Brasil, declaran-
do a independência. Ares liberais sopram 
mundo afora e uma nova conjuntura faz com 
que o jovem imperador, educado sob a batuta 
do regime antigo, jure uma Constituição. 
Com a instalação da Assembleia Constituin-
te, Pedro foi alertado para a necessidade de 
estimular a instrução pública superior. Não 
era possível enviar brasileiros à Coimbra para 
receber uma formação em Leis. Na prática, 
contabilizava-se a falta de bacharéis que au-
xiliassem na criação de um ordenamento ju-
rídico próprio (FORMIGA, 2012). 
Os deputados constituintes logo abraçaram a 
ideia da criação dos cursos jurídicos. A pro-
positura do projeto de lei acerca da criação de 
um curso jurídico foi apresentada por José 
Feliciano Fernandes Pinheiro, futuro Viscon-
de de São Leopoldo. Em 14 de junho de 
1823, ele manifestou-se a respeito da neces-
sidade de criação de uma Universidade, em 
especial, da Faculdade de Direito. Muito se 
debateu sobre o tema, contudo a localização 
da futura Universidade, bem como a grade de 
ensino foram as questões mais controvertidas 
entre os constituintes, tendo em vista, especi-
almente, os interesses regionalistas da época. 
Enquanto os deputados José Feliciano Fer-
nandes Pinheiro e Miguel Calmon manifesta-
vam-se a favor da criação do curso jurídico 
em São Paulo, outros constituintes, como 
Montesuma e Pereira da Costa, declaravam a 
preferência pela instalação da Universidade 
na Bahia. 
Nessa mesma direção, Silva Lisboa, deputado 
baiano, defendia a instalação da Universidade 
na Bahia, pois considerava a localização de 
São Paulo de difícil acesso, bem como a lin-
guagem e pronúncia dos paulistas uma cor-
rupção ao idioma português. 
Em 19 de agosto de 1823 o projeto de lei so-
bre a criação da Universidade foi apresenta-
do, gerando muitos conflitos entre os consti-
tuintes, principalmente com relação à utiliza-
ção do Direito Romano na grade curricular. 
Silva Lisboa acreditava que, apesar de muitos 
considerarem o Direito Romano um conjunto 
de regras indigestas e erradas, a civilização 
europeia moderna se devia em muito ao 
achado das Pandectas e, portanto, sua aplica-
ção era imprescindível ao curso de ciências 
jurídicas. Por outro lado, Araújo Lima consi-
derava desnecessária a utilização excessiva 
de cadeiras de Direito Romano, acreditando 
na maior utilidade de grades curriculares que 
incluíssem economia política, direito comer-
cial e marítimo, direito público e das gentes. 
As discussões foram calorosas, contudo, o 
projeto de lei é aprovado e, na emenda de 
Araújo Lima, é determinada a criação de dois 
cursos jurídicos, sendo um deles na cidade de 
São Paulo e outro na cidade de Olinda (LI-
MA, 1977, p. 4) 
Fica determinado que, enquanto não houves-
 11 
se a criação dos mencionados cursos jurídi-
cos, cri-se-aia um curso jurídico na cidade do 
Rio de Janeiro, de caráter provisório. Toda-
via, apesar do estabelecimento de diretrizes, 
muitas dúvidas pairavam acerca da viabilida-
de de se instalar tais universidades e, nesse 
sentido, o deputado Almeida de Albuquerque 
apresentou sua crítica principalmente a res-
peito da localização da universidade, da exis-
tência de fundos para sua construção, da exis-
tência de professores habilitados para o car-
go, bem como a urgência de criação de um 
curso de direito, tendo em vista a existência 
de outrastantas ciências, ao seu ver, mais ne-
cessárias. 
Em 9 de janeiro de 1825 a Assembleia Cons-
tituinte é dissolvida e, por conseguinte, todo 
o trabalho de decisão a respeito das universi-
dades passou a possuir caráter meramente 
histórico. Simultaneamente, por meio do De-
creto de 9 de Janeiro de 1825, criou-se um 
curso jurídico provisório na Corte e, por meio 
dos debates oriundos da Assembleia Geral 
Legislativa de 1826, os estatutos que iriam 
regulamentar tal faculdade. Tais estatutos se-
riam aqueles propostos por Luís José de Car-
valho e Melo, Visconde de Cachoeira. O de-
creto qualificava como fundamental nos cur-
sos jurídicos o estudo do Direito Natural, Pú-
blico e das Gentes, bem como as Leis do Im-
pério, visto que tinha por objetivo principal a 
formação de bacharéis para suprir a imensa 
falta de magistrados após o processo de inde-
pendência. 
O curso jurídico da Corte jamais chegou a se 
concretizar. Porém, os Estatutos de Visconde 
de Cachoeira seriam posteriormente utiliza-
dos na criação dos cursos jurídicos em São 
Paulo e Olinda. 
A Assembleia Geral Legislativa de 1826 
trouxe à tona novamente as discussões sobre 
criação dos cursos jurídicos, na medida em 
que, até aquele momento, muito se havia dis-
cutido e nada se concretizado. As discussões 
tinham o mesmo cunho político e regional 
que aquelas da Assembleia Constituinte de 
1823: localização, disciplinas, escolhas dos 
professores (lentes), entre outros. Na sessão 
de 4 de julho de 1826, o projeto do lei foi fi-
nalmente aprovado e convertido em lei em 11 
de agosto de 1827: estavam criados os cursos 
de ciências jurídicas e sociais de Olinda e de 
São Paulo. 
As cadeiras eram divididas por anos, sendo o 
primeiro ano dedicado ao estudo do Direito 
Natural, Público, Direito das Gentes, análise 
da Constituição do Império e Diplomacia. 
Nos anos seguintes, o curso se dividia entre o 
estudo do Direito Público Eclesiástico, Direi-
to Pátrio Civil, Direito Pátrio Criminal com a 
teoria do Processo Criminal, Direito Mercan-
til e Marítimo, Economia Política e Processo 
adotado pelas Leis do Império. 
No entanto, muitas foram as dificuldades que 
sobrevieram a criação de tais universidades. 
Os principais problemas eram (a) a ausência 
de professores qualificados; (b) a grande in-
disciplina dos alunos; e (c) as aprovações 
sem mérito. 
 
4.1 A reforma do ensino e a criação da 
cadeira de História do Direito 
Proclamada a República (1889), instaura-se 
uma verdadeira onda de mudança desencade-
ada pelo novo regime. No âmbito Universitá-
rio, a Reforma de Benjamin Constant (Decre-
to 1.232H, de 2 de janeiro de 1891) dividiu o 
ensino jurídico em três cursos. As Ciências 
Jurídicas e Sociais cedem para os novos cur-
sos de (a) Ciências Jurídicas, (b) Ciências 
Sociais e (c) Notariado. 
Da reforma, aposenta-se a disciplina de Di-
reito Natural, surgindo, no lugar, a cadeira de 
Filosofia e História do Direito, lecionada na 
primeira série do curso de Ciências Jurídicas. 
Na Faculdade de São Paulo, cabe ao profes-
sor doutor Pedro Augusto Carneiro Lessa a 
regência da cátedra. 
 12 
É de imaginar como o lente se portou ao leci-
onar Filosofia e História. “No seu sentir, era 
incontestável o insucesso das principais e 
mais preconizadas concepções da filosofia da 
história; e atribuia-se-lhe a tarefa de ministrar 
o ensino da filosofia e da Historia do Direi-
to”, comenta Ferreira (1950, p. 429). Com 
certo ranço, o professor do Largo de São 
Francisco considerava que a história não de-
tinha “um conteúdo científico próprio, leis do 
seu domínio, induções, princípios e dedu-
ções, que lhe sejam peculiares generalizações 
que dela façam ciência”. A paixão pela Filo-
sofia ficava exposta. 
Lessa não esconde sua opinião em relação à 
História. Para ele, a função da historiografia 
estava limitada a coligir e classificar metodi-
camente os fatos, para ministrar os matérias 
que servem de vase às induções da ciência 
social fundamental e das ciências sociais es-
peciais. 
Assim, defende que o estudo das leis (a que 
está sujeito o organismo social) é objeto da 
Sociologia e das Ciências Sociais. Assim, 
passa a desmontar o valor da História como 
objeto do estudo do Direito: “Se estudamos o 
que há de uniforme, geral e permanente na 
gênese, na estrutura e na evolução das socie-
dades, temos a sociologia, ou ciência funda-
mental. Se estudamos certos fenômenos es-
peciais, certos aspectos particulares da socie-
dade – por exemplo, a sociedade considerada 
sob os aspectos da riqueza, da direção dos in-
teresses públicos internos e externos, ou da 
manutenção da ordem necessária à conserva-
ção e desenvolvimento da coletividade, te-
mos a economia política, a política ou o direi-
to. A sociologia está, para com as ciências 
sociais especiais, na mesma relação em que a 
biologia para com as ciências que se ocupam 
da vida sob aspectos especiais, como a zoo-
logia e a botânica, tendo a biologia por objeto 
os fenômenos essenciais e universais da vida, 
seja qual for a sua manifestação, ou o corpo, 
vegetal ou animal, que lhe sirva de sede” 
(BUCKLE, 1900, p. XCII). 
A combinação de História, Filosofia e Direito 
que aparecia no diploma legal não conquistou 
o carinho do professor que ministraria a ca-
deira. Observado tamanho desdém pela His-
tória, sob a perspectiva tão bem argumentada 
pelo catedrático, é fácil compreender como 
não se ajustavam bem o ensino concomitante 
ou mesmo sucessivo da Filosofia e da Histó-
ria do Direito (FERREIRA, 1950, p. 432). 
O divórcio não tardaria. Outra reestruturação 
do ensino do Direito, promovida pela Lei 
314, de 30 de outubro de 1895, cimentou a 
separação entre Filosofia do Direito e Histó-
ria do Direito: 
A reforma do ensino de 1895 não se conten-
tou com separar a História do Direito da Filo-
sofia do Direito. O legislador preocupou-se 
em unificar os cursos num só, em cinco anos. 
E mais: posicionou no quinto ano a disciplina 
de História do Direito (especialmente do Di-
reito Nacional), ao lado da Legislação com-
parada sobre o Direito Privado. Na Academia 
de São Paulo, o lente Aureliano de Souza e 
Oliveira Coutinho assume a titularidade da 
cátedra (FERREIRA, 1950, 433). 
 
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 14 
 
2. 
 
IUS ROMANUM 
Armando Soares de Castro Formiga 
O Direito Romano (Ius Romanum) faz parte 
do objeto do ensino universitário, desde que 
há Universidades, isto é, desde o século XII. 
Até cerca de 1900, estudava-se apenas com 
um caráter dogmático-prático: analisavam-se 
as suas disposições, para, devidamente adap-
tadas às novas circunstâncias sociais, se apli-
carem na prática. 
Desde cerca de 1900 a 1950, verifica-se uma 
profunda crise do ensino e dos estudos (no 
seu aspecto jurídico) do Ius Romanum. Não 
uma crise do Direito Romano em si, mas, 
sublinhe-se, uma crise do interesse jurídico 
pelo Direito Romano. 
A crise, porém, começou a ser vencida a par-
tir de 1950 e foi devidamente superada em 
1956, depois da pesquisa elaborada pela re-
vista Labeo em que prestaram o seu depoi-
mento cerca de 400 juristas, de vários países, 
na sua quase totalidade não apenas romanis-
tas, mas também filósofos do direito, profes-
sores de Introdução ao Estudo do Direito, ci-
vilistas, processualistas, cultores de qualquer 
outro ramo do saber jurídico, ou simplesmen-
te juristas não-romanistas. Nas respostas des-
se grande inquérito, defende-se, e com ex-
pressões bem eloqüentes, que o Direito Ro-
mano é parte integrante e indispensável da 
formação de todos e qualquer jurista. 
O estudo do Direito Romano nas atuais fa-
culdades de Direito é, pois, a base; é conside-
rado “o alfabeto e a gramática da linguagem 
jurídica e de toda a Ciência do Direito” (A. 
BISCARDI). Portanto, necessariamente deve 
constituir uma das disciplinas principais do 
primeiro ano. É tão importante e indispensá-
vel como o estudo da Matemática nas facul-
dades de Ciências; e, sobretudo para nós (que 
recebemos a influência da matriz colonizado-
ra luso-latino-visigótica), quanto mais intenso 
for o conhecimento do Ius Romanum, mais 
nítida e mais firme será a consciencialização 
do nosso atual Direito. Mas acima de tudo, a 
aprendizagem do Direito Romano é altamen-
te formativa, sob pena de nas Faculdades de 
Direito não se formarem juristas, mas sim, 
criarem-se uns meros técnicos de leis e de re-
gulamentos, que seriam a negação pura e ra-
dical do jurista. 
Nessa hora de poder das trevas do tecnicis-
mo, em que intencional ou inconscientemente 
se desumaniza o Homem para reduzi-lo a 
uma simples coisa, pretende-se que toa a ga-
ma do Saber se reduza à Técnica, ou pelo 
menos esteja dominada pela Técnica. Isto é 
falso e terrivelmente perigoso. Constitui-se 
um dos males da nossa época; e no mundo ju-
rídico, já foi classificado de “o maior perigo 
do século – a ruptura do equilíbrio devido en-
tre ciência e técnica jurídica” (G. Grosso). É 
uma espécie de positivismo refinado. É pre-
tender uma Ciência do Direito sem formação 
jurídica ou, usando a expressão já consagrada 
de Leonard Nelson, pretender regressar mui-
tos anos. 
A Técnica não é todo o Saber, nem sequer a 
espécie mais importante do Saber, embora na 
prática, geralmente, de momento, possa ao 
menos parecer ou até ser a mais útil; mas a 
utilidade não constitui o critério máximo da 
 15 
vida. Dentro de uma escala de autênticos va-
lores humanos, a primeira espécie de Saber é 
a Sapiência (“a medicina da cultura”); a se-
gunda, a Prudência; a terceira, a Técnica. 
Ora, o Direito (como saber-jurídico) não é 
pura técnica (longe disso!), mas essencial-
mente uma prudência (daí que a Ciência do 
Direito se denomine desde sempre iurispru-
dentia), e, secundariamente e subordinada-
mente à iurisprudentia, também uma técnica 
(uma ars). Como ciência, diz-nos “o que é 
justo e o que é injusto”; como técnica, diz-
nos “como alcançar o justo e como evitar o 
injusto”. 
Fazer da Ciência do Direito só uma técnica 
ou mesmo, sobretudo, um técnica, é desde 
logo uma contradição nos próprios termos; 
mas é essencialmente uma destruição íntima 
e profunda do conceito de jurista, deforman-
do então certos homens – precisamente aque-
les homens que mais tarde hão de dizer “o 
que é Direito e mandar aplicar esse Direito, o 
que muitas vezes equivale a ordenar e a dis-
por dos nossos haveres e até do uso da nossa 
própria liberdade”. 
O técnico fica preparado para dirigir máqui-
nas. O jurisprudente (o jurista) está formado 
para dirigir homens. Quando meros técnicos 
dirigem homens, geralmente, é um desastre; a 
experiência, em vários países incluindo o 
nosso (o autor se refere à Portugal da época 
do ditador Salazar, mas bem que caberia ao 
Brasil do hoje), já o demonstrou. Falta-lhes o 
saber-agir com homens. 
O robô jurídico não tem lugar de relevo no 
Direito. 
Os acadêmicos ficam naturalmente perplexos 
e com certeza perguntarão: Que é o Direito 
Romano? Quais fases têm passado o seu es-
tudo? Presentemente, como é lecionado nou-
tros países? Qual a utilidade de seu ensino 
nas atuais faculdades de Direito? 
O Direito Romano é fenômeno extraordinário 
e único no mundo jurídico: 27 séculos de 
existência. Depois de uma vida ou história 
propriamente dita de 13 séculos (Séc. XII 
a.C. ao Séc XI d.C.), tem uma supervivência 
de mais 14 séculos. A sua penetração nos sis-
temas jurídicos de quase todo o mundo co-
nhecido, sistemas que o acolheram nas suas 
entranhas como algo próprio e de tal maneira 
o consideraram seu, que ainda hoje os princí-
pios e instituições do Ius Romanum nutrem 
os ordenamentos desses povos. (CRUZ, SE-
BASTIÃO. Direito Romano – Ius Romanum 
I. Coimbra: Dislivro, 1984) 
 
“O Direito Romano deve ser 
hoje estudado e ensinado não como 
mera manifestação de uma vida passa-
da e morta; não como pura objetivação 
de um pensamento-pensado e também 
morto; mas como emanacao de um 
pensamento sempre vivo, de uma vida 
por assim dizer “vivente” (CABRAL 
DE MONCA-DA, Boletim da Faculda-
de de Direito. Universidade de Coim-
bra 16, 1939-1940, 554). 
“Ninguém pode serum grande 
jurista, se não for um bom civilista; e 
ninguém pode ser um bom civilista, se 
não for, pelo menos, um razoável (sic) 
romanista” – dizia Guilherme Moreira 
com muita frequência nas salas de au-
la. 
 16 
3. 
 
INSTITUIÇÕES E COSTUMES JURÍDICOS DOS 
INDÍGENAS BRASILEIROS AO TEMPO DA 
CONQUISTA 
Clóvis Bevilaqua 
 
De nossos antepassados caboclos 
conservamos, além de modalidades léxicas 
e syntacticas, que dão ao portuguez falado 
d’este lado do Atlântico um accentuado 
cunho de brasileirismo, certas usanças e 
costumes não jurídicos, persistentes, prin-
cipalmente no interior do estado, como um 
attestado irrecusável de que a raça vencida 
não era tão desprovida de vitalidade quan-
to approuve affirmal-o a sobranceria fi-
dalga de alguns escriptores. 
De costumes jurídicos de brazis e 
que não nos resta vestígios incrustados da 
legislação pátria. O direito portuguez do-
minou soberano varrendo todas as institui-
ções dos aborígenes que acossados pelo 
cyclone de uma civilização intolerante, 
sanguinária e devastadora segundo lhes 
devia parecer pelo que viam e soffriam, se 
foram refugiar no adyto das florestas im-
penetráveis do interior a margem dos 
grandes rios á margem dos grandes rios 
que retalham regiões ubertosas mas insa-
lubérrimas, onde quer que os rigores da na-
tureza o defendessem das brutalidades de 
uma cultura tão balda de movimentos af-
fectivos, e ahi subsistem ainda, mas como 
que ankylosados, e com suas instituições 
incontestavelmente deformadas como a 
sua língua. 
Entretanto cumpre ao historiador 
investigar qual o estado a que aviam attin-
gido as instituições desses povos, não só 
porque encerram tais indagações de inte-
resse verdadeiro para a anthologia jurídica, 
como ainda porque dellas nos podem re-
sultar esclarecimentos para comprehen-
dermos melhor a inclinação particular da 
evolução do direito no Brazil. O definha-
mento de certas instituições, o reflorimento 
de outras, as modificações de mais outras 
poderão, em muitos casos, ter explicação 
n’alguma tendência herdado dessas tribos 
que vagabundeavam ao longo e ao largo 
deste vasto paiz antes de conquistado pelas 
armas portuguezas. 
Não me dominam preoccupações 
românticas nem de um nativismo exagera-
do, mas simplesmente o desejo de ser 
exacto, quanto à índole e os limites desse 
trabalho permittirem e minhas forças com-
portarem. 
Quanto ao elemento negro que en-
trou para a formação do typo ethinico do 
brazileiro, que contribuiu para o augmento 
de nosso léxico, para a adopção de certos 
costumes e saliência de certas tendências 
de caracter, não penso que deva constituir 
objecto de um capitulo na historia do direi-
to natural. E as razões em que me apoio 
para assim opinar são as seguintes: 
Como elemento ethinico é natural 
que a raça negra tenha predisposto o brazi-
leiro para um certo modo de conceber e 
executar o direito. Sobretudo a riqueza af-
fectiva que alguns ethinologos e philoso-
phos assignalam como fundamental na 
psychologia de muitas tribos africanas, por 
certo não se perdeu de um modo absoluto. 
 17 
E nossa benignidade jurídica, não 
creio que seja exclusivamente latina, nem 
uma simples superfectação literaria. Mas, 
por outro lado, e além dessa tendência di-
fusa, não encontro um instituto jurídico em 
que a acção dessa raça escravisada se ma-
nifeste de um modo apreciável. Justamente 
porque entrou para a formação do povo 
brazileiro na qualidade de escravo, isto é, 
sem personalidade, sem attibutos jurídicos, 
além daquelles que podem irradear de um 
fardo de mercadorias, a raça negra apenas 
apparece em nossa legislação para deter-
minar o regimen de excepção do esclava-
gismo que ainda a tisnou em nossos dias. 
No estudo das leis de escravidão, 
taes como se decretaram em nosso paiz, 
desde os tempos coloniais, modificando-
se, avançando, recuando, alterando-se de 
accôrdo com as tendências do momento e 
as preponderâncias das classes egoísticas, 
até a sua estincção completa, rasgando as 
portas do paiz para o ingresso da Republi-
ca, estudando estas leis, enfrentaremos 
com o elemento africano, mas incontesta-
velmente elle entra ahi sem feição peculiar. 
É um escravo. Que importa a cor 
das granulações de seu pigmento? Que im-
porta a sua origem ethinica? 
Eliminado o regimen da escravidão, 
foram os pretos definitivamente incorpora-
dos á sociedade brazileira, já formada e 
distincta especificamente, não poderão ser 
mais objecto de uma analyse particular do 
historiador nem do ethinologista do direito. 
Alguns indianólogos nacionais e ex-
trangeiros, investigando a língua, os cos-
tumes, as tradições várias os detritos soter-
rados dos povos e das civilizações que es-
tanciaram pelo Brazil antes da descoberta e 
dos primeiros annos da conquista, julga-
ram poder reduzir todas essas nações tribus 
e hordas dos selvícolas brazileiros a dois 
typos ethinicos: os tupys e os tapúias. 
Outros, com d’orbignypor abalizado 
guia não hesitaram em incluil-os todas 
num só ramo ethinico, a que se deu a de-
nominação de brazilio-guarany. Dentre os 
que adoptaram a generalização do sábio 
ethinologo francez, destacarei o nosso 
illustre conterranio, Baptista Caetano, in-
contestavelmente o brazileiro que mais 
proveitosamente estudou as línguas e dia-
lectos de nossos bugres. 
Este escriptor affirma que “as tribus 
americanas inquestionavelmente se deffe-
rençam menos uma das outras, do que cada 
uma dellas da África ou da caucásica” e 
que o abaneenga, o tronco de onde procede 
o guarany, o tupy, o omagua, extendeu o 
seu domínio desde o Panamá até o Rio da 
Prata, e desde Andes até “o Cabo mais 
avançado da costa do Brazil que penetra 
pelo Atlântico a frontear com a África”. 
Desta unidade idionômica faz resultar a 
unidade ethinica, affirmando ainda ser 
provável “que lá das cabeceiras onde nas-
cem os ingentes rios também defluiram as 
tribos dessa dilatada raça de aborígenes 
que se derramaram por toda a parte a leste 
dos Andes”1. 
Os estudos de Karl Von Steinen so-
bre a língua, as lendas e a ethinographia 
dos bacahirys parece que vieram dar algu-
ma razão aos que affirmam não haver uni-
dade ethinica entre os aborígenes da Amé-
rica do Sul, embora entre o bacahiry e a 
língua denominada tupy haja maior apro-
ximação mesmo do que entre esta e o ke-
riry, que entretanto Baptista Caetano jul-
gava connexos
2
 (2). 
 
1
 Apontamentos sobre a aboneenga, Rio de Janei-
ro, 1876, 1’. Op., pg. 16 
2
 Vide a recenção do livro Steinem, no Jornal do 
Comercio, Rio de Janeiro, 1893, n.161. Depois de 
escriptas publicadas estas phrases tomei conheci-
mento da opiniãoEhrenreich sobre a divisão e 
distribuição das tribos no Brazil, trabalho que tra-
 18 
Não está, portanto, liquidado este 
poncto. Nenhuma dúvida, porém, poderá 
existir sobre a variação dos graus de adian-
tamento dos índios brazileiros, pertences-
sem elles ou não á mesma raça. 
Os Anymorés eram incontestavel-
mente mais grosseiros, mais atrazados, 
muitíssimo mais aproximados da animali-
dade do que os chamados tupys. E estes, 
por sua vez, quer em S. Vicente, quer na 
Bahia, quer no Maranhão se revelaram de 
uma cultura patentemente inferior ás anti-
gas tribus amazônicas, segundo nos de-
monstraram os estudos do professor Hartt, 
de Ferreira Penna, Barbosa Rodrigues e 
Ladislau Netto sobre archeologia do Baixo 
Amazonas. 
Realmente as construcções de mon-
tes artificiais, medindo até duzentosmetros 
de comprimento sobre treze de altura, os 
trabalhos de cerâmica, os ornatos e gravu-
ras dos povos que habitaram as regiões ad-
jacentes à foz do grande rio, attestam a 
existência de uma civilização intermédia, 
uma transição entre os índios do sul e os 
peruvianos. O professor Hartt não trepidou 
em comparar os fabricantes de tangas de 
argila do Baixo Amazonas aos oleiros da 
Grécia antiga, pela firmeza admirável em 
que insculpiam os adornos graciosos e 
complicados
3
 (3). 
A organização social reflecte neces-
sariamente essas gradações de cultura. 
Umas tribos apenas reconhecem em chefe 
de occasião que conduz á guerra, á depre-
dação e á pinhagem; outras, já consolidas 
 
duziu o erudito professor Capistrano de Abreu. 
Ehrenreich destaca oito grupos ethinicos: Tupis, 
Gés, Goitacás, Carahybas, Maipure, Pano, Mira-
nha, Gaycurú ( revista da sociedade de geographia 
do Rio de janeiro, tom. 8; Izidoro Marins Junior. 
Historia do Direito Nacional, 1895, pg. 135 e 
segs. 
3
 Revista da exposição anthropologica. 
em uma organização associativa mais co-
nhecida, embora rudimentar, podem colli-
gar-se diante do perigo, fazendo-se fortes 
pela união, como as que formaram a cele-
bre e malograda confederação dos tamo-
yos. 
Aquellas tribus, em que o principio 
da auctoridade já se localisára como centro 
de convergencia e se accentuára como 
energia organisadora, haviam adoptado 
signais indicativos da presença do chefe, 
de modo que elle se podesse annuciar á 
distancia e, em torno do seu busto symbo-
lisado a collectividade, se viessem congre-
gar os valentes. Eram principalmente fo-
gueiras que, á siminhaça do que pratica-
vam os hebreus, se accendiam pebos cam-
pos ou pelas encostas das montanhas e 
que, pelo modo de sua distribuição, por sua 
situação ou por outro qualquer accidente, 
determinavam o reconhecimento do chefe 
que o mandára queimar. Eram tambem cer-
tas vozes imitadas á natureza, á fauna prin-
cipalmente, o grito de um animal, o canto 
de uma ave, que indicavam o logar onde se 
achava o guerreiro, chamando a postos de 
seus consocios, animando-os ou guiando-
os para melhor compreensão dos factos, e 
methodisação. No modo de expol-los, to-
marei por intinerario o que me traçaram as 
grandes divisões da sciência do direito. 
Consideremos em primeiro logar o 
direito publico internacional. Comprehen-
de-se facilmente que os broncos selvicolas 
de nossos sertões não podiam ter um com-
plexo de normas reguladoras das regula-
ções internacionais, quando ainda estavam 
mal affirmadas as organizações associati-
vas em que viviam, e quando é bem certo 
que os culturados povos do occidente este 
ramo do direito possui simplesmente um 
valor moral, pouco mais é do que um pos-
tulado do sentimento, desprovido de san-
ção. O que aqui se poderá collocar sob sua 
 19 
rubrica são as relações externas, de tribu a 
tribu selvagem, ou de aggremiações de 
aborigenes em frente aos povos europeus. 
O estado de guerra era normal entre 
as hordas brazilicas, se bem que muitas 
dellas fossem entre si amigas nos remanso-
sos dias de paz como nas horas afflictivas 
da lucta, formando como que allianças of-
fensivas e defensivas. Si, entre Aymorés, 
as investidas se faziam de improviso, sem 
regra, e sempre á trahição, segundo o tes-
temunho de Pedro de Magalhães e de ou-
tros, povos havia que tinham adoptado um 
certo formalismo, não despido de nobreza, 
para as suas declarações de guerra e tracta-
dos de paz. Resolvida a guerra em seus 
conselhos, punham-se em macha procu-
rando fazer a ultima jornada “de noite, pe-
lo luar” como diz o auctor das Noticias do 
Brazil. Chegando juncto aos arraiais ini-
migos ou atacavam-nos ates de apercebi-
dos, ou atiravam, dentro do ocára um arco 
retesado e uma flecha, na qual, muitas ve-
zes, se achavam marcados, por entalhas,os 
dias que pretendiam combater. Outras ve-
zes, mais cavalheirosos, e, a siminhança 
dos romanos que faziam atirar em seus fa-
ciais uma lança no território inimigo a que 
declaravam guerra, os nossos selvicolas ar-
remessavam, de longe, algumas flechas 
que vinham cahir no centro da taba inimi-
ga
4
. 
Para estabeleceram a paz não raro 
vel-mo-emos recorrer a symbolismos poe-
ticos, taes como os que nos descrevem 
Alencar no cap. 2° de Iracema: “Porém a 
virgem lançou de si o arco e a uiraçaba e 
correu para o guerreiro, sentida da magoa 
que causara. A mão que rápida ferida es-
tancou mais rápida e compassiva o sangue 
que gottejava. Depois Iracema quebrou a 
flecha homicida; e dando a haste ao desco-
 
4
 Gonçalves Dias, O brazil e a Oceania, pg. 182. 
nhecido, guardou consigo a poncta farpa-
da. O guerreiro falou: quebras comigo 
aflecha da paz”? 
A hospitalidade reconhecida e tam 
gabada pelos chronistas e viajantes
5
 (1) 
como um dos bons predicados da familia 
tupy, me parece que também deve ser in-
cluida em suas relações externas, pois que 
vivendo as tribus dentro de um pequeno 
tracto de terreno prestes a ser trocado aliás, 
por outro, dentro em pouco, possuindo os 
bens em commum e habitando em comple-
ta promiscuidade as ocas das tabas, não se 
daria propriamente hospitalidade dentro de 
cada uma dellas em relação a seus consor-
tes, mas simplesmente comunhão, fran-
quia, ou qualquer outra relação social simi-
lhante. 
A este proposito reproduzirei com 
pequenos accrescimos a que já tive occasi-
ão de escrever. 
 O carater de obrigatoriedade 
que ressalta a hospitalidade indigena do 
proprio modo de saúdar um recém- chega-
do é um problema que se me afigurou, a 
principio, como um caso de indiosyncrasia, 
por não lhe achar outra explicação em face 
 
5
 Claudio de Abeville descreve, entre admirado e 
carinhoso, os modos hospitaleiros dos tupinam-
bás: “Acolhe-se uns aos outros muito bem, diz o 
padre, e quando vão visitar os seus alliados são 
muito bem recebidos, acham bastante comida e 
tudo mais de que necessitam. Quando recebem vi-
sitas, deitam-nas logo numa rede de algodão, che-
gam-se depois as mulheres juncto dellas, põem a 
mão sobre os olhos ou seguram uma de suas per-
nas e principiam logo a chorar, dando gritos e fa-
zendo muitas exclamações, o que é um dos mais 
evidentes signaes de cortezia que podem dar a 
seus amigos, e accrescentam mil palavras laudati-
vas, chamando as bem-vindas e boas, por haverem 
soffrido muitos trabalhos para virem vel-o, e ou-
tras cousas deste jaez”. Historia da missão dos pa-
dres capuchinhos da ilha do Maranhão, trad. Cesar 
Marques, capitulo XLVIII. 
 20 
da bruteza de nossos indios. As doutas in-
vestigações de Jhering em relação á hospi-
talidade entre phenicios, gregos e romanos, 
não vinham em meu auxilio, porque o Bra-
zil, antes da conquista, não conhecia o co-
mercio. 
Por outro lado, lembrava-me de que 
em quasi todas as partes do mundo, encon-
travam-se povos incultos, praticando rigo-
rosamente a hospitalidade. Os germanos, 
por exemplo, gostavam da fama de hospi-
taleiros, e o mesmo se póde affirmar dos 
hebreus, segundo testemunho de seus fas-
tos consignados no velho testamento. 
Mesmo, de alguns insulares da Oceania, 
sabemos de actos de benevola hospitalida-
de segundo nos testemunham muitos nave-
gantes. Kotezebue, por exemplo, refere 
que um certo Kadu natural de Uléa, foi ter, 
impellido pelos ventos, a 2,400 kilometros 
do poncto de onde partia, na ilhade Aur, 
na extremidade oriental das Carolinas, on-
de foi acolhido tractado como amigo por 
individuos que lhe eram completamente 
estranhos , e, o que mais é perfeitamente 
bárbaros
6
. E similhantes a este, se poderi-
am aponctar outros depoimentos. 
Assim, quando Lery, no seu dialo-
go, traduz a palavra tupy mous sacat (ou 
antes Che mbosaká, segundo a orthogra-
phia de Baptista Caetano) dizendo – est 
bônus ET perfectus pater famílias qui pe-
regrinos viatores exciptit, que hospeda os 
viajantes , não assignala um facto pura-
mente extranho a outros povos. Mas a ca-
racteristica encontrada para o chefe indio 
no facto mesmo da hospitalidade parece 
indicar-nos que, entre os nossos broncos 
antepassados o excipere viatores era um 
verdadeiro culto persistente e forte, por el-
les transmittidos aos nossos sertanejos, on-
de ainda hoje a hospitalidade é uma das 
 
6
 Apud Lyell, Principes de geologia, II, pg. 598. 
virtudes mais cultivadas. 
Sem querer da uma explicação que 
abraja todos os casos, e simplesmente en-
carando o caso brazileiro, pereceu-me que 
factores diversos haviam concorrido para a 
erecção da hospitalidade em preceito obri-
gatório. 
Em primeiro logar, devemos recor-
dar-nos de que os carahybas ou falso pro-
phetas, como os chama Lery, andavam er-
rantes de aldeia em aldeia, incitando á 
guerra, insufflando o espirito da força, 
promettendo chuva, firmando crenças e co-
lhendo presentes, as tribos receiavam cer-
tamente desagradar esses feiticeiros que 
gozavam de alta nomeada e eram conside-
rados entes superiores. E o primeiro vindo 
não podia ser um carahyba? Era, pois, ne-
cessário tractal-o bem. 
 Em segundo logar, os índios, ocio-
sos como eram, não estando em guerra, 
gostava immenso de ouvir narrações de 
lendas ou contos, e as monótonas canções 
de seus trovadores. Um recemchegado ti-
nha, pelo menos, a história de sua viagem 
a contar, e bem podia acontecer que fosse 
um desses trovadores que narravam, em 
linguagem poética, as crenças e os feitos 
dos antepassados. Lery e Cardim nos di-
zem que eram os índios uns apaixonados 
da conversa e da musica, falando com cer-
ta paixão e rythmo, affirma o segundo e 
com muita fluência por muitas horas, ac-
crescenta o primeiro. Nestas condições um 
estrangeiro, por menos novidades que 
trouxesse, havia necessariamente seu com-
panheiro para as longas palestras, e um 
companheiro com algum sainete de novi-
dade, enquanto que os consócios da oca já 
estavam exgottados como ouvintes e como 
falantes. 
Pode-se ainda accrescentar um tal 
ou qual enfatuamento de hospedeiro, uma 
ostentação de fatura largueza, e que não 
 21 
seriam estranho esses indivíduos por mais 
atrasados que fossem: e, finalmente, uma, 
talvez, inconsciente previsão de que o hos-
pedeiro de hoje podia ser o peregrino de 
amanhã. 
Julgo que por estas razões se terá 
obtido uma explicação acceitavel da hospi-
talidade dos velhos tupinambás e tupini-
kins, sendo, porém, para mim de valor 
principal o preconceito, a superstição reli-
giosa. E tanto é provável isso quanto a 
hospitalidade offerecia, entre elles, um ac-
centuado aspecto de culto, a que todos por-
fiavam por se prestar do melhor modo com 
exageros mesmo, sopitando quaesquer 
constrangimentos. 
Vieste? Interrogava o dono da casa 
ao hospede, como si já o esperasse, desde 
muito. Sim, respondia este natural e sim-
plesmente. Fizeste bem (1), approvava de 
novo o hospedeiro, e estava tudo concluí-
do, passando ás demonstrações a que já me 
referi. 
Voltemo-nos agora a examinar o 
governo e a organisação social dos indíge-
nas, os rudimentos incorrectos e vacillan-
tes do que se poderia chamar seu direito 
público interno. 
Esse governo devia ter sido necessa-
riamente, é fácil imaginar, de uma simpli-
cidade verdadeiramente primitiva. Em al-
gumas tribus, a organisação da auctorida-
de, que é núcleo em torno do qual se vin-
culam os indivíduos para a formação das 
aggreamiações sociaes, é por tal modo in-
consistente que podemos affirmar sua 
completa ausência, a não ser transitoria-
mente, durante uma guerra, por occasião 
de um assalto aos visinhos, enquanto era, 
enfim, realisado qualquer feito em que a 
congregação de todos os membros do gru-
po sob a dircção do mais apto se impunha 
com o imperio e a persuasão do instincto 
de conservação. 
Algumas outras nações, porém, co-
mo se pode deduzir das narrações de Abe-
ville, Fernão Cardim, Lery, H. Stadt, as 
dos chamados tupinambás
7
, por exemplo, 
já deixavam ver um certo esboço de go-
verno e policiamento accusando-se por tra-
ços mais apreciaveis, que lhes dão direito a 
um logar mais elevado na escala do desen-
volvimento social. Não estão, porém, estes 
narradores em perfeito accôrdo sobre tudo 
quanto affirmam, a dahi difficuldades para 
quem estuda, atravéz delles, as usanças dos 
inditosos habitantes das selvas brazileiras 
antes de transformadas pelo contacto da 
civilisação européa. 
Parace, entretanto, que se póde ter 
como assentado que no governo desses 
povos a que me estou me referindo, se pu-
nham em evidência, no cimo da aggremia-
ção, os chefes directores da guerra, pos-
suindo auctoridade superior á do pae de 
familia (mbosaká) e dos cabos de suas mi-
licias (Kyreimboba) por mais intrépidos e 
aguerridos que fossem. Esses chefes que, 
muitas vezes, eram dotados de altas quali-
dades, a poncto de vencerem o desprezo da 
raça invasora e perpetuarem seus nomes na 
historia patria, como foi o caso de Juru-
paryaçú, cunhanbebe, incluido por Thevet 
na sua galeria de homens celebres; Poty, 
Jaraguary, Jacaúna e outros, eram designa-
dos geralmente pelo nome de Che Ruibi-
chaba, que equivale a rex ou dux rei ou ca-
pitão. Além do chefe, do principal, havia o 
conselho dos anciões que, depois de uma 
vida esforçada de prélios e viagens, sentin-
do o braço desfallecer, impotente ao peso 
do tacape, recolhiam-se ao grêmio da taba, 
promptos a esclarecer, com a sciencia que 
havia adquirido, aos fortes da geração que 
os vinham substituir. È natural que assim 
fosse; mas dahi ao phantasiado cenaculo 
 
7
 E’ ré-jú-pé? Pa, a-júr. Ta aguyjé nipó. 
 22 
de certos chronistas, ao carbet do padre 
Claudio de Abeville, talhado pelo molde 
de Senado romano ao tempo da República, 
vae considerável distância. Nem tinha ne-
cessidade a critica de lembrar que a pala-
vra carbet não pertence á língua geral, para 
pôr em duvida essa creação da mente exal-
tada do benevolente capuchinho distância. 
Nem tinha necessidade a critica de lembrar 
que a palavra carbel não pertence á língua 
geral, para pôr em duvida essa creação da 
mente exaltada do benevolente capuchi-
nho. Bastava-lhe o simples bom senso. 
Mas, exagero á parte, resta o facto de que 
os velhos eram acatados por todos e emit-
tiam em negócios militares e mesmo do-
mésticos
8
 (1). 
 O territorio das tribus não era per-
petuo, mas nem por isso era menos ciosa-
mente guardado e defendido. Certos acci-
dentes naturais do terreno, como os rios e 
as montanias, serviam de marco ás respec-
tivas fronteiras, além das quais os visinhos 
não tinham direito de levar suas excursões 
venatórias, nem sequer transitar vagabun-
deando, sem arriscaren-se a chamar sobre 
os seus uma guerra de exterminio. Sabiam 
ou pretendiam saber distinguir entre o via-
jante innocuo ou mesmo benefico que era 
recebido segundo os ritos da hospitalidade,e o invasor malevolo que delles se aproxi-
mava para defraudal-os ou espional-os, e 
com o qual a crueza da repressão selvagem 
não se mostrava esquiva nem hesitaste. 
 A justiça penal desses povos se 
 
8
 G. Dias, O Brazil ea Oceania, pgs. 172 a 175: 
Abeville, op. cit., pg. 880: Ferdinands Denis, arti-
go, no Universo, sobre os índios do Brazil; Car-
dim, narrativa epistolar, pg. 36: “em cada oca des-
tas a sempre um principal...” “a alguns velhos an-
tigos de nome e de autoridade”; Lery, Diálogo. 
Outros testemunhos ainda podiam ser invocados, 
porem, para confirmação do expendido parecem-
me sufficientes os que ahi ficam. 
achava, como era natural suppôr, num es-
tado de grosseria e atrazo consoante com 
os rascunhos de organização social a que 
me tenho referido até agóra. Costumes tra-
diccionalmente observados como leis, e 
crenças de tempos immemoriaes prescre-
viam certas normas a observar, impunham 
penas civis e punição de caráter religioso. 
O talião era muito usado e parece que tam-
bém a vindicta por família, embora não se 
possa absolutamente jurar sobre as narrati-
vas notoriamente imaginosas com que nos 
empanturraram os chronistas ingênuos que 
por aqui estancearam nos tempos colonia-
es
9
. 
A responsabilidade, como geral-
mente acontece no período da civilização 
que atravessavam os aborígenes brazilicos, 
era mais collectiva do que individual. “Eu 
te maltracto diziam ao prisioneiro, em no-
me do meu amigo e parente que foi morto 
pelos teus”. 
 Como havia tribus monógamas e 
outras em que as relações sexuaes ainda se 
não haviam submettido á disciplina de um 
direito costumeiro, não é para extranhar 
que o adultério fossem em algumas partes 
facto indifferente, dando, quando muito, 
origem ao espancamento da mulher, se-
gundo nos diz Gabriel Soares, em seu Ro-
teiro, ao passo que noutros logares provo-
casse rigores de penalidade, desse mesmo 
logar á applicação da pena de morte, si 
 
9
 “Si apparece alguma injustiça, existem a repara-
ção conforme as leis de talião. Si um sujeito dá 
noutro uma bofetada, é abrigado a receber outra, 
se lhe quebra um braço ou outro qualquer mem-
bro, há de sujeitar-se a igual destruição ou mutila-
ção, ou finalmente, se mata, deve morrer”. Abe-
ville, op. cit., pg. 880. G. Dias, op. cit-, pg. 263. F. 
Diniz, op. cit.,: “no caso de assassinato premedi-
tado, era o homicida entregue aos parentes da vic-
tima que o justiçavam. Os demais crimes se punia 
com a lei de taleão. 
 23 
acreditarmos em abeville. 
 O furto a inimigos e a estranhos que 
não fossem hospedes era um acto licito. 
Dentro da taba entre os consócios era quasi 
desconhecido, nos garante o accôrdo dos 
chronistas. “São rigorosos em respeitar o 
alheio, diz Abeville. Como nada têm fe-
chado, não ha futuro, diz-nos Cardim. Se 
lhes falta alguma cousa, narra outro escrip-
tor, os carahibas dizemlogo: algum chris-
tão andou aqui”. Não devemos, entretanto, 
levar somente á conta da boa índole dos 
nossos selvagens essa virtude, mas princi-
palmente ao estado de communão da pro-
priedade em que viviam, sendo até a caça, 
quando obtida em abundancia, distribuída 
irmãmente e havendo poucos objectos sob 
a posse individual de cada um. 
 Sendo a caça o principal sustento 
dos íncolas no Brazil, ao tempo em que me 
reporto, para traçar este escripto, é natural 
que possuissem, a tal respeito, um direito 
não escripto, apresentado aos espíritos sob 
o aspecto de crenças religiosas, pois que 
outra forma jurídica não lhes era dado pos-
suir. Foi da necessidade de submeter o 
exercito da caça a certas limitações, ten-
dentes a garantir a subsistência da collecti-
vidade que surgiram as concepções de 
Anhangá, Cahaora e Currupira, os espíritos 
da floresta, paracletos dos animais bravio 
que serviam de alimento ou homem e das 
arvores uteis. 
 Couto de Magalhães nos refere, en-
tre outros, uma bonita lenda que encerra, 
como elle mesmo diz, “uma profunda lic-
ção de moral e uma regra eminentemente 
conservadora”10. Eil-atal qual nol-a conta o 
 
10
 Couto de Magalhães. O Selvagem, pg.129. No 
curioso estudo sobre os Bacaierys, publicado na 
revista brazileira, 1895, por Capistrano de Abreu, 
encontra-se a imposição de muletas contra os que 
matam certos animais. 
sábio indianólogo: “um índio perseguia 
uma veada que era seguida do filhinho, 
chegou-se a poucos passos de distancia do 
índio e elle a flechou; ella caiu; quando o 
índio satisfeito foi apanhar sua presa, reco-
nheceu que havia sido victima de uma ilu-
são de Anhangá; a veada a que o índio ha-
via perseguido, não era uma veada, era sua 
própria mãe, que jazia morta no chão, va-
rada por uma flecha e toda dilacerada pelos 
espinhos”. 
Essa bella e curiosa lenda faz lem-
brar um interessante episódio do Ramaya-
na em que decharta involuntariamente 
transpassa um brahmane a flechada quando 
se deixa certo occasião dominar por um 
delírio venatório que o faz esquecer seus 
deveres mais imperiosos. E esta simples 
aproximação indica-nos a grandeza de 
concepção a que se alevantáram os nossos 
pobres selvagens ao imaginarem a lenda 
que acabo de citar. 
Com essas e outras crenças espalha-
das e facilmente impostas á ingenuidade 
dos selvicolas, a collectividade ia regula-
mentando o exercito da caça em beneficio 
de todos. Podemos traduzir esse conto de 
veada em um artigo de lei, do modo se-
guinte: É prohibido matar animaes de caça 
durante o período em que amamentam os 
filhos. 
E ninguém desconhecerá quando 
vae de sabia prudência nessa injuncção, 
para um povo que nas raízes das arvores 
sylvestres e nos animais bravios tinha todo 
o material de sua subsistência. Os índios 
sabiam domesticar alguns pássaros e mes-
mo quadrupedes, mas não sabiam aprovei-
tar o animal como auxiliar de suas indús-
trias, nem produzem rebanhos onde ouris-
sem meios de sustento. Sua fazenda e seu 
celleiro era a floresta. 
É chegado o momento de enfrentar 
com o direito privado, isso é, com aquelas 
 24 
nórmas que presidem as relações mais pes-
soais e mais intimas do viver dos povos, 
cuja consciencia juridica, rudimentar ainda 
é obscura, é meu fito interpretar com o 
presente estudo. 
O Quadro que nos deixou Gabriel 
Soares é deveras escuro e triste, quando 
pinta os hábitos da vida privada dos selva-
gens brazileiros. As borracheiras em que se 
esponjam continuamente tribus inteiras, 
velhos, mulheres e creanças; a lascívia in-
domável que rompe todos os preceitos; os 
incidentes mais horripilantes; e não sei 
quantas outras pechas, voltam e se repetem 
pelas paginas do Roteiro. É um painel de 
tintas escuras, exemplo internacionalmente 
sujidades e grosseiras, com um vagar e tal 
minucia que, por certo, se arreceiaria de 
ostentar um sisudo narrador moderno. 
Mas é preciso ter em lembrança que 
a maior parte dos chronistas luzos timbra-
va em malsinar os pobres índios, talvez pa-
ra que não repugnassem muito, á consciên-
cias christãs, a crueldade com que os trac-
tavam e a escravidão a que os reduziam. 
Pois si até houve um, o padre Simão de 
Vasconcellos, que achou de incluir um ro-
sário de mazellas da infeliz raça explorada, 
o costume de banharem-se os índios a cada 
passo nos rios! Era para o acanhado espi-
rito do religioso mas uma similhança que 
apresentavam os précitos da América com 
os précitos que, oriundos d’Asia, se derra-
marám pelos paizes da Europa, os judeus.

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